Capítulo único
Ronald Weasley se encontrava sozinho no Chalé das Conchas. Fleur e Gui haviam ido visitar a senhora Weasley, que se encontrava aos prantos, sem saber o paradeiro do filho caçula. Ele estava sentado na cama do quarto de hóspedes, a cabeça baixa, a varinha nas mãos.
Mesmo tendo apenas 17 anos, se sentia muito mais velho e cançado.
Havia olheiras em seus olhos, pela falta de sono. Fazia dois dias que não dormia direito. O cançaso era tanto, que Rony sentia seu corpo todo doer. Seu estômago não aceitava mais facilmente a comida boa que Fleu lhe dava, já que ele havia comido alimentos sem qualidade por muito tempo.
Rony olhou para a varinha que tinha nas mãos e sentiu um peso em seu coração. Quando fora comprá-la no Olivaras, sabia exatamente o que ela fazia e como fazer. Por muito tempo, antes de completar onze anos, uma varinha foi tudo o que Rony queria. Porém, agora, não tinha a menor idéia de como usá-la.
Hey, mãe
Eu tenho uma guitarra elétrica
Durante muito tempo isso foi tudo o que eu queria ter
Mas, hey, mãe
Alguma coisa ficou pra trás
Antigamente eu sabia exatamente o que fazer
Dormindo em uma cama confortável, aquecido com boas roupas e comendo uma comida gostosa, não havia porque se sentir assim. Rony tinha uma casa que o protegia da chuva e da neve, tinha amigos com quem conversar e água quente para tomar banho. Tinha o mar à sua porta. Podia visitar sua família se quisesse. Era só aparatar. Podia voltar para Hogwarts. Ele tinha o poder de escolher.
Mas não poderia fazer nada daquilo sabendo que Harry e Hermione não teriam as mesmas possibilidades. Não conseguia comer sabendo que eles estavam passando fome. Não conseguia dormir sabendo que eles não poderiam sequer fechar os olhos. Não conseguia aproveitar a bela casa, sabendo que seus amigos não tinham sequer um lar.
Doía pensar neles. E todas as vezes que tentava, voltava no tempo, para aquele dia, no Expresso de Hogwarts. De quando havia feito suas primeiras amizades. Dos sorrisos que trocaram, as coisas que aprenderam.
Tudo isso parecia tão longe agora, que nem poderia ser uma lembrança.
Hey, mãe
Tem uns amigos tocando comigo
Eles são legais e além do mais
Não querem nem saber
Pois agora lá fora
O mundo todo é uma ilha
À milhas e milhas e milhas de qualquer lugar
Gui já havia lhe explicado que não era correto se sentir culpado por um erro cometido, pois só o fato de Rony sentir muito, valia bem mais do que qualquer atitude correta. Ele havia lhe dito que erros eram comuns nas guerras: nesta, e na última que ocorrera. As coisas estavam apenas se repetindo. Logo tudo iria se acertar.
E Rony quis acreditar nele. Quis pensar que tudo voltaria a ser como era antes. Mas Gui e Fleur já eram adultos que enfrentavam problemas da Ordem. Nenhum deles realmente ligava para suas dúvidas de adolescente em crise.
Esse fato consumado levou o ruivo a se perguntar o que ele estaria fazendo para acabar com a guerra. Nada, óbvio. Ele já não andava mais com Harry.
Nessa terra de gigantes
Vocês já ouviram tudo isso antes
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes
Ronald não pôde deixar de se lembrar da época em que ele ainda convivia com Harry. Quando ainda frequentavam Hogwarts. O quanto ambos – mais Hermione – fizeram revoltas, discutiram, e chegaram até a agir contra Você-Sabe-Quem. E o quanto isso colaborou para a rebelião de outros alunos.
As revistas, as revoltas, as conquistas
Da juventude são heranças
São motivos pras mudanças de atitude
Lembrou-se da maior rebelião que eles conseguiram causar: a Armada de Dumbledore. Ela agiu contra o Ministério secretamente, sempre por trás das câmeras, mas sempre fazendo alguma coisa.
Todos os membros da AD se ajudaram muito para conseguir mantê-la em segredo, embora Rony saiba que a maior obra de segurança quem fez foi Hermione: colocando as moedas como modo de comunicação.
