Capítulo único



James Potter abriu os olhos e a única coisa que conseguiu enxergar foi luz. Uma luz forte, incomum. Uma luz gelada. Uma luz incompleta. Uma luz que cegou seus olhos da pior maneira possível.


 Mas a luz era convidativa. Ela transparecia calor, uma coisa bem melhor do que a neve gelada que caía do lado de fora da sua casa. Bem melhor do que o vento que soprava flocos de neve porta de adentro de sua casa. James queria ir para a luz. Queria se aconchegar nela, sentir seu calor relaxar seus músculos rígidos.


 A luz estava ali, bem na sua frente, mas ele temia tocá-la, pois sabia que se a luz o levasse, ele jamais poderia voltar. E James não queria ir embora agora. Havia motivos suficientes, mas ele não queria ir. Não queria, porque Lily não estava ali para acompanhá-lo.


 A luz se tornou ainda mais convidativa, mas foi ignorada tão fortemente por James, que sumiu, levando a cegueira com ela.


 James agora podia ver tudo.


 Ele estava dentro de uma casa um tanto quanto arrumada. Havia uma lareira e brinquedos espalhados por toda parte. Estava claro que uma criança vivia ali. Harry. Sim, era esse o nome da criança. Harry, seu filho.


 E Lily. Ah, sim, Lily também vivia ali. A casa não estaria tão bem arrumada se não fosse por sua presença constante naqueles cômodos.


 Mas havia algo errado. James estava deitado no chão, ao pé da escada que levava para os quartos. Uma coisa um tanto intrigante, mas que, mais cedo ou mais tarde, acabaria tendo explicações. Porém, o que não havia explicação, era o fato de James observar a si mesmo deitado no chão.


 O James deitado perto da escada estava parado, de olhos fechados, em uma posição estirada e simplesmente não respirava. Mas o James que observava sentia-se propositalmente bem, levando em conta que ambos eram a mesma pessoa.


 Engraçado... estaria ele morto?


 A verdade lhe atingiu como um balde de água fria. Sim, ele estava morto. Na verdade, acabara de morrer. Voldemort o havia matado. E James soube que se não fizesse algo, sua mulher e seu filho teriam o mesmo destino.


 Mas, afinal, o que poderia ele fazer? Estava morto!


 Sem nenhuma dificuldade ou cansaço, James correu escada acima, passando por cima do próprio corpo, ignorando-o completamente. Ao chegar no topo da escada, sua respiração não estava nem um pouco ofegante.


 Não sabendo exatamente o que fazer, James viu Voldemort entrar no quarto em que Lily e ele dormiam, procurando por Harry. Mas ele seguiu o caminho contrário ao Lorde das Trevas: entrou no quarto de Harry. James sabia que Lily não sairia de perto de Harry nem por um momento.


 James estendeu a mão para a maçaneta, mas, ao invés de girá-la e abrir a porta, sua mão a atravessou. Pego de surpresa, mas completamente ciente do que estava acontecendo, James atravessou, literalmente, a porta do quarto.


 A cena que viu o fez estancar. Lily estava agachada em frente ao berço, olhando para o rosto rosado e sorridente de Harry.


 - Harry, eu te amo muito. O papai também te ama... – ela sussurrava insistentemente para o bebê, como uma prece. Uma lágrima solitária caiu pelo rosto da ruiva, que não  se preocupou em limpá-la.


 Lily se pôs de pé com mais dificuldade do que James se lembrava e pegou Harry no colo, apertando-o gentilmente contra o peito, como um abraço.


 Elas estava com medo. Dava para sentir.


 E James queria abraçá-la, dizer que tudo ia ficar bem, que ele estava ali para ajudá-la... mas não conseguiu. Pois, assim que encostou em Lily, sua mão atravassou o corpo dela, como havia feito com a porta. Mas Lily pareceu saber de sua presença, porque começou a sussurrar seu nome frenéticamente.


 Um soluço escapou pelos lábios de Lily. Ah, ele daria tudo para poder tocá-la.


