A Verdadeira Realidade
Um espectro muito forte tomou conta dos cílios semicerrados que eu conseguia manter enquanto caía em queda livre. Alguns gritos e vultos passavam pelos meus ouvidos até conseguir distinguir que estavam segurando minhas pernas e nuca. Um odor ocre muito forte fez-me enjoar até não poder mais me equilibrar na vassoura. Soltei-a. Gotículas geladas ainda esbarravam no meu rosto descoberto, e conforme caía a esmo, restou-me apenas um único fôlego, uma última expiração até que a sensação de rendição trouxesse-me alívio. E era tudo o que eu mais desejava naquela hora. Um zumbido despertou-me daquele ambiente gélido.
- Aresto momentum! – Gritou uma voz masculina.
Tremi pouco antes do baque em uma poça lamacenta. A corrente colocada por Harry no meu bolso estava aquecida e emitiu um som agudo mais alto quando a tirei do lugar. Queimou a palma da minha mão esquerda, mas eu sentia tanto frio que aquela dor significava mais uma chance. Uma chance de sentir vida fora da sensação de solidão e alívio, afinal eu gostaria de algo mais além do patético sentimento de rendição.
Harry largou a vassoura de qualquer maneira antes mesmo de pousar apropriado com ela em solo. A garoa havia deixado os pequenos chumaços de grama escorregadios, então ele tropeçou na primeira moita, o que me fez rir um pouco em meio aquele enjoo que torcia o estômago de um lado a outro.
- Você está bem, Hermione? – Gemeu preocupado, massageando a canela. Ao perceber que eu estava sorrindo da cena, ele sorriu de volta, olhando significativamente para a corrente que eu segurava e que tinha deixado de produzir o som – Você consegue falar, consegue sentar?
Segundos após, Gina e Rony chegaram com olhos aflitos a situação. Estavam ofegantes. Disseram que Neville e Luna estavam lançando feitiços ao redor deles, para que pudessem controlar a situação antes de prosseguir até St. Mungus. Uma névoa que antes não estava ali cobriu o vale. O lugar parecia muito mais bizarro do que antes o que sugeria mesmo o uso de feitiços de proteção.
Apoiaram-me em uma rocha no alto da colina. Ao sentar por uns instantes pisquei para distinguir em meio à garoa a placa em pedra talhada que dizia “Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos”, muito mais abaixo de onde nos encontrávamos. Enfim, chegamos ao local, pensei. Mas arregalei os olhos quando percebi não fazer ideia do que tinha ocorrido segundos atrás.
- Você está bem? – Gina perguntou tão logo recolocava a mão na minha nuca – Pensávamos que era uma nuvem, mas a droga da chuva nos deixou molhados e burros! Há Dementadores por aqui e eles nos dispersaram. Conseguimos nos desviar, no entanto não mantivemos nossa retaguarda e nos perdemos de você – Gina estava preocupada. Seus dedos pálidos procuravam trêmulos na bolsa por alguma coisa – Tome, coma isto – Aceitei de imediato uma porção generosa de chocolate. Mordi um pedaço e senti que deveria levantar-me sozinha. Apalpei a corrente que ainda estava no meu bolso e olhei para Harry, que se limitou a menear a cabeça.
- Conseguimos ver você antes que o Dementador tivesse ido longe demais – Concluiu ele, aproximando-se de mim – Você ainda está com a corrente, não está? – Preocupado, pegou a vassoura no chão que eu havia usado e a segurou até que eu dissesse algo.
- Hermione, diz alguma coisa. Como você está? – Rony se aproximou. Entregou a bolsa que eu havia perdido na queda, colocando-a no meu ombro. Sorri em agradecimento e dirigi-me a Gina.
- O que foi isso que você me deu? Era chocolate? O chocolate que Dumbledore pediu para você trazer? – Perguntei de uma só vez.
- Sim. Ele deveria saber que aqui teriam Dementadores. Mas por que ele nos mandaria sozinhos a um lugar como este com criaturas tão terríveis como Dementadores. Por acaso ele não se deu conta de que você não sabe conjurar um patrono e nem ao menos tem uma varinha? – Falou Gina, frustrada, sacudindo seu casaco.
- Sim Gina, ele sabia disso – Respondeu Harry – E por isso lhe pediu para trazer o chocolate, e entregar a Hermione a Corrente Medrosa, porque ele sabia que ela estaria vulnerável, assim poderíamos saber onde ela está se estivesse em perigo. Não a perderíamos enquanto ela estivesse usando a Corrente.
- Espera Harry – Disse Rony – Hermione quase sofreu o... beijo do Dementador e tudo o que temos para protegê-la é uma Corrente Medrosa? Você sabe que isso só funciona...
- Eu sei Rony – Interrompeu Harry, antes que o amigo dissesse qualquer coisa aquém do que Dumbledore tivesse especificado no seu bilhete – Mas deve ser o suficiente. Somos cinco bruxos, quatro vassouras, quatro varinhas, provisões de chocolate, algumas dicas sem nenhum sentido e visões compartilhadas. O que mais deveríamos ter?
- Uma explicação plausível, por exemplo. – Provocou Gina, ao cruzar os braços. Ela olhou para mim com extrema caridade, passou um dos braços pelo meu e pôs-se a descer a colina comigo. Talvez porque ainda estava absorta no que havia ocorrido, não pausei a marcha.
Neville e Luna acabaram de pousar suas vassouras e olhavam para Gina e para mim enquanto descíamos sem as nossas. Olharam confusos para Harry e Rony. Em uma pequena depressão entre pedras, Neville apoiou sua vassoura e Luna olhou demoradamente para Harry, como se esperasse instruções. Gina descia decidida, eu apenas gostaria de saber o que houve. Lembrava que os Dementadores eram alimentados pela felicidade alheia, no entanto o beijo do Dementador era quase um mito e eu não havia vivenciado nada além de histórias escritas.
Gina olhou para trás finalmente, como se esperasse que os outros a seguissem. Rony ficou irritado, juntou a vassoura de Gina e lançou a ela, que apanhou com facilidade.
- Não podemos simplesmente descer a pé, Gina! – Harry falou alto, até que ouvir seu nome a fez olhar com violência para ele. Ninguém se moveu.
- Sabe Harry, eu aturo tudo o que você faz e diz. Até tento amenizar os seus discursos às vezes, e não culpo você por ter sido afetado pelas coisas que lhe fizeram mas entregar a Hermione uma Corrente Medrosa é a coisa mais mesquinha que você já fez a um desconhecido. – Gina havia largado meu braço e avançava a Harry, que apenas manteve o olhar firme sem ser afetado por qualquer palavra - Se você sabia que a intenção de Dumbledore era resguardar também Hermione, poderia ter-se mantido próximo a ela. Uma Corrente Medrosa chega a ser ridículo!
