Vinho Tinto
- Vinho tinto -
A recente marca ainda ardia em meu braço esquerdo. Não como fogo. Era algo mais. Era o frio eterno. Sim, era gelo. Tatuagem marcada pelo gelo mais intensamente frio que ousariam imaginar. Agora eu era, de fato, uma Comensal. Era meu destino e eu não fugi dele. Não era feitio dos puros-sangues tradicionais seguirem outro caminho que não aquele imposto pelos seus ideais puritanistas. Todos tinham sua hora e a minha finalmente chegara: eu, Pansy Parkinson, passei a fazer parte do seleto grupo de seguidores do Lorde das Trevas.
Aguardava ansiosamente pela presença daquela que me ensinaria alguns atributos que bruxos mais sensatos jamais seriam capazes sequer de pensar em realizar. E duvido da possibilidade de existir qualquer outro ser que entendesse mais sobre tortura do que ela.
Sentada em uma poltrona de veludo verde, eu admirava a marca negra em meu antebraço. O desenho contrastava diretamente com minha pele excessivamente clara. O fogo crepitava na lareira aquecendo a sala levemente escura. Um barulho estridente de aparatação despertou-me de alguns devaneios. Levantei-me. Era ela.
Estava diferente da última vez que a vi. Mas inegavelmente a pose imponente e olhar arrogante não se fizeram ausentes. Porém, as expressões, seu corpo e a tonalidade de sua pele haviam mudado... Definitivamente Bellatrix Lestrange voltara a ser bela. Perdi-me admirando-a por instantes incontáveis pela percepção humana. Séculos? Segundos? Não arriscaria precisar.
- Crucio! – Bellatrix disse com o tom de quem diria um ‘oi’.
Cai de joelhos. Dor. Dor extrema. Ela apenas me observava sofrer. Seu rosto? Indecifravelmente encantador.
- Crucio. – As dores pararam. Ou pelo menos deveriam ter parado. Eu mal consegui respirar. Bellatrix olhava-me com sarcasmo. Eu a encarei sem entender.
- Sabe o que eu faria se alguém me atacasse com esse feitiço? – perguntou-me olhando fixamente para meus olhos marejados. Eu não respondi. – Eu o mataria. – disse simplesmente dando-me as costas.
- Levante-se.
Obedeci com dificuldade. Não ousaria fazer o contrário. Apoiei-me na poltrona. Tentei encarar a mulher a minha frente. Bellatrix mirou-me. Olhou atentamente para cada detalhe de meu corpo como se fizesse um relatório sobre se eu era ou não capaz de estar ali, tendo o magnífico prazer em ser torturada por tão nobres mãos.
- Você tem medo, Parkinson? – quis saber.
- Todos têm medo. – respondi tentando parecer calma.
- O que temes? – perguntou.
- Não sei. – Respondi. E realmente não sabia. Temia o desconhecido. O inesperado. E ela era inesperada.
- Tens medo de morrer? – Fora irônica. Respirei fundo.
- Um pouco.
- Você tem quantos anos? – perguntou e eu achei que ela mudaria o rumo da conversa. Estava enganada.
Sempre me enganaria.
- 18. – Limitei a responder o que me foi perguntado.
- Com sua idade eu não temia mais nada.
Eu não duvidei.
- Todos têm medo de algo - Desafiei.
Se eu a conhecesse como conheço hoje, jamais teria feito tal estupidez. Bellatrix era única. Compará-la foi um grande erro. Ela lançou-me um meio sorriso e se aproximou.
- Eu não sou todos. – sussurrou – Crucio! – Antes de cair reparei uma chama em seus olhos. Uma chama por trás de todo aquele gelo que ela normalmente fazia questão de evidenciar.
Dor. Essa era a especialidade de Bellatrix. Havia histórias, mitos... e eu passei a acreditar em todos a partir daquele dia. Se existisse alguém perito em dor no universo, essa alguém era ela. Sejam dores físicas, as quais acredito que machucam menos, ou dores espirituais. Sim, Bella sabia ferir o espírito.
