Godric's Hollow
Capítulo 13. Godric's Hollow
A vida é uma sombra errante;
Um pobre comediante, que se pavoneia
No breve instante que lhe reserva a cena,
Para depois não ser mais ouvido.
É um conto de falas, que nada significa,
Narrado por um idiota, cheio de voz e fúria.
- William Shakespeare
Lílian observava o bebê dentro do berço. O sol estava se pondo do lado de fora e o quarto se enchia de fachos de luz alaranjados. No fim das contas, tinha que admitir que ficara feliz em vir para Godric's Hollow. Em mudar de ambiente, de cores, de vista da janela. Ela tinha ficado com medo que Tiago ficasse deprimido em viver na casa onde os pais haviam sido assassinados, mas ele parecia não se importar tanto com isso. Era até divertido vê-lo parar de fazer qualquer coisa de repente e começar a contar suas travessuras de criança. Lílian só podia esperar que Harry não fosse tão afeito a transfigurar tudo que via pela frente quanto o pai.
Claro que a vida deles agora era bem diferente do que costumava ser quando eram apenas membros ativos da Ordem da Fênix. Quando não eram ainda os pais da única esperança da resistência. Ela, o marido e o filho viviam agora num mundo alheio, devagar, quase parando, dentro do mundo agitado das outras pessoas. Enquanto todos estavam pegando em varinhas e arriscando suas vidas pela Ordem ou por Voldermot, Lílian e Tiago tinham apenas que sobreviver. Continuar em pé para garantir a continuidade da vida de Harry.
Harry transformara sua vida em muitos aspectos, desde a real experiência de ser responsável por um ser humano completamente indefeso até as concessões que tivera que fazer por causa dele. Ser mãe tinha mudado em muito seu modo de ser. Era engraçado se sentir assim em relação a alguém que há um ano nem sonhava em fazer parte da sua vida. A cada dia que passava, Lílian se sentia mais próxima do filho, como jamais se sentira com nenhum outro ser humano na vida, exceto talvez com a sua própria mãe. Tudo perto de Harry parecia se tornar gracioso, luminoso, incansável. Sabia que soava idiota, mas em alguns momentos ela sentia que nada mais importava. O mundo parecia terminar dentro daqueles olhinhos alegres - olhos que, agora já se podia concluir com certeza, eram definitivamente verdes, para total contentamento de Tiago.
Mas estarem o três sempre tão perto dava uma falsa sensação de união eterna que Lílian não queria alimentar. Sabia que Harry um dia também precisaria de espaço para dar seus próprios passos. E ela sabia que ia sofrer quando acontecesse. Logo no primeiro instante, quando a curandeira cortou o cordão umbilical que os unia, já fora difícil. Mas o pior era saber que aquele tinha sido só o primeiro de tantos cortes. Um dia, Harry aprenderia a andar e ia querer fazer as coisas sozinho. Depois ele iria para a escola e então ela seria jogada para escanteio, como uma simples espectadora ou eventual conselheira.
"E se eu lhe dissesse que ao ter essa criança estará dando o primeiro passo para perder aquilo que mais ama?", essas tinham sido as palavras exatas de Gweena naquele dia em que Lílian finalmente tinha entendido que não devia ter medo do que seu dom lhe revelava. Agora essas palavras começavam a adquirir algum sentido em sua mente, embora ela ainda não entedesse bem qual era.
- Ele dormiu? - perguntou Tiago, entrando no quarto com uma caixa debaixo do braço. Ao que ela fez um sinal afirmativo, ele a chamou para fora.
Lílian seguiu o marido pelo corredor até a aconchegante sala de estar.
- Veja o que eu achei - disse Tiago, sentando no tapete defronte a lareira e abrindo a caixa. Dentro havia uma pilha de fotografias antigas, com vários bruxos e bruxas acenando, sorrindo e mudando continuamente de lugar. - São fotos do nosso tempo em Hogwarts.
Ele ergueu uma delas e Lílian pôde constatar que era do terceiro ano, do dia do primeiro jogo de quadribol de Tiago pelo time da Grinfinória. Estavam os quatro Marotos comemorando a vitória e, no canto esquerdo, ela mesma, sorrindo condescendente, e Marlene agitando alegremente um pompom vermelho e dourado com uma mão e o bastão de batedor na outra.
- Nessa nós já estávamos namorando - falou ela, sentando junto ao marido ao mesmo tempo em que apontava para uma fotografia em que se via, de um lado da mesa, Pedro, Remo, Sírius e Tiago e, do outro, Lílian, Marlene, Héstia e Alice. O grupo erguia garrafas de cerveja amanteigada, brindando, então tomavam grandes goles da bebida e voltavam a conversar entre si animadamente. E tudo aquilo fora há menos de três anos.
