Arrependimento mata?



            Pela segunda vez, Tiago via Lilian dormindo no salão comunal. Apesar da raiva que sentia pela garota, não conseguiu se repreender a ponto de impedir seu coração de sentir certa angustia ao vê-la dormindo sozinha e desamparada no lugar.


            No primeiro dia, se manteve calado quando estava descendo as escadas do dormitório masculino em busca de água e a viu chorando no chão. Ela parecia tão frágil que sua vontade era de abraça-la e dizer que tudo ficaria bem, mas ele sabia que não era assim tão fácil. Ele ficou escondido até que ela adormeceu e, com relutância, ele a levou para o dormitório. Permaneceu algum tempo velando seu sono e se pegou pensando em como ela era linda com o semblante tão leve. Assustado com o próprio pensamento, Tiago saiu do quarto da menina e rumou para o seu próprio, demorando em adormecer novamente.


            No segundo dia, o garoto desceu novamente as escadas, dessa vez apenas com intuito de ver se a ruiva dormiria novamente no salão. Não se surpreendeu ao ver uma cabeleira ruiva espalhado em um sofá próximo. Decidiu que não a levaria para o dormitório, mas não se conteve e conjurou uma colcha para a menina. Perdeu-se em pensamentos a observando. Não entendia como ela podia ser tão maligna e, ao mesmo tempo, tão angelical. Desde as férias, ele tinha certeza de que a ruivinha que havia conhecido não tinha sumido totalmente, mas ela parecia querer provar que o odiava cada vez mais. Então porque haviam se beijado no farol? As perguntas não paravam de explodir na cabeça do maroto que, sem perceber, se ajoelhou ao lado de Lilian. Ele estava prestes a beijar-lhe a testa, quando percebeu sua posição e, se levantando rapidamente, seguiu para o dormitório sem perceber a leve movimentação da ruiva no sofá.


            Tiago entrou silenciosamente no quarto que dividia com os marotos. Imaginou que todos estariam dormindo e já estava se ajeitando quando uma voz vinda da cama a sua frente o assustou:


 - De novo no salão comunal Pontas? – Falou Sirius, sentando-se em sua cama e observando o amigo, que também se sentava – O que tem de tão especial que você desceu tarde ontem e hoje?


 - Nada... – Tiago respondeu, não encarando o amigo – Eu estava com sede e fui buscar água.


 - Sei... – Sirius murmurou – E sou o ministro da magia


 - Bom saber – Tiago falou com ar risonho – Quando eu me formar em auror já sei pra quem pedir emprego


            Os dois meninos riram por um momento até que Sirius adquiriu um ar sério:


 - Agora pode falar – Disse Sirius observando atentamente as ações do amigo – Me fala o que tá acontecendo


            Tiago suspirou e, vendo que não poderia mentir para o amigo, apenas se ajeitou na cama para poder conversar melhor.


 - Ontem à noite, eu desci pra pegar água e eu ouvi uns soluços vindos do salão comunal. Eu fiquei quieto e olhei em volta até que eu vi a Evans chorando no chão em frente a lareira – Sirius demonstrou confusão pelo fato, mas decidiu não interromper o garoto – Eu fiquei escondido olhando até que ela dormiu no chão. Eu não sei muito bem o que eu senti na hora, mas eu acabei pegando ela no colo e levei pro quarto dela. Depois eu fiquei observando um pouco e tive um pouco de pena dela... Parecia tão frágil e desprotegida. E hoje, eu desci curioso pra ver se ela a estar lá de novo... Quando eu desci, ela estava dormindo no sofá de frente para a lareira. Eu não a levei dessa vez, mas conjurei uma colcha e a cobri. Eu fiquei pensando enquanto a observava e, quando dei por mim, eu estava ajoelhado de frente para ela, pronto pra beijar sua testa... Depois disso, eu subi e cá estamos nós... – Ele terminou, não conseguindo encarar o amigo


 - Estranho... – Sirius murmurou e, percebendo a confusão no rosto do amigo, ele continuou – Primeiro: É estranho ela estar chorando do jeito que você falou... Isso não é nada típico de um Senhorita. Segundo: Estranho como VOCÊ lidou com a situação... Como se estivesse com pena ou até – Ele fez uma pausa antes de continuar – apaixonado por ela...


 - Não inventa Sirius! – Tiago falou – Eu não to apaixonado pela Evans... Eu só fiquei com sentimento de culpa. Era por nossa causa que ela tava chorando daquele jeito e tava com a aparência frágil... Sei lá! – O maroto passou a mão na nuca em forma de nervosismo – Você não acha que a gente exagerou um pouco não?