- Crucio. - as dores deveriam ter parado - Se você não começar a se defender, vai acabar morrendo, querida. – disse em tom falsamente preocupado.
Sarcasmo. Ironia. Sadismo.
Eram palavras que definiam Bellatrix. E odiei saber que eu demonstrava exatamente o que ela esperava que eu demonstrasse. Eu arfava. Desconfiei que no mínimo duas costelas haviam se partido tamanha dor que eu sentia. Provei o gosto de sangue em minha boca. Não queria parecer vulnerável, embora a situação estivesse demasiadamente longe disso. Estava exausta. Queria correr. Chorar. Mas eu não daria esse gostinho de vitória a ela. Eu ainda poderia surpreendê-la.
- Você veio aqui pra me treinar ou o quê?! – Perguntei rispidamente sem me importar com a possibilidade de estar chateando a Comensal mais confiável do Lorde das Trevas. Sem me importar com a quantidade de pessoas que ela matou, torturou ou pior...
Como eu era tola ...
Bellatrix não deixou de me encarar por um segundo sequer. Ela tinha o dom de fazer as pessoas se sentirem pior do que realmente mereciam.
- Pra falar a verdade... – começou em voz mansa - não acredito em seu potencial. Se sobreviver por uma semana será lucro. – provocou-me. Talvez ela achasse que eu desistiria facilmente.
- ENTÃO POR QUE PERDE O SEU MALDITO TEMPO?!?! – esbravejei cada palavra com uma carga extra de ódio.
- Crucio!
- Protego! – gritei instintivamente em resposta. O feitiço voltou-se contra ela. Embora eu acredite que Bella não deva ter sentido nada além de um pequeno choque em seu corpo. Ela arqueou uma das sobrancelhas.
- Vejo que você não é, de fato, um caso perdido.
Caso perdido. Eu deveria ter desconfiado que nosso caso era perdido.
*
- Levante-se!
Eu sempre obedecia. Sempre.
Joelhos ralados, lábio cortado e dor.
- Legilimens!
Eu estava cansada. Não pude evitar. Bellatrix entrou em minha mente.
“ – Você está diferente, Pan. – Era Draco.
- Impressão sua...
- Não. Não é. Você está estranha e não é de hoje.
- Então presumo que você saiba o que é?!
- Não faço idéia. Mas desde as aulas com a minha tia, você... nunca mais...
- Nunca mais o quê, Draco?
- Nuca mais foi a mesma comigo.”
- CHEGA! – gritei.
A conexão entre minha mente e a de Bellatrix se rompeu. Eu respirava rapidamente. Precisava pensar, oxigenar meu cérebro. Bellatrix estava a minha frente, de pé, e contra todas as minhas expectativas, ela não tinha o famoso sorriso de deboche.
- Por quê? – Limitou-se a perguntar e eu tive uma leve impressão de que ela realmente estava preocupada. Um par de lágrimas rolou por minha face. Levantei-me e dei-lhe as costas. Minha garganta ardia.
- Não dê as costas para mim, Parkinson!
- Por que não?! – Desafiei virando para encará-la. Uma súbita coragem me invadiu. – Por que vai me torturar?! Ótimo! Vá em frente! Acabe logo com isso!
- Você deveria ter mais cuidado com o que pede.
Eu sei.
- Ora, Bellatrix Lestrange! Desça desse palco invisível de auto-suficiência uma vez na vida! Pare de querer parecer inatingível! Eu sei que até pessoas como você são capazes de sentir.
- O que você está sugerindo? – Ela perguntou. Eu estranhei que não tivesse me matado na mesma hora.
- Eu odeio essa sua mania de nunca perder essa maldita pose! – disse. Não tinha nada a perder.
- E eu desprezo seu jeito de demonstrar exatamente o que sente!
Talvez eu tenha impressionado. Coragem estúpida, mas ainda assim coragem. Talvez poucas pessoas tenham-na desafiado e permanecido vivas para contar história.
Eu sou uma delas.
- Você não sabe de tudo que sinto! – retruquei pausadamente.