- Sabe Gina, eu não me importo com isso agora – Harry cutucou Rony para que eles continuassem seu trajeto com a vassoura.
- Você sabia dos Dementadores, não sabia Harry? – Gina finalmente perguntou, com ar repulsivo – Dumbledore contou a você e mesmo assim você só entregou a ela essa Corrente infantil!
- Gina, Dumbledore sabe o que faz. Ele não nos teria enviado ao St. Mungus e não teria enviado Luna se ele não soubesse que era o suficiente. Hermione está bem e se ele considera essa Corrente o suficiente...
- Correntes são para crianças, Harry! – Exclamou Gina, antes que o garoto terminasse o discurso.
- Você está tão preparada quanto eu, Gina – Harry concluiu, com um tom mais suave, intentando encerrar o assunto – Para mim, o que Dumbledore diz é suficiente por enquanto...
- Suficiente?! Estamos falando de Dementadores soltos por aí! Comensais ameaçam as pessoas e nosso grande homem nos pede para confiar em... Ah. – Gina olhou para baixo e soltou um grande suspiro cansado. Encarou Harry, que mantinha os olhos fixos na garota, e sorriu estranhamente – Entendo. Você tem seus segredos. No fim das contas, precisamos confiar cegamente em alguém.
- Você não acha que eu também tenho problemas com isso? – Continuou Harry, sem levantar a voz – Todos nós, Gina. Você não pode querer nada em troca se escolher só confiar. Eu tenho só vocês e nunca cobrei nada, porque eu deixaria que algo lhes acontecesse?
O silencio pesou por alguns segundos, quebrado pela tosse (talvez fingida) de Luna.
- Também confio em vocês. São meus amigos e jamais deixaria que alguma azaração por mais empolgante que fosse os atingisse. – Luna graduava seu tom conforme percebia que ninguém a interrompia. Olhei para ela com mais atenção e percebi que ela olhava para mim com um sorriso - Meu pai disse-me certa vez que Correntes Medrosas eram usadas por mães de duendes para protegê-los quando elas não podiam alcançar crianças travessas, e que essas Correntes eram tão poderosas que emitiam um som quando a criança estivesse em perigo. – Ela se aproximou de Harry e sorriu a ele, que apenas me apontou a vassoura, deixando cintilar no seu pulso uma corrente igual a entregue a mim. – Essas correntes são raras. Elas guardam bons sentimentos, assim podem acalmar quem as usa emitindo uma espécie de luz. Pode usar no pescoço se quiser.
- É, a menos que não queira uma lâmpada no seu pescoço – Desdenhou Rony – Se você está em perigo, algumas vezes só não quer chamar atenção.
Em meio àquela discussão, eu não compreendia se termos sido atacados era o que deixava Gina irritada ou se ter usado a Corrente era desproporcional ao perigo. Eu não queria instabilizar o grupo mas gostaria de ser alguém que ajuda e não ser apenas a ajudada.
Olhei em volta. Exceto eu, todos estavam com suas vassouras em mãos, enquanto Harry ainda segurava a que eu usara. Afastei-me um pouco de Gina, tirei a corrente do meu bolso e a estendi a Harry para pegar a vassoura. Este nem sequer estendeu a mão, apenas me olhou com significância, o que me fez recolocar a corrente no bolso.
- Gina, eu entendo. Você não é a única, certo? – Disse Rony, estendendo a mão para segurar nos ombros de Gina. Esta relaxou e esboçou um sorriso mínimo antes de afastar-se para subir na vassoura.
- Muito bem, se voar de novo não fosse problema por mim já estaria lá em cima. – Concluiu a garota, antes de levantar alguns centímetros.
Neville respirou fundo e tocou Luna para que seguissem juntos. Assim eles levantaram voo, seguidos mais perto por Gina, desfazendo os feitiços feitos anteriormente.
No entanto, Harry e Rony demoraram-se mais um pouco. Quando me dei conta, eles colocaram-se um de cada lado indicando para seguirmos juntos. O sentimento de impotência era tão grande que o arrependimento por não ter uma varinha crescia a cada descoberta. “Não havíamos ido ao Sr. Olívaras? Por quê eu não adquiri uma também?” pensei. Quem sabe ele aceitaria meu relógio como pagamento. Ou isso seria grosseiro neste mundo? Minha incapacidade de autodefesa, se não incomodava os demais, incomodava-me de tal forma que eu calculava mentalmente em quanto tempo eles finalmente desistiriam de mim.
- Obrigada – Fui o que consegui dizer, depois daquele cenário.
- A culpa não foi sua, Hermione – Disse Rony, de surpresa. – Aconteceram coisas que você talvez não entenda agora. – Concluiu ele. Não perguntei por mais detalhes, apenas o deixei a vontade para continuar. Às vezes, quando não se pergunta é mais eficaz de se conseguir respostas.
- Hermione, você tem família? – Harry perguntou sem olhar – Eu lembro que você disse querer saber mais sobre Hogwarts e sobre esse mundo. Para alguns bruxos, Hogwarts é tudo o que se tem – Ele virou o rosto e eu só pude sorrir constrangida.
- Oh, não gostaria que pensassem em mim como uma garota que cansou de casa. Mas tomar essa decisão é como fugir de casa e eu sei que agora não tem mais volta. Pelo menos a antiga Hermione não vai voltar. Durante todos esses anos, consegui ser apenas uma estudante internacionalista que busca descobrir mais sobre as pessoas. – Pisquei algumas vezes, para fazer descer aquele aperto na garganta que se tem antes de chorar - Consegui alguns prêmios por projetos que ensinavam as pessoas a ler e escrever em regiões precárias. Eu gostaria que elas tivessem um bom relacionamento umas com as outras, sabe? – Eu sorri, percebi que aquilo era quase ingênuo comparado às minhas recentes descobertas. –Harry, eu achava que estudar era tudo, mas tenho visto que coragem e amizade são muito mais importantes. Existem outras coisas além dos livros...
Rony fungou abafando um riso. Ele olhou para Harry, talvez escondendo uma história semelhante. Harry continuou a olhar para frente e sorriu o riso que o amigo abafou. Os três à frente olharam rapidamente para trás, mas como não puderam ouvir a conversa, continuaram atentos ao caminho. Rony olhou para mim e soltou um suspiro alto.
