Capítulo Único



Eu estou tão quentinho e calmo dentro de mim 
Eu de maneira alguma tenho que esconder 
Vamos falar do outro alguém 
Vapor logo começa a derreter 
Nada realmente incomoda ela 
Ela só quer amar ela mesma 
(You Know You're Right – Nirvana)






                                             A Busca de Ariana em Ariana





Indagava-me sobre a ariana-criança e Ariana-moça, respondia-lhe: 

- Só existe uma Ariana... a ti, querida irmã! – Ela Bufava, e acusava-me de ser um péssimo irmão, mas ela insistia, ah, como insistia essa diaba teimosa.

Teimava em buscar o irrecuperável, o inatingível, as multifaces de seu rosto perdidas em uma Ariana-amnésica.

- “Perdi algum tempo”, Alvo – disse Ariana-desmemoriada. - Quem fui, o que fiz e o que senti? Tudo foge a mim.

- Não te preocupes – eu dizia - tens a mim, eu, a ti! Eu te amo, Ariana, como amo!

Não me senti desonesto por ludibriá-la todas as vezes que me perguntava sobre os tempos de outrora, por Deus, entenda que a amnésia foi a salvação de Ariana, acredite. E, tentar curá-la dessa enfermidade seria como jogá-la nos braços da antiga que havia causado a ruína da nossa família... e para que retroceder se poderíamos ser felizes no “agora”?

Agora Ariana pisava no céu nada distraída, concentrada até, com as pontinhas dos dedos tentava tocar em suas nuvens afogadas como se pudesse recuperar o que havia se perdido. 

Admirava-a, porém temia que, de chofre, a inexpugnável fortaleza do esquecimento se evaporasse e revelasse aquilo que buscava. 

Nada realmente a incomoda nem mesmo a água gelada a tocar-lhe os pés, nem o sol que sorria tímido por causa do invólucro felpudo de nuvens a esconder-nos, por puro egoísmo, a aurora.

Ah, esse sentimento...

É isso o que eu sinto a sondar meu coração ou é apenas remorso? 

Não, não sou egoísta! Se a obliviei; se fiz isso foi pra o bem de Ariana, não foi?

Juro que foi, se você a visse, se você a visse...

O desespero, os soluços, os olhos tristonhos, Ah, pobre Ariana... Bem lhe fiz.

Sou boa pessoa, não sou?

Mas não quero falar de mim, falarei de Ariana, sim, falarei dela, de minha querida Ariana.

Ah, que belo sorriso! Sorri a ela, me sentindo calmo e quentinho; vendo-a toda brincalhona na água.

Mil vezes doce e graciosa Ariana, que ficava a estender os dedos para Ariana-refletida enquanto eu, à distância, a ouvia:

- Lembrarei algum dia, Alvo? 

Não lhe respondi, mas isso não a incomodou. Nada a incomodava nem mesmo as dores de cabeça a martirizar suas têmporas. 

Ah, mas por que tinha de se esforçar tanto para se lembrar de algo que não deveria?

A teimosa Ariana me dizia:

- Falta a mim, Alvo, preciso amar-me. Preciso conhecer Ariana. Ajude-me, irmão, ajude-me.

Receio que não do modo que queria; porém o fiz. Quando percebi que tinha se recordado do dia em que mamãe explodiu, não tive escolha, apenas fiz, e se pudesse escolher, faria de novo... e de novo. 

Ah, aqueles olhos sempre esbugalhados, tristes e loucos.

Sempre pisava no céu toda esquecida, sempre! insistia em tocar as mesmas nuvens sempre egoístas, tocava a si própria, com as pontas de seus dedos nada cansados de procurar... Ariana-moça. Ariana-criança.

Mas ela se amava?

No céu Ariana pisou. Evaporou todas as nuvens que escondiam suas lembranças e achou todas Arianas perdidas naquela que lhe restava.

Agora Ariana se amava?

Ah... por isso que a faço aminésica.

Mas que diaba teimosa! Viveremos nesse impasse? Tudo bem, que busque todas as Arianas que lhe cabe. 

Que pise em seu céu, pise.

Brincaremos (eternamente) de “lembrar e esquecer”? então, boa sorte a Ariana, realmente desejo que um dia se ame. 

Fim


N/A: Alguns trechos foram baseados na canção Chão de Estrelas composta por Sílvio Caldas e Orestes Barbosa.
 


 

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