Encontro com o Mestre
ENCONTRO COM O MESTRE
Eram quase onze horas da manhã. Snape estava em sua sala, rigidamente concentrado na maçante pilha de exercícios que tinha para corrigir até o fim daquele dia. Enquanto isso, os alunos adentravam aos poucos a classe tão sombriamente elaborada por ele, emitindo seus ruídos desagradáveis e impertinentes.
Criaturas infames... guiadas por meu talento e engenho... – pensava ele, ao passo em que procurava afastar aqueles ruídos banais do pensamento. Queria se livrar daquelas correções o mais rápido possível, mas com aquele barulho infernal seria impossível. Além do mais, ele já estava profundamente estressado, afinal tinha todos os motivos para abominar os sessenta minutos que viriam a seguir, ainda que soubesse que estar ali, agora, era inevitável.
Só mais este ano, Severo... Só mais este ano... – repetiu ele para si mesmo, tentando acalmar o ódio que sentia todas as vezes em que era obrigado a dar aulas para aquela turma. Sua cabeça estava para estourar de tanta irritação até que... de repente, um sutil e distinto barulho soou na sala e ele não conseguiu mais evitar: com os punhos cerrados, bateu bruscamente as mãos sobre a mesa e se levantou, fitando diretamente o par de sapatos femininos que o despertara superfluamente de seu trabalho e pensamentos.
Era um salto belíssimo, mas isso era irrelevante. Com os olhos ardendo em fúria, ele começou a levantar os olhos na direção dos da garota, disposto a verter sobre ela toda a sua impaciência, assim que a reconhecesse.
No entanto, no decorrer deste ‘levantar de olhos’, Severus não pôde deixar de reparar nas belas pernas da menina, que se exibiam sedutoramente para ele, nem mesmo naquele decote tão atraente. Entretanto, o que mais lhe chamou atenção foi outra coisa, para a qual ele estava indevidamente despreparado: os olhos dela.
Sim, apesar de todas as tentações ali presentes, o que mais atraiu a atenção de Severus Snape foi aquele olhar – havia nele algo tão espetacular e diferente... era como se uma espécie de ferocidade semiaplacada brilhasse nos olhos daquela garota. E ele não pôde evitar, por mais que quisesse, a deliciosa e inesperada sensação que invadiu seu corpo no instante em que ocorreu aquela furtiva troca de olhares... Era uma espécie de arrepio, algo estranho que ele não podia definir, pois jamais havia acontecido antes. Mas a maior surpresa foi quando percebeu quem era a responsável por aquela sensação...
Hermione Granger estava ali, parada na porta, encarando seu professor de Poções de um modo que nunca fizera antes. Nunca tivera a ousadia de afrontar aqueles olhos... Não como fazia agora. E o resultado? Uma mistura de ódio, determinação e... prazer. E ela percebeu que ele não parava! Não parava de olhá-la; não tirava dela o seu olhar perturbadoramente frio e distante. Mas, ainda assim, ela não estava certa de sua aprovação e, temerosa de que ele fosse o primeiro a ignorá-la, tomou a iniciativa de desviar os olhos antes que ele o fizesse.
Ele não compreendeu. Estava deslumbrado, antes de mais nada, por causa dela. Aquela garota que ele ignorara tão maleficamente na aula anterior, agora aparecia em sua sala com aquele ar indubitavelmente superior e, além de afrontá-lo com aqueles olhos intrigantes e perturbadores, ainda tinha a audácia de desviar o olhar com evidente desprezo.
Sem que ela reparasse, ele notou cada passo seu, até que se sentasse em sua habitual carteira – a qual ficava exatamente bem à frente de sua mesa. Ele estava extremamente incrédulo... Como ela podia ter mudado tanto?
