único.



Vou te contar uma história engraçada.


Engraçada, ridícula, tosca, idiota, meio trágica, porém romântica.


Era Novembro e estava chovendo. Uma densa floresta de carvalhos, salgueiros e pinheiros geralmente obscura parecia ainda mais sombria sob as nuvens cinzentas e o céu enegrecido. A chuva não a tornava mais convidativa. A grama estava molhada e algumas poçinhas de água já estavam se formando em pequenos buracos cavados por cães e coelhos. A escada de pedra de poucos degraus que levava à suntuosa porta do majestoso castelo estava úmida. Não havia ninguém a vista.


No interior do castelo, abrigados da chuva, centenas de aprendizes de magia estavam dispostos em quatro mesas compridas saboreando um delicioso jantar à luz de velas e da lua prateada falsa no teto enfeitiçado. Apesar da chuva, todos pareciam bem confortáveis.


Os alunos da mesa à direita pareciam ter todos a mesma expressão facial. Uma desagradável mistura de sarcasmo e desdém. Todos usavam capas negras e as gravatas eram verdes. Os alunos da casa Sonserina não pareciam muito amigáveis.


Na mesa do lado sentavam-se alunos com a gravata amarela. Os alunos da Lufa-lufa eram conhecidos por sua extrema gentileza e bom humor. Todos pareciam sorridentes, apreciando juntos o delicioso jantar.


Ao lado sentavam-se os alunos da Grifinória, com a gravata vermelha. Eram singulares em suas expressões, mas todos possuíam o mesmo coração valente e altruísta.


Os alunos da Corvinal, de gravata azul, sentavam-se à esquerda. Pareciam o tipo de alunos intelectuais, introspectivos, mas com um quê de simpatia.


Nessa noite chuvosa, na mesa da Grifinória, um grupo de quatro adolescentes lá pelos seus dezessete anos discutiam animados sobre o último incidente cômico que tinha acontecido no corredor do quinto andar.


“Cor-de-rosa, eu juro!”, comentou animado um garoto alto e forte de cabelos longos e negros que lhe caíam sobre os olhos muito azuis. “Com pintinhas verdes!”


“Aí você já está aumentando as coisas, Almofadinhas”, disse outro garoto igualmente alto de cabelos negros e curtos, com um suave topete e olhos castanho-esverdeados. “Era apenas cor-de-rosa, nada mais”.


“Aposto que se você fosse contar essa história enquanto ele estivesse no recinto, diria que era cor-de-rosa com pintinhas verdes e babadinhos azuis”, disse Sirius Black, o garoto de olhos azuis.


“É. Talvez”, acrescentou James Potter, de olhos castanho-esverdeados.


“Será que vocês nunca vão parar de importuná-lo?”, interrompeu Remo Lupin de cabelos curtos e claros e olhos cor de mel.


“Hmmm, não”, disseram Sirius e James em uníssono.


“O que é que ele fez a vocês afinal?”, perguntou Remo.


“Hmmm, nada”, disseram Sirius e James juntos novamente.


“Digam-me então qual é o sentido de aporrinhar tanto o garoto se vocês não têm absolutamente nada contra ele?”, perguntou Remo servindo-se de uma fatia de torta de maçã.


“É divertido”, disse James com um sorriso.


“E ele é da Sonserina”, comentou Sirius. “É muito divertido aporrinhar o pessoal da Sonserina”.


“Almofadinhas, seu irmão está na Sonserina”, disse Remo referindo-se ao irmão de Sirius, Régulo.


“Tá, e daí?”, indagou Sirius indiferente.


Sirius e o irmão não se davam bem. Na verdade Sirius não se dava bem com nenhum dos seus familiares. Ele era a ovelha negra, ou melhor, a ovelha branca. Todos os seus parentes haviam sido selecionados para a casa Sonserina, famosa por formar apenas bruxos maléficos e Sirius sentia que não se enquadrava exatamente no perfil de um bruxo das trevas. Por isso o Chapéu Seletor o selecionou para a Grifinória, para o completo desgosto da família de Sirius.


