Rede de Mentiras
As portas da Ala Médica nunca haviam sido abertas com tanta força. Quer dizer, talvez tivessem, mas não tantas vezes seguidas.
A primeira a entrar foi Kate, mas também fora a primeira a acordar, o que lhe concedeu uma vantagem. A questão, se você entende, é que ela mal dormira. Durante o sono perturbado, a garota vira coisas que a amedrontaram, digamos. Certo, refaçamos a cena.
O vento frio atravessava os vitrais de Hogwarts, fazendo com que os pelos das garotas adormecidas se eriçassem, menos os da senhorita Draconiam, uma vez que era imune a essas peripécias do clima.
Ela não conseguia dormir, sentia-se irritada. Para variar, seu irmão vinha fazendo bobagens, como sempre. Mandar Monique para a enfermaria, que ideia! E ainda nem tivera tempo de falar com a amiga, saber se estava tudo bem. Não podia fazer nada com o irmão, pessoas já começavam a suspeitar, cochichos no corredor, ela podia sentir os olhares.
Sentou-se na cama, tocando o chão frio com os dedos, um de cada vez. Engraçado, se ela se esforçasse, o frio do chão a remeteria às montanhas geladas do norte da Inglaterra.
- Sentindo-se nostálgica? – A voz veio de todos os lugares e de nenhum ao mesmo tempo. Não era em sua cabeça, como estava acostumada, mas também não era em nenhum outro local. Ela apenas existia.
- Você.
As sombras se movimentaram, juntando-se num vão na parede. Elas tomavam vida, como se o próprio Peter Pan houvesse lhes ensinado um truque.
- Mostre-se. Sinto sua falta, por mais que não devesse.
Peter saiu das sombras, mostrando seu corpo coberto com uma armadura negra e reluzente. Sinto confundi-los, mas não há como descrever Demetrius sem usar seu difamado irmão como parâmetro.
- Faz tempo que não nos vemos, minha irmã. - Demétrius acenou, pondo três dedos no peito e cortando como uma garra. – Os anos têm lhe sido bondosos. Mal vejo sinais de envelhecimento por baixo dessa casca que te esconde.
Katherine acenou, aproximando-se um passo do irmão.
- Não chegue mais. Sou apenas uma sombra, um murmúrio. Não estou aqui, encontro-me a quilômetros do seu toque.
- Então venha você para mais perto. Sinto sua falta. Nosso irmão...
- Está morto para mim. – E aqui, vemos realizada a primeira mentira da rede. – Vim apenas avisá-la. Não fique mais. Tem caçadores de todo o mundo atrás de nosso irmão, eu mesmo estou aqui com ordens de levar sua cabeça para nosso pai. Katherine, a tríade está aqui. Vocês não tem chance. Fuja, vá embora. Deixe o rapaz, cuidaremos dele. Não aguentaria ver você padecer.
Katherine suspirou, sua mão maneou incoerentemente no ar, uma rajada fria entrava novamente pela janela semiaberta.
- Você parece ter esquecido quem sou. Ou pelo que luto. Quem sabe tenha esquecido quem você é, e pelo que você costumava lutar.
O silêncio culminou, apenas a respiração lenta era ouvida.
- Não esqueci. Nunca esquecerei. Sinto sua falta, minha irmã. É uma pena que talvez tenha de terminar como irá. Tem uma guerra se aproximando e ela começará antes do fim do ano. Por favor, peço-lhe novamente, esteja fora daqui.
Mais uma vez as sombras se movimentaram, voltando aos seus lugares corretos. Acabara, tudo voltava ao normal, se é que normal é algo que poderia sequer acontecer na vida dos nossos heróis.
Katherine lentamente sentou-se na cama, sua mão sobre o peito, uma dor aguda no fundo de sua mente.
- E então, como isso tudo terminará? – Ela se perguntou, jogando-se sobre a cama.
Se Demétrius estava por perto, era de se esperar que Blake também estivesse. Seria interessante ver o pirralho novamente.
A dor em sua cabeça foi lentamente sumindo, à medida que o sono chegava, até que a agonia e os pensamentos cessaram e ficou apenas o vazio.
...
- Imaginei que você fosse ser a primeira a aparecer. – Monique abriu um sorriso enorme, felicíssima por ver a amiga chegar. – Como está?
- Morrendo de vontade de comer lagarto assado. Mas deixemos isso pra lá. Como você está? – Kate fechou a cara e depois reabriu um sorriso lento.
Monique abaixou a cabeça, cansada, rindo da piada da amiga.
- Não se preocupe, eu vou ficar bem.
Kate sentou na barra da cama, olhando a amiga coberta com lençóis brancos.
- O que ele fez? – Kate acariciou lentamente a perna da garota, imaginando o que aquele monstro havia feito. Aparentemente, nada havia acontecido, ao menos não externamente.
