Piquenique
- Não quero brigar com você.
- Eu também não.
- Então me desculpe.
- Não.
- Porquê?
- Porque você não merece.
- Porque não?
- Porque não! E pare de me amolar Potter!
Minha paciência estava se acabando com aquela conversa. Não conseguia me concentrar no dever – que não é novidade – gigante de McGonagall.
- É sério, Lílian. Eu não queria ter feito aquilo...
- Mas fez. E eu já disse pra você sair daqui.
- Mas...
- Vai logo!
Tiago suspirou.
- Quer ajuda nesse dever?
- Eu aprendo sozinha.
- Ah, é? – ele perguntou, espiando o pergaminho. – Pois a vigésima sétima linha está totalmente errada e eu posso te ajudar.
- É com os erros que a gente aprende.
- A McGonagall não vai ligar pra isso.
- Mas o que importa não é a nota e sim se eu aprendi ou não.
- Mas eu quero te ajudar.
- Não preciso da sua ajuda. E já que você não me dá ouvidos... – recolhi os livros, penas, tinteiros e pergaminhos da mesa. – eu me retiro.
- Você é muito teimosa!
- E você é um ignorante!
- Você é uma sabe-tudo!
- E você é um idiota!
- Não sou!
- Eu também não sou sabe-tudo! E pare de falar comigo!
Subi apressada o dormitório das garotas; todas estavam lá quando cheguei.
- Pela sua cara, temos uma nova discussão com Pontas. – falou Maria, despreocupadamente.
- Acertou.
Foi assim pelo resto dos dias; Tiago vivia querendo conversar, se aproximar. Eu mantinha distancia, pois, afinal, esse era meu objetivo de agora.
Porém havia um impasse mais para o fim de março: o aniversário de Tiago.
Eu não sabia como reagir ao seu aniversário, que presente lhe dar, como o tratar ou se devia simplesmente ignorar. É claro que a última alternativa estava totalmente fora de questão, já que ele proporcionara um dos meus melhores aniversários.
Com os passar dos dias esse pensamento martelava na minha cabeça, e eu já não podendo controlar, fui falar com Maria, que talvez pudesse me ajudar.
- Eu já sei o presente perfeito pra dar pra ele! – ela exclamou animada, quando contei a ela meu problema enquanto estávamos sozinhas no dormitório.
- O quê?
- O seu perdão.
Eu bufei alto.
- Não. Tem que ser algo ligado à quadribol.
- E o que você tem em mente?
- Pois é, eu não sei.
- Ligado à quadribol. – Maria repetiu, pensando. – Uma camisa dos Cannons?
- Ah não. Com certeza ele já tem a coleção inteira. – falei, balançando a cabeça.
- Um pomo?
- Ele já tem.
- Uma capa de cama dos Cannons?
- Não. Meio... estranho.
- Uma vassoura?
- Não tem nenhum modelo novo, e a dele é a mais avançada.
- Um livro de quadribol?
- Eu já dei pra ele de natal, lembra?
- Ah, é. Então sinto muito, Lílian. A única coisa que você pode dar pra ele é...
- Pode esquecer. – cortei.
- Sendo assim, coitado do Pontas. – Maria disse, balançando a cabeça. – Vai ficar sem presente da namorada.
- Quantas vezes já disse que não namoramos mais?
- Esqueci. Eu estava tão acostumada...
Olhei para o teto, suspirando; eu a ignorei pelo resto da noite.
Enfim o dia vinte e sete de março estava amanhecendo e eu definitivamente não havia comprado nada para ele, e com isso me senti estranha e desconfortável; a mesma sensação que você sente quando tem o pressentimento que esqueceu de alguma coisa.
Era sábado, portanto passei o resto do dia trancada no dormitório com a desculpa de estar com dor de cabeça. Na verdade, eu ainda estava pensando numa maneira de dar um presente decente pra Tiago.
Já se passavam das seis da tarde. Eu ficara o dia inteiro adiantando os deveres ainda no dormitório, o que não era diferente; eu faria a mesma coisa na sala comunal.
Maria adentrou no quarto enquanto eu fazia um complicado mapa de Astronomia.
- Oi, Lílian.
- Oi. – respondi sem erguer os olhos do pergaminho.
- Tiago está lá embaixo.
- E daí?
- Você não vai nem dar parabéns pra ele?
- Eu não... sei o que dar.
- Nessas alturas não tem nada pra você dar a ele. Se você voltar com ele com certeza vai ser um dos melhores presentes.