A família de James era diferente. Os Potter tinham sido de casas diferentes (nenhum da Sonserina, claro), mas eram uma família incrivelmente integrada. O pai de James tinha sido um aluno da Grifinória como ele, corajoso do tipo idiota, que topava fazer as coisas mais malucas e perigosas. Mais ou menos como o filho. Já a mãe de James tinha pertencido a Lufa-lufa e a sua bondade e delicadeza cativaram profundamente ao homem que viria a ser seu marido.


Remo era diferente dos amigos. Enquanto Sirius e James preferiam aprontar esquisitices pela escola ele preferia estudar e manter-se centrado. Não gostava de se meter em encrencas. Além do mais, tinha um sério problema que o obrigava a ser mais introspectivo. A maldição que corria em suas veias e o transformava em lobisomem durante a lua cheia. Seus amigos compreendiam, mas mesmo assim Remo sentia-se deslocado.


Outro personagem ainda não esboçado que estava muito ocupado se entupindo de muffins de chocolate enquanto a história se desenrolava era Peter Pettigrew. Sua baixa estatura e cabelos cor de pêlo de rato não o tornavam atraente como os amigos. Não era tão inteligente como eles nem tão talentoso, mas era divertido, apesar de ser incrivelmente distraído.


Enquanto James e Sirius discutiam, outra cena se desenrolava mais ao lado. Uma jovem de cabelos ruivos e olhos verde-vivos discutia com as amigas Kwon Hye e Amelia Carter o livro que tinha ganhado de aniversário.


“Jane Austen”, disse Lily Evans, de cabelos ruivos. “Conhecem?”


“Já ouvi falar”, disse Kwon, de cabelos castanhos e olhos castanho-escuros. “Escreveu Razão e Sensibilidade, certo?”


“Sim”, respondeu Lily. “É uma história magnífica também, mas ganhei Orgulho e Preconceito”.


“E o que o título do livro tem haver com o enredo?”, perguntou Amelia, de cabelos chocolate e olhos caramelo.


“Orgulho diz respeito às pessoas orgulhosas quanto às suas ideologias e preconceito é relacionado com julgar uma pessoas à primeira vista”, explicou Lily levando uma garfada de pudim à boca.


“Parece chato”, comentou Amelia.


“Não é”, replicou Lily.


Assim como Sirius, James, Remo e Peter eram diferentes, Lily, Kwon e Amelia eram igualmente diferentes. Lily vinha de uma família onde ninguém tinha poderes mágicos, portanto ela tinha sido a única agraciada com o dom. Seus pais tinham ficado orgulhosos, mas sua irmã Petúnia não tinha achado nada impressionante. Lily era muito intelectual, extremamente franca, porém delicada e gentil.


Kwon Hye vinha de uma família inteiramente mágica da Coréia do Sul, portanto estava familiarizada com todas as esquisitices que acidentalmente aconteciam em sua vida. Era introspectiva e geralmente calada, mas também era divertida e às vezes meio palhaça.


Amelia Carter também vinha de uma família inteiramente mágica. Era o equilíbrio entre Lily e Kwon. Era falante, engraçada, mas tinha um terrível déficit de atenção que não permitia que ela prestasse atenção nas aulas. Suas notas não eram muito afetadas graças à paciência e as aulas de Kwon.


Esses dois grupos estão envolvidos da seguinte forma: quando tinha quatorze anos James se apaixonou por Lily e resolveu não desistir dela. Apesar dos constantes foras que ela lhe dava, ele era persistente. Não desistiria enquanto ela não se apaixonasse por ele também. Lily achava James um idiota convencido que só dizia gostar dela para poder dizer depois que tinha pegado a santinha da Grifinória. Sirius estava obcecado por Kwon porque ela tinha sido a única garota do universo observável a desprezá-lo completamente. Ela não dava bola para os músculos, o rosto perfeito nem a voz um pouco rouca dele. Kwon na verdade sequer se importava se ele estava vivo ou não. Remo estava apaixonado pro Amelia, mas tinha medo de se aproximar dela. Como chegar perto de uma garota tão falante e bonita que tinha todos os garotos aos seus pés? E ela sequer sabia que ele existia. Ela conhecia seus amigos, mas não dava muita importância a ele.


A parte engraçada da história são os diálogos travados entre os nossos personagens. Nessa noite em particular, quando os alunos subiram as escadas para relaxarem nos Salões Comunais, James percebeu uma boa oportunidade de importunar Lily.


