O AFRICANO
Antonius Olimpicus Obote M’Bea era uma verdadeira lenda do quadribol internacional. Com dezessete anos de idade já jogava como batedor na seleção de Uganda, a maior potência africana no esporte. Seus pais, honoráveis e nobres bruxos do continente, não gostaram de ver o filho rebatendo balaços nos torneios internacionais. Queriam para ele uma carreira diplomática ou empresarial após o término da escola em Hogwarts. Sim, ele havia sido mandado para estudar na Inglaterra, de onde voltaria para o seu país para seguir a vida que a família lhe traçara. Política, negócios, casamento arranjado com alguma bruxa também de família importante.
Ainda na Inglaterra assinara seu primeiro contrato profissional com os Presunçosos de Patonga, equipe tradicional de seu país e base da seleção nacional ugandense. Assombrara os africanos com seus balaços espetaculares e milimétricos na última copa continental, que desnorteavam os artilheiros adversários e maravilhavam os torcedores. Então, estranhamente, foi afastado do time e da seleção. Alegavam que tinha alguma contusão misteriosa, nunca encontrada ou explicada. Fora do seu clube e do selecionado nacional, as ofertas do exterior, que antes abundavam, desapareceram. Sua família, poderosa e onipresente no seu país e em todo continente, havia pressionado e ameaçado pessoas para excluí-lo do quadribol, na esperança de que passasse a exercer alguma profissão “nobre”, digna de um M’Bea.
O único resultado foi o seu sumiço por três anos, período do qual muito se especula e sobre o qual o próprio M’Bea é bastante reticente. Depois disso seus familiares desistiram ou se conformaram e ele voltou ao esporte profissional, primeiro jogando nos Estados Unidos, onde reconquistou a fama de maior batedor do mundo e depois na Inglaterra. Antes da guerra havia defendido o União de Puddlemere, mas sempre jogando para Uganda nos torneios internacionais. Os britânicos ainda se lembravam com um misto de admiração e despeito de sua atuação contra Gales na penúltima Copa Mundial. Ele havia simplesmente destruído o ataque dos galeses com suas bastonadas certeiras nos balaços que quase derrubavam os artilheiros de suas vassouras. Muitos diziam que se ele não tivesse jogado com uma contusão no ombro direito nas quartas de final contra a Irlanda, esse país talvez não tivesse avançado e conquistando o campeonato.
Além de ser um ótimo jogador de quadribol, chamado de “Hipogrifo Africano”, “Mister África”, “Dragão Negro”, “Balaço de Uganda”, “Rei do Bastão”, "Big Toni" e tantos outros cognomes, Toni M’Bea era também um grande conhecedor da Arte das Trevas. Poderia escrever livros sobre o assunto ou dar aulas em Hogwarts se quisesse. Felizmente estivera do lado certo durante a guerra. Odiava os bruxos das trevas. Com uma esposa trouxa e filhos mestiços, seria normal que estivesse contra os Comensais da Morte e a mania desses de “sangue puro”. Mas Harry e os amigos desconfiavam que ele tinha suas próprias razões para odiar os seguidores de Voldemort. Sua família em Uganda, embora ele nunca mencionasse o assunto, parecia ter muitos seguidores de “você-sabe-quem”. M’Bea lembrava muito, pela sua história de vida, o finado padrinho de Harry, Sirius Black, e por isso o rapaz gostava tanto do africano, quase como se fosse um irmão mais velho. Sem contar que durante a guerra, havia sido um aliado valioso e destemido.
Gina havia ficado surpresa com a presença do batedor africano ali na sorveteria de Florean. Como não havia visto a lista de jogadores que Vitor Krum havia mostrado para Harry e Rony, não sabia que os reforços do novo time do Cannons incluíam M’Bea e ela própria. Fazendo, a princípio, sua melhor cara de brava, a ruiva caminhou até o gigantesco homem mais velho e antes que sentasse na poltrona que havia conjurado, atirou-se sobre ele e lhe deu um grande abraço.
- Ora, seu grande hipogrifo vitaminado! – disse a garota com fingida contrariedade, beijando-lhe o rosto – Você sabe que é a única pessoa que eu não fico com raiva por me chamar de “Garota Weasley”.
Três anos atrás Gina quase havia tido um enfarte quando viu o gigante africano aparatar no St. Mungus, ferido e ensangüentado, carregando alguém que tinha mais ferimentos do que ela poderia imaginar que uma pessoa pudesse suportar, gritando enlouquecido que Voldemort estava morto e que Harry Potter, que o havia matado, precisava desesperadamente ser salvo. Sim, aquele homem gigantesco, de algum modo havia retirado o “garoto que sobreviveu” dos escombros da fortaleza do Lorde das Trevas e o havia trazido nos braços, como se fosse um bebê, para o hospital. Do lado dele estavam seu irmão Rony, Dino Thomas, Hagrid e outros pessoas, feridas e confusas, mas vivas. Apenas quando se certificou que Harry estava em boas mãos aquele homem extraordinário deixou que tratassem dos seus ferimentos, que incluía várias lacerações, inclusive uma feita pela gigantesca cobra de Voldemort, que ele havia decepado com uma velha adaga mágica africana. Se o mundo mágico devia a Harry Potter a sua sobrevivência, Gina Weasley devia a Toni M’Bea a sobrevivência de Harry. Então, diabos, não havia problema se ele a chamasse por aquele nome tolo e infantil que ele tanto odiava!
Rony e Harry também foram cumprimentar o ex-companheiro de combate, que abria o seu melhor sorriso, parecendo realmente muito feliz em rever os velhos amigos. Depois de esticar a mão imensa espalmada, que foi tocada com o punho fechado por todos, numa velha saudação de quadribol, M’Bea acomodou-se por fim na poltrona e pediu para que todos se sentassem.
