Único



Lily Evans era um exemplo de boa menina. Não se metia em confusão, só tirava notas boas, era simpática com quase todos os alunos e educada com todos os professores. Obviamente tornou-se monitora da Grifinória no seu quinto ano.


Dois anos mais tarde, Lily já era monitora-chefe juntamente com Remus Lupin. Talvez ela desse mais importância ao cargo que o amigo, mas nunca entendeu muito bem o porquê.


Sua melhor amiga, Dorcas Meadowes – que, inclusive, era a namorada de Remus –, já havia lhe dito para ser menos séria, divertir-se mais. Lily geralmente ria e respondia Dorcas com um “claro, claro” desinteressado.


Mas, no fundo, as palavras da amiga ficavam gravadas em seu cérebro como tatuagem.


E Dorcas não era a única a dizer isso. Sirius Black, após ser repreendido depois de uma brincadeira de mau gosto por Lily, havia lhe dito a mesma coisa: “Relaxa, Lily. Tenha senso de humor”.


Porém, Lily só percebeu o que todos aqueles avisos queriam dizer quando Emmeline Vance jogou a verdade em sua cara com estupidez.


Emmeline Vance era mais uma das garotas apaixonadas por James Potter, apesar dele só se interessar por uma certa ruiva-monitora-difícil da Grifinória. E ela era da Sonserina, o que complicava mais as coisas. Sempre fez de tudo para ter o que quis, e na maioria das vezes consegue. Astuta, ambiciosa e determinada a ter James, fez uma poção do amor.


A poção demorava horas até ficar pronta. E em uma dessas horas, Lily estava monitorando. Escondida ao lado de uma armadura, viu tudo o que Emmeline fez. Escutou até mesmo a conversa que ela teve com duas amigas suas quando elas chegaram:


– E aí, tá pronta? – Lily reconheceu a voz de Jenna Parker.


– Não. – Vance respondeu, pacientemente.


– Você realmente vai dar essa poção ao Potter? E se não der certo? – Suzanne, a irmã gêmea de Jenna, porém com uma voz mais fina, perguntou.


– Sim, e vai dar certo. James vai desistir da vadia da Evans por bem ou por mal. E já que pelo bem não deu por bem... – Lily ouviu a risadinha das três.


Enojada, não quis mais ouvir uma palavra. Iria contar tudo a James e, depois, à professora McGonagall. Lily sentia que ia vomitar.


Mal sabia ela que, ao virar o corredor em que Emmeline Vance estava, a sonserina conseguira ver seus cabelos ruivos de relance.


Enquanto corria para a sala comunal da Grifinória, perguntou-se o porquê de tanta preocupação com o Potter. Ele estava atrás dela desde seu primeiro ano e, apesar de sempre negar os convites de James para sair, no fundo, no fundo ela se divertia com a situação toda.


Ah, Lily, cale a boca e corra, ela pensou.


Lily quase rasgou o quadro da Mulher Gorda para entrar. Rezou mentalmente para James Potter ainda estar na sala comunal, caso contrário, cabeças iriam rolar só por tê-la feito correr tanto.


Não foi preciso matar ninguém; James estava sentado no sofá em frente à lareira, rindo junto com Sirius, Marlene McKinnon – namorada de Sirius e amiga de Lily – sentada em seu colo, Remus e Peter Pettigrew. Quase morrendo por falta de fôlego, Lily correu até eles.


– Potter. – Ela chamou, assim que ficou em frente a eles, ofegante.


– Está tudo bem, Lily? – James perguntou, preocupado.


– Emmeline Vance... Sabe... Da Sonserina? Ela fez... Ou está fazendo, sei lá... Uma poção do amor... E vai dá-la a você.


Assim que parou de falar, Lily suspirou de alívio por poder recuperar o fôlego sem tanto desespero.


– Sente-se aqui. – James ofereceu, levantando-se. Notou a face pensativa de Sirius e estranhou, mas não disse nada.


– Por que está tão cansada, Lily? – Sirius perguntou, com um sorriso sacana que Lily não viu.


– Eu corri... Do terceiro andar até aqui... E ainda... Tenho que falar com a McGonagall. – Ela choramingou na última frase; estava tão cansada que provavelmente não sairia daquele sofá tão cedo.


– E você veio primeiro contar ao James? – Sirius olhou para o amigo levantando a sobrancelhas. James estava começando a entender aonde ele queria chegar.


– Bem, ele é a vítima agora, certo? – Lily praticamente rosnou para Sirius. – Tem que saber em primeiro lugar.


– Com esse desespero todo?


James sorriu ainda mais diante da pergunta de Sirius e a cara de Lily – a boca semi-aberta, feições congeladas de quem havia entendido aonde aquelas perguntas ridículas queriam chegar...