- Sim, eu sei, Parkinson! Está estampado na sua cara! Só queria entender o porquê de você ter sido estúpida o suficiente para ter se apaixonado por mim!
Por que você era única.
- Eu ainda sou capaz de sentir... – disse mais para mim que para Bella.
Bellatrix também era. Eu sei que era.
- Eu não misturo negócios com prazer. – disse friamente ignorando minhas lágrimas. Talvez lágrimas não a comovessem.
- Eu não sou... – Comecei a dizer, mas parei antes de concluir. Percebi ali que Bellatrix sentia algo. Encarei-a. Dessa vez foi ela quem desviou o olhar.
- Você também... – arrisquei em tom surpreso.
- Não seja ridícula. – Fora ferina.
- Não se engane, Bella...
- CALA A BOCA! – Pôs a mão nos ouvidos. Eu nunca imaginei que ela perderia o controle. Resolvi continuar.
- Até pessoas como você são capazes de amar...
- CALA A BOCA!
- Mate-me e eu calarei!
“Você deveria ter mais cuidado com o que pede.”
Deveria.
- CRUCIO!
Eu quase morri naquela noite. Quem sabe teria sido melhor se fosse uma certeza. Não sei se ela quis realmente me matar. Bellatrix nunca perde a mão. Isso me animou um pouco.
Fiquei hospitalizada por duas semanas e inconsciente por três dias. Meu corpo não doía tanto. Acho que fui me acostumando com a dor.
Bellatrix não veio me visitar. Isso doeu.
Soube por Draco que Bellatrix foi repreendida por ter me ferido. Soube também que pediu para não mais me ensinar. Infelizmente seu pedido foi concebido. Pois quando retomei minhas aulas, era Dolohov quem me ensinaria.
Era estranho receber ordens de outro alguém que não possuía a imponência e arrogância de Bella. Desconfio que tenha me tornado sádica.
Faria dois meses que não via nem sombra de Bellatrix. Ela resolvera manter-se distante. Sua ausência ocasionava um paradoxo em meu peito: por um lado eu sangrava por não vê-la, por não tocá-la. Por outro, tive a nítida certeza que Bella me amava tão intensamente que necessitava ficar longe para conseguir manter-se segura. Era quase como se fosse... frágil.
*
Sempre que um comensal recém iniciado entrava para o círculo íntimo do Lord das Trevas, era oferecida uma festa para marcar a ocasião. Fora assim com Draco e provavelmente fora assim um dia com Bellatrix.
Eu aprendi a matar. Aprendi a torturar. Aprendi a mentir.
Finalmente a minha noite havia chegado. A noite em que eu desejei profundamente encontrar Bellatrix e provar-lhe que eu não era um caso perdido.
Ledo engano.
A festa foi oferecida na mansão Malfoy. Acredito que tenha um dedo de Draco na escolha do lugar. A recepção estava longe de ser simples. O salão de festas sutilmente decorado em tons de verde. Comes, bebes, música. Todos os fiéis ao Lorde das Trevas estavam ali para festejar o início de minha vida assassina.
Todos. Sem exceção.
Bellatrix estava linda. Sempre fora uma mulher atraente. Estava sentada no braço de um imponente sofá. Degustava vinho tinto ao lado do marido. Estavam juntos demais, me peguei enciumada.
Disseram-me que Lorde Voldemort jamais participava das festas de iniciação. O que eu achei estranho. Presumi que talvez ele não quisesse parecer humano na frente de seus Comensais. O que é perfeitamente justificável.
Eu estava em pé ao lado de Draco. Sinceramente não ouvindo nenhuma palavra do que ele dizia. Depois de algum tempo ao lado de Bellatrix, descobri que tudo perdia o sentindo se ela estivesse presente. Qualquer assunto não tinha a mínima importância se eu pudesse olhá-la. E se me fosse permitido congelar o tempo para sempre contemplá-la... eu o faria.
Meu olhar cruzou com o de Bella. Não ousei piscar. Ela sorriu-me ironicamente com os olhos. O gelo sobressaindo o fogo. Eu jamais seria capaz de decifrá-la.