- Hermione, eu gostaria muito que você tivesse ido para Hogwarts conosco. Teria sido mais fácil colar de você nos NOMs – Rony murmurou essa última parte. Audivelmente. - É muito provável que você fosse da Grifinória, considerando a coragem que teve de sair de casa para descobrir mais sobre você, mesmo que tenha de ser tanto tempo depois. – Ele calou-se por dois segundos depois de apreciar minha expressão confusa - Ou quem sabe fosse para Corvinal, já que gosta de estudar. A gente nunca sabe exatamente.
- Rony – Harry pronunciou cautelosamente, como se repensasse sobre continuar a falar ou não - você acha que aqueles rumores sobre uma Câmara Secreta teriam sido repelidos caso Hermione estivesse conosco? Quero dizer, ela é filha de pais trouxas, não é? – Harry olhou para mim ponderando essa possibilidade ao mesmo tempo em que esperava uma resposta.
- Acredito que, como disse Gina hoje de manhã, tudo seria diferente se ela tivesse estudado conosco. É só uma coisa que se sente aqui – Rony apontou para o coração, deixando-me muito ruborizada. Talvez eu não tivesse um coração. – Mas de que modo as coisas mudariam?
- Bom, ela seria a primeira a pesquisar mais sobre o assunto e provavelmente encontraria alguma coisa que...
- Eu entendi Harry. – Continuou Rony. Este olhou para mim até tomar coragem para prosseguir. Harry pigarreou, acordando o amigo para continuar. - Você precisa confiar em nós também, okay? – Com a expressão séria, Rony aproximou seu voo para praticamente murmurar.
- Gina, no quarto ano em Hogwarts, conseguiu confirmar a história de uma Câmara Secreta, escondida no banheiro feminino. Ela encontrou um diário abandonado no Beco Diagonal, mas ele estava enfeitiçado com uma magia até então desconhecida. O próprio Dumbledore investigou o diário. Ele estava perseguindo o Harry. Depois descobriu que o diário pertencia aos Malfoy, mas ninguém sabe as razões disso.
- Como um diário pode perseguir uma pessoa? – Minhas entranhas contraíram a menção de tais termos e a sensação de dejá vù aumentou conforme Rony continuava.
- Ele estava enfeitiçado com magia negra, Hermione – Harry prosseguiu também mais próximo a minha vassoura – e o mais curioso era que Gina, apesar de absorta pelo poder do diário, conseguiu livrar-se dele.
- Mas como isso tem ligação com a história da Câmara Secreta? – Perguntei arfando, com o coração batendo ainda mais forte.
Eu havia lido aquela história em algum lugar, pensava. Na biblioteca central de Londres encontrara alguns livros interessantes sobre o mundo da magia e neles haviam muitas histórias nas quais eu não compreendia sem contexto. Muitos capítulos eram dedicados a anedotas e crônicas. Destas histórias eu consegui aprender alguns feitiços. Mas o acervo limitado também limitava o conhecimento que eu tinha sobre a Câmara. Talvez minha memória não fosse tão boa assim.
- Sobre a Câmara Secreta, é uma lenda em Hogwarts. Alguns dizem que vive um monstro capaz de destruir os bruxos mestiços. Mas ninguém nunca acreditou nessa lenda e de fato não havia nada que pudesse comprovar a existência. Até Gina encontrar o diário.
- Mas o diário diria a localização exata? Por que Gina faria isso sabendo que se a Câmara existisse, o monstro também existiria? – Senti minhas sobrancelhas contraírem-se muito forte, e tive de relaxar para guiar a vassoura em uma velocidade apropriada.
- Ela encontrou a Câmara de um modo muito cruel. O diário estava enfeitiçada com magia ruim...
- Magia negra – Completei, estremecendo, olhando extintivamente a Gina.
- Como você sabe? – Rony perguntou, duvidoso.
- Bom, eu encontrei um livro muito interessante na biblioteca central de Londres. Até onde eu posso lembrar sobre essa história havia um basilisco andando pelos canos de Hogwarts. – Assim que fechei a boca, Rony arregalou os olhos para Harry. Minhas bochechas queimavam com a sensação de ser analisada mais uma vez. – O nome do livro era algo como “Hogwarts: uma outra história”, acho que a autora era “J.-alguma-coisa”. – Meneei a cabeça mas não me contive e perguntei bruscamente – Como Gina encontrou a Câmara?
Harry respirou fundo enquanto Rony olhou para frente e desalinhou sua vassoura, permitindo que o amigo continuasse o relato sozinho.
- Bom, o diário a possuiu – Disse Harry, tão calmo quanto pode naquela situação – Por favor, não mencione sobre isso na frente de Gina. – Harry respirou profundamente e olhou para Rony. Este permaneceu com a visão distante, portanto Harry continuou – O fato é que Gina usava uma Corrente Medrosa quando descobriu a Câmara. - Ele olhou para frente pelo que pareceram minutos, depois voltou seu rosto a mim – Gina tinha seis irmãos, e dois deles eram gêmeos.
Ao mencionar “eram” agucei meus ouvidos. Aquilo era importante demais para ser uma história trivial de biblioteca.
- Os gêmeos eram conhecidos em Hogwarts por terem, digamos, o espírito livre. Não havia qualquer dia em que não pudessem fazer os outros rirem de alguma maneira – Lembrou-se Harry, sorrindo para si – Um dia, naquele ano, um deles, Fred, colocou uma Corrente dessas que entreguei a você no bolso de Gina sem que ela soubesse. Para duendes, essas Correntes são uma espécie de proteção, mas para bruxos é um sinal de imaturidade, é como caçoar do medo alheio. Caçoar que você, como bruxo, não consegue se proteger e precisa de um amuleto infantil como recurso.
Harry continuou a história em murmúrios e pausas, e conforme nos aproximávamos da placa de St. Mungus, ele olhava freneticamente para frente, procurando os olhos de Gina. Esta, no entanto, estava a frente de todos. “Protegendo os demais”, pensei.
O garoto prosseguiu ao meu lado, em um tom cada vez mais cauteloso.
- No fim, Gina proferiu algumas palavras que somente um ofidioglota poderia dizer e conseguiu adentrar na Câmara. Você sabe, quem sabe falar...
- Com cobras, eu sei – Completei. Na verdade, eu nunca tinha lido sobre isso. Mas foi o mesmo impulso que tive ao ler há anos um pequeno texto em búlgaro. Neste caso, não havia ninguém para encarar-me com discriminação.
