A dor da partida



Senti uma claridade ofuscando minhas pálpebras.Abri os olhos lentamente e observei o esplêndido céu azul,sem nuvens.Percebi que uma quantidade imensa de folhas me rodeava e se prendia nos meus cabelos e na formal roupa de trabalho de Mafalda Hopkirk.Já tinha assumido minha forma normal,pensei.Suspirei aliviada por um segundo ao pensar que tinha acabado de me livrar de um comensal da morte que agora,infelizmente,sabia do segredo do Largo Grimmauld.O alívio de estar segura não durou muito.Ouvi um gemido rouco seguido de um grito que cortaram o silêncio;me virei rapidamente e vi Ron tremendo à alguns passos de mim,toda a extensão do braço manchada por um tom vermelho-escuro.Meus olhos se arregalaram e meu coração apertou,me rastejei até ele.O sangue agora preenchia todo deu lado esquerdo.Ele havia estrunchado.Desviei o olhar para seu rosto;ele estava absurdamente pálido,com os olhos semicerrados e a boca tremendo.Vê-lo sofrer era algo insuportável para mim.Senti meus braços fraquejarem e lágrimas formarem no canto dos olhos.


-Ron.. – sussurrei seu nome numa tentativa desesperada de fazê-lo melhorar,como se fosse adiantar algo.


Demasiada ocupada tentando rasgar a manga da camisa dele,mal percebi a aproximação de um moreno ofegante e preocupado


-O quê aconteceu? – Harry perguntou.


-Estrunchou. – respondi sem tirar os olhos de Ron,agora rasgando a blusa para analisar o ferimento enorme,faltava um pedaço de carne na região próxima ao ombro.Sangrava terminalmente.Minha outra mão apalpava minha cintura em procura de bolsa,mas ela não estava lá.


-Harry,depressa,na minha bolsa,tem um frasquinho com a etiqueta essência de ditamno.


-Bolsa.. – Harry hesitou. - Certo.. – recuou sem tirar os olhos surpresos diante do ferimento.


Agora Ron respirava com mais dificuldade e tremia compulsivamente,enquanto eu entrava em estado de desespero,naqueles segundos que pareciam ser anos.


-Depressa! – chiei,quase gritando para Harry.


Enquanto ele se aproximava,Ron parava de se mexer e parecia dormir,sinal de que ele desmaiara.Prendi minha respiração segurando mais lágrimas.


-Ele desmaiou – disse,tentando inutilmente abrir o pequeno frasco. – Destampe-o para mim Harry,minhas mãos estão tremendo.


Num rápido movimento ele o pegou de minha mão e o destampou, devagar mas trêmula,despejei três gotas na ferida ,onde ergueu-se uma fumaça esverdeada.Quando dissipou-se pude ver que o o sangramento cessara e a carne antes exposta agora estava cicatrizada e reposta.


-Uau ! – exclamou Harry.


-É só o que consigo fazer sem correr riscos.Há feitiços que o fariam novo em folha,mas não atrevo a usá-los por medo de errar e causar mais estrago.. – olhei para Ron,desacordado,suando e ainda pálido,repirando suavemente – ele já perdeu muito sangue. – completei com a voz cansada.


POV Ron


Parecia ter acordado após um pesadelo ruim.Abri os olhos lentamente forçando a memória para lembrar o que aconteceu,gemi ao perceber que meu braço esquerdo latejava e meu corpo inteiro doía.Meus olhos foram se acostumando a claridade até encontrarem um par de olhos castanhos brilhantes,que me fizeram esquecer a dor por alguns instantes.A voz doce de Hermione quebrou o silêncio:


-Como está se sentindo?


-Péssimo – respondi rouco fazendo uma careta quando fui tentar tocar no braço dormente – Onde estamos?


-Na floresta próxima de onde foi realizada a copa mundial de Quadribol..- Eu queria um lugar fechado,escondido e esse foi..


-O primeiro lugar que pensou – Harry terminou por ela. – Por enquanto vamos ficar por aqui.


POV Mione


O vento soprava levemente em meus cabelos arrumados em um coque frouxo.A paisagem era muito bonita,o fosco das árvores dando contraste ao lago iluminado pela luz do belo pôr-do-sol,podia-se ouvir o farfalhar das copas dos pinheiros e o barulho da água se movendo.Harry pescava desanimado próximo à margem.


Os dias passavam e me deixavam mais e mais preocupada.A Horcrux continuava intacta e absolutamente nada ajudava a melhorar a situação.Já havia passado noites em claro procurando qualquer coisas nos livros,mas nada me dava dicas.