 


And I’d give up forever to touch you


‘Cause I know that you feel me somehow


(E eu desistiria da eternidade para tocá-la
Pois sei que você me sente de alguma forma)


 


 A luz voltou à brilhar, mas não tão forte como da primeira vez. Estava tímida, apenas lembrando-o que estava ali e que ele poderia ir embora dali quando quisesse.


 Mas James voltou a ignorá-la, pois, por mais convidativa que fosse a idéia de deixar aquele lugar frio e triste para sempre, Lily ainda não poderia ir com ele.


 Nem por um instante sequer, James imaginara que a luz o estaria levando para o céu, onde as pessoas boas ficavam depois de morrer. Ele não queria o paraíso, como muitas pessoas. Seu paraíso era estar com Lily e isto já bastava, não importando aonde estivessem, desde que estivessem juntos.


 Lily parecia tão assustada agora, que James não conseguiu ver nela o mesmo paraíso com o qual ele se acostumara. Era um paraíso triste, com um céu nublado, campos sem flores, sem brisa. Um paraíso incompleto.


 A luz voltou a desaparecer.


 


You’re the closest to heaven that I’ll ever be


And I don’t wanna go home right now


(Você é o mais próximo do paraíso que chegarei
E eu não quero ir para casa agora)


 James, sabendo que nada poderia fazer ali, encaminhou-se até a janela do quarto de Harry, tentando ignorar o fato de tudo acontecer quase em câmera lenta. Ao olhar para fora, ele deu-se conta de que não havia nada.


 Ele se lembrava de Godric’s Hollow perfeitamente bem. Lembrava-se das casas, das ruas, das luzes. Mas a única coisa que via era um branco esfumaçado.


 Porém, ao contrário de qualquer pessoa viva, James não se assustou. Ele entendia que sua alma vagava apenas naquele momento e que, à qualquer minuto, ele se desintegraria em luz e nunca mais voltaria.


 Por enquanto, ele permanecia ali. Seu ar era a vida de Lily. A vida que ele não tinha mais. Enquanto ela respirasse, James continuaria ali.


 Ele poderia ir embora. Poderia ir agora, se quisesse. Poderia esperar por Lily do outro lado. Mas James sabia que não o faria. Não o faria porque tinha medo. Tinha medo de sentir falta dela naquela noite. Tinha medo de que algo desse errado e ela não morresse agora. E então ele ficaria sozinho tempo demais à esperá-la.


 Mas cedo ou tarde Lily morreria.


 


And all I can taste is this moment


And all I can breath is your life


‘Cause sooner or later it’s over


I just don’t want to miss you to night


(E tudo que eu sinto é este momento
E tudo que eu respiro é sua vida
Porque mais cedo ou mais tarde isso acabará
E eu não quero sentir sua falta esta noite)


 


  James virou-se para a porta e atravessou-a de novo, procurando pelo Lorde das Trevas, que ainda vagava pelo quarto ao lado. Encontrou-o saindo do local, parecendo calmo, como se estivesse dando um passeio diário.


 Voldemort usava sua habitual capa negra, mas nunca parecera tão sombrio aos olhos de James. Talvez seja porque ele soubesse o que viria à seguir. Lily, uma bruxa estraordinariamente poderosa, nada poderia fazer contra aquele bruxo das trevas, tanto que ela nem tentaria. James sabia que esposa apenas imploraria pela vida do filho e mais nada.


 Ele viu a criatura isenta de humanidade passar por ele, sem vê-lo. James não queria que Voldemort o visse de qualquer maneira.


 O Lorde ainda tentou abrir a porta do quarto manualmente, mas esta estava trancada (uma última tentativa desesperada de Lily). James entrou no quarto novamente, e avistou sua mulher agarrada ao filho, chorando compulsivamente.


 - Lily, eu estou aqui. Não chore, meu amor, eu estou aqui. – James tentou dizer, mas sua voz não soava nem como um sussurro nos ouvidos de Lily.


 Ele queria tanto poder falar com ela.


 


And I don't want the world to see me


Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am


(E eu não quero que o mundo me veja
Porque não creio que eles entenderiam
Quando tudo estiver destruído
Eu só quero que você saiba quem eu sou)


  Da fechadura surgiu uma luz verde, intensa, e, de repente, a chave começou a girar. O choro de Lily aumentou para uma histeria imensa. Ela colocou Harry de volta no berço, dando-lhe um beijo molhado de lágrimas.


