Verdade
‘-Venha até meu escritório, Srta.Serena.’
Ele saiu de sua sala de aula e seguiu nas masmorras até seu escritório, que precedia seu quarto. O cômodo tinha paredes de pedra e móveis de madeira maciça escuros, parecendo antigos, mas em ótimo estado.
Ele sentou-se em uma poltrona verde-escura, de frente para a porta e indicou uma cadeira de madeira, forrada também de verde-escuro, para a garota.
Serena sentou-se. Já sabia do que se tratava: seus experimentos com Poções.
‘-Srta. Serena, creio que a Srta. já saiba do que trataremos em nossa conversa.’ – Snape deu um sorriso falso – ‘É o mesmo assunto o qual a senhorita gosta de bater na mesma tecla durante as minhas aulas.’
‘-Os ingredientes que uso nas poções, professor, diferentes dos livros?’ – perguntou com um sorriso inocente.
‘-Sim, Srta. E creio que saiba que estou aqui para dar aulas, também. Se as aulas fossem simples experimentos de menininhas sabe-tudo, não necessitaríamos de um professor, você concorda, Srta. Serena?’
‘-Não, professor, não concordo. ’ – respondeu, polida – ‘Porque, afinal, Poções são experimentos. E é com os testes que surgem os aperfeiçoamentos e as descobertas, o senhor como um bom preparador de Poções sabe disso, pois sim. Você discorda, professor?’
‘-Se concordo ou discordo com suas teorias, senhorita, não é da alçada da escola. A função da escola é ensinar-lhes de acordo com os livros propostos em suas respectivas listas de material, e não é seu dever prepará-las de outra forma qualquer. ’ – ele fez uma pausa e Serena sorriu maliciosamente, sabia que conseguira irritá-lo – ‘E os exames estão chegando. Portanto eu queria apenas avisá-la que não poderá usar seus atalhos nos meus testes. Compreendeu, Srta. Serena Snape?’ – ele deu ênfase em seu sobrenome, quase sem perceber, irritado com a ousadia da garota, que a olhara o tempo todo com aquele sorrisinho torto e a sobrancelha esquerda arqueada.
‘-Agora você descobriu que meu sobrenome é Snape, professor?’ – ela deu uma risadinha debochada pelo comentário sarcástico – ‘Talvez sejamos parentes distantes.’ – ela riu novamente – ‘primos, talvez. Não sei nada sobre meus pais.’ – e deu de ombros, desinteressada – ‘Todo mundo me pergunta isso, Professor Snape. E, olhe, me deixa irritada, talvez devêssemos mudar nossos sobrenomes. ’ – ela riu da própria ironia.
Snape deu uma gargalhada alta de deboche. A garota irritara-lhe demais pelo dia.
‘-Sua tola’ – começou ele, e o comentário ligeiramente ofensivo não fez Serena sair de sua pose, somente a fez arquear a sobrancelha, como um incentivo para ele prosseguir – ‘Primo? Parente?’ - ele riu de novo – ‘Você nunca associou nossos sobrenomes, Serena?’ – Severo levantou-se e apoiou ambas as mãos sobre a mesa, ficando na altura do rosto da garota.
‘-Quem você pensa que é para me chamar de Serena, professor?’ – ela levantou-se também, mas apoiou o peso em uma das pernas e cruzou os braços, desafiadora.
‘-Quem eu penso que eu sou, Serena?’ – ele riu novamente, porém mais baixo – ‘Eu sou seu pai.’ – ele disse isso menos ameaçadoramente, se virando para a janela atrás de si, passando a mão na testa, o sangue fervendo de adrenalina.
Severo Snape realmente não pretendia fazer essa declaração. Não nesse momento, não daquela forma. Mas ele atendeu às provocações da adolescente, não agiu como o adulto que era, e colocou a perder seu segredo de quinze anos. Seus quinze anos de tortura e solidão.
Ele não tinha coragem de virar para vê-la. Não queria encará-la.
Serena não acreditava naquilo. Estava chocada. Simplesmente não podia ser. Porque se ele fosse seu pai, ele teria ido atrás dela, não teria?
A garota pensou em tudo. Nas noites que passara solitária olhando pela janela do quarto andar do orfanato, os sonhos com um casal sem rosto que a abraçava e a queria, o carinho que nunca recebera de ninguém durante todos os anos. Os livros bruxos que lera, era a única coisa que o seu infeliz pai lhe deixara. Mas ela não se importara nunca com seus pais. Afinal, ela já havia crescido no orfanato mesmo.
Porém, agora a situação era outra. Ele estivera ali, o tempo todo, durante os dois meses inteiros que ela estivera em Hogwarts.
Então Serena desabou na cadeira novamente, enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar, como nunca tinha chorado na vida. Ela sentia raiva, e sentia que tinha sido traída pelos próprios pais.
As lágrimas traçavam um caminho vermelho por onde passavam, e molhavam as mãos, pescoço, o colo e as pernas. Os cabelos negros caíam sobre as mãos e o rosto, escondendo-a.
Severo não tivera coragem de virar-se. Ele queria. Queria saber como ela reagira àquilo. Mas faltava-lhe a bravura para tal ato. Ele sabia que teria que dar informações, falar sobre Alexia, e sobre tudo que ele escondera e renegara durante quinze anos de sua vida.