 


Fools rush in
Tolos aventuram-se
Where angels fear to tread
Onde os anjos temem pisar
 


“Boa noite, meu feijãozinho de todos os sabores”, disse ele com um sorriso maroto quando ela se sentou ao lado das amigas no sofá na frente da lareira. “Ficou pensando em mim durante o jantar?”


“Só se for sobre formas de te esganar”, disse ela displicente.


“Meu suco de abóbora, por que você não me dá uma chance?”, perguntou ele.


“Porque sucos de abóbora não respondem perguntas sem fundamento como essa”, disse Lily revirando os olhos verdes.


“Sem fundamento?”, indagou ele. “Como você pode dizer uma coisa dessas? Meu amor e devoção por você têm um belo fundamento!”


“É mesmo?”, disse ele cinicamente. “Então me entretenha”.


Ela não estava falando sério, mas James levava ao pé da letra tudo que ela dizia. Então ele ajoelhou-se teatralmente diante dela e sorriu.


“Lily, eu me percebi apaixonado por você quando não conseguia mais dormir sem sonhar com você, quando a distância entre nós me doía, quando a proximidade parecia distante demais...”.


“Ela é distante demais”, disse Lily. “Graças a Merlin”.


Enquanto James continuava a discursar feito Romeu, Sirius percebeu uma deixa para incomodar a rainha do gelo, Kwon, que estava ocupada estudando para a prova de Poções.


“Kwon, minha deusa”, disse Sirius sentando ao lado dela, no braço da poltrona.


“Sirius”, disse ela sem tirar os olhos do livro. “O que você quer?”


Kwon não poderia ser mais indiferente a Sirius do que Bela a Gastón, em A Bela e a Fera.


“O que eu quero?”, perguntou ele franzindo as sobrancelhas negras. “Você, naturalmente”.


“Por que você me quer, Sirius?”, perguntou Kwon desejando que ele parasse de falar.


“Ora, porque você é a garota mais linda desse castelo!”, respondeu Sirius.


“Aham. Sei”, disse ela com sarcasmo. “Escuta, por que você não vai repetir essa mesma cantada ridícula para a lula gigante e me deixa estudar?”


Sirius abriu a boca para responder, mas as palavras fugiram. O que responder mediante a frieza de Kwon?


Remo preferiu não importunar Amelia. Ela parecia tão absorta em seus pensamentos, os olhos fixos nas chamas crepitando na lareira, que ele preferiu apenas sentar ao longe e observá-la.


Cantadas como as que James passava em Lily e as que Sirius passava em Kwon eram repetidas ao longo dos dias. James não sabia como conquistar o coração de Lily, enquanto ela não sabia o que fazer para se livrar dele. E Sirius queria insistentemente que Kwon saísse com ele, enquanto ela queria que ele se afogasse em dois centímetros de água.


 


And so I come to you, my love
E então eu venho a você, meu amor
My heart above my head
Meu coração acima da minha cabeça



 


Sirius simplesmente não conseguia entender como Kwon não tinha caído na lábia dele. Ele era bonito, gostoso, inteligente, então por que diabos ela ainda não tinha se apaixonado por ele? Ela o intrigava. Ou ela era maluca ou era assexuada.


“Lily, meu amor, por favor, aceite sair comigo!”, insistiu James segurando as mãos de Lily entre as suas.


Lily puxou as mãos para si e olhou para ele enojada.


“Honestamente, eu prefiro morrer”, disse ela.


“E eu quero que todos vocês morram!”, exclamou Kwon irritada. “Eu preciso tirar pelo menos um Aceitável em Poções, então, por favor, calem a boca!”.


“Só quando a Lily aceitar sair comigo”, acrescentou James deliberadamente.


“Argh”, fez Lily revirando os olhos.


“Pelo amor de Merlin, Lily, você é a minha melhor amiga. Não precisa fazer por ele, mas faça por mim! Você sabe que se eu for para o dormitório a Lorkis vai ficar treinando as técnicas de atuação dela e não vai me deixar estudar!”, disse Kwon em tom de súplica. “Eu te imploro, aceite sair com ele”.