- Bom, a Corrente que Gina tinha no bolso emitiu um som tão agudo que Fred e George, conhecendo o que um havia escondido no bolso da irmã, perseguiram o ruído até que a encontram lá, no subsolo de Hogwarts. Quase morta.
- Como pode ser isto? Se o basilisco a tivesse encontrado, ela estaria... – Sussurrei o quanto pude, e temendo o restante da história, hesitei ouvir a resposta – Ela estaria morta, não? Ou pelo menos petrificada...
- Sim, você está certa. O fato é que o basilisco não a encontrou. Fred retirou dela a Corrente assim que a encontraram, porque o som continuava agudo e temiam que algo ruim aparecesse. – Harry abaixou a cabeça e apertou os lábios, pouco depois continuou apenas com a voz baixa – George, o irmão gêmeo de Fred, disse que tudo foi muito rápido para ter feito algo. Ele carregou-a desacordada para a entrada da Câmara, mas a Corrente voltou a soar mais aguda logo atrás dele. George voltou o mais rápido que pode, mesmo carregando Gina. Contudo, mal voltou ao lugar a Corrente parou de emitir o som – Harry tremeu seus lábios antes de reiniciar com a voz embargada demais. Eu, no entanto, já havia entendido. E entendia também o que Gina sentiu ao saber que eu estava usando uma Corrente daquele tipo. – George encontrou o corpo do irmão, foi quando Gina acordou e não conseguiu lembrar-se de nada – Neste momento, estávamos desacelerando para pousarmos na frente do hospital. Gina foi a primeira a descer da vassoura, seguida pelos outros – Os Weasley talvez nunca tivessem sentido tanta tristeza, assim como nós que conhecíamos os gêmeos também.
Então Harry desceu da vassoura enquanto pairei alguns instantes antes de olhar intensamente para ele com as sobrancelhas apertadas. Quando Gina os apresentou na Estação, estranhamente ela os apresentara com os primeiros nomes, de modo que ouvir o sobrenome de Rony provocou um alvoroço na minha cabeça. Como se eu estivesse a perder algo de extrema importância, algo na qual eu dependesse para continuar ali. Meus pulmões estavam descompassados. O que eu mais precisava era lembrar. Porém, lembrar de algo que eu não tivesse vivido.
- Hermione, você está bem? – Perguntou Harry, enquanto estendia a mão.
- Não – Respondi, quando na verdade eu apenas não entendia o que estava acontecendo. Descendo da vassoura, os outros olharam para mim intrigados, e Harry, mais próximo, tocou-me o ombro – Você disse “os Weasley”, não foi?
- Si sim, eu disse, mas (pigarro), o que houve?
- Eu conheço esse nome – Coloquei as mãos na cintura e olhei em volta, como se a resposta estivesse em algum papel amassado no chão ou voando no vento, ou se alguém fosse de repente responder àquilo.
- Você já ouviu falar na minha família? – Interrompeu Rony
- Não, não é isso. Quero dizer, é isso ou... – Olhei-o com veemência, talvez procurando uma resposta no rosto do garoto – Não é isso exatamente. Eu estou deixando passar alguma coisa. E é muito importante! Está na ponta da língua...
Naquele momento, a corrente no meu bolso emitiu um ruído. Ainda desconfiada, o tirei e ele brilhou. Brilhou intensamente. Os outros olharam em volta e o pus de volta no bolso. Um frio muito forte nos cercou. Soltei a vassoura de qualquer jeito no chão e correndo percebi que os muros não eram altos. Ao contrário, podia-se pular por eles. Não pensei tanto ao jogar-me acima daqueles paredões. Deveria ser algum tipo de feitiço de ilusão, pensei. Os demais, com as varinhas a postos, seguiram-me até vermos uma porta trancada. Diferente da aparência do lugar, a fechadura estava nova. Atravessamos o gramado seco do Hospital e esbarramos naquela porta juntos, fazendo um estrondo grande para um grupo pequeno. Um vento frio ainda mais forte pareceu disputar com o ruído no meu bolso. Olhamos para trás e dezenas de manchas pretas se aproximavam. Harry deu um passo a frente, posicionando a varinha de maneira ameaçadora. Os outros, com a varinha a posto pareciam apavorados mas não recuaram.
Na minha garganta, uma lufada de ar se encerrou e deixou-me sem fôlego por um segundo. Meu peito contraiu. O momento pareceu desacelerar e ao mesmo tempo aquilo tudo passou rápido. Vendo a varinha de Gina, tomei-a.
- Gente, pelo amor de Deus! ALOHOMORA!
St. Mungus estava abandonado por dentro também mas não estava vazio. No entanto não houve movimento com a nossa chegada. Alguns olharam curiosos enquanto uma moça vinha em nossa e nos disse para esperarmos. Não havia atmosfera de hospital. Não havia sequer cheiro de magia. Mas algo tinha acontecido, com certeza. Lá dentro, Harry, Gina, Rony, Luna e Neville olhavam para mim perplexos. A Corrente ainda emitia um zumbido, mas a porta estava trancada novamente e batia com o vento frio trazido pelos Dementadores. Gina estava com a varinha em mãos assim como os outros, mas ainda não tinham dito nada quando entramos.
- Sério – Disse Gina, finalmente – Aprendemos esse feitiço no primeiro ano em Hogwarts. Como...
- Essas coisas tem acontecido muito ultimamente – Interrompi, porque era mais fácil responder pelas minhas razões do que responder a uma pergunta muito específica – Eu senti que era a coisa certa a fazer.
- Valeu Hermione – Disse Harry, acenando a cabeça.
- A coisa certa a fazer? – Falou Rony desta vez – Você está cheia de coisas para fazer. Como sabe desses feitiços em horas tão apropriadas? – Rony olhou-me com as sobrancelhas arqueadas, mas com meio-sorriso, então achei que não deveria ser tão ruim – Eu sei, foi brilhante. Mas que dá medo dá.
- Precisamos conseguir uma varinha para você – Comentou Neville, hesitante.
Todos outros riram. Por fim, eu adoraria ter uma varinha só minha.
- Vocês estão ouvindo isso? – Disse Luna, em tom alheio a conversa anterior. Na verdade, não se ouvia mais nada lá fora e talvez fosse isso o que ela quis dizer.
- A Corrente ficou muda – Gina completou minha lógica.