Monique parou de rir, reconfortou-se no travesseiro de plumas, sentindo um mal-estar repentino. De fato, ela não sentia mais nada, não havia nenhum sintoma do que Peter fizera. Madame Pomfrey dissera que havia sido apenas uma queda de pressão, nada demais, talvez pelo ar rarefeito e úmido das masmorras.
- Eu pedi ao seu irmão para que ele... Me trocasse de lugar com a Gina, para que ele... Pusesse a maldição que havia posto nela em mim.
A outra olhou bem no fundo dos olhos da garota McFusty, tentando ler sua alma, sabendo que havia mais ali do que fora dito.
- Você tem alguma coisa na cabeça, sua desmiolada? – A garota Draconiam a encarou, abismada. – Ele podia ter comido seus ossos e triturado sua carne pra comer com molho. E isso porque estava de bom humor!
Monique riu. Sim, ela sabia, mas não, ela não se importava.
- Era o mínimo que eu esperava do seu irmão. Na verdade, acho até que me saí bem. – Um risinho escapuliu, seguido de uma tosse.
Kate balançou a cabeça, desanimada.
- Se cuide, pelo amor dos deuses, não quero que ele te machuque... Mais.
- Não se preocupe, ficarei legal.
Mais um suspiro, dessa vez longo e melancólico, seguido do barulho da porta sendo aberta com força.
- EU NÃO ME IMPORTO!
Rony perdera metade da orelha, no mínimo, com o livro que passou de raspão pela sua cabeça.
- Mas Gina... – ele ainda chamava na porta da enfermaria, enquanto a garota entrava aos gritos. – Eu só queria que você não saísse por aí gritando.
Gina decidiu que um gesto indecente era mais que uma boa resposta.
A ruiva parou ao pé da cama, próxima a Katherine, respirando fundo, suas roupas surradas e, o que era mais importante, sem cachecol.
- EU DEVIA TE DAR UMA SURRA! – Gina deu a volta, ficando ao lado da amiga, seu tom de voz baixando gradualmente. – Não acredito que você foi falar com ele, olha só seu estado, foi ele não foi? Vou quebrar a cara daquele palerma, filho da p***... Sem ofensas, Kate.
Kate maneou a cabeça, rindo.
- Gina, eu estou bem, não foi nada. Tecnicamente, foi apenas uma queda de pressão. Pergunte à Madame Pomfrey.
Gina relaxou, não tinha como discutir. Não com aquela garota.
- Eu tenho que te agradecer. – Ginny pôs a mão encima da mão da doente. – Seja lá o que você falou para ele, fez aquelas coisas sumirem de mim.
Katherine olhou profundamente nos olhos de Monique, tentando explicar para ela que agora não era hora de falar em maldições. O que, possivelmente, ela não percebeu, é que a garota já sabia disso.
- Fico feliz que você esteja melhor. – Disse a garota McFusty, sorrindo para ambas as amigas e para Rony, que aparentemente estivera todo o tempo ali, só não dissera uma palavra. – Bom dia, Ron.
O ruivo balançou a cabeça, sorrindo.
- Bom dia, o Harry tá saindo da aula de feitiços com a Hermione, estão vindo direto pra cá. Eu não consegui segurar a Gina, ela veio gritando desde a Aula de Defesa, quando Simas contou que viu você por aqui hoje de manhã, quando ele deu entrada por estar com dor de...
- A GENTE JÁ ENTENDEU RONY! – Gina parecia especialmente apta a gritar, naquele momento, atraindo olhares não tão felizes dos outros enfermos. – Desculpa.
Todos silenciaram por alguns instantes, não havia mais nada a ser dito.
Queria explicar um pouco do porque do título deste capitulo ser o que apresento. Por alguma razão, naquele dia chuvoso, todos os protagonistas e heróis que andaram por Hogwarts antes da terceira guerra Draco-Bruxa, estavam com uma vontade fenomenal de esconder algo de seus companheiros. E assim foi feito.
Katherine mentia a cada segundo que se passava, escondendo sua verdadeira identidade de todos os que a amavam. Gina Weasley mentiu por vezes ao ser perguntada o que eram aquelas manchas. Demetrius Draconiam mentia para si mesmo quando dizia não mais sentir apreço pelo irmão. Todos os heróis que vos apresentei mentiram durante esse dia, seja internamente ou externamente.
Há algo nesse mundo que nos leva a fazer decisões idiotas, e, contrariando todos os aspectos, essa coisa é a Razão.
Estavam os quatro, Rony, Monique, Kate e Gina, parados, olhando-se e desviando os olhares, sem nada a dizer, esperando por algum movimento do próximo.