- Atenção... todos os presentes... – Draco pedia. – por favor...
Todos se calaram para olhá-lo e conseqüentemente me olhar também, pois estava ao seu lado.
- Hoje é um dia muito especial... Não só para Pansy quanto pra mim...
Eu o fitei sem entender.
- Primeiramente eu quero evidenciar o quanto eu a amo.
Draco me encarava.
- ... E vejo que esse é o momento propício para...
Ele procurou algo no bolso.
- ... Eu quero agora, na frente de todos os presentes... Oferecer-lhe todo meu amor.
Eu não queria acreditar no que ele estava prestes a fazer.
- Pansy... desejo que seja minha esposa. Quer casar-se comigo?
Palmas e murmurinhos ao redor. Silêncio. Eu realmente não sabia o que dizer. Senti o olhar de Bellatrix em nós.
Não . – pensei.
- S-Sim. – respondi.
Ele sorriu. Colocou um anel prateado com uma esmeralda solitária em meu dedo e em seguida me beijou.
Palmas. Desejos de felicidade. Parabenizações.
Procurei o olhar de Bellatrix. Ela me encarava. Virou o cálice de vinho de uma vez e a julgar por sua expressão, achei que estava insatisfeita. Prepotência de minha parte, em seguida afastei tais pensamentos.
- Vamos dançar, meu amor? – Draco convidou-me no instante em que uma nova música começara a ser tocada por sua mãe no piano.
- Claro. – aceitei lançando-lhe um sorriso.
Draco me conduziu para o meio do salão. Continuávamos a ser o centro das atenções. Ele me amava. Isso bastaria.
Delicado, ele sabia como conduzir um dança. Encantador. Sensível. Romântico. Eu seria perfeitamente feliz ao seu lado. Se eu o amasse.
*
- Feliz? – Era ela.
Eu estava na varanda observando o imenso jardim dos Malfoy. Em breve eu seria um deles.
- Muito – menti.
Bella pôs-se ao meu lado olhando para a mesma direção que eu. Ofereceu-me seu cálice de vinho.
- Mente tão mal quanto se defende. – Disse e eu não pude deixar de sorrir.
- Teria sido melhor se você tivesse continuado a me ensinar... então...
- Não pude... – Bella disse.
- Por quê? – Perguntei só para não deixar o diálogo terminar. Ela veio até minha orelha.
- Porque eu te amo... – sussurrou. Ela não estava em seu juízo perfeito. Mas não sei se os cálices de vinho que bebera seriam suficientemente fortes para deixá-la bêbada.
- Bellatrix Lestrange não ama ninguém. – retruquei.
Silêncio. Odiava seu silêncio. Era como se eu não fosse capaz de merecer sequer uma resposta grosseira.
- Você o ama? – Ela me perguntou. Parecia... Frágil.
Besteira. Bellatrix jamais seria frágil.
- Amo. – Respondi com um suspiro.
Fechei meus olhos. Senti Bellatrix se aproximar. Senti seus lábios em meu pescoço. Sua respiração pesada. Ela não era nem um pouco delicada. Exatamente como imaginei. Não me movi.
- Meu noivo pode chegar... – eu disse. Ela ignorou.
Bellatrix não era mulher de receber ordens. Não era mulher de temores. Não possuía compaixão. Ela era movida por impulsos. Desejos.
- Por favor... – supliquei.
Ela veio até minha orelha por entre beijos e sussurrou:
- Negar nossos impulsos é negar tudo que nos torna humanos...
Bellatrix não era humana.
- Me deixa sair, Bellatrix... – empurrei-a. Ela encarou-me sem entender. Pude contemplar outra vez as chamas em seus olhos.
- Por quê?!
- Porque você está bêbada!
Ela não estava.
O tapa que se seguiu não doeu, tampouco foi uma surpresa. Bellatrix começara a ser sincera. O corte em meus lábios ardeu levemente. Eu olhei para ela. Pela primeira vez o fogo sobressaia o gelo e talvez fosse a última vez que eu veria tal chama. Decidi não desperdiçá-la.