Os discos, as danças, os riscos
Da juventude
Mas agora, depois de todos esses anos de luta silenciosa, Rony se encontrava parado. Seus amigos estavam lá fora, lutando corajosamente, porém Rony não estava com eles. Pelo contrário, estava sozinho, sem nada fazer.
Ronald Weasley apenas esperava o tempo mudar.
A cara limpa, a roupa suja
Esperando que o tempo mude
Será que na primeira guerra houve alguém tão covarde quanto Rony? Alguem que abandonara os amigos no meio do nada e fora embora por puro e refinado ciúmes. Sem nem pensar que deixara todas as dificuldades para que eles as enfrentassem sozinhos?
Existira alguém assim? A história estaria se repetindo?
Nessa terra de gigantes
Tudo isso já foi dito antes
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes
Normalmente, as preocupações cotidianas são sempre aquelas que queremos que não existam. Aquelas das quais queremos nos livrar. Era estranho o modo como agora ele, Rony, sentia falta das preocupações que tinha ao lado de Harry e Hermione.
Fora assim por tanto tempo: acordar com medo, dormir com medo, comer com medo, viver com medo. E a preocupação de mudarem sempre de lugar. O tempo todo discutindo, sendo injusto, egoísta, ciumento. E ainda havia aquele maldito medalhão!
Mas, mesmo assim, Rony tinha aos amigos. Tinha com quem conversar, com quem desabafar... tinha a quem amar. Sim, ele sentia falta de todas as preocupações e tomaria todas elas para si se pudesse ter Hermione de volta.
Hey, mãe
Eu já não esquento a cabeça
Durante muito tempo isso era só o que eu podia fazer
Rony não entendia como uma amizade que era para sempre podia ser afetada por uma coisa tão sombria, tão feia, como aquela guerra. Não sabia como Voldemort podia ter influenciado o sentimento que ele alimentava por Hermione.
Fora tudo culpa daquela horcrux maldita! Fora ela que sussurrara coisas na cabeça de Rony, ela que o convencera de que Harry e Hermione tinham algo. Fora tudo culpa dela...
No fundo, ele sabia que nada daquilo era culpa de ninguém. Sabia que era culpa dele e apenas dele. Sabia que todos aqueles dezessete anos de nada lhe serviram. Rony continuava sendo um homem ridiculo.
Não podia entender como aquilo afetara tanto sua fidelidade aos amigos.
Mas, hey, hey, mãe
Por mais que a gente cresça
Há sempre alguma coisa que a gente não pode entender
Os olhos de Ronald se marejaram. Chega. De nada adianta se flagelar agora. Nada disso vai mudar só porque ele sente muito. O que estava feito, estava feito.
Com esse pensamento, Rony avistou sua mochila. Retirou de lá seu pijama marrom e o vestiu. Dormiria um pouco. Sim, isso talvez lhe caia bem. Precisava descansar.
Jogou as roupas usadas em algum lugar e colocou a varinha apoiada na cabeceira da cama. Deitou-se, aquecendo-se com o cobertor e fechou os olhos.
Não dormiu de imediato. O vento e o frio não permitiram. Mas quando finalmente pegou no sono, teve pesadelos com raptores, que andavam pelas florestas, perseguindo seus amigos para trocá-los por recompensas no Ministério.
Por isso, mãe
Só me acorda quando o sol tiver se posto
Eu não quero ver meu rosto antes de anoitecer
Pois agora lá fora, o mundo todo é uma ilha
À milhas, e milhas, e milhas...
Nessa terra de gigantes
Que trocam vidas por diamantes
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes
Amanhã, Ronald sairia em busca dos amigos. Diria a eles que sentia muito, que queria voltar para a vida pacata que levavam no momento, que queria seguir em busca das horcruxes.
E, se a coragem lhe permitisse, diria a Hermione que nunca mais sairia de perto dela.
Dentro do bolço das vestes de Rony, jogadas e algum lugar no quarto escuro, a voz doce de Hermione soou.
E nessa terra de gigantes
Eu sei, já ouvimos tudo isso antes
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes
Hey, mãe...
Comentários (1)
Todos sabemos que o Rony se arrependeu de ter abandonado os amigos, mas nunca me ocorreu, com tantos detalhes, o seu sofrimento e vergonha por sua aparente covardia. Você, com muita sensibilidade, descreveu este sofrimento moral muito bem.
2012-10-19