Capítulo Único



N/A: Por onde começar?
       Não vou sequer entrar em detalhes sobre o quão complicado foi escrever essa shortfic. Mas, vocês sabem, quando uma idéia surge na minha cabeça, eu simplesmente não consigo pará-la. Me deu um trabalho tremendo, mas eu gostei do resultado final.
        O personagem de Dumbledore sempre foi visto como um alguém sábio e honesto, como de fato é. Mas, sempre que lia os livros, Dumbledore me parecia também atormentado. Estava pensando nisso algumas semanas atrás quando a idéia surgiu. O que eu fiz foi desmembrar a personagem, torná-lo o mais simples possível, e reconstruí-lo a partir daí. Fui fiel ao enredo dos livros originais, no que diz respeito a sua morte. E também sobre a morte do próprio Harry pois, lembrem-se, Dumbldore morreu crendo que Harry era a última Horcrux e que, por isso, deveria morrer também. Foi a partir deste ponto de vista que eu desenvolvi toda a narrativa, salvo à parte inicial sobre Voldemort. Fiquei imaginando como Dumbledore se sentiu, ao ve-lo crescer e tornar-se em monstro, logo debaixo de seu nariz, sem que percebesse.
         Não há nenhum mistério a ser resolvido, nenhuma intriga, nada. É uma fic que preenche algumas lacunas que, ao meu ver, ficaram pouco claras no original. Espero sinceramente que gostem, pois a escrevi com dedicação e carinho. Não foi nada fácil narrar uma história inteira em Dumbledore's POV.
         Foi uma sacada um tanto ambiciosa para mim, enquanto autora, e por isso reforço a importancia de respostas. De verdade, qualquer uma. Amou? Odiou? Gostou, mas acha que x e y podem melhorar? Me diga. Comente. Vote. Divulge. É a única recompensa que recebo pelo que faço e, sinceramente, é o bastante. Não existe autor nenhum por aí que não queira ouvir opiniões.
          Leiam também minha outra fanfic, atualmente no capítulo 49 (!). A Batalha Final - Sétimo Ano (fanfic.potterish.com/menufic.php?id=34067). Acho que é isso. Espero que gostem.

  Giovanna de Paula


A Última Carta


Shortfic


Capítulo Único


 


  Há algo de podre no reino da Dinamarca. Ah, há com certeza. Mas temo que tal enfermidade tenha se espalhado para a Inglaterra. Dias sombrios, terríveis, certamente. E tudo está apenas começando.


  No começo eram apenas boatos. Um jovem bruxo que se dizia superior, e que almejava por algo inconcebível. Imortalidade. Ah, esperanças vãs! Nenhum homem pode viver para sempre. Em algum ponto, ás vezes antes de nascermos, ás vezes já em uma idade avançada, sucumbimos. E embora o corpo permaneça vivo, o coração batendo, já não há alma nessa criatura.


  Arrisco dizer, alma esta que nunca existiu de fato.


  Mas ele o fez. Conseguiu. Partiu uma alma já quebrada em outros sete pedaços. Outros sete estilhaços. Seu poder cresceu, mas seu humanismo apenas diminuiu. Passou a desprezar pobres, trouxas, elfos. Ignorar o fato da magia que arde dentro de si ser a mesma que arde dentro dessas criaturas destratadas por ele.


  Quem é o homem, e quem é o monstro?


  Seu terror se espalhou. Seu ego cresceu. Sua consciência, por outro lado, estava cada dia menor. Tom Riddle, aquele mesmo que eu pessoalmente buscara no orfanato, que por sete anos estudara a sombra de meus braços, que agora trocava todos os valores que nós, o corpo docente, instauramos com tanta insistência em seu ser por ilusões vagas, o poder, a soberania, a hipocrisia. Aquilo que envenenou sua alma até a raiz, e que eliminou todo e qualquer traço do homem de antes, aquela criança assustada frente a seu armário em chamas, aquela mesma criança que não acreditava ser um bruxo, não acreditava ter sido dotado de tamanho dom. Na mente de Tom Riddle, tudo foi sempre uma questão de escolha, de merecimento. É uma maneira demasiadamente simplista de encarar as coisas.


