Escape.
O estômago doía mais do que nunca, mas, diferente de sempre, ninguém havia trazido nem uma tigela de sopa fria. Ela havia visto mais cedo alguns comensais passarem pela sua cela, mas nenhum sequer se deu ao trabalho de olhá-la. Passaram rápido, quase que correndo, falando apressados, de maneira que ela não conseguiu distinguir palavra alguma e como dito, não prestaram atenção nela. Nenhum. Nenhum, a não ser Lúcio, que desde muito antes, não era mais o que comandava aquele lugar. Ele a olhou, como quem a muito arrependido pedia desculpas, mas durou apenas um segundo e os outros comensais o empurraram e ele se foi. Seus olhos azuis foram os últimos pontos luminosos que ela viu antes de tudo ficar negro novamente.
Agora a cela gélida de pedras era só silêncio. Sentiu o medo engolfar seu coração e imaginou se morreria ali, de fome, frio ou mesmo de solidão, abandonada e esquecida pelo resto do mundo.
Se perguntava todas as noites, ainda que não pudesse mais ver a luz do sol, conseguia medir pelas refeições em que parte do dia estava, se os amigos ainda pensavam nela. Se questionava se eles ainda acreditavam que ela estava viva, ou se haviam desistido de procurá-la. Agora, mais do que nunca acreditava que nunca mais iria vê-los e, por incrível que pareça, não chorou. A muito que não chorava, não sorria, não sentia, não vivia. Só existia dentro daquela prisão, tanto no sentido físico quanto psicológico.
Suas divagações existenciais continuaram pelo o que lhe pareceu horas, até que seus ouvidos, primeiro que seus olhos, perceberam a aproximação de alguém. Ela ouviu algo que parecia passos irregulares e esbarrões nas pareces do corredor estreito que levava a sua cela e logo depois notou uma pequena luz se aproximando.
O jovem cambaleava e, como alguém que quase não conseguia ficar de pé, se apoiou na parede, em frente às barras de ferro que a prendiam. O cabelo louro mais curto que o do seu pai caía displicente em seu rosto que, iluminado pela luz da varinha, ela pôde ver o quanto cansado parecia estar. Ou talvez fosse apenas por causa da bebida, pois enquanto mantinha em uma das mãos a varinha, na outra segurava uma garrafa de bebida e ela tinha quase a certeza que aquela não era, nem de longe, a primeira. Seus olhos azuis estavam murchos, as pálpebras caídas e sob eles, olheiras fundas e roxas.
Ainda encostado na parede de pedra, Malfoy levantou a cabeça lentamente, como se estava estivesse muito pesada e ela automaticamente pendeu para o lado, dando lhe um ar totalmente insano. Ela levantou do canto onde estava sentada e se aproximou das barras cuidadosamente, sem dizer nada.
- É, eles realmente te deixaram aqui, Granger.
As palavras dele soaram desconexas para a jovem e ela perguntou, com a voz baixa:
- Deixaram, como assim deixaram?
Draco a encarou, com seu rosto sem expressão, sem indicação de sentimentos. Mas então, sem aviso, começou a gargalhar muito alto, sua risada fria e sem vida fazendo eco pelo corredor escuro e subterrâneo em que estava.
- E você ainda nem sabe de nada! - Disse ele ainda rindo. – Eles te abandonaram, e você não sabe de nada. Isso é tão típico.
Havia algo de imensa loucura no jeito que Draco ria da situação de Hermione, mas, mesmo que ela não soubesse exatamente o quê estava acontecendo, pôde perceber que fosse o que eu fosse, não havia favorecido o lado dos comensais. A jovem já não sentia mais nada para ter esperança de sair de lá, mas sentou algo quente dentro dela. Pensou nos amigos que talvez, para eles, as coisas estivessem melhorando.
Draco havia parado de rir e agora, com a cabeça baixa era impossível para Hermione ver seu rosto. Ficaram ambos sem dizer algo por uns instantes, até que ela resolveu quebrar o silêncio.
- Você bebeu.
Ele permaneceu em silêncio, mas não por muito tempo.
- Comentário muito óbvio para o seu nível Granger. Sinto dizer que isso está abaixo do seu nível de acertos. - O sarcasmo era presente em sua voz, quase que tocável, assim como a embriaguez. E antes que Hermione pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou. – É Granger, acabou. Acabou. Você devia estar... Estar comemorando.
As palavras de Draco soaram impactantes para a garota. Então era verdade. Fosse o que fosse, pelo jeito Voldemort havia enfim sido derrotado. Pensou na profecia e, pela primeira vez em muito, mas muito tempo, sentiu as lágrimas brotarem de seus olhos. Somente Harry poderia tê-lo destruído. O amigo ainda estava vivo!
Inconscientemente, Hermione agarrou as barras que a matinha presa.
- Malfoy... Por favor, Malfoy, você tem que me dizer. O que aconteceu? O que realmente aconteceu? Harry, ele...?
- HARRY, HARRY, HARRY! SEMPRE HARRY! – a voz alterada de Draco fez a garota saltar para trás de susto. Agora, desde que o garoto havia chegado, ela sentiu medo. Draco havia se desencostado da parede a agora se aproximava da cela em passos longos e firmes. A garrafa já havia caído de sua mão e ele apontava a varinha que ainda iluminava o local para a garota. – você é ingrata, Granger! É isso que você é! Mais do que uma sangue ruim nojenta, você é uma ingrata e... e... – Mas ele não concluiu a frase. Tão próximo das grades quanto possível, seus pés tropeçaram e Draco fez menção de cair, mas não chegou a atingir o chão. A princípio, o jovem não percebeu o que o havia segurado, mas então notou dois braços que os seguravam pela cintura. Hermione estava encostada nas barras de sua cela, e forçava seu corpo para ir mais, fazendo com que seus braços conseguissem alcançar Malfoy. Tão logo percebeu a situação, ele se ajeitou, levantando-se, e usando as barras como apoio.
- Eu não sou ingrata Malfoy. Mas quero acima de tudo ser livre.
Hermione nunca soube a razão de Draco ter feito o que fez. Mas depois de se comentário, ele a olhou como se pela primeira vez a estivesse vendo. Então, como quem não sabe ao certo o que está fazendo, ele tirou dos bolsos da veste uma chave. Os olhos de Hermione se arregalaram ao ver o loiro inserir a chave na fechadura da cela e a abrir.
- Vai. Eu não tenho mais o que perder. E você só tem a ganhar.
Ela o encarou. Queria agradecer, sorrir e dizer que tudo ia ficar bem. Mas, entre todas as pessoas, era Draco que estava ali e ela sabia que não haveria significado o que quer que ela dissesse a ele. Por isso, depois de segundos que pareceram durar eternamente, ela correu. Não sabia o caminho da saída, mas sentia dentro de seu coração que seria capaz de sair. Ela não olhou para trás, por isso não viu Draco encostar-se à parede do corredor. Ela não viu seu corpo deslizar até o chão e não ouviu quando seus soluços eram os únicos sons dentro daqueles corredores.
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