Continuei sem resposta, ainda traçando a distância de Marte à Vênus.
- Lílian, pare e pense. Já está na hora de vocês voltarem! Quero dizer, você voltar. Você gosta dele de verdade e eu sei que ele sente o mesmo por você. Ele está muito triste, e hoje é o aniversário dele! Todo mundo erra uma vez na vida. Eu, você, todo mundo já errou ou vai errar. E eu achava que você era inteligente o bastante para saber disso.
Ela parou para me encarar. Eu suspirei.
- Olha, eu não vou chegar simplesmente pra ele e dizer "Olá Tiago. Feliz aniversário. Eu desculpo você."
- Algum problema de fazer simplesmente isso?
- Aí é que está. Simplesmente isso.
- Ah. – ela disse, seus olhos repentinamente brilhando. – Você quer dizer que quer fazer algo parecido com aquela noite de vocês?
- É.
- Então já sei! Leva ele na Sala Precisa!
- Eu já pensei nisso e a resposta é não. – falei, revirando os olhos. – Fica muito igual.
- E daí?
- E daí que não.
Maria sentou na cama, respirando fundo. Sua expressão mostrava claramente que ela estava pensando.
- Peraí. – eu disse, jogando os pergaminhos e a pena pro lado. – Eu acho que tive uma idéia.
- Qual?
- Eu não sei direito, mas vou precisar que você me ajude.
- Ajudo. – ela falou, se pondo de pé animada.
- Não é muita coisa. Só mantenha Tiago no Salão Principal alguns minutos.
- O que vai fazer?
- Eu já disse que não sei muito bem. – eu disse. – Mas não fale nada pra ele e não deixa ele desconfiar de nada. Seja natural, por favor.
- Ser natural. – ela repetiu, sorrindo. – E o que mais?
- Só isso. Agora já pode descer e levar ele com você.
- Certo. – ela disse, imitando um gesto de soldado e saindo pela porta.
Desci para a sala comunal, agora não tão cheia. Com certeza muitas pessoas estavam no jantar, o que com certeza favorecia Maria.
Subi apressada o dormitório dos garotos. Estava tudo na habitual bagunça e logo localizei o malão de Tiago.
Depois de revirar camisetas, jeans e roupas de Hogwarts finalmente a encontrei. A lustrosa capa prateada escorregava novamente pelas minhas mãos. Acho que Tiago não se importaria com a invasão de privacidade.
Voltei a procurar no malão, onde no fundo tinha muitos pergaminhos dobrados e amassados. Seria difícil encontrar o pergaminho certo no meio de tantos outros. Tive que bater a varinha em cada um, murmurando "Juro solenemente não fazer nada de bom". Até que um deles se revelou, mostrando vários pontos marcados em tinta localizados no Salão Principal.
Não parei muito para observar. Guardei o mapa e a capa no bolso e me dirigi a porta, até escutar passos subir a escada.
Droga, não havia me lembrado de olhar na Torre da Grifinória.
Me esquivei para debaixo na cama de Tiago, fazendo menos barulho possível. Vi pela fresta do pé da cama os pés irem de um lado para outro do dormitório.
Eu não sabia quem era; peguei o mapa do bolso com cuidado a fim de observar a torre. Estava marcado Lílian Evans em um dos dormitórios, ao lado de uma figura que se movia, Edgar Bones.
Fiquei pensando se sairia debaixo da cama e falaria com ele, mas não foi preciso. Ele logo saiu pelo dormitório e eu segui com atenção ele descer pelas escadas, passar pela Sala Comunal e caminhar pelo corredor.
Saí com dificuldade da cama apertada e sai do dormitório. Ninguém parecia ter percebido o que eu estava fazendo, o que era bom.
Peguei uma cesta e uma toalha no dormitório. Acho que isso era o bastante para um piquenique bem feito. E também achei meu conhecimento em feitiços bom o bastante para conjurar outras coisas que precisasse.
Cheguei ao Saguão de Entrada depois de um tempo. O Salão Principal ainda ecoava de conversas e talheres, e pelo que notei ainda estavam na sobremesa.
Passei pelas duas mesas e logo localizei Maria, Dougie, Tiago, Sirius, Aluado e Rabicho, todos juntos, conversando entusiasmados. Caminhei até eles e me sentei ao lado de Maria, que me lançou um olhar curioso.
- Oi. – eu disse simplesmente.
Todos me olhavam confusos, porque afinal, fazia um tempo que eu não me sentava com eles.
