CAPITULO I



CAPÍTULO I


 


 


1873


Estou aqui! Estou na Kavónia!", pensou Lilian, e com dificuldade conteve-se para não gritar.


Parecia-lhe impossível, mesmo depois de ter partido da Inglaterra, que chegara, finalmente, a Kavónia.


O navio no qual o tio, a prima e ela viajavam, vindo de Marselha, agora atracava com segurança. No cais, um grande número de dignitários esperava para receber Petunia.


Para Lilian parecia um milagre ter tido permissão de viajar com o tio, o duque de Wellesbourne e a prima, lady Petúnia Bourne, viagem essa que tinha como finalidade levar Petunia para o país do qual se tornaria rainha, depois de seu casamento com o rei da Kavónia.


Lilian sabia que não fora por gostarem dela que seus parentes a haviam incluído na pequena comitiva de Petúnia. Na verdade, ela, ali se achava porque os tios não puderam encontrar pessoa mais conveniente e que aceitasse fazer o papel de dama de companhia da futura rainha.


Muitas primas de Petúnia, também jovens como Lilian, certamente considerariam uma honra tal posição, mas seus pais recusaram o convite com firmeza, respondendo ao duque que não desejavam mandar as filhas para um país tão distante, principalmente numa época de inquietação na Europa.


 Que bando de tolos assustados! — esbravejara o duque à medida que abria uma carta após outra, à mesa do café da manhã.


Cada carta em resposta ao convite trazia, invariavelmente, a mesma desculpa: os pais não consideravam a Kavónia um lugar seguro, tampouco atraente. Por isso não permitiriam que suas jovens filhas passassem ali dois ou três anos de suas vidas.


 Só espero que a Kavónia "seja" um país calmo — dissera a duquesa, da outra extremidade da mesa.


 Naturalmente que é um país calmo! — assegurara o duque. — Como bem sabe, Adelaide, a Kavónia, da mesma forma que Montenegro, é um país independente há muitos anos, e agora que o rei Jorge mantém na Grécia uma situação tranqüila, não há razão para preocupações quanto à soberania de Valter. Afinal, eleja governa a Kavónia há doze anos, sem problemas de qualquer ordem.


A duquesa ficara em silêncio, mas Petunia dissera de maneira quase insolente:


 Não tenho o menor desejo de correr riscos, papai! Além disso, não suportaria o barulho de canhões.


 O povo da Kavónia é notável por sua habilidade bélica. Por esse motivo o Império Otomano deixou esse pequeno reino em paz — explicara o duque. — O país é muito montanhoso, e seria preciso um exército enorme para conquistá-lo, o que também implicaria em grande perda de homens.


 Os turcos conquistaram a Albânia — dissera Lilian.


 Sei disso — respondera o tio com frieza —, mas quando precisar de sua opinião, eu peço.


 Desculpe-me, tio Septimus.


 No momento, nossa preocupação é encontrar alguém que possa acompanhar Petunia — observara a duquesa. — Ela deve ter uma dama de companhia, e já convidamos todas as pessoas que consideramos merecedoras de tal posição.


O duque apertou os lábios. Se havia coisa que ele detestava era ser contrariado ou receber uma recusa a um pedido seu. Ele tinha uma tendência à crueldade, o que o tornava extremamente rude ao tratar os mais fracos que ele.


Olhando para o tio, Lilian pensou, receosa, que por estar contrariado, ele não tardaria em castigá-la severamente por qualquer deslize, para através disso compensar sua frustração.


 E se convidássemos a filha de lorde Pierrepoint? — arriscara a duquesa. — É verdade que não gosto muito dela. Considero-a um tanto leviana e atrevida, mas, sem dúvida, os Pierrepoint sentir-se-ão honrados com nosso pedido, e certamente permitirão que a filha acompanhe Petunia.


 Não me arriscarei a receber mais recusas! — exclamara o duque, zangado. — Já decidi que Lilian acompanhará Petúnia.


 Lilian? — A voz da duquesa ecoara estridente, revelando seu espanto.


 Lilian? — repetira Petúnia. — Mas...


 Nada de discussões! A decisão está tomada — dissera o duque, erguendo-se. — Lilian acompanhará Petúnia e eu até a Kavónia! Ficará conosco até que haja alguém para substituí-la.


Lilian prendera a respiração. Mal podia acreditar no que acabara de ouvir. Receando fazer alguma observação que aborrecesse o tio e o fizesse mudar de idéia, ficara calada.


Só no dia seguinte, depois de ter passado a véspera excitada e maravilhada, ajoelhara-se em seu quarto, à noite, agradecendo a Deus pela decisão do tio.


"Sabe que vou para a Kavónia, papai?", ela acrescentara em sua oração. "Está contente com isso? Vou para um país que fica bem perto da Grécia, e cujo povo é, em sua maioria, descendente de gregos. Oh, papai, gostaria tanto que você pudesse estar junto comigo!"


Ajoelhada ao lado da cama, sentiu que o pai a ouvira e que se encontrava bem perto dela, da mesma forma que acreditava que a mãe a abraçava e a confortava em seus momentos de angústia e desespero.