Em um curto espaço de tempo, ele avaliou-a da cabeça aos pés, enquanto ela se movia delicadamente à procura de seus livros na bolsa. Estava completamente mudada, da aparência aos gestos. A saia ridícula e comprida fora substituída por uma consideravelmente mais curta, que a deixava irresistível, sem torná-la vulgar. A camisa que ela usava, era agora completamente ajustada ao seu corpo e alguns botões desabotoados chamavam atenção para os objetos de desejo de qualquer homem. Tudo ressaltava suas formas perfeitamente. Quanto aos cabelos, estavam mais lindos que nunca e, agora, sem a antiga franja, Severus podia visualizar os olhos dela com clareza. Como nunca percebera aqueles olhos antes? Será que haviam se tornado tão atraentes assim por causa do lápis preto?
Chega! – disse ele para si mesmo, tentando afastá-la dos pensamentos. Era uma aluna. E não era uma aluna comum: era a intragável sabe-tudo, amiga do... Potter! E, para ele, qualquer um que se afeiçoasse àquele garoto seria duplamente abominado por ele. Sem falar que a própria Granger sempre fora objeto de sua antipatia, independentemente de suas amizades...
- As instruções para a poção que deverão preparar hoje estão no quadro. Quero-a pronta em uma hora – começou ele, em seu habitual tom seco e obstinado – E quanto ao relatório que pedi na última aula, coloquem-no sobre a mesa.
Assim que ouviu a palavra ‘relatório’, Hermione Granger não pôde deixar de sentir um terrível frio na espinha e logo o sangue quente começou a subir-lhe à cabeça.
Por Merlin... O que vou fazer? Eu não estava aqui na última aula! Não estava preparada para isso.
Desesperada, Hermione começou a selecionar os ingredientes de que precisava para fazer a tal poção, pensando ser aquele o fim de tudo. Logo agora que eu deveria parecer perfeita! – pensou ela, angustiada. A irresponsabilidade nunca estivera em seus planos e ela sabia que o fato de não ter presenciado a aula anterior não seria o bastante para convencer Snape a perdoá-la. Afinal, nada seria o bastante.
- Esqueceu? – gritou o professor atrás da garota e ela logo percebeu que seria a próxima vítima, então tratou de acalmar-se o máximo possível. – Menos vinte pontos para a sua casa, Longbotton!
Severus Snape deu as costas para um aparvalhado e trêmulo Neville e partiu em direção à próxima carteira, mas para sua cruel surpresa e felicidade, o relatório não estava sobre ela.
Como era de se prever, instantaneamente, um sorriso malicioso aflorou em seus lábios e ele fitou, com incrédulo interesse, a aluna à sua frente. Porém, ela não parecia estar nem um pouco preocupada com a intensidade com a qual ele a observava, uma vez que ela não se deu ao trabalho de encará-lo. Então, desapontado, ele logo deduziu que ela apenas esquecera-se de colocar seu trabalho sobre a mesa.
- Onde está seu relatório, Srta. Granger?
A voz dele não era nem um pouco cordial, mas não pareceu atormentá-la. Hermione continuava atenta ao preparo de sua poção e só o encarou depois de concluir uma das etapas descritas no quadro.
- Eu realmente não sei de que relatório o senhor está falando, professor. – respondeu ela, fitando-o diretamente nos olhos.
Snape avaliou silenciosamente aquele olhar indiferente, extremamente desapontado por não notar nenhum temor por parte da aluna.
- Não seja cínica, Srta. Granger. Sabe muito bem que eu solicitei um relatório na última aula.
- Lamento, professor... Mas caso o senhor não se lembre, eu fui privada de desfrutar do prazer de sua última aula. – disse ela, sarcasticamente.
Ele continuou encarando-a, fascinado com a pretensão que provinha daquele olhar, e demasiadamente ansioso diante da expectativa de poder torturá-la com seus afamados impropérios.
- A senhorita sabe muito bem como deve proceder nestes casos. – contrapôs ele, semicerrando os olhos, mas Hermione estava disposta a provocá-lo e ele logo tomou ciência disto.
