Quer tomar um café?
Os cabelos ruivos estavam irreconhecíveis. Se fossem anos antes, a visão daqueles cabelos ruivos me seria a razão para fazer cara de nojo. Afinal, tudo o que era ruivo consequentemente se relacionava com os Weasleys Pobretões - como eu costumava chama-los. E eu, como o legítimo Malfoy que sou, tinha certa aversão à cabelos ruivos e vestes de segunda-mão, por isso ficava atento para não me misturar.
Mas aqueles cabelos ruivos não eram lisos, como era de praxe entre os Weasleys. Aqueles cabelos ruivos tinham cachos grossos e elegantes, bem parecidos com os cachos da sangue-ruim Granger, mas, ao contrário destes, não tinham volume.
Eram cabelos ruivos na altura dos ombros, com uma franja ondulada tentando ser inutilmente mantida atrás da orelha. Os cabelos ruivos dos Weasleys normalmente eram compridos. Inclusive o dos homens, lembrei-me. Afinal, o nojentinho Carlinhos também tinha o cabelo comprido.
Aqueles cabelos ruivos vinham emoldurando um rosto bonito. Os olhos eram de um azul um tanto fosco – ela usava óculos -, o nariz era pequeno, os lábios rosados, as maçãs do rosto bem acentuadas. E sardas. Muitas sardas.
Eu estava na rua, na beira da calçada, esperando o sinal do transito fechar para atravessar a rua, quando essa garota parou do meu lado. Era uma adolescente qualquer. Usava roupas estranhas, como qualquer jovem de hoje em dia. Usava uma bolsa de lado, e lia um livro qualquer. Um sorriso distraído nos lábios.
Ela poderia ser filha do Ronald Weasley com Hermione Granger, pela paixão pelos livros. Ou poderia ser filha do Potter com a Weasley Fêmea, por causa dos óculos. Ou poderia ser filha de Di-Lua Lovegood com algum ruivo, por causa da distração.
- Posso ajudar? – a garota perguntou, tirando-me de meus devaneios. Só agora percebi que a estava encarando atentamente.
- Me desculpe, senhorita. Não tive a intenção de te assustar. – respondi.
Ela riu.
- Não, não me assustou – disse. – Eu só estava me perguntando... você é Draco Malfoy?
Por um segundo, eu me assustei. Como ela sabia meu nome? Pior: meu nome era tão conhecido assim, a ponto de ela ter curiosidade em saber quem respondia por ele? Quem mencionara meu nome para ela? Porque mencionara?
- Sou – respondi, soando ligeiramente seco. – E você, quem é?
- Rose Weasley. – ela se apresentou, estendendo-me a mão. – Quer tomar um café?
Ah, uma Weasley. Aqueles cabelos ruivos não enganam ninguém.
Mas uma coisa me intrigou... se ela era uma Weasley e tinha consciência de que eu era um Malfoy, porque estendeu-me a mão?
Olhei para a mão dela, pensando sobre se deveria ou não apertar-lhe os dedos, mas acabei desistindo e, como toda pessoa que ignora um aperto de mãos, esperei até que ela abaixasse a mão. Coisa que ela, de fato, não fez. O que verdadeiramente me surpreendeu.
- Não vai apertar minha mão? – perguntou ela, irritada, pude perceber.
- E porque eu faria isso? – respondi.
- Porque é o que as pessoas educadas fazem. – retrucou.
Levantei a sobrancelha.
- Você é filha da Granger, não?
- Eu, de fato, sou. – respondeu-me. Dei um sorriso de lado. É claro que ela era filha da Granger. Elas tinham o mesmo gênio.
Visto que ela ainda mantinha a mão estendida e eu voltei a ignorá-la quando o sinal abriu, Rose Weasley começou a me seguir, irritada, com as orelhas vermelhas.
- O que está querendo, Srta. Weasley? – perguntei, sem parar de andar.
- Meu nome é Rose! – teimou ela.
- Não me importa.
- Sabe, eu sempre achei que o senhor fosse uma pessoa educada.
- Não te dei razão para achar isso – resmunguei.
Rose agarrou-me pela manga do paletó, fazendo-me parar.
- Mas com certeza deve ter dado à minha mãe.
Essa me fez paralisar de vez.
- O que quer dizer?
Ela me soltou, sabendo que eu não iria fugir, e cruzou os braços.
- De onde acha que vem o respeito que tenho pelo senhor?
A Granger me respeitava? Essa era nova.
- Quer tomar um café? – ela perguntou.
Deixei essa passar.
- Desde quando sua mãe me respeita?
- Desde que o senhor se entregou ao Ministério depois da guerra. – explicou. – Ela te acha muito corajoso.
Senti meu queixo cair.
- O que?
- Meu pai não gosta muito da admiração que ela tem pelo senhor, Sr. Malfoy.
- Posso imaginar.
- Mas eu concordo plenamente com minha mãe.
Voltei a andar.
- Não deveria.
- E porque?
- Eu conspirei contra a Ordem de Fênix e o Ministério. – recitei. - Trabalhei para Voldemort ao lado de milhares de Comensais. Ajudei na morte de Alvo Dumbledore, infiltrando Comensais da Morte dentro de Hogwarts.