Naquele castelo frio, sem alegria, em Wiltshire, onde o duque possuía uma vasta propriedade, Lilian passara muitos momentos de infelicidade, desde que viera morar ali, após a morte dos pais.


Apesar de ser um dos homens mais ricos da Inglaterra, o duque era também um dos mais mesquinhos, e a duquesa, que antes de seu casamento havia sido Sua Alteza Sereníssima Adelaide de Holtz-Melderstein era, por sua vez, econômica e muitas vezes sovina.


No novo lar, Lilian encontrara menos conforto material do que na modesta casa de campo onde havia morado com os pais, antes de eles morrerem.


Às vezes, quando tremia de frio nos enormes cômodos sem aquecimento, ela desejava ter morrido junto com os pais. Estar naquele castelo sombrio a tornava infeliz. E não era apenas o sofrimento físico que ela tinha que suportar. Havia a crueldade mental a que era submetida diariamente, a ponto de fazê-la desejar sumir do castelo de Wellesbourne, para não mais sofrer.


Lilian sabia que o tio jamais perdoara sua única irmã, Elizabeth, por ter fugido com o professor particular dele.


Septimus cursava a Universidade de Oxford e seu pai, o segundo duque, ansioso para que o filho obtivesse o diploma, contratara um dos instrutores da universidade para ministrar-lhe aulas particulares durante as férias.


Richard Evans era um jovem de inteligência brilhante, de vinte e nove anos de idade, que lecionava línguas e literatura clássica e havia preparado diversos aristocratas para os exames finais.


Era um belo rapaz, muito culto e de excelente família. Entretanto, aos olhos do duque ele não tinha a menor importância como pessoa.


Ao descobrir que Richard Evans ficara perdidamente apaixonado por sua única filha, lady Elizabeth Bourne, o duque sentiu-se ultrajado, e Septimus teve a mesma reação do pai.


Richard Evans havia procurado o duque para, dentro das convenções sociais, pedir-lhe licença para cortejar lady Elizabeth, mas foi violentamente insultado e posto para fora do castelo.


A notícia de que Elizabeth fugira com o professor explodiu como uma bomba e, durante muitos anos, o nome dela nem sequer era mencionado na família.


Quando Lilian nasceu, quatro anos depois da fuga e do casamento de Richard e Elizabeth, esta escreveu aos pais participando-lhes que tinham uma neta. A carta voltou sem ter sido aberta.


Somente quando Septimus, que então havia herdado o ducado, veio a saber que Elizabeth e o marido haviam morrido em um acidente de trem, ele foi até a pequena casa de campo, em Oxford, buscar a sobrinha.


Ao encontrar-se com a infeliz e lívida Lilian, o duque comunicou-lhe que ela passaria a morar com ele e a família.


Septimus casara-se aos vinte e um anos e tinha uma filha, Petunia, um ano mais velha que Lilian.


 Não pense que irei mantê-la sob meu teto com prazer — dissera-lhe o tio rudemente. — O comportamento de seu pai foi desprezível, e jamais o perdoei e nem a sua mãe, pela desonra a nossa família.


 Desonra? — perguntara Lilian, surpresa. — Mas eles não fizeram nada vergonhoso, a não ser fugir para se casarem.


 Você não acha que é uma desonra ter o sangue misturado ao de um aventureiro, um simples professorzinho, um homem cujos antepassados certamente vieram da sarjeta?


 Isso não é verdade! — replicara Lilian — Os pais de papai eram pessoas amáveis, muito respeitadas em Bedfordshire, onde moravam. Papai era um homem culto, brilhante como...


Ela parou abruptamente, pois o tio esbofeteou-a.


 Como ousa discutir comigo? — ele gritara furioso. — Quero deixar bem claro desde o começo de nosso relacionamento: você é minha sobrinha e não vou deixá-la morrer de fome. Vai viver em minha casa, mas terá que me obedecer, e não me fale sobre seu pai nem sobre sua mãe. Entendeu?


O rosto de Lilian estava em brasa, mas ela não pôs a mão sobre ele. Apenas olhou para o tio, mais chocada do que amedrontada. Essa era a primeira atitude violenta que alguém tomava contra ela, em toda a sua vida.


Mas não tardaria a aprender que o tio, nos meses que se seguiriam, estaria sempre pronto a bater nela toda vez que se aborrecesse, e isso aconteceria com freqüência.


Lilian não podia contestar nada que o tio dissesse sem levar surras que não somente a deixavam fraca e semi-desfalecida, mas também a humilhavam e eram como uma ferida em seu orgulho.


Ela jamais pudera imaginar que existissem no mundo pessoas como seu tio e até mesmo sua tia. Se as pancadas do tio eram dolorosas, os tapas e beliscões da tia, além das repreensões excessivas, eram até mais difíceis de suportar.


Lilian não conhecera o ódio, antes de ir para o castelo. Vivera sempre cercada de amor. O amor que os pais nutriam um pelo outro era como uma aura, e parecia brilhar quando ambos estavam juntos.