Movida por ódio, raiva, paixão, amor e todos os sentimentos antagônicos, eu a beijei. Com fúria. Com delicadeza. Com amor. Desprezo. Beijei como se necessitasse daquele contato pra sobreviver. Longe dela, quando eu podia pensar, meu eu racional dizia que eu teria de esquecê-la. Mas ali, em seus braços, sentindo o verdadeiro calor por detrás daquela montanha de gelo, eu só desejava que aquele momento nunca acabasse.
Bellatrix retribuía meus afagos. Seus beijos eram sinceros. Pelo menos eu acreditei que eram. Duvido que alguém consiga mentir em seus gestos. Mentir com a voz, com os olhos... mas com beijos... Não. Não acredito que exista alguém capaz.
Depois de despir-me, Bella começou a beijar meu corpo. Meu corpo que clamava pelo dela. Pescoço, colo, seios... Ela era experiente naquilo e mais uma vez naquela noite senti ciúme... Ciúme por não ter sido a primeira... Ciúme por ter certeza de que não seria a última. Quando seus beijos finalmente encontraram minha boca, sentimos juntas o gosto de sangue. Sim, o sangue era o seu gosto. Não houve nenhum encontro desde que me apaixonei por Bella em que eu não sangrasse.
Naquela noite experimentei verdadeiramente o prazer. Não o prazer simplesmente por satisfação física. Longe disso. Era o prazer da alma. Prazer em entrar em um momento de cumplicidade com quem se ama. Se eu morresse naquela noite, eu morreria feliz.
*
Houve outras noites como aquela. Todas depois de algumas taças de vinho. Eu era seu escape. Ela era meu refúgio. Depois que passei a ser escalada em missões, Bellatrix me tratava ainda como sua aprendiz. Ela estava ao meu lado quando matei pela primeira, segunda, terceira e quarta vez. Dizia que acabaria me acostumando. Eu nunca me acostumei.
Bella matava como ninguém outro (?). Deixava que suas vítimas olhassem para seu rosto antes de mandá-las para o inferno. Sorria ao matar. Via prazer na dor. Eu jamais entenderia. Mas não julgava: Eu a amava.
Realizamos varias facetas juntas. Ganhei crédito como comensal. Matava, matava e matava. Eu matava de olhos fechados. Bellatrix sempre riu de meu medo. Eu procurava não me importar. Bastava estar a seu lado.
Quando me casei com Draco, Bella não foi ao casamento. No dia seguinte me fez prometer que minha alma seria para sempre dela. Eu prometi. Seria incapaz de não fazê-lo. A gente se amou com carinho naquela noite.
*
- Pansy, eu... – Bellatrix começou a dizer. Ela nunca havia me chamado pelo primeiro nome. Comecei a estranhar e esperei que ela prosseguisse.
-... Nós... Não podemos mais continuar nos encontrando.
O gelo estava presente. Eu não respondi. Limitei-me a olhá-la.
- Eu só vim aqui dizer isso. – Disse e virou-se para deixar meu quarto.
- Por quê? – eu quis saber. Ela virou-se. O gelo crepitando intensamente por seus olhos.
Silêncio.
- Eu não te amo mais.
Bellatrix mentia bem demais. Nunca descobri se ela havia dito a verdade.
- Eu fiz alguma coisa que... – minha garganta ardia.
- Não!
- Então...
- Aquilo não passou de diversão, Parkinson... Não acredito que você tenha pensado que... – ela me olhou chorar. – ahn... não... pensou?
Sarcasmo. Ironia. Sadismo.
- Eu te amo, Bella. Se isso é algum tipo de brincadeira...
- Não seja estúpida, Parkinson! Você já não é mais nenhuma criança.
- DANE-SE SUA POSE, LESTRANGE! DANE-SE ESSA SUA MALDITA POSE!! - eu me descontrolei. Baixei até o chão. Abracei meus joelhos.