Ele se sentia confuso. Ao admitir isso, um sentimento crescia nele, era uma coisa estranha, a qual ele não conseguia identificar. Ele trancara seu coração por muito tempo, mas não havia mais como. A prova de que um dia amara uma mulher com todas as suas forças estava na sua frente.
Severo engoliu em seco. Sentia remorso e culpa. Olhava para as estrelas e pensava em Alexia. O que ela acharia disso? Ela nunca permitiria, realmente. Teria feito tudo, mas nunca teria feito as escolhas que ele fizera. Ela teria feito tudo diferente, tudo certo.
Serena começara a soluçar. Ela levantara a cabeça, e mirou um Snape meio virado, encarando-a. Ele abrira a boca para tentar falar alguma coisa, e seus olhos ainda demonstravam desdém.
‘-Não. Fale. Nada. ’ – disse ela pausadamente, enxugando as lágrimas que insistiam em escorrer por sua face alva.
‘-Não há nada a ser dito, senhorita. ’ – Severo sorriu malicioso.
‘-Não mesmo, Severo Snape?’ – ela disse encarando a parede ao lado de Snape – ‘Sabe, eu tenho nojo de você. ’ – desta vez o desdém tomava conta da voz dela.
‘-Com nojo ou sem nojo, Serena, a situação não muda. São fatos. ’ – ele tinha um olhar desafiador, evaporando toda a expressão de confusão que estivera em seu rosto momentos antes.
‘-Senhorita Serena, professor Snape. Nós não temos qualquer tipo de intimidade, não importam quais sejam os seus fatos. ’ – os olhos azuis herdados de Alexia estavam frios e ela falava alto, sua boca tremia e ela fazia um biquinho.
‘-Encare, Serena. Sou seu pai e você não pode fazer simplesmente nada sobre isso. ’
‘-Você não é meu pai!’ – ela explodiu e se levantou – ‘VOCÊ NÃO É MEU PAI! De jeito algum, Snape. Pais criam, querem ficar perto dos filhos, amam e protegem. No momento em que você me abandonou naquele maldito orfanato trouxa você perdeu qualquer direito sobre mim! Você me privou de ter um lar de verdade, de conhecer o que é realmente o mundo bruxo, e não somente através daqueles livros malditos que você me deixou sabe-se lá o porquê! Você me privou de vir a Hogwarts durante quatro anos. Eu poderia ter feito tanta coisa, aprendido tanto! Se você algum dia tivesse se importado comigo não teria feito isso. Portanto não atribua a si mesmo a palavra ‘pai’. VOCÊ NÃO É PAI DE NINGUÉM!’ – Serena falou tudo em volume alto, gesticulando e soltando todas as palavras de uma vez só, as lágrimas escorrendo novamente.
Quando acabou estava sem fôlego e encostou-se à parede de pedra, curvando-se e apoiando as mãos sobre as pernas.
Severo somente olhou-a por algum tempo.
‘-É meu sobrenome que você traz e meu sangue que corre em suas veias, Serena. Meu e de sua mãe. ’ – Snape sorria.
Severo ficara feliz com a atitude de Serena. Ela era explosiva, assim como Alexia. Ela era capaz de chorar e gritar, explodir e demonstrar sentimentos. Ao contrário dele, que sabia somente esgueirar-se de qualquer emoção. Era ótimo encontrar algo mais na garota que o lembrasse de sua mãe, era assim que ele a mantinha viva na memória.
‘-Mãe?’ – ela debochou alto – ‘Que mãe?! Não tenho mãe e nunca tive. A minha progenitora me abandonou recém-nascida. Uma mãe não faz isso, o que a torna somente alguém que me gerou. Eu me pergunto, Snape, que mãe faria isso? Nenhuma. Por isso eu não tenho mãe!’ – ela jogou as palavras com raiva e desprezo.
A raiva fez brilhar os olhos negros de Severo, que se aproximou ameaçadoramente e colocou o indicador no rosto da filha.
‘-Ora, sua insolentezinha! Você foi longe demais! Nunca fale de sua mãe assim. Nunca. Jamais. ’ – bradou ele – ‘Você está me compreendendo, Serena? NUNCA MAIS!’
Serena calou, mas sustentou o olhar de Snape, ambos com os olhos brilhando de ódio e mágoa. Serena se esquivou para um canto da parede, as sobrancelhas arqueadas demonstrando toda a aflição de quinze anos.
Severo queria gritar mais alto, dar um tapa na cara de Serena, não permitiria que falassem de sua Alexandra daquele modo, aquele jeito frio e rude da menina.
Respirou e se controlou. Cruzou a sala e puxou a menina pelas vestes em direção a porta.
‘-Não encoste em mim!’ – bradou ela, com semblante de nojo, se afastando do homem.
‘-Vamos, Serena’ – ele disse em tom baixo e ameaçador, puxando-a novamente.
‘-Me solte, Snape. Não vou a lugar algum com você me segurando.’ – Serena tirou as mãos dele de perto de si.
‘-Me siga.’ – disse no mesmo tom, fuzilando-a com o olhar.
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