Tirei-a do bolso e ela não mais brilhava também. Franzi o cenho e olhei em volta, como se procurasse por lá a razão do silêncio. Olhamos-nos por um segundo quando a bruxa de meia-idade voltou para nos guiar a uma pequena sala. Nesta havia mais pessoas. Pareciam abatidas, mas aguardando algo, alguns em pé, bem como nós, e outros sentados inquietos.
- Lembram da visão, no Beco Diagonal? – Falou Harry, como se o assunto já estivesse em discussão. Quando Rony e eu assentimos, ele não se preocupou em repetir a história para qualquer um dos outros – Eu acho que sei do que se trata a Pedra Filosofal. Pelo menos o que Hagrid quis dizer a mim.
- A Pedra Filosofal é um artefato altamente raro e pode produzir o elixir da vida, tornando quem o toma imortal – Disse, explicando do que se tratava o objeto. No entanto, essa explicação pareceu-me tão óbvia quanto necessária aos dois. E mais uma vez falei por impulso. Eles se entreolharam e não perguntaram como eu sabia daquilo.
- Harry, mesmo que você saiba o que significa – Rony falou o mais baixo que podia, enquanto o grupo se inclinava para ouvir sobre o que falávamos – Para quê procurar isso agora?
- Porque agora eu sei o que estamos fazendo aqui, em St. Mungus. – Completou Harry, andando pelo lugar e trazendo o restante com ele.
Saímos da sala de espera sob olhares curiosos. Nos corredores haviam bruxos com vestes mais claras e presumi que estes eram pacientes. Eram demasiado quietos, pelo menos onde estávamos, e não quis perguntar nada a respeito. Seguimos por um corredor bem iluminado e estranhamente não havia quem nos interceptasse. Continuamos andando alguns metros até Neville seguir mais depressa que Harry, de modo a liderar o grupo.
Repentinamente, Neville abaixou-se e catou uma pequena embalagem de bala de menta do chão. Olhávamos para ele e em nossa volta. Alguns passavam por nós, pacientes ou não, mal notavam ou fingiam não notar nossa divergência dos demais. Neville continuou parado no corredor e não ousamos interromper o que ele fazia fitando aquilo.
- Sabe, eu acho que eu vi isso em algum lugar – Finalmente ele disse, olhando em volta – Ou eu sonhei com esse momento. Harry, por que você disse que sabia o que estávamos fazendo aqui?
- Não acho que tenho uma explicação melhor que a sua – Os dois analisaram-se por dois segundo antes de dividirem-se em direções opostas.
- Aonde você vai? – Perguntaram Harry e Neville um ao outro, ao mesmo tempo.
- Acho que a Pedra Filosofal está aqui, de alguma maneira – Disse Harry, primeiro.
- Acho que posso encontrar alguma coisa sobre meus pais aqui, de alguma maneira – Falhou Neville, procurando em nós alguém que pudesse dizer que aquilo fazia sentido – É logo no final deste corredor.
- Esperem um instante – Irrompeu Gina – O que é isso agora? Como vocês tem certeza dessas coisas? Vocês não acham isso muito estranho?
- Muita coisa estranha tem acontecido ultimamente para dizer isso agora, Gina. Por exemplo, os Dementadores lá fora...
- Eu sei Rony, mas como podemos entrar em St. Mungus e simplesmente procurar por alguma coisa que só Harry e Neville sabem do que se trata?
- Na verdade, o mais sensato é que devemos primeiro seguir Neville – Disse sem pestanejar – Pela ordem de proximidade, o fim do corredor não está muito longe, a assim Harry pode ter mais tempo de pensar onde está o que ele procura, certo?
Pela ausência de resposta, Harry meneou a cabeça e, liderados por Neville, seguimos pelo fim do corredor. Uma enfermeira finalmente apareceu, nos olhou por um momento e fez sinal para que a seguíssemos, fitando especialmente Neville, que trocou uma expressão estranha conosco para depois, hesitante, seguir a enfermeira.
Olhei de soslaio para Rony e Gina, estes estavam com uma mão no bolso, onde a varinha estava a postos. Inclinei a visão e percebi que Harry e Luna haviam feito o mesmo. Apenas Neville pareceu absorto demais para empunhar qualquer coisa, e apertava nas mãos a embalagem do doce.
A enfermeira deixou-nos na penúltima porta do corredor e estendendo a mão deixou a porta aberta. Uma sala maior, com muitas outras portas dentro desta revelava um Hospital muito peculiar e bem maior do que parecia visto de fora. Haviam cadeiras estranhamente pequenas e mesinhas redondas espalhadas. Alguns pássaros de papel voavam pelo teto e vez por outra uma nuvenzinha espalhando neve surgia e desaparecia esporadicamente acima dos pacientes mais idosos, que olhavam a aventura e riam, para depois adormecerem nos seus pensamentos.
Seguimos Neville por cinco passos até que ele parou abruptamente. Uma senhora de cabelos castanhos que estava sentada levantou-se e, em direção a Neville, sorriu a ele abertamente. Eu avancei um passo para entender o que se passava. Então foi quando puder perceber o rosto pálido de Neville. Constrangida, percebi que em volta haviam outros bruxos entrando e saindo. “Deve ser uma sala de visitas”, pensei. Mais a frente, um senhor caminhava devagar para segurar a mão da mulher que ainda sorria para Neville. Eles de repente notaram o restante do grupo e mudaram suas expressões. Pareciam confusos e afastaram-se para sentar.
Neville franziu o cenho, mas continuou a segui-los com os olhos. Quando se sentaram em uma mesinha próxima, viramos um para os outros. Como Neville não se mexeu, eu o cutuquei para que ele seguisse o casal.
Uma nuvenzinha estacionou acima deles e espalhou pequenos flocos de neve até que eles olharam para cima e riram. Riram um do outro. Riram o suficiente para deixarem algumas lágrimas rolarem nas bochechas. Alguns pacientes viram a cena e riram juntos. Os bruxos que eu supunha estarem de visita sorriram para nós. Aproximamo-nos do casal, no entanto só Neville ousou sentar no banquinho miúdo. Os sons diminuíram rápido até cessarem totalmente ao Neville ousar tocar na mão da mulher a sua frente. O casal fitou aquele gesto e com carinho inclinaram-se a Neville.
Ela pôs a mão livre no bolso e tirou uma embalagem de bala de menta, a mesma que Neville havia catado do chão. Ele fixou o olhar naqueles dois, que mantiveram o sorriso desde que a nuvem resolveu ir embora, e logo abaixou o rosto. Pude notar que a respiração dele estava descompassada e não demorou muito para que ele limpasse o rosto com as costas das mãos.
- Eu amo vocês.