- Foi uns dois meses antes de eu te pedir em casamento - comentou Tiago. - E essa é do dia que dependuramos o Seboso numa baliza do campo de quadribol...
Mas Lílian não prestava mais atenção. Tinha os olhos cheios de lágrimas, perdidos nos desenhos geométricos do tapete. O que dois anos e alguns meses tinha feito com aqueles sorrisos, aqueles olhos brilhantes, aquelas expressões sonhadoras?
Sem querer, ela mirou uma fotografia sua e de Tiago dançando numa chuva de folhas amareladas. Ela se lembrava vivamente do dia em que aquela fotografia fora tirada, há dois anos, em Hogsmead, por Remo, um segundo antes de Sírius arrastá-los dali a fim de lhes mostrar a moto trouxa em que estava trabalhando - queria a ajuda de Tiago para alinhar o funcionamento mecânico da moto com a magia que a faria voar.
Não, não foram os anos, nada daquilo tinha a ver com o tempo. Tudo era por causa da guerra. Era por isso que estava tudo tão diferente.
Ela fechou os olhos e, pela primeira vez, perdeu conscientemente a esperança. Já havia duvidado antes que um dia as coisas voltariam ao normal, mas aquela era a primeira vez que se deixava levar pela desilusão sem se censurar.
Estava decidida a continuar lutando pelas pessoas que amava, por Tiago, Harry e pela Ordem. Mas agora não acalentaria mais a esperança de que tudo ia melhorar. Não tinha esse direito. Não tinha o direito de ignorar os fatos, por mais que sua sanidade mental dependesse disso. Simplesmente não era justo que ela pudesse desviar o olhar e fingir não ver só porque estava protegida.Não quando havia tanta gente morrendo ou sofrendo dores físicas e psicológicas mais terríveis do que a morte lá fora. Não quando jovens tinham que morrer tão tragicamente ao invés de sonharem, de planejarem, de viverem despreocupadamente suas vidas.
Naquele momento, Lílian Potter decidiu que estava disposta a dar sua vida pela causa. Não necessariamente pela vitória. Mas pelo fim da guerra. Pelo fim de tanto sofrimento.
Tiago a abraçou com força, sem entender por que ela parecia de repente tão desconsolada. Mas ele não poderia entender, mesmo que ela explicasse centenas de vezes.
Apesar de tudo, Tiago Potter ainda acreditava no futuro.
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- Assim não vai dar, vocês têm que ficar mais juntos!
- Pra ficarmos mais juntos que isso eu teria que sentar no colo do Black!
- Não é uma má idéia, McKinnon.
Marlene revirou os olhos para Sirius, enquanto se levantava e ia se posicionar entre Dédalo Diggle e Alice Longbottom.
Os Potter já não moravam mais em Londres, mas sua casa, agora em Godric's Hollow, ainda servia de sede para a Ordem e, naquele dia em especial, era o lugar onde todos os membros haviam se reunido para a comemoração do Dia das Bruxas, o décimo desde o início da guerra. Dorcas Crockford insistia em aproveitar a ocasião para tirar uma foto. Já fazia vinte minutos que os membros da Ordem da Fênix tentavam se arrumar na pequena sala.
- Aberforth, tire esse chapéu horrível e vá lá pra atrás do Alvo, perto do Sírius - mandou Dorcas, exasperada. Um bruxo velho e grisalho de aspectocarrancudo tirou o capéu com chifres de bode e atravessou a sala em direção ao lugar indicado.
Lílian entrou na sala vinda do quarto de Harry e Tiago a chamou para sentar ao seu lado.
- Assim você não vai aparecer, Rabicho. Sente aqui - apontou Tiago. Pedro se sentou ao lado dos Potter.
- Agora fiquem quietos. Hagrid, abaixe a cabeça - Dorcas enfeitiçou a câmara para que flutuasse.
- Estou atrasado? - perguntou Lupin, entrando na sala. Por causa do tumulto ninguém tinha percebido o barulho da porta se abrindo.
- Não, você só perdeu a reunião toda - respondeu Emmeline Vance, uma jovem de longos cabelos pretos.
- Mas chegou a tempo para a foto, fique ali perto de Edgar - ordenou Dorcas, antes de se juntar ao grupo, se posicionando ao lado de Sírius.
Segundos depois, a câmara disparou o flash iluminando a sala.
Logo depois, o grupo se descondensou e Remo se aproximou de Lílian e Tiago:
- Pensei que não vinha mais, Aluado.
- Eu tive uns problemas por aí, Pontas - respondeu Remo, se balançano levemente.
- Andou tendo muitos problemas então, já que não vem nos visitar desde que nos mudamos - ralhou Lílian.
- Sim, sim.
- Eu gostaria de saber que tipo de problemas são esses - resmungou Sirius, falando com Remo pela primeira vez em semanas.