Rose acompanhou meus passos com facilidade. Ela era alta como o Weasley e tinha pernas longas.
- Mas foi o único que assumiu seus erros. O único que se entregou ao Ministério e pagou pelos seus crimes sem precisar que um bando de aurores o perseguisse.
- Eu me arrependi. Foi só isso.
- E você se recusa a apertar a minha mão, só porque eu sou uma Weasley? Onde está todo esse arrependimento agora? – continuou ela.
Por Merlin, o que ela pretendia?
- Vá para casa, Rose!
- Não pode me dizer o que fazer.
- Seus pais não iriam gostar de saber que você esta me perseguindo.
- Tenho dezesseis anos, Sr. Malfoy! Não sou criança!
Parei de andar. Ela parou na minha frente e cruzou os braços, levantando a sobrancelha, parecendo indignada com a situação. Era muito parecida com a Granger e quase esperei que ela me desse um soco.
- O que pretende com isso, Rose?
Ela relaxou, sabendo que eu estava disposto a conversar.
- Porque não apertou minha mão?
- Você não iria querer apertar minha mão.
- E porque não?
Mostrei minhas mãos para ela.
- Com estas mãos, eu poderia ter impedido sua mãe de ser terrivelmente torturada por Bellatriz Lestrange. Mas não fiz isso. Eu nem sequer tentei.
Rose ficou rígida e encostou a mão no próprio pescoço, exatamente aonde deveria estar o corte que a Lestrange fez na mãe dela. Eu sorri.
- A Granger ainda tem a cicatriz da adaga da Bellatriz, não?
A garota não me respondeu. Apenas ficou em um silêncio mórbido, acariciando sua cicatriz imaginária. Eu esperei, sabendo que ela ainda não tinha terminado sua cota de perguntas do dia.
- Porque se entregou, Sr. Malfoy? – ela perguntou por fim.
- Já te disse. Eu me arrependi.
- Não, não foi isso.
Juntei as sobrancelhas.
- O que você sabe sobre esse assunto? Você não sabe nada.
Ela me ignorou e prosseguiu.
- Sempre achei estranho o fato de minha mãe te admirar tanto, Sr. Malfoy. Como meu pai e meu tio Harry, ela deveria te odiar. Mas não consegue. Eu vi os olhos dela se encherem de afeição quando viu a manchete do Profeta que dizia que o senhor tinha se entregado.
Minha garganta se fechou.
- E daí?
- Ela acha que eu não vejo, Sr. Malfoy, o brilho nos olhos dela quando fala do senhor. E sou capaz de apostar que o senhor acha que eu não vejo o brilho nos teus olhos quando o senhor fala dela.
- Não sei do que está falando – disse e voltei à andar.
Rose me seguiu.
- Porque desistiu? – ela voltou a me perguntar.
- Porque é tão importante para você saber?
- Minha mãe sempre sabe o que eu sinto. Eu gostaria de entender o que ela sente também. E eu não consigo entender o porque de ela lhe admirar tanto.
Parei de andar novamente e respirei fundo. Porque diabos essa garota tinha que remexer nessas coisas?
- Quer mesmo saber o porque de eu me entregar?
- É claro.
- Prometi a mim mesmo nunca mais perder alguém por causa dos meus erros.
Rose pareceu meditar sobre minha resposta.
- Satisfeita? – perguntei.
- Quer tomar um café?
Levantei a sobrancelha, incrédulo.
- O que?
- Foi uma pergunta simples. E eu sei que o senhor entendeu.
- Então, deixe-me ver se entendi... acabei de dizer que poderia ter evitado o momento mais doloroso da vida de sua mãe, e você me pergunta se eu quero tomar um café?
Ela riu.
- Deixar minha mãe sofrer na mão daquela vaca da Bellatriz foi definitivamente um erro. E creio que foi esse erro que colaborou para que você perdesse o amor dela. – continuou, feliz por ter me deixado boquiaberto. Afinal, como ela sabia de todas essas coisas? - Mas porque isso te impediria de tomar café?
Comentários (3)
Parabéns, Thomas! Outra muito bem escrita.
2012-12-23Uau! Faz todo o sentido que essa seja a sua xodó! Escrita impecável e, meu Deus, que lindo! Primeira pessoa nunca me agrada no geral, mas vc fez Draco Malfoy não perder um fio da essência Draco Malfoy! Ficou tão magnífico que eu pude enxergar perfeitamente a cena montada na minha cabeça. E por incrível que pareça, Draco estava com toda a pose de Lúcio Malfoy aqui na minha cabeça. Parabéns por essa genial ideia que teve ao fazer esse diálogo tão cheio de histórias por trás! :)
2012-12-07Oi! Eu vi seu comentário na minha fic "Melhor me ouvir, Granger" e vimd ar uma espiada sem tinha alguma fic para poder agradecer...Eu adorei essa história! Muito!Adoro narrativs em primeira pessoa, mas nem todos conseguem escrevê-la. Adorei a sua ideia de Rose conversando com Draco! Parabéns pela história: ideia mto boa e a narrativa prendeu a minha atenção!
2012-04-21