A espera foi interrompida com a chegada de Harry e Hermione, que caminharam rapidamente até a cama da garota.
- Você está... Esquece, já te perguntaram isso. – Hermione adiantou-se e deu um beijo na testa da amiga. Harry ficou ao lado de Kate, os cinco agora a olhavam com extremo interesse.
- Gente, eu estou legal, não precisam ficar aqui, me encarando... – Enfatizou Monique, sorrindo de forma bem humorada.
- Harry acha que você devia falar com o Dumbledore. – Hermione falou. – Quer dizer, por favor, todo mundo já sacou. Você e aquele crápula no mesmo corredor, nas masmorras. Você não vai querer que ALGUÉM acredite que isso não é culpa dele, não é?
- Nunca disse que ele não fez nada, só não acho que seja necessário alarmar Dumbledore. Ele tem problemas maiores nessa escola, quero dizer... Pessoal, eu estou bem! Vocês vão começar a acreditar depois que eu disser quantas vezes?
- Pelo menos cem. – Falou Harry.
A garota revirou os olhos.
- Eu vou falar com ele, com Peter. Alguém tem de fazê-lo parar. – Disse o moreno.
Katherine segurou a mão do rapaz.
- Você não iria conseguir nada dele, talvez um arranhão ou uma decapitação, sei lá.
- Eu não tenho medo dele. – E aqui vai uma mentira do nosso herói. – Ele tem de ser parado.
- Pois eu MORRO de medo dele. – Rony falou, tremendo. – Ser corajoso MATA pessoas.
Todos riram, não havia como se manter sério com aquele garoto por perto.
- Sério, Kate, qual o problema do seu irmão? Ele foi estuprado quando criança ou algo assim? Alguém já pensou em mandá-lo pra um analista?
Kate pensou um pouco.
- Ele matou todos.
Todos ficaram quietos, olhando a cara da garota.
- Foi uma brincadeira, vocês acham que ele chegaria sequer PERTO de um analista? Não, digamos que é de criação.
- Tenho medo do seu pai. – Rony comentou.
- Isso porque não conheceu minha mãe. – Katherine riu.
- Merlim, que família é essa? Só você se salva?
- Tem outro, mas vocês ainda não o conhecem, ficou no lugar de onde viemos. Mas vamos parar de falar de mim, que eu já sou bonita sem isso.
Todos quietos novamente, apenas o som dos enfermos se queixando do remédio horroroso que eles tinham de tomar.
- A Madame Pomfrey disse que só vai deixar você sair no fim do dia e direto para a Sala Comunal, ok? – Hermione segurou a mão da amiga. Ao fundo, o sino que indicava o começar da aula de Trato das Criaturas Mágicas tocou.
- Ah, infelizmente, agora vocês tem que ir, a aula vai começar. Depois quero pegar a matéria de hoje com vocês, meninas. Harry, eu ainda queria conversar com você, se possível.
Harry assentiu. Todos se despediram, beijando e abraçando a amiga, deixando o rapaz para trás, enquanto se dirigiam à entrada da floresta proibida, para a aula.
Todos se foram, deixando-os sós.
- Não me diga para não falar com ele. – O moreno sentou ao lado dela, perto de seu travesseiro.
- Você tirou as palavras da minha boca. – Monique segurou o rosto de Harry, olhando fundo em seus olhos. – Harry, deixe Peter em paz, ele cumpriu o que me prometeu... No fim das contas. Não se arrisque pelo desnecessário. Heróis morrem por pouco caso e eu gosto do seu rostinho lindo onde ele está. – Terminou a garota, de forma carinhosa.
Harry desviou o olhar para uma janela próxima, suspirando, meio irritado.
- Se é o que você quer.
- Obrigada. – disse, dando um beijo em sua bochecha, despedindo-se com um sorriso. – Vá para a aula, não quero que se atrase... Mais.
Harry assentiu, deixando a enfermaria em passos largos, enquanto a garota se deitava, fechando os olhos.
...
O garoto reuniu-se com Rony e Hermione, que o esperavam na saída do castelo.
- Mione, diga que você tem algo para mim. – O olhar que foi lançado era bem significativo.
A garota parecia apreensiva.
- Torça para que eu esteja errada. – Ela apontou para dentro do castelo. – Precisamos ir à biblioteca, agora.
Harry olhou lentamente para os alunos da grifinória que desciam pelo caminho até a cabana de Hagrid.
- Vamos, cheguem perto.
Todos se reuniram, ficando bem próximos. Harry tirou sua Capa da Invisibilidade de dentro da túnica e, num movimento rápido, não estavam mais lá.
Fazia algum tempo que Harry e os dois decidiram que, mais do que formular teorias, era necessário investigar a família Draconiam. Hermione se encarregara de passar horas e mais horas na biblioteca, algumas vezes até tendo acesso a livros da sessão proibida, graças à ajuda de Harry.