“Mas, Kwon...”, disse Lily parecendo horrorizada.


“Por favor, Lily”, implorou Kwon. “Eu preciso mesmo tirar uma nota boa”.


Lily permaneceu em silêncio por um minuto inteiro, sob os olhares penetrantes de James, Kwon e Sirius. Era perceptível a hesitação dela, pois ela começou a morder o lábio inferior, mas o silêncio não era uma recusa completa.


“Está bem”, disse ela finalmente. “Mas só porque eu quero mesmo que a Kwon vá bem na prova do Slughorn”.


“ISSO!”, gritou James girando ao redor de si mesmo com os braços abertos. “EU VOU SAIR COM LILY EVANS!”


“Potter, cale a boca porque está me constrangendo”, alertou Lily com as bochechas vermelhas.


“Eu não me importo”, disse ele. “PORQUE EU VOU SAIR COM A MINHA RUIVINHA!”


“Não sou sua ruivinha”, disse Lily enfatizando o não.


“Você verá, Lily”, disse James. “Quando sair comigo você vai se apaixonar loucamente por mim!”


“Quero só ver”, disse ela cinicamente.


 


Though I see the danger there
Mesmo vendo o perigo por lá
If there’s a chance for me, then I don’t care
Se há uma chance pra mim, então eu não me importo



 


E essas palavras selaram o acordo. Ela sairia com James e em troca ele calaria a boca e deixaria Kwon estudar. Mas o que Lily imaginou ser apenas um encontro simples, foi completamente diferente do que ela tinha imaginado.


Quando sábado chegou, dois dias depois daquilo, Kwon insistiu para que Lily e Amelia fossem com ela a Hogsmeade. Ela precisava urgentemente de uma pena nova e de mais chocolates com caramelo para a sua TPM.


Antes de Kwon conseguir fechar a porta da carruagem atrás de si, ela foi escancarada e James entrou, sentando-se ao lado de Lily. A ruiva apenas revirou os olhos num gesto habitual de desgosto. Não conseguia olhar para James e não sentir náuseas. Tudo em que ela conseguia pensar era nos amassos que ele dava em milhares de garotas e depois as dispensava como se elas não valessem nada. Era revoltante.


Lily meditou todo o caminho de Hogwarts até Hogsmeade. De vez em quando olhada para James pelo canto dos olhos e constatava que ele continuava com o mesmo sorriso discreto, como se estivesse muito satisfeito consigo mesmo. Aquela expressão triunfante irritava Lily profundamente. Tudo o que ela queria era que a carruagem explodisse, mas apenas ele explodisse junto. Ela, Kwon e Amelia sobreviveriam milagrosamente enquanto os pedaços de James teriam de ter procurados com lupas.


O caminho pareceu durar uma eternidade e Lily só conseguiu respirar profundamente quando a porta da carruagem se abriu e seus pés tocaram o chão. Ela não suportaria nem mais um minuto sentada ao lado de James Potter.


“Então, minha flor de lis, onde será o nosso encontro?”, perguntou ele com um sorrisinho maroto.


“Encontro?”, indagou Lily. “Que encontro?”


“Lembre-se, Lily, você concordou que sairia comigo se eu deixasse a Hye estudar.”, explicou James. “Então, aonde nós iremos?”


Nós não iremos a lugar algum”, disse ela começando a ficar estressada.


“Você disse que sairia comigo, ruivinha”, enfatizou James ficando sério.


“Sim, realmente eu disse. E nós saímos de Hogwarts, então tecnicamente eu saí com você”, disse ela fitando-o. “Então tchauzinho”.


 


Fools rush in
Tolos aventuram-se
Where wise men never go
Onde os homens sábios nunca vão

 


“Lily, por favor, não seja inconveniente”, pediu ele. “Tudo o que eu peço é um encontro. Não precisa ser a luz de velas, não precisa de uma lua prateada nem de música ao fundo nem de um ‘felizes para sempre’. Só peço que você passe este dia comigo sem gritar comigo, se estressar comigo ou me matar”.


“Bom, não sei se poderei cumprir tantas exigências”, disse ela com os olhos apertados.


“Ao menos não me mate”, disse James com um sorriso.


Lily respirou fundo.