Ela ficou me observando chorar. Ela via prazer na dor.
- É o Draco? – perguntei. – Se você quiser eu me separo dele... se você quiser eu fujo com você... eu...
- Não seja infantil! Não tenho culpa de você ser estúpida o suficiente para ter acreditado que eu realmente senti algo por você...
- Não foi uma mentira...
Não havia sido. Ao menos pra mim.
- Foi divertido. – ela disse. Isso doeu. – Mas acabou.
Eu a encarei. Os cortes ardiam. Talvez estivessem fundos demais. Levantei-me e fui até ela. Toquei seu rosto. Olhei fundo em seus olhos.
- Eu morreria por você, Bellatrix.
- Que comovente.
Gelo.
- Fui realmente feliz ao seu lado.
Silêncio.
Aproximei-me lentamente de seu rosto. Fechei meus olhos. Escutei sua respiração.
- Diga-me que também me ama... – sussurrei.
Tentei beijá-la, mas ela se desvencilhou. Bella não era capaz de mentir com gestos. Abri meus olhos. Ela chorava. A única vez que vi Bellatrix chorando. Aquilo me indignou.
- POR QUE DIABOS VOCÊ ESTÁ CHORANDO?! – gritei. – SE SEREI EU QUEM VAI SOFRER?! SE SEREI EU QUEM VAI TE PERDER?!
- Pansy, escute-me...
Fogo.
- É mais seguro para nós duas nos afastarmos. Não suportaria vê-la sofrer...
- EU JÁ ESTOU SOFRENDO!
- IDIOTA! CALA A BOCA! PRESTA ATENÇÃO! SABEM SOBRE NÓS!
- Vamos fugir!
- Será que você não entende? Não podemos...
Será que eu vi certo? Senti Bellatrix com... Medo.?
- Eu não vou suportar viver longe de você.
Eu era egoísta.
- Olha, Parkinson, é mais seguro pra você não me procurar mais.
Ela deixou o quarto. Havia ferido a minha alma. E isso foi pior que qualquer outra dor que já senti na vida. Eu estava perdida. Sozinha. Desesperada. Esmurrei com meus punhos o antigo espelho em meu quarto. Todos os pequenos pedaços caindo, quebrados.
Pedaços de mim...
Afiados demais para serem juntados. Pequenos demais para terem importância, mas grandes o suficiente para me cortar em tantos pequenos pedaços.
Se eu tentar tocá-la.
Sangue. Sempre o sangue.
“A dor é psicológica. Basta apenas não pensar nela.”
A teoria sempre fora mais romantizada que a prática.
*
Então eu fugi. Fugi. Fugi para bem longe. Onde ninguém pudesse me encontrar. Nem mesmo ela. E tenho sobrevivido. Longe de intrigas, longe da guerra, longe de mentiras.
Fiquei sabendo tempos depois que Bellatrix havia morrido. Morrido por seu mestre. Morrido por sua causa. Morrido por seu egoísmo. Naquela noite eu descumpri a promessa de não mais chorar por ela. E Chorei. Chorei até dormir. E quando acordei... chorei mais uma vez.
Eu havia passado tempo demais longe de Bella, mas a possibilidade de nunca mais vê-la sufocava-me. Eu necessitava de sua presença, mesmo que ausente. E foi ali, por entre lágrimas, que me dei conta que Bellatrix poderia estar sempre ao meu lado.
Dor. Ela era perita nisso. Então passei a fazer da dor uma constante em minha vida. Cortei meu pulso com um punhal. Sentia a lâmina rasgando minha pele. Sentia cada gota de sangue escorrendo por meu braço, manchando-me, cobrindo a marca negra. Sentia Bellatrix. E se eu quisesse sentir seu gosto, bastava beber meu sangue... beber meu sangue como ela degustava tão divinamente o vinho.
Se eu não pudesse tê-la no amor, eu a teria na dor. Eu era uma romântica amadora... Sempre seria.
Que ironia... Amador... Aquele que ama a dor.
Eu preciso sangrar pra saber que estou viva...
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!