O amor que os dois lhe devotavam fazia com que ela se sentisse algo muito precioso para os pais.


Depois de alguns meses no castelo, ansiando por ver-se livre daquela verdadeira perseguição, Lilian passou a esconder-se em lugares sombrios, como um pequeno fantasma cinzento, desejando que ninguém a encontrasse.


Naqueles lugares costumava rezar pedindo que, por algum poder mágico de uma varinha de condão, ela se tornasse imune às vozes ásperas que lhe davam centenas de ordens e às mãos brutais, sempre prontas para desferir-lhe um golpe quando ela menos esperava.


Lilian tentara ser amiga da prima, mas isso não foi possível. Petúnia era uma pessoa fria como os pais, e era indiferente a tudo que não dissesse respeito a ela própria.


Em pouco tempo a pobre órfã compreendeu que teria que pagar pelo abrigo e comida que recebia naquele castelo, servindo de escrava para Petúnia.


Desde manhã até a noite ela obedecia às ordens da prima. Além de passar e consertar todas as roupas de Petúnia, Lilian também lavava as peças mais delicadas, e era obrigada a ouvir os auto-elogios da prima, sabendo que devia concordar com tudo o que fosse dito. Discordar seria receber em resposta uma pancada na cabeça.


 Sempre achei que tenho traços de deusa grega — afirmara Petúnia certa vez.


Foi com dificuldade que Lilian se conteve para não dizer que aquilo não era verdade.


 Petunia tinha cabelos vermelhos e olhos verdes-esmeraldas, bem típicos da mulher inglesa, e suas feições nada apresentavam de excepcional. Ela era considerada bonita devido a sua posição social, e nas festas e bailes, destacava-se por estar sempre bem vestida e pela postura elegante e altiva.


Lilian sabia muito mais sobre a Grécia do que sobre qualquer outra parte do mundo.


A Grécia havia sido a paixão de seu pai, e fora com ele que aprendera tudo sobre a mitologia grega, vira figuras e telas de estátuas gregas. Do pai herdara o entusiasmo e o interesse pelo estudo da mais perfeita civilização que o mundo jamais conhecera.


Com o pai havia também aprendido diversas línguas, pois o professor lhe dizia que para entender como pensa ou sente o povo de um país, é preciso aprender-lhe a língua. Assim, ele ensinara à filha o francês, o alemão, o latim e o grego, e a fazia ler em voz alta livros de grandes autores nesses idiomas. Terminada a leitura, ambos discutiam sobre o assunto.


Lilian não podia acreditar que houvesse pessoas importantes, como o duque de Wellesbourne, que nunca liam livros, mas tinham poder para ditar as leis sem admitir contestação.


Muitas vezes, ao deitar-se à noite, com o corpo dolorido pelo estafante trabalho diário, ela ansiava por uma conversa inteligente. Era-lhe difícil encontrar tempo para ler durante o dia. A noite havia lampiões nas salas, mas os quartos eram iluminados com velas. Mesmo assim, seu uso era parcimonioso.


Para adormecer, Lilian recitava poemas que sabia de cor, ou repetia passagens de livros que havia lido. O ritmo da língua era como música, e ela adormecia como se ouvisse um acalanto, conseguindo esquecer por algum tempo sua infelicidade, mergulhada em um sono sem sonhos.


Agora, parecia-lhe incrível que, depois de quase um ano de miséria e escuridão, ali se achava ela, na Kavónia!


Fora a duquesa quem, através de seus parentes Holtz-Melderstein, arranjara o casamento de Petúnia com um primo, o rei Valter, da Kavónia.


A exemplo da Grécia e de outros países europeus os habitantes da Kavónia tinham como rei um nobre de uma família real estrangeira.


A princípio, o povo da Kavónia pensou que teria um rei escandinavo, pois Jorge da Grécia, que era o segundo filho do herdeiro ao trono da Dinamarca, nos dez anos de seu governo havia estabilizado o país e trouxera paz ao seu povo. Mas não havia nenhum príncipe dinamarquês ou sueco para ocupar o trono da Kavónia, e a escolha recaiu em Valter, parente do imperador Francisco José, que aceitou com entusiasmo.


Na Inglaterra pouco se sabia sobre o rei Valter, a não ser que era um homem de trinta e cinco anos, cuja esposa morrera dois anos antes, deixando-o sem herdeiros.


 Não vejo Valter há muitos anos, na verdade desde que ele era menino — dissera a duquesa para a filha. — Tenho, porém, visto seus retratos. É um homem bonito e bastante parecido com Sua Majestade Francisco José, quando jovem.


A duquesa suspirou, demonstrando satisfação.


 O protocolo nos palácios reais de Viena é muito formal. Considero-o um exemplo para todas as casas reais. Espero que se lembre disso quando for rainha, minha filha.


 Prefiro a formalidade — respondera Petúnia. — Ouvi dizer que havia muita tolerância na França, durante o governo de Luís Napoleão. Não é de admirar que agora eles tenham uma República.