     As pessoas tem o que as pessoas tem. Merecimento raramente tem algo a ver com isso.


   São palavras de um velho moribundo, definhando a frente de um cargo que há muitos anos não tem mais condições de ocupar. Essas mesmas mãos, outrora tão hábeis, ágeis, poderosas, letais, se assim desejasse. Mãos que agora tremem pelo esforço de escrever algumas dúzias de linhas, a fim que pelo menos uma parte de sua memória não seja apagada pelo tempo.


    Um fato: o tempo apaga tudo. Se não o faz em vida, o faz na morte. Mas sempre o faz.


     Ah, mas são tantas as memórias das quais não posso me orgulhar! Tantas inconseqüências quando jovem! Tanto sangue derramado! Eu, em minha estúpida inocência, pensei estar trabalhando em prol de um bem maior, quando na verdade estava às margens de me tornar o monstro que ele concretizou! Eu conheci o poder, senti seu cheiro, deliciei-me ao seu toque. Mas fui resgatado a tempo. Ah, se ao menos Tom Riddle tivesse sido resgatado! Se a consciência tivesse se abatido sobre nós, qualquer um de nos, a tempo de impedir tamanha desgraça, tamanha tragédia!


      Se ao menos eu, que me orgulho de meu intelecto superior, não tivesse sido tão cego...


      Quantas mortes teriam sido evitadas! Quanta dor!


      E como a vida conspira contra aqueles que pecam, pessoas como eu! Não bastaria a consciência de minha ingenuidade, de minha idiotice, e a ascensão de Tom ao poder negro por conta de tais atos, o destino ainda me reservaria mais uma surpresa desagradável, mais uma bofetada na cara.


     Por quê? Dentre todos os bruxos e bruxas deste país, por que eles?


     Pode parecer egoísmo de minha parte, e não duvido que seja.


     Mas eu não conseguia aceitar ver Tiago envolvido nessa roleta russa... mas, sobretudo, não conseguia aceitar Lilian.


     Não. Não Lilian. Ela não merecia nada daquilo. 


     Ela merecia uma família feliz.


     Ela merecia tudo!


     Foram eles os escolhidos pela vida, vida que simplesmente não se cansa de pregar-me peças. Tentei, tentei com todas as minhas forças, investi todo o meu tempo, concentrei toda a minha criatividade, e jurei para mim mesmo que faria de tudo para protegê-los. Por muito tempo, pensei que o tinha realmente feito, e que a desgraça que se abatera sobre aquela família naquela noite negra fora algo inevitável. Mas agora, na velhice, no arrependimento de quem viveu demais, me pergunto se não houve algo que deixei passar, algo que poderia efetivamente ter feito. E quando Severo veio me implorar, às lágrimas, que a ajudasse, Deus, como fui frio! São pouquíssimos os homens que não tem coração, e Severo jamais se enquadrou nessa categoria. É um homem estraçalhado pela vida que lhe foi posta diante dos olhos, um sofredor. Poderoso, calculista, muito inteligente, sim. Mas eu sinto, sinto vividamente que Severo Snape morreu naquela noite.


      Morreu junto com Lílian.


      Não morremos todos?


     É o que me pergunto. Todos nós morremos, ou ao menos uma parte de nós, juntamente com aqueles que amamos. A única diferença é que, em alguns casos, quando seu mundo inteiro perde o chão, e a vida que você levava simplesmente se escorre por seus dedos... não há mais volta.


     Nesses casos, o rasgo em suas almas é perpétuo.    


     E ainda havia aquela criança. O filho tão aguardado por Tiago, tão amado por Lílian. Harry. O menino que sobreviveu. O menino que teve a vida marcada ainda tão criança, que sobreviveu por uma série de acasos do destino, e que efetivamente driblou a morte. Meu coração arde ao pensar em seu destino. É um rapaz tão bom, de caráter tão raro. Não merece isso.


      Por que os bons são sempre os primeiros a sofrer?


     Por que os maus, os estúpidos, os hipócritas, como eu, estão sempre condenados a apenas assistir, a apenas testemunhar desgraças que deveriam ter se abatido sobre nós, que deveriam, como deveriam, atormentar mentes que merecessem ser atormentadas.