– Oh, Merlin, por que eu ainda tento socializar com esses dois? – Lily jogou os braços pro ar, bufando e foi para seu dormitório batendo os pés.


 


No dia seguinte, antes mesmo de chegar ao seu lugar de costume no Salão Principal – ao lado de Dorcas e, automaticamente, perto de James –, Lily foi abordada por Emmeline Vance e as gêmeas Parker.


– Olá, Evans.


– Olá, Vance. Algum problema? – Lily estreitou os olhou.


– Eu receio – Emmeline chegou mais perto de Lily, para que ela ouvisse seu sussurro naquela bagunça toda que era o café da manhã. – que você viu uma certa... Hum, como posso dizer... Cena, ontem.


– Seja prática, Vance. – Apesar de estar surpresa pela loira saber que ela estava lá, Lily não ficou com medo; a culpada ali era Emmeline, não ela.


– Você me viu quebrando uma regra grave.


– E você sabe que irei contar à McGonagall.


– Não, você não vai. E sabe por quê? – Emmeline sorriu.


– Não. Por quê? – Lily estreitou os olhos.


– Porque não há razão para incomodar a professora por ciúmes. – A sonserina aumentou a voz.


– O quê? – A ruiva riu, incrédula, sem perceber a mudança do volume na voz de Vance.


– Eu sei que você está se mordendo de ciúmes com a idéia de James parar de correr atrás de você. Isso é algo muito feio, viu, Lily? Chama-se egoísmo e falta de auto-estima.


Lily riu alto.


– Desculpe, mas se bem me lembro, quem quer conquistar um garoto à base de poções do amor aqui, é você. Tem certeza que é a minha auto-estima que está baixa?


Emmeline continuou como se nem tivesse ouvido a grifinória:


– Você é oca, Lily. Você não ama. E James merece alguém melhor que você.


Lily chegou a abrir a boca para revidar, mas parou ao perceber o que Emmeline falou. O Salão Principal estava quieto e provavelmente tinha ouvido apenas a última parte da discussão.


Finalmente Lily tinha entendido claramente os avisos de seus amigos. “Você não ama” traduzia tudo.


Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas ela não deixou que nenhuma caísse.  Observou Vance a encarar com um sorriso satisfeito, então Lily virou-se e saiu do Salão Principal a passos duros. Ela esbarrou em alguém, mas não pediu desculpas nem viu quem era.


Talvez, se descobrisse que era James, sua humilhação seria pior.


James foi abordado logo depois por uma Dorcas aflita.


– James, vá atrás da Lily! Ela precisa de você agora!


– O que houve?


– Aquela cobra estúpida da Vance disse coisas horríveis a ela. E a culpa é sua!


– O quê? – Ele quase gritou. – Mas eu nem sei o que diabos aconteceu!


– A Vance começou a falar que a Lily estava com ciúmes porque você não correria mais atrás dela e disse que ela era egoísta e estava com pouca auto-estima. Então, a Lily falou que quem estava com a auto-estima baixa era a Vance, porque era ela quem estava preparando uma poção do amor, aí a Vance falou que a Lily é oca e não ama, e agora você vai atrás dela, enquanto eu vou dar um jeito na Vance com-


– Não, não, não! – Remus, que estava ao lado de Dorcas o tempo todo, a interrompeu. – Você vai tomar o seu café da manhã e depois nós iremos até a McGonagall para esclarecer isso. Agora, James?


– Sim? – James estava totalmente desnorteado.


– Vá atrás da Lily. – Remus sorriu.


James não respondeu. Deu as costas para os amigos e correu na direção em que Lily tinha ido.


A essa hora, os corredores não estavam muito cheios. Lily andou sem rumo exato, mas, ao chegar em um corredor vazio, deixou-se desabar em lágrimas. Andou até a metade do corredor, deslizou por uma parede e sentou no chão. Cruzou os braços em cima dos joelhos, escondeu a cabeça nos braços e chorou.


Chorou por sempre ter sido tão automática, tão séria, sempre escolhendo o caminho da razão, e nunca o da emoção. Será que sempre foi fria assim? Será que realmente não sabia amar?


James encontrou Lily num corredor vazio do terceiro andar e sentiu seu coração apertar ao ouvir os soluços da ruiva. Era a primeira vez que ele via Lily Evans chorar.


Ele andou em silêncio até ela e sentou-se ao seu lado. Deixou Lily chorar o quanto quisesse, sem falar nada, mas ela não demorou a se recompor.


– Será que é verdade, James? – Ela perguntou, baixinho, depois de algum tempo.


Ele poderia estar comemorando por ela tê-lo chamado pelo primeiro nome, mas se contentou em dar um pequeno sorriso torto.