 - Eu não sei Pontas... – Sirius falou – Primeiro, eu achei que a gente tava fazendo a coisa certa e, simplesmente, dando o troco por todas as vezes que elas aprontaram com a gente, mas depois de ver o estado das meninas... Principalmente a Olívia! – Sirius evitou olhar para o maroto a sua frente e mostrar o quanto estava preocupado com a Senhorita.


 - De qualquer jeito – Sirius falou, após um momento de silêncio entre os dois – Agora já está feito! Nós temos que nos preocupar com o que elas vão fazer pra se vingar...


 - É... – Tiago murmurou, se deitando e deixando os confusos pensamentos apoderarem sua mente.


 


x-x-x


 


            No dia seguinte, o sol acordou Tiago que, perdido em pensamentos, havia se esquecido de fechar seu cortinado na noite anterior. O garoto observou os cortinados fechados de seus amigos e se decidiu por um longo banho para por as ideias em ordem.


            Ele desceu as escadas devidamente arrumado. Estava pronto para esperar seus amigos por um bom tempo e, entediado com o pensamento, havia pegado um livro que Lilian havia lhe dado na época do suposto namoro dos dois. Ele sorriu instantaneamente ao se lembrar de que era um dos únicos livros que o maroto realmente gostava, apesar de ser uma história trouxa.


            Estava no último degrau, quando a cabeleira ruiva chamou sua atenção. Ele havia pensado que, com o sol, a garota já teria acordado e subido para seu próprio dormitório, mas ela aparentava cansaço e não se incomodava com a luminosidade em seus olhos. Por um minuto, ele pensou em apenas dar meia volta e subir para seu quarto, mas um impulso o guiou até a garota. Ele levou uma mão até o ombro da menina e a sacudiu levemente.


 - Evans – Ele falou quando ela apensa murmurou algumas coisas e continuou dormindo – Evans! – Ele tentou novamente, ainda a sacudindo. Foi quando ela finalmente abriu os olhos, e se assustou com a proximidade do Potter


 - O que você quer Potter? – Ela falou já em pé e procurando por sua varinha


 - Nada! – Ele disse, notando que a menina apresentava certo temor na voz, provavelmente pensando que ele a atacaria – Eu a vi dormindo e achei melhor te acordar antes que as pessoas comecem a descer para o café da manhã.


            A garota ficou um momento sem reação. Não esperava um gesto tão delicado do Potter que, a pouco tempo atrás, quase matou suas amigas


 - Obrigada – Ela disse fraco, já se virando rumo seu dormitório


            Tiago não conseguia tirar a cena de Lilian chorando descontroladamente da cabeça, e sem pensar em seus atos ou nas futuras consequências, ele chamou a atenção da menina, que estava no primeiro degrau.


 - Evans! – Ele chamou, fazendo com que a menina se virasse pra ele com aquele olhar de profundo ódio


            Por um momento, o garoto havia esquecido porque a tinha chamado. O olhar de despreza que ela lhe lançava o estava fazendo ficar confuso e, antes que suas emoções conflituosas começassem a discutir em sua mente, ele continuou.


 - Eu queria... – Ele não conseguia terminar


 - Fala logo Potter! – Ela falou visivelmente irritada – Eu estou cansada e atrasada. Não tenho tempo a perder, principalmente com você... – Ela praticamente cuspiu a última palavra


 - Eu queria pedir desculpas. – Ele falou encarando a menina e vendo a aparente surpresa em seu rosto – Eu sei que nós exageramos na “brincadeira”.


            Lilian estava esperando por uma calorosa discussão ou, no mínimo, alguns insultos, mas não estava preparada para um pedido de desculpas. Não sabia o que responder e tinha plena certeza de que o encarava com uma expressão surpresa no rosto. Ela tinha que falar alguma coisa, mas o medo de abrir a boca e gaguejar era presente. Sabia que pareceria covarde, mas a única coisa que se viu capaz de fazer no momento foi se virar e subir o mais rápido possível para seu quarto.


            Tiago ainda encarou as escadas por mais um tempo depois de Lilian ter subido sem dizer nada a ele. Já esperava uma reação parecida e não se surpreendeu com a aparente falta de palavras da menina. Sentou-se na poltrona que, há pouco tempo atrás ela dormia, e começou a ler seu livro. Parou por um momento para perceber que a colcha ainda estava lá e tinha o cheiro da garota.


“É incrível como os anos passaram, mas o cheiro dela continua o mesmo... Floral...“ Pensou o garoto, antes de dobrar a colcha e levá-la debaixo do braço para o seu próprio dormitório.