Minha barriga acabara de vibrar de fome pela quinquagésima vez nessa semana.Eu me esforçava mais que tudo para conseguir trazer comida,mas sem sucesso.Eu não era uma exímia cozinheira afinal! E o pior de tudo era ter que aguentar Ron. Ele com fome era terminalmente chato,grosso e insuportável.Tinha vezes que minha vontade era de estuporá-lo.E o pior era quando a fome coincidia com sua hora de usar a Horcrux,ele se tornava decididamente desagradável.Agora era o meu turno,e o medalhão jazia em meu peito,causando uma sensação gelada na pele e algo como um descontrole na mente,uma raiva por nada,um sentimento ruim e inexplicável.Mas mesmo assim eu tinha que passar por cima,nós não podíamos desistir e alguém tinha que manter a paz.A fome era algo que causava mal-humor coletivo,e quando se trata de Ronald Weasley,o assunto piora.O comportamento dele diante a situação,como se não tivesse nada a ver com o que acontecia e sempre esperava que eu e Harry déssemos as respostas.Mas como se ninguém sabia responder? Ele estava bem mais grosso e insensível,como sempre.Merlin! Porquê ele tem que agir assim?Meus pensamentos foram afastados quando um Harry de sorriso triste na face me estendia a mão para levantar.Sorri de volta e segurei minha mão na dele,acabei por fazer tanta força que nós dois caímos de costas no chão cheio de folhas,derrubando os dois peixes pequenos e a vara improvisada da mão dele.Começamos a rir feito crianças novamente.E como era bom poder rir novamente,no meio de tanta tensão!


-Opa! – Harry disse no intervalo das risadas. – Acho melhor cada um se levantar sozinho. – completou,e me fez rir mais.


-Tudo bem. – respondi me levantando e limpando as folhas da minha roupa.


Entramos na cabana sorrindo até nos depararmos com um Ron emburrado olhando diretamente para mim com mágoa.


-Demoraram.É minha vez. – murmurou apontando para meu pescoço.Hesitei,mas tirei-a e dei a ele,que saiu da barraca na mesma hora.Fiquei fitando a porta por uns instantes mas desviei o olhar rapidamente me aproximando da cozinha improvisada com Harry atrás.


-Hey! – ele comentou,enquanto largava os peixes na bancada. – Tem uma folha aqui. – apontou para meu cabelo – Deixa que eu tiro.


Sorri em agradecimento e comecei à tentar preparar os peixes.Já tinha visto minha mãe e a Srª Weasley fazerem diversas vezes,mas nada parecia fácil com apenas uma frigideira,pratos,facas que cortavam mal e nenhum tempero.Coloquei-os na frigideira e esperei um pouco.Infelizmente,por serem demasiado pequenos,acabaram fritando demais.Coloquei-os decepcionada em um prato maior e fui colocando a mesa.Harry veio para ajudar,ao terminarmos,Ron adentrava na barraca e sentava-se para comer,pareceu sorrir ao ver a comida,mas depois de alguns minutos na mesa,quando eu tentava engolir o peixe um tanto duro,comentou:


-Minha mãe é capaz de conjurar do nada uma comida gostosa. – e cutucou o peixe no prato.


Respirei fundo,tentando não levar como uma ofensa.


-Sua mãe não conjura comida do nada.Ninguém pode fazer isso.Comida e a primeira das cinco principais exceções a lei de Gamp sobre a Transfiguração Elemen...


-Ah,vê se fala em língua de gente tá! – retorquiu Ron.Continuei,abismada com sua grosseria idiota.


-É impossível preparar comida boa do nada!Você pode convocá-la se souber onde achar,você pode transformá-la,você pode aumentar a quantidade de já tem alguma...


-Pois não se dê o trabalho de aumentar esse aqui,tá uma porcaria. – retrucou,me olhando com raiva,a Horcrux no peito.


Me senti um lixo,mas não ia lhe dar o prazer de me ver mal,se é esse o objetivo dele.A raiva subiu à cabeça por alguns instantes.


-Harry apanhou o peixe e eu fiz o melhor que pude!Estou notando que sempre sou eu quem resolve o problema da comida;porque sou uma menina;suponho! -  disse entredentes.


-Não,porque a gente supõe que você seja melhor em magia. – disparou.


Ah,não.Isso não vai ficar assim,quem ele pensa que é? Me levantei num pulo da cadeira mal notando que os peixes caíram no chão,me apressei em dizer,com toda a raiva que tinha.Que ele havia me feito sentir.O troco.


-Você pode cozinhar amanhã Ron,você pode procurar os ingredientes e tentar transformá-los em alguma coisa que valha a pena comer,e eu vou sentar aqui e fazer cara feia e reclamar e você vai poder ver..


-Calem a boca! – me virei e observei Harry se levantando e erguendo as mãos – Calem já a boca!


Mal acreditei.Mais um contra mim?


-Como você pode apoiar o Ron?Ele quase nunca cozinha! – exclamei com cara de indignação.