 Quanto menos se falar sobre a França, melhor! Tenho certeza de que Ferdinand é um rei bastante autocrático.


 Espero que sim.


Lilian achou aquilo um tanto assustador. Ela havia lido sobre os Dursley, e os achou detestáveis sob alguns aspectos. Para ela, reis e rainhas deveriam tentar compreender o povo.


Quanto à prima, Lilian achava que ela deveria ao menos aprender a língua do país do qual seria rainha. Ao conversarem sobre isso, Petúnia  respondera:


 O rei Valter fala alemão e inglês. Por que eu deveria aprender o idioma da Kavónia, se ele não é falado em qualquer outro país do mundo?


 Mas você irá morar nesse país!


 Nem posso me imaginar em contato com o povo, e na corte todos falarão, certamente, o alemão ou o inglês, da mesma forma que o monarca.


Lilian achou esse um modo muito estranho de ocupar um trono. Todavia, a prudência não deixou que ela expressasse em voz alta sua maneira de pensar.


Ao mesmo tempo, estava determinada a aprender o idioma da Kavónia, e não achou que isso seria difícil, uma vez que ela falava, além do grego, outras línguas. Comprovaria isso assim que embarcaram no navio que o rei Valter mandara para apanhá-los em Marselha.


 


 


Eles haviam viajado pela França de trem, com todo o luxo e conforto, o que Lilian estranhou, pois o tio não era dado a excessos com dinheiro. Havia um acompanhante de viagem, além do secretário e do criado do duque, uma criada para Petunia, a própria Petunia e Lilian. A duquesa não tivera autorização de seu médico para fazer viagem tão longa.


Havia sido um grande desapontamento para ela saber que não poderia estar presente no casamento da filha. Seu coração, no entanto, há alguns anos vinha lhe causando problemas, e o duque não queria que a esposa corresse riscos.


Durante as despedidas, nos degraus do castelo, com a carruagem esperando para levá-los à estação, foi a primeira vez que Lilian vira a tia emocionada, com lágrimas nos olhos e uma expressão suave no rosto.


 Cuide-se bem, minha querida filha — ela dissera a Petunia. — Estarei pensando em você e rezando muito pela sua felicidade.


 Adeus, mamãe — respondera a filha com a voz destituída de qualquer emoção.


Ao se despedir da tia, Lilian ficou em dúvida se deveria beijá-la ou não, quando viu uma indisfarçável expressão de descontentamento nos olhos dela, que disse rispidamente:


 Espero que saiba se comportar, Lilian, e ajude Petúnia.


 Claro tia Adelaide.


 Acredito que seu tio cometeu um grave erro ao escolher você para acompanhar Petunia em ocasião tão auspiciosa. Só espero que ele não venha a se arrepender.


Essas palavras foram ditas num tom tão rancoroso que Lilian apenas fez uma reverência e subiu depressa na carruagem, ficando de costas para os cavalos e de frente para o tio e a prima.


 É muito triste para sua mãe não poder acompanhá-la, minha filha — dissera o duque, enquanto a carruagem descia pelo caminho que conduzia aos portões do castelo.


 A viagem a deixaria doente, e isso seria um grande aborrecimento para todos nós — respondera Petunia friamente.


 Tem toda razão. Mas talvez fosse mais aconselhável deixar Lilian fazendo-lhe companhia.


Lilian prendeu a respiração. Seria possível que ela voltaria ao castelo no último instante?


 Agora é tarde demais, papai. Lilian vai ser muito útil ao meu lado, especialmente porque Emily voltará de Marselha com o acompanhante de viagem.


 Seria mesmo inútil levar uma criada inglesa para um lugar como a Kavónia. Como você disse, Lilian fará o que for preciso até que você encontre uma criada no país.


O duque tinha toda a razão. Emily passou muito mal na viagem de trem e, certamente, não se sentiria melhor em um navio, não podendo, por essa razão, prestar serviço algum.


Apesar de o Mediterrâneo mostrar-se calmo quando eles partiram de Marselha, tiveram que enfrentar algumas tempestades antes de chegarem à Itália, onde entraram no mar Adriático.


Petúnia ficou o tempo todo deitada, gemendo e reclamando e monopolizou duas camareiras e Lilian para atenderem as suas exigências.


Felizmente o médico de bordo, acostumado a cuidar de pacientes com enjôo, receitou uma pílula de dormir a Petúnia, que ficou algumas horas inconsciente, deixando Lilian livre durante aquele tempo.


No navio estavam diversos dignitários que representavam o rei e faziam companhia ao duque, como bons jogadores de cartas que eram.


Os homens passavam a maior parte do tempo no salão para fumantes e Lilian, achando extremamente cansativo ficar sem fazer nada, logo encontrou um cavalheiro que se dispôs a ensinar-lhe a língua falada na Kavónia.


Era um ajudante do marechal-de-campo que liderava a comitiva de escolta da futura rainha. Com prazer ele aceitou ensinar Lilian, pois se achava ocioso a maior parte do tempo.


 Por que está tão interessada em aprender nossa língua? — ele perguntara, vendo a determinação de Lilian.