Deixamos aquela sala pouco tempo depois do casal ser acompanhado por uma enfermeira até outro longo corredor. Ela nos disse em particular, depois de já não voltar acompanhada dos dois, que Dumbledore havia avisado sobre uma visita especial aos Longbottom. Neville descobriu então que seus pais estavam vivos depois de anos sem saber o que havia ocorrido com eles. Mas descobrir que a sanidade de seus pais estava comprometida e que talvez não se recordassem de mais nada a não ser terem reconhecido Neville o deixou extremamente quieto. A jovem enfermeira já não disse nada mais sobre Dumbledore ou sobre o propósito de acompanharmos Neville. “Precisamos ir agora” disse Harry, inquieto sobre seu ponto de vista.
Ele saiu da sala tão logo a enfermeira virou de costas. Harry acompanhou o amigo com a mão no ombro do garoto.
- Eu sinto muito, Neville – Harry caminhou lentamente, até que Neville parou e virou-se para nós, como se fosse dizer algo. Seus lábios tremeram um pouco antes de ficar de costas, nos deixando com um meio sorriso. Ninguém falou mais nada até que chegássemos novamente ao início do corredor.
- Eu não acho prudente que vocês me acompanhem – Harry parou o grupo, que até então só o seguia no mesmo passo – Sei onde devo ir mas não sei exatamente o que vou encontrar.
- Vocês estiveram comigo no momento mais importante da minha vida até agora, eu não vou deixá-lo Harry.
- Neville está certo, não há nada que você possa fazer sozinho, ainda mais quando não tem certeza do que vai encontrar – Concordou Gina, que procurava aprovação no rosto de Rony.
- Não se preocupe cara, continuamos juntos nessa. As coisas já estão estranhas, não podem piorar.
- Harry, estamos aqui na sua frente e passamos por aqueles seres lá fora. Eu sou uma bruxa sem varinha. Confio em você.
- Eu também – Luna disse-me tão suavemente que tive de reparar o quão inocente e pequena a garota parecia no meio do grupo.
Harry nos guiou no sentido oposto ao corredor. Entramos por uma porta antiga, bem talhada que descrevia “Alojamento para Incidentes Mágicos”. Algumas pessoas passavam por nós intrigados até começarmos a andar relativamente rápido. Tive a impressão de que aquela escritura tinha o mesmo sentido de “Apenas Pessoal Autorizado”.
Minhas expectativas foram confirmadas ao ouvir uma senhora exclamar “Hey, quem são vocês?”, logo que ela saiu de uma das portas do corredor. Ainda ousei a olhar para trás quando vi dois bruxos caminhando rápido em nossa direção. Gina percebeu e também acelerou o passo, de modo que incitava os demais a começarem a correr.
Um grupo desavisado irrompeu na nossa frente. Eles usavam vestes esplendorosas, até para mim que nunca havia visto tanto. Empurraram-nos com força para que saíssemos do caminho deles. Lançaram a nós desprezo e continuaram por outro corredor.
De repente, o corredor que deveria abrigar pacifismo em prol dos enfermos ecoou gritos e chamamentos. Portas a nossa frente começaram a abrir e alguns debilitados e outros, talvez enfermeiros, procuravam nos interceptar. Alguns zumbidos passaram pelos meus ouvidos e ao olhar em volta percebi que aquele grupo estava com as varinhas a postos, lançando feitiços em nossa direção.
Rony, Neville e Gina sacudiam suas varinhas bloqueando as luzes que atravessavam pelo corredor para nos atingir. Os demais apontavam as varinhas para frente, procurando desbloquear a passagem. Harry ainda guiava o grupo e puxava os outros a fim de não nos separarmos.
- Só pode ser brincadeira! – Rony gritou, enquanto arfava por cima do ombro entre um e outro feitiço – Quem são esses?
- Precisamos encontrar uma porta com um nome! – Harry disse finalmente, sem perder o ritmo da corrida.
- Qual nome Harry?
- Cuidado Hermione!
Gina gritou no momento exato em que me inclinei para capturar uma varinha que serpenteava no ar. Ela sorriu e eu não soube o que fazer. Ainda que eu não soubesse muitos feitiços úteis naquele momento, eu sabia que ter uma varinha significava muita coisa. Sorri em resposta e mantive a varinha a postos.
- Deve estar escrito algo como Nicolau Flamel, entenderam? – Em meio aos sons de lampejos, procurávamos nomes pelas portas ao passarmos. Não havia qualquer registro, até que uma plaqueta prateada chamou minha atenção. Ao passar por ela não percebi nomes, apenas as iniciais N.F.
Corremos até finalmente tomarmos alguma distância dos ataques. Esbarrarmos em alguns enfermeiros que saíam pelas portas mas que não atrapalharam a passagem. Ao contrário, ao ouvir mais passos dianteiros, preferiram entrar novamente. Recostamos um no outro quando encontramos um corredor sem saída. Inquietos, não vimos portas ou outra saída a não ser voltar. Eu suspeitava que a placa prateada era a porta a qual Harry se referira. Quase sem fôlego, tive de relatar aquilo mesmo que fosse só uma suspeita.
- Eu não tenho certeza, Harry, mas acho que vi a porta.
- Aonde você a viu? Estamos longe?
- Não. Se corrermos daqui é a terceira porta a esquerda. Há uma placa prateada com as iniciais N.F.
- Tem certeza?
- Claro que não Rony. Foi muito rápido, logo depois que peguei a varinha.
- Varinha?
- Longa história.
- Como vamos voltar? Aqueles malucos ainda devem estar atrás da gente. O que vamos fazer? Por que eles estão atrás da gente? – Falou Neville, o mais compassado e baixo que pode.
- Eu ouvi que Luna trouxe um broto de Visgo do Diabo, não é?
- Sim, eu trouxe Hermione.
- Bom, não conheço feitiços mas pelo que Gina disse essas plantas crescem rapidamente...
- Com água – Interrompeu Neville, com um sorriso.
- Não podemos paralisar todos eles, mas podemos dificultar a passagem, o que acham?
- Como vamos colocar o Visgo se precisamos sair daqui primeiro?
- Eu tenho uma ideia – Harry recomeçou a correr, fazendo-nos segui-lo.
Ao chegarmos novamente ao hall maior, olhamos para os dois lados no momento exato em que aquele grupo caminhava ao nosso encontro. Olhamos aflitos para Harry pois eles estavam no corredor cuja a porta deveríamos entrar. Cercados, olhei para Gina, que manteve o pulso firme, apontando a varinha para frente. Tremendo, também ergui minha varinha, sem a menor ideia do que fazer, mas como água, as palavras escorreram da minha boca.