-Hermione,fica quieta,estou ouvindo alguém! – disse.


Apurei os ouvidos e também ouvi.Barulho de passos.Me aproximei de Harry e ele sussurrou;


-Você lançou o Abaffiato sofre nós,certo?


-Lancei tudo – respondi prontamente – o Abaffiato,o Anti-Trouxas e o da Desilusão..todos.Sejam quem for,não devem poder nos ver nem ouvir.


{...}


À alguns minutos atrás tudo parecia perfeito.Parecíamos ter desvendado parte do mistério..tudo parecia se encaixar..Até Ron se revoltar contra a situação,me fazendo entrar em total desespero.Agora tudo parecia confuso e insolúvel novamente.


– Bem...desculpe desapontá-lo. - disse Harry, com voz calma, - Fui direto com você no começo e lhe contei tudo o que Dumbledore me disse. Em todo caso, se você não percebeu, nós encontramos uma Horcrux!


– Sim... e estamos tão perto de nos desfazer dela como estamos de encontrar o resto... em outras palavras, não estamos perto de nada! – Ron devolveu com raiva.


Resolvi interferir.


– Tire o medalhão, Ron! – quase gritei. - Por favor, tire. Você não estaria falando assim se não estivesse usando ele o dia todo! – cheguei perto dele,mas ele ergueu o braço em sinal de afastamento.


– Sim, ele estaria. –retorquiu Harry,visivelmente perdendo o controle.. - Vocês acharam que eu percebi que vocês falam sobre mim pelas minhas costas? Que não percebi que vocês pensam exatamente isso?


– Harry, nós não estávamos... – tentei inutilmente falar,com os olhos enchendo-se de lágrimas,


– Não minta! - Rony jogou na minha cara.Podia ver a raiva trasbordando dos seus olhos. - Você disse isso também! Você disse que estava desapontada, você disse que pensou que ele tinha mais lugares para ir e...


– Eu não disse isso desta forma. Harry, eu não disse! - gritei


 A chuva estava pingando na barraca, lágrimas escorriam pelo meu rosto.Tudo parecia mudado em questão de segundos.


– Então, por que ainda está aqui? - Harry perguntou a Ron,que bufou e respondeu:


– Não tenho a mínima ideia.


– Volte para casa, então! – retrucou Harry


– Sim... talvez eu volte! - gritou Ron, avançando sobre Harry, que não recuou. - Você não ouviu o que eles disseram sobre minha irmã? Mas você não se importa, não é? É só a Floresta Proibida, Harry “Enfrentei-o-pior” Potter não se importa com o que acontece com ela.Pois eu me importo,tá,aranhas gigantes e piração..


– Eu só disse que ela estava com os outros, estava com Hagrid. –Harry murmurou parecendo ter murchado após a citação do nome de Gina.


– Sim, eu entendi, não se preocupe! E o resto da minha família? "Os Weasley não precisam de mais um filho ferido”, você ouviu aquilo?


– Sim... eu...


– Não se importa com o que isso significa, não é? – vociferou Ron


Meu coração apertou,aquilo doía em mim.Tirei toda  força que tinha para falar;


– Ron! –forcei caminho entre eles - Eu não acho que isso significa que alguma coisa aconteceu. Nada que não saibamos. Pense Ron..Gui já está preocupado.Muitas pessoas já devem ter percebido que Jorge não tem uma orelha.. –olhei fundo nos olhos azuis dele,que fugiam de mim -  e você parecia estar no seu leito de morte quando saímos, tenho certeza que, tudo o que ele quis dizer foi...


– Ah...você tem certeza? – ele me interrompeu - Certo então.não vou me preocupar com eles.Tudo bem para vocês dois, não é? Com seus pais a salvo e fora do caminho...


– Meus pais estão mortos! - Harry berrou.


– E os meus podem estar no mesmo caminho! - gritou Ron,com a raiva faiscando nos seus olhos,era visível sua vontade de espancar Harry,vice-versa.


– ENTÃO VAI! – urrou Harry. - Volte para eles! Finja que se curou da sarapintose e mamãe poderá enchê-lo de comida e...


            Rony fez um movimento rápido. Harry reagiu, mas antes que a varinha de ambos saísse do bolso,eu puxei a minha,desesperadamente e gritei:


– Protego! - um campo invisível caiu sobre mim e Harry, num lado Harry e do outro Ron.Todos nós fomos forçados a voltar uns passos atrás pela força do feitiço, e os garotos olharam um para outro através da barreira transparente como se estivessem se vendo claramente pela primeira vez.Ambos com uma cara de raiva que eu nunca vira.


– Tire a Horcux. - disse Harry,ríspido.