 Sempre desejei conhecer seu país, capitão Black.


 Espero que a Kavónia não a decepcione.


 Naturalmente apreciarei muito mais minha estada em seu país se puder entender o que dizem.


O capitão Sirius Black encontrou alguns livros na biblioteca, arranjou papel e caneta e começou sua tarefa, mas duvidava que a aluna aprendesse muita coisa apenas durante a viagem.


Entretanto, depois do segundo dia exclamou:


 Você é fantástica! Nunca imaginei que alguém pudesse aprender assim tão depressa!


 Felizmente muitas palavras são de origem grega — dissera Lilian com um sorriso.


 Nós também somos uma mistura de gregos e albaneses.


Quando eles passaram a Sicília, Lilian já conseguia falar com alguma hesitação, e compreendia praticamente tudo o que o capitão lhe dizia.


 Você é incrível! — exclamara o capitão naquela tarde. — Eu apenas desejaria...


 O que ia dizer? — perguntara Lilian vendo que ele havia parado subitamente.


 É melhor eu me calar.


 Por quê?


 Pode parecer uma crítica.


Lilian olhou o salão vazio e sorriu.


 Pode dizer o que pensa ninguém o ouvirá, a não ser eu e estas cadeiras.


O capitão Black sorriu.


 Eu apenas desejaria que o rei se interessasse em aprender a língua de seu povo.


 Ele não deseja aprendê-la?


 Infelizmente, não.


 Por quê? Há mais de dez anos que ele se encontra na Kavónia e nunca se interessou pelo idioma falado no reino?


 Com certeza Sua Majestade tem suas razões para preferir falar sua própria língua.


 Naturalmente que sim. Mas como seus assessores conversam com ele?


 Todos aprenderam a falar alemão.


Havia um sorriso discreto no rosto do capitão Black.


 Isso é ridículo! — Lilian começou a dizer, mas parou. — Desculpe-me... não devo fazer críticas.


 Isso é uma coisa que jamais deve fazer quando estiver no palácio — disse o capitão com sinceridade. — Falo isso para seu próprio bem, Srta. Evans. Se o rei ficar sabendo dessa nossa conversa, eu serei rebaixado e a senhorita será mandada de volta ao seu país.


Lilian olhou para ele, espantada.


 Isso é mesmo verdade?


 Estou alertando-a porque sei que os ingleses são muito francos. Franqueza demais não seria tolerada em Viena e certamente nem na Kavónia.


 Acho estranho.


 Por isso tomo a liberdade de pedir-lhe que tenha cuidado Srta. Evans. E, a propósito, o marechal-de-campo me disse que não acha conveniente passarmos tanto tempo juntos.


Lilian olhou para ele, apreensiva.


 Sinto muito ter-lhe causado problemas.


 Tem sido um grande prazer para mim a sua companhia, e digo isso com sinceridade.


O capitão sorriu para Lilian e ela se deu conta que era a primeira vez, desde a morte dos pais que alguém conversava com ela e a tratava como um ser humano.


Estivera tão interessada em aprender o idioma da Kavónia, que nem deu atenção ao fato de o capitão Black  ser um homem. Ele estava ali para ensiná-la apenas. Mas agora ela o observava e percebia que ele era jovem, agradável e humano sob aquele uniforme militar.


 Por favor, fale-me sobre o seu país — disse Lilian no idioma que estava aprendendo.


 Quer a verdade ou as coisas que você pode ler em algum guia turístico?


 A verdade, naturalmente!


 O povo da Kavónia é muito alegre quando não reprimido. Nós gostamos do riso, da dança e de fazer amor. Mas não tem sido fácil fazer estas coisas já há vários anos.


 Por quê?


 O povo tem sofrido muito, e a maioria de nossa gente vive na miséria.


 Por quê?


O capitão pareceu escolher bem as palavras ao dizer:


 Um dos motivos é que os impostos são muito pesados.


 Qual a razão disso?


 Devido à construção de prédios, reformas no palácio, um exército fabuloso — disse o capitão, sacudindo os ombros.


 Pensei que vocês vivessem em paz com os países vizinhos. Por acaso a Kavónia está sendo ameaçada pelos turcos?


 Os turcos têm muito trabalho para manter os albaneses sob controle. Toda vez que a Turquia cria um conflito com uma potência européia, a Albânia agarra a oportunidade para organizar uma revolta.


 E os gregos não cobiçam a Kavónia?


 De forma alguma! O rei Jorge deseja a paz.


 Então por que a Kavónia precisa ter um grande exército?


Novamente o capitão Black pareceu escolher bem as palavras:


 Há alguma inquietação no país.


 Entre os camponeses?


 Eles estão sempre famintos, e quando há problemas fogem para as montanhas.


 O exército é formado de soldados e oficiais do próprio país?


 Quase todos os oficiais são austríacos. Eu, por exemplo, sou uma exceção.


 Por quê? — Lilian fez a pergunta e achou que estava, talvez, sendo rude.


 Logo que o rei subiu ao trono, meu pai salvou-o de um atentado anarquista, e Sua Majestade, em agradecimento, concedeu a minha família alguns privilégios.