- Coisas da Ordem... missões... de reconhecimento.
- Onde você estava quando estouramos o esconderijo de dez comensais na Escócia? - perguntou Sirius, com ar inquisidor. - Dumbledore me disse que você não estava a serviço da Ordem e eu te mandei uma coruja pedindo ajuda. Por que não foi?
- Eu... eu tinha outras coisas pra fazer.
- Remo, venha aqui! - chamou Frank. Lupin aproveitou a deixa para evitar a pergunta de Sírius, afastando-se do grupo.
- Ele não parece bem, Tiago... - comentou Lílian.
- Não esquenta com isso. Se houvesse alguma coisa ele diria.
- Não tenha tanta certeza disso, Pontas. O Aluado está mudado.
- Almofadinhas - advertiu Tiago, ficando muito sério.
Sirius preferiu não insistir. Mas nada lhe tirava da cabeça que alguma coisa estava acontecendo.
- Tenho que ir...
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Sirius se despediu de Lílian e Tiago e dos outros presentes, vestiu sua capa de viagem e saiu da casa. A porta dava num terreno baldio cheio de mato e algum lixo. Um complexo encantamento havia sido feito para impedir que se visse a fachada da casa.
O rapaz puxou a varinha de dentro das vestes e fez um feitiço nos olhos para poder localizar a moto. Lílian havia desiludido muito bem a máquina e ele resolvera manter o feitiço até que se dissipasse, afinal, dificilmente conseguiria fazer um tão bom.
Então se dirigiu para o lado escuro do terreno onde tinha localizado a moto desiludida quando foi interrompido por um barulho atrás de si. Virou-se rapidamente, já se pondo em posição de duelo.
- Ei, calma... - disse Marlene McKinnon, fechando a porta da casa. - Está passando tempo demais com Moody.
- Aparecendo assim de repente, o que você queria? - resmungou ele.
- Eu vi você falando com o Remo.
- Anda me observando, McKinnon? - perguntou Sirius, abrindo um largo sorriso de presunção.
- Quem te garante que não era o Remo que eu observava? - rebateu ela, devolvendo o sorriso.
- Faz sentido, afinal, ele é seu namorado - falou ele, como se estivesse contando uma história inventada. - Apesar de eu não entender como vocês começaram isso do nada. Ele nem sequer faz o seu tipo.
- Ah, e agora você sabe qual é o meu tipo?
- Claro. Eu sei que você prefere os altos, fortes e charmosos.
- Está errado, odeio gente arrogante e metida. E, apesar de não ser absolutamente da sua conta, meu namoro com Remo não começou "do nada", nós sempre fomos ótimos amigos e eu sempre o admirei muito.
- Você veio aqui fora pra falar do seu namorado? - perguntou, voltando a andar em direção à moto.
- Por que você está desconfiando do Remo?
- Quem te disse que eu estou desconfiando do Aluado, McKinnon?
- Você, Black. Está sempre fazendo insinuações e enchendo ele de perguntas.
- E o que você tem com isso?
- Nada. Eu só queria avisar que está sendo injusto - Marlene falou muito calmamente, embora seu rosto vermelho revelasse que estava muito nervosa.
- Ah, é esse o seu veredicto?
- Não! - ela perdeu o controle do tom de voz, parecia prestes a avançar em Sirius de tanta ira. - É só que você devia olhar o calendário de vez em quando, quando estávamos duelando na Escócia era lua cheia - dizendo isso, Marlene voltou para dentro da casa batendo a porta, deixando Sirius novamente sozinho, atônito.
- Accio calendário - murmurou Sírius, erguendo a varinha e, após alguns instantes, um calendário veio voando para sua mão. Estava ali a data do dia em que invadiram o esconderijo. E era realmente lua cheia. Tinha sido realmente um estúpido tirando conclusões sem atentar para esse detalhe.
Talvez Marlene tivesse razão, estava ficando paranóico. Ver amigos morrendo, caindo como moscas nas mãos de Voldermot e seus seguidores, estava tirando sua racionalidade. Mesmo admitindo isso, não podia dizer que sua confiança em Remo era inabalável como quando ainda estavam em Hogwarts.
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A festa ainda continuou animada após a saída de Sirius. E eles tinham bons motivos para festejar, a Ordem vinha conseguindo suas primeira vitórias realmente significativas - o comensal Karkarof tinha sido preso e parecia disposto a falar em troca de alguns anos a menos em Azkaban, o desmantelamento da base de Voldermot na Escócia fora um sucesso e a Ordem estava há um bom tempo sem baixas. Mas a animação se devia muito mais ao fato de que todos sabiam que dificilmente poderiam se reunir assim em um futuro próximo. Era extremamente perigoso ficarem todos os membros num só lugar.
Eles não poderiam prever que estariam todos reunidos de novo dali há poucas semanas.
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