- Lílian Evans, o retorno. – brincou Sirius, rindo.
- Se isso foi um "bem-vinda", eu agradeço. – respondi, também rindo.
Olhei para o Tiago; ele estava hesitante e intrigado. Eu não falei com ele, apenas me servi com um pouco de pudim, me divertindo por dentro.
- Melhorou a dor de cabeça, Lílian? – perguntou Dougie.
- Um pouco. Nada que um pudim de chocolate não resolva.
O tempo passou depressa, e o Salão logo foi se esvaziando. Começamos a levantar também.
Estávamos passando pelo Saguão, quando segurei a mão de Tiago. Ele me olhou surpreso.
- Vem comigo. – sussurrei pra ele.
Ele olhou ao redor, mas resolveu me acompanhar.
- O que foi? – ele perguntou, quando viramos para um corredor vazio.
Bati na cabeça dele com a varinha, e vi seu corpo sumir.
- Lílian, o que você está fazendo? – ele indagou e embora eu não pudesse ver, sua expressão com certeza estava chocada. – E o que você está fazendo com a minha capa?
- Deixe as perguntas pra depois. – respondi sorrindo e colocando a capa.
Os alunos ainda estavam saindo do Salão, então decidi sair pelas estufas.
Já que eu ainda segurava Tiago pela mão, só por segurança, eu o puxei e sai correndo pelo corredor, ainda atenta no mapa para ver se não tem alguém por perto.
- Lílian, o que...
- Shhhhh. – fiz pra ele.
Chegamos às estufas, e passamos pelas milhares de plantas colocadas ao longo das mesas até sair para os jardins. A lua crescente brilhava com força no céu, iluminando o lago e as janelas brilhantes do castelo.
Eu havia arrumado as coisas um pouco mais adiante à horta do Hagrid, mais para perto do lago; longe o bastante para ele e nem ninguém no castelo puder olhar, pois era embaixo de uma grande árvore.
Depois de um pouco de caminhada, a qual eu senti a cabeça de Tiago fervilhando de perguntas, chegamos ao ponto.
A toalha – que com um feitiço que até eu mesma me surpreendi de ter feito – bordada com um pomo estava estendida; sobre ela eu havia colocado frutas e mais algumas guloseimas que eu tive a liberdade de roubar da cozinha (uma vez Sirius me falou onde ficava a entrada). E também havia conjurado velas para iluminar o ambiente; acho que tinha ficado legal, ou pelo menos tão boa quanto a Sala Precisa.
Despi a capa e depositei o mapa em cima dela. Tateei o ar até achar a cabeça de Tiago; bati novamente a varinha em sua cabeça e ele reapareceu.
- Feliz aniversário. – falei, rindo.
Sem dúvida, ele estava surpreso. Ele olhava o local com ar de agrado e incredulidade.
- Eu fiquei em dúvida sobre qual seria seu presente. Então decidi fazer um pequeno piquenique pra você. – expliquei.
- Quando você preparou tudo isso? – ele perguntou, enfim.
- Agora pouco, enquanto você jantava.
- Fez tudo sozinha?
- É. – falei, rindo novamente de sua cara intrigada. – Por quê? Acha que eu não sou capaz?
- Não, não é isso. – ele respondeu rapidamente. – É que... eu não esperava que você fizesse isso.
- Nem eu esperava que eu ia fazer isso. – respondi, pensativa.
- Er... isso foge um pouco de você, não é?
- Como assim?
- Não é comum você sair em plena noite do castelo e fazer isso.
- Eu sei. Mas eu fiz isso por você.
Eu sorri, e ele retribuiu com um de seus maiores – e preferido meu – sorriso.
- Obrigado.
- Não precisa agradecer. Eu só... – busquei as palavras. – Queria me desculpar por ter sido idiota nesses meses. Não ter falado com você e nem com todos os outros...
- Não precisa se desculpar. – ele me interrompeu. – A culpa foi toda minha. Eu que fiz aquilo com o Ranhoso, eu que planejei tudo, eu sinto muito.
- Eu desculpo você. – respondi, pegando novamente em sua mão.
- De verdade? – ele arregalou os olhos.
- De verdade.
- Sério mesmo?
- Sério. E a propósito... – eu sorri, timidamente. – Eu amo você.
Ele sorriu entre o choque e a satisfação, enquanto eu me aproximava, meio que por impulso, e finalmente juntava nosso lábios outra vez.