- Senhor M’Bea, será que o senhor poderia me dar um autógrafo? – pedia pressuroso um dos idosos ex-proprietários dos Trasgos, conjurando uma pena e um pergaminho. Depois de atendido, dobrou cuidadosamente e guardou-o como se fosse um tesouro, murmurando algo como “meus netos não vão acreditar”.
- Senhor Malfoy – disse o africano de maneira bastante formal, o que não deixava de soar estranho chamar o outro de “senhor”, uma vez que o presidente do time recém-criado era uns doze ou treze anos mais novo do que ele – Eu gostaria de falar a sós com o Harry, os Weasleys e o Vitor. Sabe como é, conversa de jogadores...
- Claro, Toni, claro – disse o loiro de maneira solícita – Estou ali fora tomando um sorvete. E, Potter – falou virando-se para Harry – lembre-se do que eu falei.
- O que diabos está acontecendo aqui? – quis saber Gina
- Muito simples – disse M’Bea sorrindo – Uma proposta foi feita e parece que seu irmão e Harry estão tendo dificuldade para aceitá-la.
- E onde entra o Malfoy nisso? – perguntou a ruiva, muito confusa.
- Eu explico – disse Harry. Calmamente ele contou a amiga toda a história da transformação dos Trasgos Diagonais em Cannons Diagonais, a proposta de Malfoy, o desejo de ter ela e Rony no time. A absurda proposta de três milhões de galeões.
- Três milhões de galeões para você? – perguntou Gina abismada
- Entenda, Gina, eu nunca pensei que pudessem me oferecer tanto dinheiro para jogar quadribol – tentou explicar Harry, como se pedisse desculpas.
- Ora, Harry, isso não me surpreende – disse calmamente o africano.
- Não sei porque você está tão surpreso, Harry – falou Rony.
- Se você quer saber, amigo, eles fizeram essa proposta porque sabiam que os australianos, os ianques e sei lá mais quem poderiam chegar nisso também – acrescentou Vitor Krum, mantendo a tradicional expressão carregada.
- Harry, ninguém está recriminando você – explicou Gina compreensiva – Eu não sei porque você se sente mal com tudo isso. Todo mundo diz que você é um dos maiores jogadores de quadribol da história. E você ainda é o salvador do mundo mágico.
- É, eu não entendo porque você não se sente bem com isso – disse Rony – Não é como se você estivesse roubando, sabe?
- Escutem todos vocês – disse M’Bea, sua voz de barítono silenciando os presentes – Vocês não gostam de Draco Malfoy. Eu sei, aquele negócio entre grifinórios e sonserinos. Estive em Hogwarts também. Também fui grifinório e como vocês não gostava dos membros da casa da serpente. Mas eu conversei com o Malfoy. Ele não é nenhum amor de pessoa, mas é melhor do que a maioria dos presidentes de times que eu conheci por aí. Não quero dar uma de “grande irmão negro mais velho” – todos sorriram quando Toni disse isso. Como todos ali o conheciam da época da guerra, sabiam que uma vez dada essa introdução, ele iria exatamente agir como o “grande irmão negro mais velho”. O que não era de todo ruim. Na guerra, muitas vezes os conselhos e a sabedoria dele havia mantido todos vivos e inteiros para contar as histórias do conflito para os filhos e netos.
- Malfoy é um presidente de time e acima de tudo é um sonserino. Mas os presidentes de time são geralmente canalhas, que bajulam você enquanto você dá dinheiro para eles. A maioria faria os sonserinos parecerem boas pessoas. Malfoy quer provar que é um cara competente, mas também quer provar que pode agir de maneira decente como um ser humano. Não acho que ele queira prejudicar algum de nós e ele me parece mais legal do que a média dos dirigentes de clubes por aí.
- Você descobriu tudo isso só conversando com ele ou você lê mentes também agora? – quis saber Rony, ligeiramente irritado.
- Não precisa ser grosso, Rony! – advertiu Gina – Toni é nosso amigo, lembra?
- Tudo bem, Gina – tranqüilizou-a o batedor – Não, Rony. Eu nunca fui um bom legilimente. Apenas conheço as pessoas. E convivi com mais presidentes de times do que todos vocês, aqui. Mesmo do que o Vitor. E não acho que o Malfoy deveria ser um empecilho pra gente se divertir e ganhar um bom dinheiro fazendo o que sabemos fazer.
- Se vocês me permitem dizer, eu acho uma grande bobagem deixar de jogar num time só porque o cara que vai presidi-lo é alguém com quem vocês não simpatizavam quando adolescentes – falou Krum – E o Toni tem razão. Malfoy não parece e nem age como um canalha. E aprendam uma coisa: não há presidentes de times que sejam bonzinhos. Malfoy pelo menos vocês já conhecem. E, se você me permite Harry, você não tem o direito de prejudicar seus amigos aqui – finalizou o búlgaro, apontando para os irmãos ruivos que olhavam-no sem entender o último comentário.
- Mas o que... – ia dizendo Gina, quando Harry a interrompeu.
- Por isso eu chamei você aqui, Gina. Gostaria de conversar com você e com Rony. Vocês são a minha família, certo? Então acho que podemos ser francos uns com os outros.
Rony mexeu-se desconfortavelmente no seu lugar. Essa conversa talvez não fosse muito legal, pensou o ruivo. Gina, emocionada por Harry dizer que ela era “sua família” fixou no moreno os seus belos olhos castanhos. O africano e o búlgaro saíram de cena temporariamente sob o pretexto de tomarem mais um sorvete. Por algum motivo achavam que estariam sobrando na sala enquanto aqueles jovens complicados mas adoráveis tinham “A conversa”.
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