O capitão levantou-se e começou a fechar os livros que estiveram lendo juntos. Obviamente, dava a conversa por encerrada.


 Por que vocês aceitaram um estrangeiro como rei do país? Certamente havia uma família real na Kavónia, antes do rei atual.


 Durante séculos sempre houve um Potter no trono, mas depois que o último rei morreu, não havia herdeiro com idade para reinar e, além disso, tínhamos facções descontentes.


 Mas já deve haver um Potter agora, não?


Para surpresa de Lilian, o capitão Black apanhou os livros, juntou os calcanhares, curvou-se e despediu-se dela.


 Queira desculpar-me, Srta. Evans. O marechal-de-campo precisa de mim a esta hora. Foi um prazer ajudá-la em seus estudos esta tarde.


Ele atravessou o salão muito ereto em seu uniforme, deixando Lilian desapontada, pois queria saber muitas coisas mais. Logo chegariam ao porto, e ela não conseguiria obter outras informações do capitão, que agora se mostrava relutante em lhe responder.


 


 


No entanto, nos dois dias que se seguiram, Lilian começou a formar um quadro geral do que realmente acontecia na Kavónia.


Mesmo sem o capitão falar sobre o assunto, ela achava que havia muito mais agitação e mesmo uma revolta em potencial no país, fatos que o duque não podia nem imaginar.


Ao chegar ao porto, estava quase segura de que o povo vinha sendo subjugado com pulso firme, senão com crueldade, pelos austríacos.


Ao se aproximarem da Kavónia o Adriático estava calmo e Petúnia fez um esforço enorme para sair da cama e ir até o convés. Lilian não teve tempo para pensar em mais nada, nem em si própria.


Só ela podia levar o vestido que a prima desejava usar, arrumar-lhe os cabelos no estilo que fosse determinado, prestar assistência a Catherine enquanto a prima gemia e resmungava por estar passando tão mal, por estar no mar, por ter medo das ondas que faziam o navio balançar.


Quando ancoraram as ondas haviam cessado, o sol brilhava e o céu estava colorido de um azul vivido.


No cais soou o clangor da banda marcial, num caloroso voto de boas-vindas. Assim que Petunia desembarcou, tocaram o Hino Nacional da Inglaterra, e em seguida o da Kavónia.


Ninguém prestava atenção a Lilian e quando o prefeito iniciou seu discurso formal, saudando a futura rainha, ela teve oportunidade de olhar ao redor.


Jamais imaginara que as montanhas pudessem elevar-se a tão grandes alturas, ou que seus picos nevados e brilhantes pudessem ser tão lindos, recortados contra o céu.


Abaixo dos picos se avistavam florestas de pinheiros e uma profusão de giesteiras, oliveiras, murtas, juníperos e loureiros.


Laranjeiras e limoeiros em flor formavam um pano de fundo de conto de fadas para as casas de madeira, com suas sacadas enfeitadas de gerânios de cores alegres.


Tendo lido livros sobre a flora e a fauna do noroeste da Grécia, Lilian supôs que deveriam ser bem parecidas com as da Kavónia.


Ela estava, portanto, preparada para admirar a beleza das olaias roxas, o branco e o escarlate dos rododendros, o azul vivo das gencianas e o cor-de-rosa das rosas alpinas.


Enquanto as carruagens deixavam Khevea, dirigindo-se para Zanthos, a capital, ela ficou mais surpresa ainda, pois a beleza, o colorido variado e a profusão de flores iam muito além de suas expectativas.


Durante todo o trajeto havia arcos florais, mastros com bandeiras e soldados guardando as pontes sobre as quais passava a comitiva.


Havia também milhares de espectadores, entre eles camponesas que usavam saia vermelha e avental branco e traziam flores enfeitando os cabelos escuros. Todos acenavam e sorriam.


Catherine não parecia interessada nas saudações de seus futuros súditos, e pouca atenção dava às aclamações que recebia do povo, concentrada em conversar com o primeiro-ministro que viera recebê-los em nome do rei. Ele ignorou completamente o capitão Black, que se sentara ao lado de Lilian.


Era um homem idoso, de olhos aguçados e voz gutural. Lilian percebeu ser ele austríaco.


O duque seguia numa carruagem com o marechal-de-campo e outros dignitários, todos em uniformes resplendentes de condecorações e galões dourados.


O cortejo era formado por seis carruagens e um grande número de soldados e cavalos, que as ladeavam, além de um pelotão da cavalaria, que liderava a comitiva, e outro que a encerrava.


 Os soldados do pelotão da frente pertencem à guarda pessoal de Sua Majestade — explicou o capitão Black a Lilian


 São magníficos — ela disse, observando os elmos reluzentes, que lhe lembravam os dos gregos antigos.


Também o povo guardava semelhança física com os gregos observou, embora o cortejo seguisse muito depressa, o que não lhe permitia analisar aquela gente com mais atenção. Além disso, era difícil deixar de admirar as montanhas que se alteavam dos dois lados da estrada.