     Mas agora estou sendo incoerente comigo mesmo. Merecimento e caráter não se misturam.


     O que não necessariamente significa que assim devessem ser.


    E o pior é o que vejo em seus olhos desde menino, desde que ele cruzou pela primeira vez os portais de minha escola. A coragem brilha dentro dele. Não é um menino burro – jamais foi. Mas é cego quando se trata do heroísmo.


    Também é cego quando se trata de mim.


     Ele confia piamente em minhas palavras, em meus atos, em minhas recomendações. Ele me admira. Ah, se ao menos ele soubesse! Se ele soubesse de que maneira a culpa se abate sobre mim, se ele soubesse o que a vida lhe reserva! Eu, o velho sábio, poderoso, o melhor bruxo do mundo! Não estou eu mesmo, mandando-o para a morte?


     Estou sacrificando-o em prol do bem maior. Estou sacrificando-o para anular meus erros. Ele foi treinado para matar o mal, sem saber que, ao fazê-lo, matará a si mesmo também.


    É ele que mantém Tom Riddle vivo!


    Ele haverá de entender o quanto isso é preciso, mas não ficaria surpreso se, de súbito, a admiração se transformasse em ódio. E eu, covardemente, não viverei para presenciar sua fúria. Não poderei ser alvo de suas palavras. E ele estará, mais uma vez, condenado a aceitar e a se sacrificar, sem ter o direito de protestar, ou sequer entender, os motivos para tal.


     Destrua as horcruxes. Derrote o Lorde das Trevas.


      Mate-se.


      Não é triste? Não é irônico?


      E o velho sábio assiste. O velho sábio ordena.


     E o pequeno pupilo obedece.


     Será que algum dia ele será capaz de me perdoar pelo que fiz? Pelas mentiras que contei? Pelo tanto que o iludi? É seu destino, eu sei, e ele não poderá fugir dele. Mas é um peso demasiadamente grande para um rapaz. Como queria eu, ou qualquer outro,ser capaz de fazer o que ele deve! Mas não. O embate final deve ser entre o homem e o monstro, e ambos devem morrer em nome da paz! “Um não poderá viver enquanto o outro sobreviver”.


     São duas as interpretações para essa frase.


    A primeira é a que eu tão profundamente acreditei pelos últimos dez anos, e que com igual confiança transmiti a Harry: deverão postar-se frente a frente em um combate, e apenas um sairá vivo. Não é essa uma responsabilidade suficientemente grande por si só? Não basta? Não. Tem de haver mais. Minha mente tem de encontrar uma segunda possibilidade, e os fatos, sempre tão cruéis, tem de confirmar tal sugestão. A vida de um está ligada a do outro. E, da mesma forma, está a morte.


     Queria eu morrer eu seu lugar, Harry. Eu, um velho inútil, de intelecto a muito desgastado pela desgraça, queria sinceramente poder poupá-lo de tal responsabilidade, de tal esforço.


      Mas não posso. Ninguém pode. Essa batalha é sua.


     Você é um bom homem, Harry, e não merece ter de sacrificar-se pelo restante do mundo. Digo isso pois, intimamente, não tenho nenhuma dúvida de que o fará, por mais que doa dentro de si. Você morrerá para que todos vivamos.


      E isso, por si só, já o faz um homem melhor que eu próprio.


     Melhor que nós todos.


     Minhas mãos tremem, e eu temo não conseguir chegar ao fim deste relato. Temo que não haja tempo. Quando olho, saudosista, para meu gabinete e vejo até onde cheguei, por trás da pontada de orgulho não posso deixar de sentir uma pontada de tristeza. São tão confusas, as coisas. Tão nebulosas. Ás vezes penso se tudo não poderia ter sido diferente, se eu tivesse sido menos pretensioso em minha juventude. Talvez, não fosse diretor. Mas certamente não teria de carregar esse fardo.


       É duro, como é, o fardo da instrução. Do ensino. Da recomendação.