Agora ali, eu podia ver o quanto que ele me fez falta, o quanto eu sentia falta daquele beijo e daquele toque. Eu podia até sair por aí pulando de felicidade, mas na verdade eu não queria largar dele.
Sua expressão não poderia ser melhor quando ele me fitou, depois de nos separarmos.
Ele começou a procurar algo nos bolsos, então puxou algo brilhante e prateado. Era o colar que eu antes entregara a ele.
- Porque você o carrega?
- Não sei. Acho que fazia me lembrar de você.
Fiquei radiante e virei para ele, novamente sentindo o pingente redondo em meu pescoço.
- Eu te amo. – ele sussurrou no meu ouvido.
- Isso é bom. – respondi, fazendo-o rir.
Eu sentei sobre a toalha, e ele sentou-se defronte a mim.
- Eu tenho uma condição a te fazer. – falei, comendo um sapo de chocolate.
- O quê?
- Bom, nós reatamos o namoro. Mas tem uma condição.
- Qual?
- Você nunca mais, pelo menos na minha frente, vai sequer citar o nome do Severo. Nunca mais vai confrontar ele. Vai manter distância dele.
Ele parou um momento de mastigar o feijãozinho que estava comendo, mas por fim falou:
- Tudo bem.
- Você promete?
- Prometo.
- Certo. – respondi, feliz.
- Eu também tenho minha condição.
- Qual?
- Você não será mais amiga dele.
- Nem precisa. Eu já não sou mais.
- Mas sabe como é, você sempre acaba voltando a conversar com ele.
- Não mais.
Ele suspirou, sorrindo satisfeito.
- Então, o convite pra festa do Slughorn ainda está de pé?
- Hummm... – ele fingiu pensar. – É claro.
- Vou avisando que às vezes as festas são muito monótonas.
- Sem problemas.
A noite não pôde ser mais perfeita. Ou tão perfeita quanto a noite do meu aniversario. Passeamos pelo redor do lago, observamos estrelas (apesar de nenhum de nós ser muito bons em Astronomia) e é claro, aproveitamos o resto da comida eu havia trago.
Por volta da meia-noite, decidimos voltar para o castelo, novamente com o Feitiço de Desilusão e a capa (Tiago achou engraçada minha invasão em seu dormitório).
Sinceramente eu achei que a sala comunal estaria vazia quando nós chegássemos lá, mas Maria, Dougie e os outros ainda estavam conversando a um canto.
- Não tire a capa. – Tiago sussurrou baixo o bastante pra somente eu ouvir, e imaginei que ele tivesse ido escutar a conversa deles.
Eu me aproximei também, sem fazer barulho.
- ... então a Lílian me disse que era pra manter o Pontas fora daqui.
- Eles devem estar na Sala Precisa. – falou Rabicho.
- Não, ela disse que não iria pra lá. – Maria respondeu.
- Será que foram para Hogsmeade? – arriscou Sirius.
- Duvido muito. – comentou Aluado.
- No Salgueiro Lutador? – tentou Dougie.
- Acho impossível. – Sirius disse.
- Eu também. – Tiago falou, sobressaltando-os. Fiz força para não rir.
- Impressão minha, ou escutei a voz do Tiago? – perguntou Maria, alarmada.
- Ele deve estar com a capa. – Sirius respondeu rindo. – Cadê você Pontas?
- Oi, gente. – falei, despindo a capa. Rabicho caiu da poltrona e Maria soltou um gritinho.
- Cadê o Pontas? – perguntou Aluado, rindo.
- Tá por aí.
- E onde vocês estavam? – indagou Dougie, ajudando Rabicho a se levantar do chão.
- A gente foi...
Não terminei; senti meu corpo sair do chão. Era estranho ver que ninguém te segurava, apesar de eu sentir Tiago. Era como estar suspensa no ar. Maria soltou um gritinho de novo.
Eu toquei minha varinha na cabeça de Tiago e seu corpo aos poucos foi reaparecendo.
- Dá pra vocês pararem com isso? – Maria perguntou irritada, enquanto Tiago me colocava no chão.
- Quer dizer que temos o casal maravilha de volta? – Sirius falou, rindo.
- Acho que sim. – respondi piscando para Tiago.
- Até que enfim. – Dougie comentou sorrindo.
- Já estava na hora. – Aluado falou.
Não pude deixar de concordar mentalmente com o comentário de todos. E não pude deixar de afirmar que essa noite de sono foi, finalmente, a noite mais bem dormida depois do ocorrido nas estufas.
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