"Não me admiro que o capitão Black tenha dito que os camponeses se refugiam nas montanhas sempre que têm problemas", pensou Lilian.


Seria praticamente impossível encontrar alguém que se escondesse entre as densas florestas, os picos cobertos de neve ou os desfiladeiros profundos e abruptos.


"Este é o país mais excitante que já conheci!", pensou.


Quanto a Petúnia, parecia não estar nada impressionada com a beleza do país.


Lilian gostaria de perguntar muitas coisas ao capitão Black , mas seria quebrar a etiqueta, já que ela não deveria falar, apenas responder ao que Petunia lhe dissesse. Assim, ficou em silêncio e conteve-se para não retribuir aos acenos das crianças e não demonstrar desapontamento ao ver que as flores que o povo jogava para a futura rainha seriam esmagadas sob os cascos dos cavalos.


Após quase uma hora de viagem, entraramem Zanthos. Atravessaramum rio muito largo cuja ponte, enfeitada com guirlandas de flores, tinha as laterais guarnecidas por soldados.


A entrada da cidade as ruas eram estreitas e casas humildes não estavam enfeitadas, parecendo desabitadas. Suas venezianas achavam-se fechadas, não havia multidões nas ruas, nem acenos ou flores.


Os cavalos iam agora mais rapidamente, e Lilian tinha vontade de perguntar ao capitão Black  por que os arredores da cidade eram tão sombrios. Pela primeira vez, desde que pisara naquele país, sentia-se deprimida e ao olhar para o céu observou que uma nuvem ocultava o brilho do sol.


Ao alcançarem outra rua viu algumas pessoas, inclusive crianças rasgadas e descalças, que brincavam.


Subitamente a carruagem pareceu virar. Ouviu-se um grito e o cocheiro fez os cavalos pararem imediatamente.


 O que aconteceu? O que foi isso? — perguntou o primeiro-ministro.


O capitão Black abriu a porta e saltou da carruagem.


 Parece que atropelamos uma criança, Excelência. Ela deve estar debaixo das rodas.


 Uma criança? — repetiu Lilian.


Sem pensar em mais nada, ela saiu rapidamente da carruagem. Uma garotinha estava caída ao lado da roda dianteira, com a perna coberta de sangue.


Lilian ajoelhou-se ao lado da criança inconsciente, percebendo que sua respiração era quase imperceptível. Da perna machucada jorrava sangue, como se uma artéria tivesse sido cortada. Repousou a cabeça da criança sobre seu colo, erguendo-lhe o vestido esfarrapado.


 Por favor, dê-me um lenço — pediu ao capitão.


Ele pôs-se a apalpar os bolsos, sem nada encontrar. Impaciente, Lilian arrancou a echarpe de seda que trazia e amarrou-a na perna da garotinha, logo acima do joelho.


 Esta criança precisa ser levada ao hospital imediatamente! Será que a mãe dela se encontra por perto?


Ao fazer a pergunta, Lilian ergueu a cabeça, e para seu espanto constatou que as ruas estavam desertas.


 O que está acontecendo? — bradou o primeiro-ministro. — Não podemos ficar aqui parados, capitão Black.


 Há uma criança ferida, Excelência.


 Então vamos deixá-la aos cuidados de seus pais.


 Os pais dela não se encontram aqui, Excelência.


 Ponha a criança na calçada! Precisamos prosseguir.


 Não podemos fazer uma coisa dessas! — protestou Lilian dirigindo-se ao capitão. —Amarrei a echarpe bem apertada, mas isso não basta. Precisamos de um médico.


O capitão hesitou, pois devia obedecer ao primeiro-ministro.


 Chame os pais da garotinha ou uma pessoa amiga — sugeriu Lilian. — Deve haver alguém por perto.


O capitão olhou apreensivo para a perna da menina. O sangramento fora quase estancado, mas o corte feito pela roda da carruagem era grande e profundo, chegando quase até o osso.


 Esta criança deve ser levada ao hospital o mais depressa possível! — insistiu Lilian, agora com firmeza.


 Não temos hospital — disse o capitão em voz baixa.


Ela olhou para ele, atônita. Precisava fazer alguma coisa. Colocando as mãos em concha, gritou:


 Poderia alguém vir pegar esta menina imediatamente?


Olhando ao redor, viu as casas fechadas. Talvez ninguém aparecesse. Então, de uma delas saiu um homem alto e de ombros largos, usando um curioso traje de camponês, que caminhou vagarosamente em direção à carruagem.


 Certamente é o pai da menina — disse Lilian, aliviada. — Por favor, capitão, explique a ele que a echarpe deve ser tirada dentro de uns dez minutos ou a criança perderá a perna. A criança necessita de cuidados médicos urgentes.


O homem aproximou-se e Lilian ouviu o capitão dizer em voz muito baixa, pouco mais do que um sussurro:


 Está louco! Se o reconhecerem, receberá um tiro!


 Sei disso.


A voz era baixa e profunda.


 Pelo amor de Deus... — murmurou o capitão Black.