 A porta explodiu em um clarão verde. Lily se virou para enfrentar o inimigo, engolindo o choro. Tentando ser forte, pensou James, forçando-se a manter os olhos na criatura maligna que entrou no quarto. Talvez, ele poupe a familia. Não é possivel que naquele coração não corresse um pingo de misericórdia.


 No mesmo instante, Lily passou a implorar, aos berros:


 - Meu filho, não! Por favor, poupe meu filho, poupe meu bebê! – ela não conseguia conter as lágrimas que corriam pelo seu rosto.


 - Saia da frente, sangue-ruim! – bradou o Lorde, retirando a varinha das vestes.


 Tudo acontecia tão devagar, como em um filme, em camera lenta. Por Merlin, James queria que acabasse logo.


 - Por favor! Leve-me no lugar dele! Meu menino, meu filho! Tenha misericórdia, poupe a vida dele! – continuava implorando minha esposa.


 - Humana tola! – berrou Voldemort. – Saia já da minha frente, ou arranco-lhe o coração!


 Voldemort fez um gesto com a varinha e cortes apareceram nas mãos de Lily. Ele queria assustá-la para que saísse da frente. Mas ela se manteve firme.


 - Eu faço o que quiser! – implorou ela.


 - Não há nada que possa fazer.


 - Por favor! Por favor!


 - Avada Kedrava!


 Lily gritou quando o feitiço a atingiu.


 E James observou, desesperado, a emoção se esvair do rosto de Lily, as lágrimas pararem de cair. O corpo dela tombou para trás e caiu com um estrondo no chão.


 


And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah you bleed just to know you're alive


(E não dá para lutar contra lágrimas que não vêm
Ou o momento da verdade em suas mentiras
Quando tudo parece como nos filmes
Sim, você sangra apenas para saber que está vivo)


 


 James olhou para Harry, no berço, olhando para Voldemort com curiosidade. O bruxo se aproximou do menino, olhando-o sem emoção alguma.


 - É você, criança, que pode acabar comigo? – perguntou ele, rindo logo em seguida. – Eu acho que não. – acrescentou sério. – Adeus, Harry Potter.


 Sem dizer palavra alguma, o Lorde apontou a varinha, que emanou um brilho esverdeado caracteristico.


 James fechou os olhos, esperando pelo golpe final... O feitiço bateu na criança, mas quem caiu foi Voldemort, com um grito agoniado. Na testa de Harry, uma cicatriz.


 Uma alegria imensa invadiu o homem que observava. Salvo. Harry estava salvo.


 - James? – perguntou Lily, pairando em cima do próprio corpo. – Estou morta?


 - Receio que sim, querida.


 - Harry...


 - Vai ficar bem. Ele vai ficar bem – garantiu James, pegando a mão da esposa.


 Um barulho perto da escada fez com que ambos olhassem. Um homem de capa preta, nariz grande, cabelos negros, entrou pela porta do quarto.


 - Snape – sussurrou Lily.


 Severo Snape se pos a chorar compulsivamente.


 - Não a nada que possamos fazer, Lily – disse James. – Vamos, vamos embora.


 A luz voltou a aparecer, brilhando incansavemente.


 - Ele pode nos ver? – a mulher ainda perguntou.


 - Não.


 Lily acentiu com a cabeça, olhando uma última vez para Harry, que chorava, e para Snape, que se agarrara ao seu corpo. Ela tomou a mão de James e ambos partiram desse mundo.


 


And I don't want the world to see me
Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am


(E eu não quero que o mundo me veja
Porque não creio que eles entenderiam
Quando tudo for criado para ser destruído
Eu só quero que você saiba quem eu sou)


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Comentários (2)

  • Neuzimar de Faria

    Impactante. E só ratifica que o amor de verdade se sobrepõe a tudo, até mesmo à morte!

    2012-11-25
  • Kika.Cerridween

    Muito Lindo os momentos finais da vida dos dois , amei . Você escreve muito bem, é de tremer na base ...Emocionante. conseguiu passar toda a emoção de james , Lily e Severo...to pasma ainda!  XD 

    2012-04-08
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