- Impervius.
- O que é isso Hermione?
- Acho que precisaremos disso – Em pouco tempo havia apontado para a varinha de todos, enquanto aquele grupo continuava a se aproximar. Harry sorriu. Por algum motivo, eu sabia o que ele iria fazer.
- Fiquem atrás de mim – Disse Harry – Quando eu der o sinal, Rony vai jogar o broto pouco depois da porta. Vocês devem correr o mais rápido possível para lá. Hermione, guie-os para a porta que você viu. Prontos?
Em um piscar de olhos, Harry gritou “Glacius” lançando um feitiço sobre o solo, que o transformou em uma pista laminada. Quando corremos o grupo oposto fez o mesmo ao nosso encontro, mas pouco conseguiu sustentar-se em pé, enquanto nós pudemos nos desvencilhar deles com facilidade. Em meio aos tropeços alheios, Rony jogou o Visgo do Diabo no meio do grupo e asperamente lançou “Aqua eructo!”. Um jato inexplicável de água foi direcionado ao broto, que segundos depois enlaçava pernas e braços dos bruxos no chão. Eles debatiam-se enquanto os ramos e troncos seguravam mais apertado e abriam buracos no chão.
A porta estava semiaberta e ainda exibia a placa prateada. Entramos com um solavanco, pouco depois de ver Harry entrar por último e dizer “Finite encantartem”, apontando ainda para o solo.
A sala depois da porta era grande. Grande o suficiente para acomodar uma pessoa para sempre. Olhando com mais atenção, não era simplesmente uma sala afinal. Era uma casa, com janelas compridas que iluminavam o ambiente. “Não é noite”, pensei. Mas logo me dei conta de que um feitiço poderia provocar essa ilusão. Mal saímos do lugar, talvez todos nós estivéssemos chocados com o que vimos.
Deparamo-nos com dois senhores idosos sentados em duas poltronas. Olharam nossas feições com algum alívio e levantaram-se para nos receber.
- Oh, Harry! Eu sabia que vocês conseguiriam encontrar a sala. Na verdade, bem a tempo de Flamel descansar, não é?
- Sim, Alvo. Foi um prazer conhecê-los brevemente. Eu preciso ir agora, colocar as tarefas em dia. Organizar, organizar, organizar...
Flamel era um senhor muito idoso, com a cabeleira totalmente branca. Suas vestes arrastavam no chão. Uma bengala balançou quando ele levantou-se para sair do recinto. Talvez a tenha esquecido, então voltou, sorriu para nós e subiu as escadas em espiral com a bengala. Contudo, Dumbledore, apesar de aparentemente passado em idade, mantinha desconhecido vigor. Sua barba branca ultrapassava o cinto das vestes, tinha olhos azuis miúdos mas intensos, que intimidavam através dos oclinhos de meia-lua. Quando não se ouvia mais passos de Flamel, Dumbledore estendeu a mão para que sentássemos. Receosos, seguimos a instrução.
Ele nos olhou atentamente e dedicou alguns segundos a mim antes de soltar um sorriso. Eu sorri de volta, mas não sustentei o olhar. Sem saber do que aquilo se tratava, dificilmente eu estava disposta a relaxar.
- Sei que você está ainda confusa, Hermione – Ele sorriu mais uma vez, e meu coração acelerou. Ler um bilhete de um remetente desconhecido não foi mais forte do que ver o desconhecido falar comigo pelo primeiro nome – Logo logo você entenderá porque está aqui, ainda que com certo atraso – Ele piscou e continuou sorrindo – Sou Alvo Dumbledore, Diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Sua escola.
Vermelha, eu olhei para os outros. Mas eles estavam tão confusos quando eu. Neville ajeitou-se na cadeira e Luna continuou virando os olhos, curiosa sobre aquele lugar.
- Senhor, nos desculpe, mas por que estamos aqui? – Introduziu Harry, receoso – Haviam Dementadores lá fora e fomos atacados agora há pouco por bruxos. Neville acabou de encontrar os pais quando achava que não mais os encontraria. Como pode ser isso?
- Neville Longbottom, o quão corajoso você é rapaz – Disse Dumbledore, com um brilho diferente nos olhos – Você precisou ver seus pais, depois de tanto tempo. Estamos em tempos difíceis e temo que fique pior. Mas não se preocupem, algo bom sempre acontece para superar o ruim.
- Quando o bilhete disse que algo grande iria acontecer hoje eu não imaginei que seria isso senhor. Por que não poderia ser escrito naquela hora sobre meus pais? E o que aconteceu naquele dia? Porque eles sumiram?
Dumbledore inquietou-se, levantou e andou pela sala, até admirar a janela um instante. Harry não se conformou e levantou-se também.
- O senhor poderia nos dizer por que tivemos de vir para cá? – Harry perguntou, sem se preocupar em ter sido abrupto – Nós não sabíamos que St. Mungus abrigava Dementadores. Nem sabíamos que Hermione estaria conosco quando passássemos por tudo isso. E havia um grupo de bruxos insanos lançando feitiços contra nós.
- Senhor – interrompeu Luna - Tivemos de usar o Visgo do Diabo. Sinto muito se era importante agora.
- Na verdade, Srta. Lovegood – Virou-se Dumbledore, fitando Luna – Se os seus amigos chegaram até aqui, então significa que a grande maldição funcionou e que a profecia realmente existiu.
Ele hesitou mais uma vez antes de voltar a sua poltrona, sem se sentar. Ele apoiou uma mão no móvel e olhou para cada um de nós sem piscar.
- Eu gostaria de falar com vocês individualmente, mas temo que não aja tempo para satisfazer tal capricho. De fato, posso me dar o luxo de conversar com vocês três depois. Agora, vocês só precisam saber o que eu vou lhes contar.
Ele apontou para Harry, Rony e para mim. Arregalei os olhos ao olhar para os dois. Estes expressavam tanta confusão quanto eu.
- Houve uma realidade em que vocês todos já se conheciam, uma realidade na qual devem ter enfrentado grandes dificuldades, talvez mais profundas de que as que viveram nesta vida.
Dumbledore procurou em nós vestígios de dúvida, e ao encontrar vários, continuou.