“Está certo. Você cumpriu a sua parte do acordo, então eu vou cumprir a minha” , disse ela. “Aonde iremos?”


“Hmmm”, fez ele, pensativo.


A Dedosdemel não era romântica o suficiente, muito menos o Três Vassouras. O Três Vassouras só servia para um encontro quando você não tinha muita vontade que o relacionamento se estendesse muito. Era um bom lugar para paquerar, trocar uns beijos e beber cerveja amanteigada, mas não servia se você queria namorar, casar, ter filhos e viver feliz para sempre com a sua amada.


E era exatamente isso o que James queria.


Lily não sabia, é claro, mas durante o percurso que caminhou ao lado dele, James passou o tempo devaneando sobre o seu futuro aparentemente improvável. Imaginou que Lily gostaria tanto de passar o dia com ele que se apaixonaria por ele, eles se beijariam sob uma cerejeira, se casariam e...


“Decidiu aonde iremos?”, perguntou ela despertando-o dos seus sonhos.


“Ah, certo”, disse ele. “Vamos até a Tintas & Tinteiros”.


A Tintas & Tinteiros, além de ser uma loja especializada em penas e tinteiros, também tinha uma sessão especial para livros de poesia. James tinha parado naquela sessão por acaso, ao lado das penas de pavão que eram extravagantes demais, e aquela parecia uma ocasião perfeita para misturar Lily e poesia naquele encontro.


Kwon estava analisando uma linda pena azul de águia quando Lily e James entraram. Ela apenas lançou um olhar condescendente para Lily e voltou seu olhar para a pena. Estava em dúvida entre a azul de águia e a vermelha de fênix.


James foi diretamente até a sessão de poesia e Lily o seguiu. Desconhecia aquela sessão, já que nunca tivera muita curiosidade em explorá-la.


Os livros eram antigos, novos, escritos à mão, impressos... Todos pareciam emanar uma energia gostosa, atraente, e Lily imediatamente pegou um deles e começou a folheá-lo.


James se lembrava de ter lido um uma vez que falava sobre uma doce jovem ruiva cuja voz invocava imagens de um campo repleto de florezinhas e um céu tão azul que parecia sonho. Se ao menos ele pudesse se lembrar do nome do livro...


Devaneios de um jovem apaixonado.


Realmente não poderia haver nome mais perfeito.


“Lily, ouça só esse”, disse James fazendo-a olhar para ele.


Lily pensou não ter ouvido direito. James Potter se interessava por poesia? Este era mesmo um acontecimento inédito, que ela nunca imaginara. Ele parecia mais o tipo que só pensava em Quadribol e garotas, não do tipo que recitava poesia.


“Damascos, como aqueles que crescem nas árvores. Fios tão frouxamente presos como dos das estátuas gregas de mármore. Uma voz tão angelical que invocava melodias de arcanjos. Face e voz tão bela só poderiam pertencer a um anjo. A suave sonata que se sobressaía a todos os sons, me lembravam campos longínquos e pequenas flores de todos os tons. Invocava um utópico céu azul-cobalto, e a minha imaginação dava saltos. A jovem pela qual me apaixonei era uma delicada flor. E apesar de apenas observá-la à distância, eu tinha certeza que ela sabia do meu amor”.


 


But wise men never fall in love
Mas os homens sábios nunca se apaixonam
So how are they to know?
Então como eles podem saber?



 


Silêncio. James teve de olhar para Lily para se certificar de que ela ainda estava ali. Permanecera tão quieta durante todo o recital e agora ele não tinha certeza da reação dela àquele poema.


“Eu já tinha lido ele antes”, comentou James. “Ele me lembrou você”.


Lily engoliu em seco.


 “Aposto que você o recita para todas as garotas com quem sai”, acusou ela.


“Você foi a única que eu trouxe aqui”, replicou ele. “E nunca houve outra garota ruiva de voz celestial na minha vida”.


“Mas devem ter havido morenas, louras...”, disse Lily encarando o livro nas mãos dele.


James suspirou. Discutir com Lily era uma batalha perdida. Ela sempre teria mais argumentos do que ele, mas ele jamais desistiria de lutar por ela.