       Errei com Tom Riddle. Errei com Lílian e Tiago. Errei até mesmo com Severo. Será que errei também com você, Harry? Será que o que fiz foi o certo? Era direito ter te dado toda essa instrução, ter lhe incumbido de toda essa responsabilidade? Ter o alívio de tirar um peso das minhas costas apenas para colocá-lo nas suas?


        Ah, como me arrependo das coisas que fiz! Do quão cego fui!


       Minerva me diria para me abster de qualquer pesar. Diria que são os tempos de guerra, e que nenhuma decisão é certa o bastante. Minha querida amiga Minerva, cuja vida foi quase tão marcada quanto a minha, mas nem mesmo ela parece capaz de entender! O quanto fui tolo, estúpido, ignorante! Sempre vi apenas o que queria ver, e não necessariamente o que devia. Vi glória, sucesso, ambição, mas não vi Tom Riddle sucumbir diante dos meus olhos, não vi Severo sofrer até que ele mesmo me dissesse, não vi o perigo que espreitava os Potter na forma de falsos amigos. E todos esses meus erros se culminam de uma só vez, em uma só pessoa, que não eu!


       Harry! Por que sempre Harry?


       Será ele quem baterá a minha porta nesta noite. Ele que me acompanhará em minha ultima jornada, apesar de o mesmo não saber disso. Por descuido tive de modificar meus planos, e pedir a Severo um favor impossível. Mas o fiz no anseio de amenizar meus erros, abrandar minhas imperfeições. E tudo parte de um plano maior – como essa frase me persegue! Um plano, uma esperança, uma ultima tentativa de um homem cansado do passado a fim de possibilitar a um jovem rapaz uma possibilidade, por menor que seja, de vitória, de facilitação. Para que, quando se ver frente a frente com seu desafio, seu maior medo, possa ter o peito aquecido pela confiança sábia adquirida por quem já viu muito nesta vida, e está pronto para aceitar o que vier em seguida.


       Você será um homem mais sábio aos dezessete anos do que eu sou aos cem, tenho certeza disso. Você terá a plenitude de aceitar a vida como ela é, e nem por isso deixar de ver as cores. Tenho consciência do tamanho do desafio que lhe deixo, que deverá ser completado antes do embate propriamente dito. Mas também trago a segurança dentro de mim, de que você irá conseguir. Contudo, não tente fazer tudo sozinho, meu amigo. Você perecerá. São poucos os que tem a sorte de uma amizade tão límpida e cristalina e, por isso, considere-se afortunado. Você tentará protegê-los, poupá-los, salvá-los. Eu sei. Sei também que eles não lhe abandonarão em momento algum.


        Você tem a coragem, bravura e determinação de Tiago. Qualidades excelentes, sem dúvida. Entretanto, não posso me esquecer de Lílian. Você não herdou apenas seus olhos. Herdou também a gentileza, o carinho e a pureza. E são essas características, combinadas, que o fazem não apenas um bom soldado, como também uma boa pessoa.


       Devo encerrar meu relato agora. Confesso que escrever em pouco aliviou minhas angústias, e sei que grande parte do que aqui está descrito é, para usar o termo direto, inútil. Mas minha consciência de certa forma se tranquiliza ao saber que alguém conhecerá meus motivos. Alguém saberá das coisas que eu, reservado por natureza, escondi do mundo. E, se eventualmente esse alguém for o alguém certo, poderá até me perdoar. Ou, no mínimo, entender.


        Volto a falar com você agora, Harry. Sinto pelo que o destino lhe reserva, mas tenho a impressão de que você, indivíduo singular, o aceitará de maneira melhor que eu próprio. Que assim seja. Espero que tenha lhe ensinado ao menos um pouco, e que uma parte de mim lhe ajude a vencer essa batalha.


        O mundo tem esperanças em você, Harry. Nós confiamos em você. E eu? Eu tenho orgulho do homem que você se tornou.


        A tirania chegará ao fim. A discórdia, a desgraça, a miséria, chegarão ao fim. O céu se clareará ao amanhecer de uma nova era. E a sua marca deixará de ser motivo de sofrimento. A morte deixará de ser uma inimiga.


        Você conseguirá, Harry Potter. Eu sei que sim.


 


                                                                                       Alvo Dumbledore


                                                             Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts       


       


 

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