Ron arrancou a corrente da cabeça e atirou em uma cadeira próxima.Pegou a mochila e parou na entrada da barraca,olhando fixamente pra mim.


-Que vai fazer?


-Como assim? – perguntei,sentindo as lágrimas quentes molharem minha bochecha e uma dor invadir meu peito.


-Você vai ficar – ele desviou o olhar – ou o quê?


Meu mundo parou,o ar pareceu faltar.Diria o quê agora?Eu o amava.Amava Harry.Parecia que todo o peso do mundo estava em minhas mãos.Escolher entre o amor da sua vida e seu melhor amigo,como um irmão.


-Eu..- falei com voz trêmula – Vou..vou sim.Ron,nós dissemos que viríamos com Harry,dissemos que ajudaríamos.. – respirei fundo,temendo a resposta.


-Entendi.Você escolhe ficar com ele. – havia mágoa e rancor em sua voz.Ele olhou para baixo.


Eu parecia desmoronar por dentro.


-Ron,não..por favor...volte aqui,volte aqui!


O vi sair pela entrada da cabana e corri atrás dele,mas fui impedida pelo meu próprio feitiço escudo,o desfiz e corri noite adentro.


Vi ele andar em direção ao vazio,longe da barraca,com os cabelos molhados e cabeça baixa.Eu senti meu corpo todo molhado,meu cabelo escorrer pela testa,as lágrimas incessantes caírem e caírem.


-Ron,por favor,volta! – sussurrei praticamente correndo atrás dele.Agora meus soluços quebravam o silêncio da noite calma e fria.


Ele continuava andando,agora mais rápido,e senti meu corpo fraquejar,mas continuei.Ele não podia me abandonar.Não agora.


-Ron.. – murmurei quando minhas esperanças foram para o nada.Seu corpo sumira entre as árvores,levando parte de mim com ele.


Ele me abandonou.


Não aguentava mais as minhas próprias pernas,me apoiei numa árvore e chorei alto,como nunca havia chorado na vida.As folhas das árvores balançavam e a noite pareceu mais gelada.A dor que eu estava sentindo não poderia ser comparada nem com a de um ataque de dementadores.Chegava a ser uma dor física.


-Ron...


Falei baixinho com se pudesse tê-lo de volta,ali,comigo.Mas não,ele se fora.E não voltaria.Com o coração em pedaços,voltei para a barraca e anunciei,pouco me importando em estar molhada.


-Ele f-foi embora. – a voz parecia não querer sair,eu não queria aceitar a verdade. – Desaparatou!


Me joguei em uma poltrona e agarrei os joelhos,soluçando compulsivamente.Harry se aproximou e colocou um cobertor em cima de mim,silenciosamente,foi se deitar.Então,percebi.O cobertor era do Ron,tinha seu cheiro.Me agarrei à ele,e me permiti chorar.Chorar pela pessoa que eu era apaixonada,e havia me deixado.Chorar ao pensar que talvez,ele nunca voltasse.Simplesmente eu não tinha mais forças para nada,o Mundo parecia desmoronar à minha volta.Ele se foi.Tentei inutilmente dormir,mas o cheiro dele impregnado naquele cobertor me fazia pior.Lembrei de do casamento,que foi tão maravilhoso..no Largo Grimmauld...de todas as férias juntos...de Hogwarts..Os três.Sempre unidos.Agora em cacos.


A verdade martelava em minha mente,se ele fez isso,não vai voltar mais.E eu chorava baixo,tentando tirar de mim todo esse sentimento de dor.Mas não dava.A saudade de tê-lo ali,mesmo que fosse reclamando de fome,era inevitável.Porquê ele resolveu ficar desse jeito?Eu tinha certeza que era a Horcrux,mas nada importava agora.Tanto faz se temos pistas sobre a espada de Gryffindor,ou sobre qualquer coisa.Sequei as lágrimas que caíam sem parar,e chorei ainda mais.Não iria conseguir dormir essa noite,nem nas próximas.Joguei a cabeça para trás,derrotada e cansada,abraçando o cobertor.As imagens ainda estavam frescas na minha mente.Ele deixando a barraca..eu indo atrás dele..e ele não me escutou.Me ignorou.Senti meu corpo trêmulo com esse pensamento.Minha respiração estava fraca e meu corpo parecia implorar pelo toque daquelas mãos grandes e macias que causavam um formigamento incrível sempre.Mas ele não estava ali.Não mais.


 


E continuei ali,noite adentro,chorando e chorando.Na esperança de que você aparecesse.Meu coração repetindo seu nome.

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Comentários (1)

  • willi santana

    mais um capitulo intenso, amei! essa passagem é sempre muito tensa pra os tres, e a confusão das necessidades físicas com os sentimentos conturbados é explosiva!!!!  ficou muito bom...parabéns flor!!!

    2012-02-26
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