A garota ainda não encontrara nada, até o dia em que uma coisa apareceu em um livro e ela conseguiu conectar uma única informação, que poderia transformar tudo que eles entendiam sobre mágica.
Uma única frase.
Uma única palavra.
Os corredores de Hogwarts, durante as aulas, eram vazios, sendo assombrados pelos fantasmas das casas e os demais residentes. Uma aura de mal agouro parecia descer por entre os tijolos de pedra e o silêncio triunfava, o bastante para que cada sussurro se tornasse um grito.
- Então, você está trabalhando para quem? Meu Pai? Voldemort?
A frase fez com que os amigos estancassem, um frio correndo por sua espinha, subindo lentamente, fazendo tudo ao redor se tornar um vácuo.
No fim do corredor, o professor Draconis avançava apressado, suas vestes negras esvoaçando, quase que escondendo o rapaz atrás dele. Mas Peter não deixava o professor ficar muito na frente, acompanhava-o de perto, um sorriso idiota no rosto.
- Vamos Draconis, converse comigo. – Peter riu, o professor parecia perturbado. – Não tem ninguém aqui, você pode me dizer. Comensal, hein? Trabalhar para o Lorde das Trevas deve dar um status, huh?
Draconis estacou, Peter quase que dá um encontrão no professor, não fossem seus instintos animais.
- Me deixe em paz, seu garoto irritante! - A mão de Draconis correu à cintura, onde reluzia uma espada prata, ainda embainhada.
Peter riu.
- Isso, me mate. Seria divertido. Mas antes me diga, quantos? Quantos comensais se assomam lá fora? Quantos Caçadores, quantos homens? Vocês acham mesmo que podem me derrotar? Eu vou pôr a mão no Maleficarum e quando isso acontecer... Vai ser interessante.
Delarious ficou quieto, relaxou o braço, a espada perdendo o ângulo e a força.
- Você acha mesmo? Acha que o que importa é a quantidade? Pessoas poderosas se assomam, você não consegue vê-las, nem senti-las, mas elas estão lá fora e você sabe disso. Quando a hora chegar, não serei o único aqui dentro, mas vou ser eu a tirar sua cabeça, lagarto.
Um sorriso macabro correu os lábios de Peter.
- Tente.
Um fantasma atravessou o corredor, olhando para Peter, um olhar indagador no rosto, mas então viu Draconis e assumiu que ele possuísse a autorização do professor, então deixou e foi-se.
- Vá para a aula, Draconiam, nosso momento ainda não chegou.
Peter assentiu, vendo o professor se distanciar.
- Ah, e Peter, como vão as buscas pelo Maleficarum? Ah, é, você não o encontrou ainda. – Draconis riu, delirante como um louco, enquanto sumia na esquina do castelo.
Peter franziu o cenho, uma irritação poderosa lhe subindo à cabeça.
- Maldito.
Ele esforçou-se para manter-se quieto, olhando para os lados do corredor.
- Não sou idiota, eu sinto vocês. Não me importo com o que saibam desde que não interfiram nos meus planos.
Então ele olhou diretamente para Harry, distanciando-se em direção à Sala Comunal da Sonserina.
Harry não aguentou, retirou a capa. Precisava respirar, mas, acima de tudo, precisava entender. Ele falara em Voldemort, seria por isso que sua cicatriz... Ele vira Voldemort, ele vira que o Lorde das Trevas voltara e agora esse rapaz, essa família. Draconis era um comensal, ao menos Peter o acusara de ser.
- Harry, calma. – Hermione e Rony seguraram seu ombro, o rapaz tremia.
- Eu preciso entender. Ele falou em Voldemort, Voldemort, Hermione! Minha cicatriz tem doido à noite e agora eu sei o porquê. Tem Comensais dentro de Hogwarts, DENTRO. Dando aulas!
Rony deu de ombros.
- Já tinha o Snape, né!
Hermione bateu no ombro do rapaz.
- Rony! – ela voltou-se para Harry. – Harry, era de se esperar que Você-Sabe-Quem fosse tentar uma jogada, e agora a gente já sabe o que está acontecendo, precisamos apenas falar com Dumbledore, mas antes, eu tenho que mostrar uma coisa sobre a família Draconiam para vocês, talvez explique muito sobre o que eles conversaram aqui.
Harry parou, pensativo, ele não sabia quanto tempo mais poderia suportar.
- Me mostre, por favor.
Hermione assentiu, sentindo a dor e confusão do amigo.
A capa da invisibilidade mais uma vez foi usada e, agora, Harry, Rony e Hermione tinham um propósito além do inicial. Eles sentiam que algo ruim estava por vir. Algo que eles tinham de impedir.
Como sempre.
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