 


x-x-x


 


            Mais um dia de aulas havia se passado. Lilian passou na enfermaria para ver as amigas e teve a notícia de que, apesar de Olívia ter que continuar na ala hospitalar, as outras seriam liberadas na noite do dia seguinte. A ruiva estava exultante com a informação, mas a conversava que havia tido com o maroto mais cedo não saia de sua cabeça.


            Depois de um longo banho, desceu novamente rumo ao salão comunal, com um travesseiro e uma colcha nos braços, quando percebeu que “seu” sofá estava ocupado essa noite. Pensou em subir e ter coragem de dormir sozinha, mas os cabelos arrepiados da pessoa de costas chamou sua atenção. Aproximou-se silenciosamente e olhou por cima dos ombros do garoto, notando o livro que ele estava lendo e se sobressaltando.


 - Achei que você já tivesse jogado esse livro fora... – Murmurou a Ruiva muita próxima do maroto, fazendo com que ele pulasse de susto


 - É um bom livro... – Ele murmurou, depois de recomposto do susto – Eu me lembro de que era um dos seus favoritos...


 - “O jogo é encontrar em tudo qualquer coisa para ficar alegre, seja lá o que for.” – Falou Lilian, recitando uma das partes do livro, “Pollyana” – Eu não gosto mais desse livro – falou dando de ombros


 - É uma pena – disse Tiago a observando intensamente – É uma boa lição de vida como uma garotinha consegue se alegrar até mesmo com as situações mais difíceis da vida e também alegrar as pessoas a sua volta...


 - Eu acho que a história é simplesmente estúpida e utópica. – Ela falou sustentando o olhar do garoto – Ninguém consegue ser alegre o tempo todo como a Pollyana... E, depois de certas ocasiões, talvez não sejam felizes nunca mais...


 - É triste que você pense assim – Ele falou – Você me lembrava muito ela antigamente


 - Um passado bem distante, devo acrescentar... Na época que eu ainda era uma menininha boba e inocente – ela falou, com uma fúria transparente.


 - Não! – Ele falou – Na época que você era doce, sincera e se importava com as pessoas...


 - Muito bonito! – Ela falou irônica – Pena que eu não seja mais assim...


 - Pena mesmo... – Ele murmurou, triste


            A garota se virou, pronta para voltar para seu dormitório, quando Tiago segurou seu pulso e a virando, fazendo com que ela o encarasse.


 - Não precisa subir; eu já estava indo dormir... – Ele falou, soltando seu pulso e se encaminhando para as escadas do dormitório feminino – Além disso, faz alguns dias que você parece preferir dormir aqui em baixo... – Ele comentou já sumindo pelas escadas e deixando a garota paralisada no meio do salão.


            Ela só dormiu no salão comunal a dois dias... No segundo, ele mesmo a havia acordado, mas como ele poderia saber do outro dia se alguém a havia levado para o seu dormitório.


 - A não ser que... – Ela murmurou, se sentando no sofá e, finalmente, entendendo o que o maroto estava insinuando: Havia sido ele!


            Pensamentos rápidos passavam pela mente da garota... Por que ele havia feito isso por ela? Por que ele havia pedido desculpas? Os Por quês ainda a perturbavam quando ela finalmente conseguiu dormir encolhida no sofá.


 


x-x-x


 


            No dia seguinte, a ruiva ficou feliz em constatar que havia acordado antes de todos. Com um olhar decidido no rosto, ela subiu para seu dormitório e escreveu rapidamente em um pergaminho velho e logo mandando junto com sua coruja. Ela havia pensado e, apesar de balançada por tudo que o Potter havia feito e falado, ela não se esqueceria de todo o resto ruim que ele já havia feito.


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            Tiago acordou com o barulho de leves batidas na janela. Sem conseguir abrir muito os olhos, ele pegou seus óculos e conseguiu identificar a coruja na janela. Soltando o pergaminho de sua pata, o abriu depois de ver a ave levantando voo. Ainda sonolento, ele leu as poucas palavras:


“Você não vai me enganar tão facilmente... Algumas boas ações não vão mudar as milhares ruins!


L.E.”


            O maroto sabia que ainda estava confuso quanto ao que pensava ou sentia pela menina, mas ficou genuinamente feliz ao ver que ela não havia assinado o bilhete com Senhorita. Talvez, ela estivesse tão confusa quanto ele.


            Com esse pensamento, o maroto voltou a dormir com o bilhete guardado no fundo de seu malão.

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