À Morte
Nome: À Morte
Autor: Mayra Vieira Maia
Tipo: Ficlet
Gênero: Drama
Classificação: Livre
Foco: Kreacher/Regulus Black
Capa da fic: .com/albums/ww29 ...
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Kreacher estremeceu ao ouvir o pedido do mestrinho.
- Para onde, mestre?
- Para a caverna, Kreacher. A mesma caverna onde o Lorde te levou.
O elfo arregalou os olhos mais uma vez. Por que o mestrinho queria ir àquele lugar? Aquele lugar era... horrível.
- Mestre Regulus, senhor, tem certeza de que o senhor quer que Kreacher o leve para lá?
- Sim, Kreacher. - a voz do mestrinho tinha um tom de impaciência que deu a Kreacher vontade de investir com a cabeça na parede mais próxima. - Agora pare de enrolar e leve-me para lá!
As orelhas de Kreacher se abaixaram. Ele não queria levar o mestrinho para lá. Aquele lugar era perverso. Não era lugar para o mestrinho Regulus. Não mesmo. Mas ele não tinha opção. O mestrinho dera uma ordem, e cabia a Kreacher cumpri-la.
Segurando a perna do mestrinho, Kreacher se concentrou. A última coisa que sentiu antes de aparatá-los para a caverna foram as mãos do mestrinho afagando suas orelhas.
-xx-
A enseada continuava a mesma da última vez. Kreacher respirou fundo assim que sentiu os pés nus tocarem a rocha fria e úmida. Ele odiava aparatar. O cheiro salgado do mar entrou por seu nariz, enquanto algumas gotas atingiam seu rosto à medida que as ondas estouravam contra as pedras.
Olhando para cima, verificou que o mestrinho estava inteiro e o olhava preocupado. Sorriu para ele. Kreacher já partira um mestre no meio durante uma aparatação, e quase fora morto por isso. Não queria fazer o mesmo com o mestrinho. Não. Kreacher amava o mestrinho.
- Para onde, agora? - a voz juvenil do mestrinho o tirou de seu estupor.
- Lá. - ele apontou a entrada da caverna, pouco distinguível na escuridão, especialmente com a maré cheia.
-xx-
À medida que avançavam para a caverna, Kreacher pegou-se lembrando de tudo o que o mestrinho significava para ele. Mestre Sirius nunca fora um bom menino. Na verdade, mestre Sirius sempre fizera tudo o que estava ao seu alcance para ver Kreacher encrencado. Kreacher odiava mestre Sirius. Tivera que assar suas mãos no fogo mais de vinte vezes por causa do mestre Sirius. O dia em que ele deixara a mansão fora o dia mais feliz da vida de Kreacher.
Agora ele estava rodeado apenas pelas pessoas que amava - a mestra Walburga e o mestrinho.
Ah, como o mestrinho era diferente do irmão mais velho! Desde que o mestre Regulus nascera, Kreacher sentira que com ele seria diferente. Mestra Walburga ordenara a Kreacher que cuidasse do mestre bebê, e Kreacher cuidara.
Quem acordava no meio da noite para descobrir o motivo de o mestrinho estar chorando?
Quem ficava ao lado dele dia e noite quando ele adoecia?
Quem dava banho no mestrinho sempre que ele se sujava de comida?
Quem embalava o mestrinho quando ele tinha insônia?
Sorrindo, Kreacher lembrou-se de como o mestrinho fora um bebê pequeno. Quase não sobrevivera ao parto. Os primeiros meses de vida foram os mais complicados. Kreacher praticamente não dormira, tendo que virar-se em dois para impedir que o pobrezinho sucumbisse a alguma doença malvada de bruxos. Ah, mas Kreacher fora um elfo excelente para seu mestrinho. Não deixara nenhum verme entrar na barriga dele! Curara todas as febres do mestrinho bebê com a paciência de uma mãe.
E Regulus crescera.
Kreacher sentia orgulho do mestrinho. Ele era tão melhor do que o mestre Sirius. Às vezes se perguntava como seria possível que mestre Regulus não enxergasse aquilo. Kreacher não entendia o motivo pelo qual o mestrinho chorava de raiva à noite, amaldiçoando o dia em que nascera. Amaldiçoando o irmão por ser primogênito, por ser mais esperto, mais bonito, mais envolvente. Kreacher sempre dizia ao mestrinho que ele era muito melhor que o irmão, mas não se sentia menosprezado ao ver que sua opinião não era levada em conta.
Afinal, mestre Regulus sempre foi uma criança temperamental.
-xx-
- Pronto. E agora?
A voz de seu mestrinho crescido trouxe o elfo de volta à realidade. Estavam diante da parede. Aquela que gostava de beber sangue. O elfo não teve dúvidas: com um aceno das mãos, seu pulso sangrava. Já havia o encostado à parede bebedora-de-sangue quando mestre Regulus agachou-se ao seu lado.
- Kreacher, escute-me. Eu não quero que você faça nada sem me consultar antes, está bem? - ele pediu, e não havia nada que Kreacher pudesse negar ao mestrinho quando ele o olhava com aqueles olhos pidões.
O mestrinho sorriu para ele quando o viu acenar com a cabeça.
- Então vamos em frente.
Eles avançaram. E avançaram. E avançaram. Kreacher sentiu o frio do lugar penetrar-lhe na alma. Era quase como estar perto de um daqueles sugadores-de-alma que viviam de capuz, flutuando ao redor da prisão dos bruxos. Uma vez ele fora com a mestra Walburga visitar o pai dela lá. Kreacher lembrava a sensação que os sugadores-de-alma causavam. Era como se a tristeza penetrasse por cada poro do seu corpo. Ele reviu mentalmente todas as vezes que o mestrinho ficou doente, e quase o viu morrer. Mas então mestra Walburga convocou um espírito animal que afastou as criaturas.