- Insisto que não, professor. – respondeu ela, com um sorriso afetado nos lábios – Como poderia saber, se esta foi a primeira aula da qual fui privada desde que pus os pés nesta escola? Não fosse a sua intolerância, meu relatório estaria aqui agora, impecável como sempre.
Ainda que não aparentasse, Hermione estava bastante nervosa. Era a primeira vez que ousava enfrentar seu professor de Poções. Certamente, mediante qualquer outro, aquelas palavras seriam justas e inofensivas, mas isso não funcionaria com ele. Severus Snape não estava acostumado a ser afrontado. E ela precisava admitir a si mesma que fora muito difícil assumir um tom forte e pertinente diante dele, no entanto não estava preparada para o movimento que ele fez a seguir.
Snape estava começando a ficar irritado. Estava, indubitavelmente, deliciado com a idéia de ver aquela intragável sabe-tudo em uma situação tão desconfortável. Ele sabia de sua imbatível obsessão pela auto-perfeição; ela, com certeza, não planejara aquele acontecimento, o que era bastante gratificante para ele. No entanto, a indiferença dela diante de tal fato era altamente importuna e isso o deixava exasperado.
Hermione viu o professor se aproximando ainda mais, então, ele se inclinou sobre sua mesa e pousou suas mãos sobre a mesma. E quando ela olhou fundo em seus olhos, percebeu que estavam vermelhos, mas não soube dizer se era apenas por causa do vapor quente que emanava do caldeirão que os separava, ou se era de raiva.
- Garota insolente... – sussurrou ele, tomando o queixo dela em uma das mãos e obrigando-a a encará-lo bem de perto.
Ela estava extremamente despreparada para aquele toque e não conseguiu evitar a distinta sensação que se apoderou de seu baixo ventre naquele instante. Nunca havia estado tão próxima dele como estava agora. Podia até mesmo sentir a sua respiração fria e ofegante enquanto ele falava com ela.
- Como se atreve a me culpar por seus atos levianos e irresponsáveis?
Enquanto ouvia as palavras do professor, Hermione percebeu as mãos frias dele tornarem-se cada vez mais tensas e sentiu um inesperado friozinho na barriga quando, insensível à sua fragilidade, ele começou a pressionar seu queixo com força. Então, antes que percebesse, seus olhos haviam se fechado lentamente, permanecendo assim um pouco mais que o normal. E quando finalmente Hermione os abriu, percebeu o mestre encarando-a atônito.
Ele não podia acreditar no que acabara de presenciar. De repente, sem motivo, aquela detestável sabe-tudo estava de olhos fechados, mordendo os lábios em uma atitude de ardente volúpia.
Inexplicável... Inexplicável – repetiu ele para si mesmo, enquanto largava o queixo da menina bruscamente. Precisava repelir, o mais rápido possível, aqueles pensamentos insanos que começavam a se apoderar de sua mente.
- Menos cinqüenta pontos para a sua casa, Srta. Granger, como recompensa à sua pretensa insolência e irresponsabilidade. – falou ele, de costas para ela e quando se virou para encará-la novamente, percebeu que a garota ostentava uma expressão de inocente fragilidade. Natural, mas ele receava não ser aquilo uma conseqüência de sua punição.
Logo, ele notou que suas mãos haviam deixado marcas no queixo delicado da menina, evidenciando seu descaso para com sua fragilidade. Ele voltou a encarar os olhos misteriosos dela e sentiu que seria capaz de dar tudo pelos pensamentos dela, mas não demorou muito para que os olhos da garota assumissem novamente aquela expressão altiva e resoluta de antes:
- Isso não me atinge de forma alguma, professor... Afinal, a Grifinória está visivelmente acima de todas as outras casas e, é claro... – e ela riu neste instante – isto se deve, em grande parte, a mim.
Ele não pôde responder, senão com um olhar grave e um virar de costas. Não suportaria olhar para ela nem por um segundo a mais. Enfrentar o olhar dela estava se tornando, para ele, uma agonia...
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