Black Coffee

Hermione encontrava-se sentada numa pequena poltrona. Um braço apoiado na mesma. Um cigarro entre os dedos.

Perdida em pensamentos. Em arrependimentos e saudades.

Arrependimento por ter se deixado envolver naquela teia sombria e escura. Pelos vícios e descaminhos para os quais ele a levava.

Saudades de uma época que não voltaria jamais. De quando sua vida era repleta de alegrias e risos. Do som gostoso das vozes dos melhores amigos. De tudo de bom que tinham antes dele entrar de vez em sua vida...

 

I’m feeling mighty lonesome

Haven’t slept a wink

I walk the floor and watch the door

And in between I drink

Black Coffee

 

Lembrava-se perfeitamente do dia em que tudo começara...

Fora na recepção oferecida pelo Ministério da Magia, há quase um ano. Estivera linda e elegante em seu tomara-que-caia azul turquesa. A pele levemente bronzeada pelas férias que passara no Chalé das Conchas com Harry e Rony, seus melhores amigos. Seus antigos melhores amigos...

Os cabelos presos num coque baixo, alguns cachos soltos emoldurando seu rosto. Perfeita para representar o papel de chefe adjunta do Escritório Internacional de Direito em Magia. Perfeita até demais, pensara consigo mesmo. Pois fora assim que atraíra a atenção dele. De sua perdição. De seu final trágico…

 

Love’s a hand me down brew

I’ll never know a Sunday

In this weekday room

 

Ele estava impecável. Sempre trajando preto. A cor de sua alma.

Ele dera o primeiro passo. Um caçador nato. Convidara-a para dançar. Na frente de pessoas importantes. Jamais poderia recusar. Não sem atrair um mal estar entre departamentos.

Granger era responsável pelo Escritório. Malfoy, pelo Departamento de Execução das Leis da Magia.

Ainda hoje tinham suas responsabilidades. Ainda hoje fingiam ser algo que jamais seriam...

 

I’m talking to the shadows

1 o’clock to 4

And Lord, how slow the moments go

When all I do is pour

Black Coffee

 

Levou o cigarro aos lábios, tragou lentamente o seu veneno. Veneno que aprendera a apreciar com ele. E era por ele que se intoxicava...

Piscou lentamente, sentindo o tempo passar ao seu redor. Eram pouco mais de cinco e meia da manhã. O dia nascia devagar para todos. Para ela, principalmente.

Odiava as segundas-feiras. Com todas as forças de seu ser.

Pois era o dia em que começavam suas mentiras. Seu cinismo e descaso.

Soltou lentamente a fumaça acinzentada. Era o dia em que mais se arrependia de ter se envolvido com Draco Malfoy...

 

Since the blues caught my eye

I’m hanging out on Monday

My Sunday dream’s too dry

 

Ouviu passos atrás de si. Não precisou se virar. Só havia uma única pessoa ali além dela.

Alguém que aparatava em seu apartamento todas as sextas-feiras depois do expediente. Alguém que ia embora todas as segundas pela manhã.

Mesmo na penumbra, a figura se fazia altiva. Já vestido, como sempre.

Caminhou até a cozinha, deu a volta na pequena bancada. Puxou uma caneca, servindo-se de uma quantidade considerável de café. Sempre preto. Sempre forte. Exigência sua. Que passara a ser dela também...

 

Now a man is born to go a lovin’

A woman’s born to weep and fret

To stay at home and tend her oven

And drown her past regrets

In coffee and cigarettes

 

Viu-o passar por si, sentiu os dedos entrelaçarem-se aos fios de sua nuca. Continuou a mirar o nada. Jamais conseguira se despedir. Jamais tentaria, por medo do que o ouviria dizer.

Detestava o sentimento de impotência que ele criara em si. Nunca fora covarde, mas ele a fazia ser. Por que? Porque estava perdida demais. Apaixonada demais.

Por isso cedia toda sexta-feira. Por isso se arrependia todas as segundas. Porque ele jamais seria seu. E ela sempre seria dele.

De um jeito possessivo e brutal. Apenas carne. Desejo. Paixão.

Jamais amor. Pois Draco Malfoy não era capaz de amar.

E Hermione Granger era capaz de amar somente a ele. Ele e seu lado sombrio. Que a dominava por completo. Deixando-a sempre sozinha. Em pensamentos, arrependimentos e saudades...

 

I’m moody all the morning

Mourning all the night

And in between it’s nicotine

And not much hard to fight

Black Coffee

 

- Já sabe. – a voz rouca ecoou pela sala.

Hermione sabia. Sabia muito bem.

Não se viam ao longo da semana. Não se falavam, sequer se esbarravam pelos corredores. Deveria seguir com sua vida, mas que vida se ela já não tinha mais alguma?

Afastara-se dos amigos. Vivia para o trabalho. E para ele. Mas apenas nos finais de semana.

Pois, durante a semana, ele era dela. De Astória Greengrass.

O casamento mais esperado do ano. Um dos casais mais importantes do mundo bruxo. Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia e a mais nova artilheira da seleção inglesa de quadribol.

- Ouviu? – ele quis ter certeza.

Mas sabia que ela entendera. Ela sempre entenderia. Já estavam nisso há quase um ano. Não havia motivos para mudarem agora...

- Granger.

- Ouvi. – foi a resposta baixa.

Em seguida, ouviu o estalido da aparatação. Sentiu os fios de sua nuca caírem sobre seu pescoço, pois não mais encontravam-se presos aos dedos dele.

 

Feelin’ low as the ground

It’s driving me crazy Just waiting for my baby

To maybe come around

 

Viu o dia nascer pela janela de vidro. Os raios de sol estendendo-se lentamente pelo chão, alcançando sua pele em seguida.

Mas nada a aquecia como ele. Nada fazia seu corpo ferver e vibrar como o toque dele.

E, para seu desespero, ele sabia disso. Sempre saberia...

Pôs-se de pé, apoiou o cigarro no cinzeiro sobre a mesa de centro. Caminhou até a cozinha, serviu-se de café. Sorveu o líquido forte bem devagar, o corpo ainda dormente.

 

My nerves have gone to pieces

My hair is turning gray

All I do is drink black coffee

Since my man’s gone away…

 

Sabia que sua semana seria solitária e vazia.

Sorriu consigo mesma. Um sorriso casto e singelo. Sabia que a sexta-feira chegaria. Ela sempre chegava.

E ela mais uma vez seria dele.para o seu bem ou seu mal. Mas dele.

E era isso que importava, no final das contas...

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