- Um bruxo, ainda não encontrado, criou um feitiço próprio. Um feitiço que atravessou todas as realidades possíveis para o mundo mágico. Ele conseguiu confundir as histórias, confundir as escolhas, confundir os fatos. O maiorem tumultu deveria ser impronunciável, considerando que seus efeitos são devastadores. Nossas vidas são alteradas em função do bruxo que a realiza, mas é necessário um poder muito grande para realizá-lo. Um poder com origem maligna com alvos específicos. No entanto, não somente vidas alheias são modificadas, mas também quem a lança é a primeira a receber os efeitos.
- O senhor quer dizer que um bruxo lançou um feitiço que mudou nossas... histórias? – Perguntei, ousando falar com o diretor mesmo sem conhecê-lo muito bem.
- Sim Srta. Granger. Mudou os fatos e escolhas das pessoas essenciais para o decurso correto de uma profecia – Dumbledore completou a sentença com a voz muito baixa, como se não quisesse de fato responder a pergunta.
- Por que alguém faria isso? – Rony comentou – Por que confundir histórias contra uma profecia? Deveria ser algo muito importante para essa pessoa.
- Mais do que isso Sr. Weasley. O feitiço deixa brechas temporais que se unem para voltar à ordem natural da história. O maiorem tumultu é uma aberração ao curso das vidas. É como sufocar o livre-arbítrio e atrasar o destino.
- Essa profecia senhor – Com cautela, Harry dirigiu-se a ele sem olhá-lo – Tem a ver com a Pedra Filosofal?
- Harry, a Pedra Filosofal acaba de ser destruída por Nicolau Flamel.
Confusos, olhamos para Dumbledore por mais explicações. Ele arqueou a sobrancelha, como se aquilo fosse uma explicação suficiente.
- Senhor, com todo respeito, como podemos saber o que pertence a nossa realidade ou não?
- Harry, não existe só uma realidade, afinal todas são reais. Contudo, existe um só final melhor para todos – Finalmente ele sentou-se e esperou que alguém dissesse mais alguma coisa antes de continuar – Escutem, vocês vão enfrentar coisas que jamais imaginaram e talvez eu lhes peça para aguentarem firme. O feitiço que caiu sobre nós tem peculiaridades. Pode ser que ocasionalmente lembrem-se de coisas que nunca fizeram ou tenham a sensação de já terem experimentado alguma coisa. De qualquer forma, não hesitem. Sigam os instintos. Eles terão razão. A magia quer reparar os erros.
- Senhor, por que eu seria essencial para a história de pessoas que eu não conheço? – Perguntei, ainda aflita com o que poderia acontecer.
- Ora Hermione! Você se recusou a ir para Hogwarts! – Respondeu Rony, no lugar de Dumbledore – Você não acha que teria nos conhecido caso tivesse estudado conosco?
Ainda pensativa, segui os outros que mantinham-se quietos. Neville levantou a cabeça.
- Não sei qual a diferença em viver outra realidade – Disse ele, com o rosto chateado – Ainda que a magia procure reestabelecer a ordem das coisas, meus pais continuariam sem me reconhecer, e eu não fiz tanta diferença.
- Não fez diferença? Sr. Longbottom, você vai perceber que fez toda a diferença – Dumbledore sorriu para o garoto e voltou para a janela, com as mãos cruzadas – Existem muitas coisas acontecendo mas ainda preciso conseguir respostas para muitas delas. Por enquanto, vocês não precisam se assustar com o que acontecer. Se tudo seguir conforme o planejado, vai ficar tudo bem.
- Há alguma pista de quem seja esse bruxo, senhor? – Harry perguntou, com a voz um tanto profunda.
- Sim, mas não faz diferença agora, Harry. Vocês precisam seguir os sinais.
Entreolhamo-nos ainda mais confusos que antes. Dumbledore sorriu e seguiu para uma porta lateral, escondida entre as cortinas. Antes de sair, ele inclinou a cabeça para nos olhar mais uma vez.
- Eu sei que é óbvio mas vocês podem sair pela porta da frente. Esta sala é protegida e só quem prestasse atenção realmente a veria. St. Mungus foi alvo de alguns feitiços, no entanto, nada que vocês juntos não pudessem enfrentar. E precisavam enfrentar. Se prestarem atenção, vão perceber o quanto. Iriam se surpreender com o que podem fazer juntos. Acreditem.
Sorrindo ele deixou o aposento, que pareceu um tanto mais quente. Depois de alguns minutos nos olhamos para fazer qualquer comentário. Harry foi o primeiro a levantar-se.
- Hermione, você consegue lembrar-se de coisas e as faz simplesmente porque acha que é o certo a fazer – Irrompeu Harry, de um lado para o outro, como se pusesse a ordem das ideias – Contornamos Dementadores, conseguimos chegar a uma sala que somente Dumbledore poderia conceder, somos alvo de um feitiço e de uma profecia mas não sabemos o porquê exatamente. Temos tido visões de coisas estranhas que podem ser uma realidade forçando nossas escolhas.
- Tudo vai mudar a partir de agora, não vai? – Murmurei para os outros. O silencio fazia com que processássemos o que iria acontecer. Respiramos fundo antes de, com as varinhas em punho, abrirmos a porta.
Haviam enfermeiras e bruxos conjurando cordas e limpando os corredores. Aparentemente, não fomos percebidos como culpados, de modo que a porta, como Dumbledore havia dito, era imperceptível, portanto, como se nem houvéssemos passado por lá.
Seguimos para a saída de St. Mungus e, cautelosamente, abrimos a porta. O ambiente havia mudado. O campo e os vales continuavam os mesmos, contudo o frio que congelava cessou e não havia sinal de Dementadores. Só a noite muito limpa perdurava constante. Nos olhamos e, aliviados, passamos pelos muros baixos do Hospital.
- Eu me pergunto se não-bruxos podem ver esses lugares como nós – Perguntei, ingenuamente.
- Os trouxas? – Comentou Gina - Eles não veem nada!
- Bom, acredito que “trouxa” seria o “não-bruxo”, não é? – Continuei, tentando amenizar o real significado da palavra no mundo “trouxa”.
- Claro! – Disse Rony, entre os dentes – O que mais poderia ser?
- Há! – Ri por mim – Isso é tão clichê...
- O quê? – Perguntou Harry, com as sobrancelhas arqueadas – O que seria clichê?
- Algumas palavras simplesmente tem duplo sentido entre nossos mundos. Mas eu devo sentir que agora este também é o meu mundo.
Rony e Harry sorriram.
Comentários (2)
Estava a caminho. Muitas revisões antes de atualizar... Mas tamo junto na luta lol
2014-11-24Ei, cadê o resto da fanfic?? Continua logo, pelo amor de Merlin!!
2014-09-23