Lilian não compreendeu o motivo de o capitão parecer tão preocupado com aquele homem. Em voz alta, ele disse:


 Sua filha lamentavelmente foi ferida. Esta senhora pede-lhe que remova, dentro de uns dez minutos, a echarpe que foi amarrada para estancar o sangue, e procure um médico com urgência.


O homem não respondeu. Ao abaixar-se para pegar a criança, Lilian viu seu rosto, e não teve dúvida de que ele era de origem grega.


Jamais vira um homem tão parecido com os retratos que o pai costumava lhe mostrar. Além disso, aquelas feições lhe eram familiares. Teve a impressão de que já o conhecia.


Quando o homem fitou Lilian, esta sentiu algo inquietante; havia nos olhos dele uma expressão de desprezo.


 Quem é ele? — gritou o primeiro-ministro.


 Creio que se trata do pai da criança, Excelência — respondeu o capitão Black, aproximando-se da carruagem.


Em voz baixa, o homem disse a Lilian:


 Obrigado pela assistência. Gostaria de pedir-lhe um favor.


 Sim. O que é?


 Poderia ajudar-me a carregar a menina até a casa? Creio que será bem mais confortável para ela.


 Está bem.


Apesar de concordar com o pedido, Lilian achou estranho que, sendo tão alto e forte, o homem não pudesse levar com facilidade a meninazinha. Percebendo, porém, que o estado da desafortunada criança era realmente sério, não hesitaria em fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para aliviar-lhe o sofrimento.


Os dois subiram lado a lado o pequeno e leve declive, até uma das casas, carregando a criança inconsciente. Uma mão invisível abriu a porta da frente, e eles entraram.


De relance, Lilian viu um cômodo muito pobre, quase sem mobília, onde estavam duas pessoas; um velho sentado em uma cadeira e uma mulher com o rosto lavado de lágrimas. Devia ser a mãe da criança.


Esta foi ao encontro da filha com os braços estendidos, e Lilian ouviu o primeiro-ministro gritar, lá fora:


 Aquele é Tiago Potter! Atirem nele! Atirem nele!


Com calma, o homem colocou a criança nos braços da mãe, e então, sem uma palavra, atravessou o cômodo e saiu por outra porta.


Assim que a porta se fechou o capitão Black, de pistola em punho, acompanhado de mais quatro soldados, foi correndo para frente da casa. Lilian voltou-se e, deliberadamente, ficou parada no meio da porta, bloqueando a passagem.


 O que está acontecendo? — ela perguntou.


 Deixe-me passar, Srta Evans — disse o capitão Black. — Devo cumprir ordens.


 Que ordens?


 O homem que a ajudou a carregar a criança deve ser detido.


Lilian não se moveu.


 Pensei que sua ordem fosse atirar nele, capitão!


 Tenho que encontrá-lo primeiro, Srta. Evans.


 Creio que ele foi buscar um médico, e será um grande erro detê-lo. Como bem sabe, uma criança foi ferida gravemente.


 Tenho que cumprir o meu dever.


Todavia ele não podia entrar na casa sem empurrar Lilian, fazendo-a sair do caminho. Dois soldados foram até a casa vizinha e tentaram entrar por ela, mas a porta estava trancada.


Lilian continuou firme em seu lugar.


 Voltem! Voltem! — ordenou o primeiro-ministro.


Então um dos oficiais da outra carruagem disse categórico:


 Precisamos prosseguir Excelência. Não é seguro ficarmos aqui.


 Em frente! Prossigam! — comandou o primeiro-ministro, irritado. — Mais uma vez Potter escapou. Por que não nos informaram que ele se achava na cidade?


Não houve resposta à pergunta, e Lilian achou que o perigo havia passado. Virando-se para a mulher que segurava a criança, disse:


 Por favor, procure um médico para cuidar de sua filhinha, e daqui a uns cinco minutos retire a echarpe da perna dela.


Com dificuldade ela falou no idioma da Kavónia, mas a mulher pareceu compreendê-la, pois acenou a cabeça afirmativamente.


De sua bolsinha Lilian tirou um soberano de ouro e colocou-o numa cadeira perto da porta.


 Para a garota — ela disse suavemente.


Seguindo o capitão Black, ela voltou para a carruagem.


 Realmente, Lilian! — exclamou Petúnia assim que a prima subiu na carruagem. — Como pôde fazer algo tão repreensível e ridículo como envolver-se com essa criança? Esta é uma parte perigosa da cidade, não podíamos estar parados aqui.


Lilian poderia apresentar muitos argumentos para justificar-se, mas percebeu que seria melhor ficar calada.


 Sinto muito, Petúnia — ela disse apenas, com humildade.


 E deve sentir muito mesmo — a prima retrucou acidamente. — Papai ficará extremamente aborrecido ao saber do fato. Além disso, seu vestido está sujo de sangue e seus cabelos totalmente despenteados!


Lilian olhou para a saia do vestido e viu que Petunia tinha razão. Havia uma grande listra de sangue perto da barra.


"O primeiro sangue que vi derramado na Kavónia!", ela pensou, tristonha.

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