– O quê? – Ele olhou para ela.


– Que não amo? – Ela retribuiu o olhar, séria.


Sua resposta o surpreendeu. O sorriu sumiu do rosto de James, e a raiva que ele estava sentindo por Emmeline Vance aumentou. Ele respirou fundo e desatou a falar:


– Você se lembra de quando voltou das suas férias de Natal no primeiro ano e a gente ainda se falava – Lily sorriu pequeno. – e você contou sobre sua irmã e o quanto ela se distanciou de você? – A ruiva fechou a cara, mas assentiu. – Então, você a amava. E ainda a ama, apesar disso. Se não, não ficaria triste ao ouvir falar dela depois de todo esse tempo.


“E no quinto ano quando... Merlin, não acredito que vou citar isso... – James fez careta. – Quando Snape te chamou de sangue-ruim. Você chorou, que eu sei. Você o amava, por mais que fosse um amor de amigo, caso contrário nem se importaria. Você sabe amar, Lily. E a imbecil da Vance só quis te magoar, mas não dê bola pra ela porque ela nem sabe o que é amor, ok?”.


James ficou de joelhos, em frente de Lily, e levantou o rosto dela com a ponta dos dedos, olhando-a com carinho. Aos poucos, um tímido sorriso foi nascendo nos lábios dela. Em um pulo, ela ficou de joelhos também e deu um abraço forte em James. Surpreso com a reação da ruiva, ele demorou a retribuir, mas soltou a respiração ao envolver Lily em seus braços, querendo protegê-la do mundo.


– Obrigada, James. De verdade. – Ela sussurrou, olhando-o. – Eu não sei como vou te agradecer por tudo isso.


– Você não precisa agradecer. – Ele sussurrou de volta, sério, e a beijou.


Lily sempre achou que James nunca levava nada a sério. E que carinho e delicadeza não faziam parte de seu dicionário. Mas ela estava extremamente errada – se ele não a levasse a sério, não a teria procurado e tentado fazê-la ficar bem.


James mal cabia em si de felicidade. Não só por estar beijando a garota por quem era apaixonado desde seu primeiro ano, mas também porque ela correspondia ao beijo.


Eles não estavam se importando com o café que perderiam ou com as fofocas que rolariam e estavam rolando por toda a Hogwarts. Eles não estavam se importando com Emmeline Vance. Eles não estavam se importando com nada além do momento.


– Hum... James? – Lily interrompeu o beijo e encarou, divertida, a irritação estampada nos olhos castanhos dele.


– É bom que você tenha um ótimo motivo para interromper o melhor dia da minha vida, Lily Evans. – Ele resmungou.


Ela baixou os olhos, corada, dando uma risadinha.


– É que... Eu preciso que você me responda uma coisa. Com toda a sinceridade, James.


– Ok. – Ela disse, meio hesitante.


– Você realmente me ama? – Lily estava tão envergonhada que não conseguia encarar James. – Digo... Eu não serei mais uma de suas conquistas, serei?


– Lily, olha pra mim. – Ela o olhou, encolhida. – Há quanto tempo eu estou te chamando pra sair? Praticamente os sete anos em que estamos aqui! – Ele lhe respondeu, carinhosamente, em voz baixa. – Eu não insistiria tanto só por uma conquista. Eu amo você, Lily. Eu mudei por você. Eu sempre fiz de tudo para chamar sua atenção, sendo um infantil encrenqueiro ou um nerd total. Sempre por e para você, querida. Você, definitivamente, não é só uma conquista.


James segurava o rosto de Lily com as duas mãos e encostara sua testa na dela. O sorriso da ruiva era tão grande que parecia iluminar o local inteiro.


– Eu também amo você, James. Mesmo que eu não demonstrasse isso antes. Eu sou capaz de amar! – Lily parecia quase explodir de felicidade.


James se sentiu tão feliz e orgulhoso de si mesmo por fazer Lily feliz, que se levantou, ainda com Lily nos braços, e a rodopiou, tirando-a do chão. Ouviu a risada dela e riu junto.


Aquela sensação não era fácil de ser explicada. Era como a realização de um sonho para James e um alívio – ela percebeu que, ao falar que o amava também, era como se ela tivesse mentido a vida inteira para si mesma, mas finalmente descobriu a verdade.


– James, pára! – Ela gritou, risonha. – Eu vou ficar enjoada!


– Mas você nem comeu nada ainda! – Ele riu, parando de girá-la.


Ambos ficaram se encarando, com os olhos brilhando. Os sorrisos foram diminuindo, dando lugar a expressões calmas.


Ninguém nasce sabendo amar. Mas você pode aprender.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.