Aquela caverna parecia estar permeada com a essência dos sugadores-de-alma. Até mesmo o mestrinho havia perdido o sorriso, e se tornava mais pálido e abatido a cada segundo. Mal podia imaginar Kreacher o que o mestrinho pretendia. Só sabia que não queria tomar aquela água esquisita de novo. A água-que-dá-sede-ao-invés-de-matá-la. Não era tonto, entretanto. Se o mestrinho fizera questão de vir até ali, era pelo medalhão que estava no fundo da bacia-da-água-esquisita.
E Kreacher sentia-se enregelar de frio, medo e tristeza só de pensar no que teria de fazer.
-xx-
Ele não olhou para o lago enquanto atravessavam. Não queria olhar para os corpos-que-se-mexem que dormiam na água. Sabia que eles viriam atrás dele de novo em breve. Preferia adiar o encontro o máximo possível. Olhou para o mestre Regulus. Ele observava a água com atenção, como se analisasse alguma coisa. E provavelmente estava analisando mesmo. Kreacher achava o mestrinho muito inteligente. O mestrinho sempre tinha os melhores planos.
A areia machucou seus pés quando chegaram à ilhota. Mestre Regulus desembarcou logo após ele. Kreacher olhou para seu mestre e apontou a bacia-da-água-esquisita.
- É ali que está o medalhão?
- Sim, mestre Regulus.
O mestrinho se aproximou do objeto estranho. Kreacher apressou-se a segui-lo. Não devia deixar seu mestrinho sozinho perto daquela coisa. Ele podia se machucar. Mestre Regulus olhou por algum tempo para a bacia-da-água-estranha, então voltou a olhar para o lago e, só depois, agachou-se e olhou para Kreacher, falando:
- Kreacher, o que eu vou dizer agora é muito importante. Entendeu? Você tem que ouvir direito.
- Sim, mestre. - o elfo assentiu com a cabeça, as orelhas balançando no ar com o vigor do movimento.
- Vou deixar bem claro, está bem? O que eu vou dizer agora é uma ordem. Você é obrigado a cumpri-la, entendeu?
Sim, Kreacher entendia. Ele teria de beber a água de novo. Tudo bem. Se fosse pelo mestrinho, ele beberia toda a água esquisita do mundo.
- Sim, mestre.
- Então escute bem, Kreacher: eu vou beber essa água, e você deve me forçar a fazer isso.
A cabeça antes abaixada do elfo ergueu-se num rompante. Os olhos já esbugalhados dele tornaram-se ainda maiores, e a pouca cor que a pobre figura tinha desapareceu.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu. Você deve me forçar a beber a água. Toda ela. Não pode sobrar nem uma gota!
- Não! - o elfo cobriu os olhos com as mãos, querendo arrancá-los das órbitas. - Kreacher não pode fazer isso pelo mestre Regulus. Kreacher bebe a água para o mestre, está bem? Deixe Kreacher beber a água, mestre!
O elfo sentia náuseas só de pensar em deixar o mestrinho beber daquela coisa.
- Kreacher, eu lhe disse: isso é uma ordem. Não está em discussão.
O elfo sentiu os olhos começarem a marejar.
- Mas, mestre...
- Mas NADA, Kreacher! Chega! - o mestrinho gritou, e Kreacher se encolheu.
Houve um instante estranho de silêncio absoluto, em que só se podia ouvir os corpos boiando na água, e então as mãos do mestrinho estavam acariciando sua cabeça outra vez.
- Escute, Kreacher, você tem que fazer isso. Não me deixe parar de beber essa água por nada nesse mundo, entendeu? E quando eu terminar quero que você pegue o medalhão que está lá dentro e troque por este aqui.
O mestrinho tirou do bolso um medalhão igual ao que estava no fundo da bacia. A essa altura, as lágrimas de Kreacher corriam soltas e ele nem mesmo se importou em analisar o objeto mais detidamente. Apenas o pegou e segurou para seu mestrinho.
- E-E dep-pois, mestre Regulus?
O rosto borrado do mestrinho pareceu adquirir uma expressão sombria, mas se tornou vazio de qualquer emoção quando ele falou:
- Depois você vai para casa.
- E levo o m-mestre com-migo?
- Não. - a voz dele tornou-se um pouco rouca. Kreacher não saberia dizer o motivo. - Eu provavelmente já terei sido carregado pelos Inferi nesse momento. Não quero que olhe para mim quando eu terminar de beber a água da bacia. Tudo o que quero é que pegue o medalhão, troque-o pelo que eu lhe dei e vá embora. Entendeu?
Soluçando, o elfo assentiu com a cabeça. Viu o rosto borrado de seu mestre tornar-se cansado, e o mestrinho suspirar antes de finalizar:
- Kreacher, por favor, faça tudo o que puder para destruir o medalhão. Ele não deve permanecer intacto, está bem? Prometa-me isso.
- K-Kreacher p-promete, mestre Regulus.
O mestrinho sorriu.
- Ótimo. Ah, e você está proibido de contar a qualquer um o que eu fiz ou onde eu fui parar. Foi um prazer ter você como elfo, Kreacher.
O elfo estava incapaz de responder algo. Simplesmente conjurou um cálice, encheu-o com a água da bacia e estendeu-o ao seu mestre.
E sua alma se despedaçou ao vê-lo dar o primeiro gole e erguê-lo em um brinde:
- À Morte!
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