Um fantasma no navio Real



               Harry acordou de madrugada sem sono, e sentou-se em frente à janela, observando os terrenos de Hogwarts. Depois de algumas horas observando o vazio, avistou uma figura branca atravessando a parede do castelo sem dificuldade.


               Uma ideia percorreu sua cabeça. Ele calçou seus chinelos, agasalhou-se e saiu do dormitório na ponta dos pés, tentando não fazer barulho. Ficou feliz ao saber que estava com sorte: Nick-Quase-Sem-Cabeça flutuava em frente à lareira acesa, distraído.


               — Olá, Sir Nicholas. – falou Harry.


               Nick-Quase-Sem-Cabeça virou-se e sorriu ao ver Harry.


               — Boa noite, Harry! – falou ele, animado – O que faz acordado a essa hora da noite?


               — Perdi o sono – respondeu Harry, indiferente – Se importa de eu ficar aqui com você, Sir Nicholas?


               — Ora, claro que não! Adoro companhia, na verdade estava mesmo muito solitário essa noite. E não se acanhe em me chamar apenas de Nick, não precisa dessa formalidade toda – Harry sorriu para o fantasma e se largou em uma poltrona muito macia, em frente à lareira – Eu me lembro de quando eu era vivo... Todos me chamavam de Sir.


               — Devia ser muito legal, tudo devia ser mais bonito naquela época. – falou Harry mais para ele mesmo do que para Nick.


               — E de fato era, muito mais bonito! Já fiz muitas espedições pelo mundo a fora – afirmou Nick cruzando as pernas no ar – (na verdade, pela Europa, mas na minha cabeça, viajei o mundo) - acrecentou Nick rindo - Eu me lembro, como se tivesse sido ontem, o dia em que entrei no navio do Rei Philip. Foi o navio mais bonito que eu já vi em toda a minha vida. Ele era enorme, com uma enorme bandeira com o brasão do Reino esvoaçando no mastro, e a carranca mais bela e assustadora que eu já vi. Eu só não imaginava o que me esperava lá dentro.


                — Não gostou de ficar lá, Nick?


                — Pode acreditar, se eu soubesse o que eu passaria naquele navio, com certeza eu não teria embarcado. Muito bem, vou contar-lhe o que houve. Entrei naquele navio em uma tarde ensolarada de primavera. A cabine em que fiquei era linda e bastante espaçosa. Era de luxo, o Rei gostava de mim.


               “Eu estava indo procurar alguma anomalia em uma floresta muito distante de Londres, muito mesmo. O Rei não me disse o que procurar, só que havia muita preocupação em seu olhar. Francamente, aquele homem já estava enlouquecendo, mas eu aceitei, pois estava louco para entrar naquele navio e também estava farto daquela vida monótona que estava levando desde a minha última viajem.


               “Gostei muito de lá. Era muito elegante e confortável. Anoiteceu e logo após o jantar fui me deitar, mas não consegui pegar no sono com todo aquele balanço do navio. Demorei muitos dias para me acostumar com o balanço. Ficava virando para cá e para lá, sem ter o que fazer. Numa noite mais escura do que de costume, a vela que iluminava a minha cabine já estava queimada até a metade, se não me falha a memória, até mais que isso.


               “Um ar gélido entrou por baixo da porta da cabine. Me cobri mais, estranhando aquela súbita mudança de temperatura. Uma tempestade estava vindo, isso estava claro para mim, mas com certeza o tempo não mudaria assim tão de repente. De repente, a vela apagou. Fiquei tentando enxergar algo em meio àquela escuridão, mas nada via.


               “Ouvi um barulho no corredor. Empunhei minha varinha acesa, pronto para lutar com o que quer que fosse.


               “Sai do meu quarto e parei no corredor em frente à porta da cabine. Olhei para direita e para a esquerda tentando enxergar algo. Não havia ninguém lá.


               — O senhor não estava com medo? – perguntou Harry.


               Nick soltou uma gargalhada.


               — Claro que estava! Eu estava apavorado! Um quadro implorou para que eu não andasse pelo corredor. Disse que eu estava correndo perigo. É claro que eu acreditei nele, mas eu sentia que devia seguir a diante.


               “Então segui caminho na direção que o quadro falou para eu não ir. Havia algo ali... apesar de estar completamente apavorado, eu queria descobrir o que era aquilo.


               “Enquanto andava, uma luz foi crescendo no final do corredor. Parei um pouco e tentei enxergar algo a mais, semicerrando os olhos. Continuei andando. Ouvi sussurros. Algo estava sussurrando o meu nome”.


               “Parei no ato. Minhas mãos tremiam e suavam sem parar. Esfreguei os olhos, tentando enxergar mais além, mas não conseguia.


               “Num piscar de olhos, quando eu menos esperava, uma garota aparecereu na minha frente, a menos de um metro de mim. Ela vestia uma roupa clara, como a de uma criada, mas estava imunda, cheia de sangue, esfarrapada. Seus olhos eram cheios de nada, profundamente vazios. Um ar gélido saia de sua pele muito pálida e sem vida. Desviei o olhar, não queria olhar para ela por muito mais tempo.


               “Ela me encarou por alguns segundos, e algo a fez sorrir, deixando seus dentes a mostra, imundos e manchados com o sangue que escorria entre seus lábios contorcidos naquele sorriso estranho.


               “Domado pelo medo, minhas pernas se moveram de volta para a minha cabine em outro piscar de olhos. Em vão, tranquei a porta e me enfiei de baixo das cobertas, até a cabeça, e pude sentir a presença da garota pelo resto da noite, ao lado da minha cama.”


               Harry estava impressionado com a história e soltou um palavrão. Nick riu.


               — O senhor quase morreu de susto! – falou Harry rindo.


               — Seria uma morte melhor, menos dolorosa – falou Nick mais para si mesmo quanto para Harry, olhando para o vazio e acariciando o enorme corte em seu pescoço.


               — Mas Nick... Essa garota... Ela não apareceu mais?


               — Sim, ela apareceu. Todas as noites ela estava lá, eu conseguia senti-la. Com o tempo eu me acostumei, mas não me sentia confortável. Às vezes ela sussurrava meu nome durante a noite, e isso me deixava apavorado! Mas uma noite eu decidi por um fim nisso. Levantei-me, acendi uma vela e lá estava ela, me observando, como sempre.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.