“Escute, Lily”, pediu ele. “Sei que saí com muitas garotas e que magoei a maioria delas, mas a verdade é que nunca houve realmente um sentimento verdadeiro. Nunca. Até eu conhecer você”.


“Há!”, fez Lily. “Até parece”.


“Eu não estou mentindo!”, insistiu James.


“Tá bom”, disse ela com sarcasmo.


“Está bem”, disse ele. “Eu vou provar de três maneiras diferentes. Se ao final da última tentativa você ainda não acreditar em mim, eu vou desistir de você”.


Lily ergueu as sobrancelhas.


“Para sempre?”


“Para sempre”, garantiu ele.


O que era mentira, é claro.


James pegou Lily pelo pulso e a levou para fora da loja, conduzindo-a até um banco de madeira sob um enorme salgueiro.


“Lily”, disse ele segurando a mão dela.


Em primeira instância ela pensou em puxar a mão de volta, mas decidiu ver até onde as coisas iriam chegar.


James conduziu a mão dela até seu peito e colocou-a sobre seu coração. Os batimentos dele estavam um pouco mais acelerados do que de costume. O que ele pretendia fazer não era como de costume. Seria muito mais intenso.


“Quando eu a conheci eu não imaginava que as coisas seriam como são. No início as minhas intenções realmente eram levianas, infantis e estúpidas. A minha intenção inicial era apenas importuná-la, mas com o passar do tempo eu me percebi incapaz de viver sem o seu sorriso, sem o seu olhar”.


Era estranho para Lily ouvir uma declaração tão honesta de James, mas ela ainda não tinha certeza de acreditava nele.


“Não era minha intenção me apaixonar por você. Sinceramente era a última coisa que eu esperava que acontecesse. Mas aconteceu. E agora eu não sei como apagar você do meu coração”.


 


When we met I felt my life begin
Quando nos conhecemos eu senti minha vida começar
So open up your heart and let
Então abra seu coração e deixe
This fool rush in
Esse tolo se aventurar
 


Lily abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la. Não sabia o que dizer naquelas circunstâncias. Por um instante ela desejou não ter aceitado sair com ele. A primeira das três tentativas estava sendo muito difícil de contrariar.


“Nas férias de verão eu vi uma garota ruiva passeando e por um momento eu jurei que era você. Quase corri desesperado atrás dela, mas eu sabia que não havia motivos para você estar apenas caminhando por Devon”.


“Não era eu”, disse Lily em voz baixa.


James sorriu suavemente.


“Nada do que eu disse foi mentira, mas agora eu vou passar para a minha segunda tentativa”, disse ele segurando as mãos dela e a conduzindo por mais alguns minutos até a cerca que dividia o povoado das colinas que levava à Casa das Gritos.


O céu estava profundamente azul como no poema que ele recitara, mas Lily pareceu não perceber. Ela continuava a olhar intrigada para James, que ainda segurava uma das mãos dela.


“Quando eu venho à Hogsmeade eu venho aqui pra pensar”, disse ele. “Uma vez eu escrevi uma coisa numa árvore. Era um pessegueiro e estava florido”.


James levou Lily alguns passos para a esquerda até um enorme pessegueiro que não estava florido e que também não tinha nenhuma fruta. Estava começando a perder suas folhas, mas as palavras entalhadas na madeira ainda eram bem visíveis.


Eu a amo e no momento as flores de pessegueiro me fazem pensar nela.


Lily passou as pontas dos dedos pelas palavras profundamente entalhadas. Ele tivera tanta paciência de escrevê-las, mas ela não conseguia compreender por que.


“Por que você escreveu isso? Tudo isso”, perguntou ela.


James olhou fixamente nos olhos dela. Era como se estirar na grama verde ainda úmida de orvalho.


“Porque eu não conseguia parar de pensar em você”, disse ele. “Eu olhava para as flores, para os pêssegos, ouvia o canto dos pássaros e o seu rosto surgia tão nítido diante dos meus olhos que eu quase podia tocá-lo, mas você não é uma flor que eu possa apanhar nem uma fruta que eu possa colher. Eu posso apenas estender a mão que esperar que uma ave confie em mim o suficiente para pousar nela”.


Houve um tempo de silêncio, mas ao mesmo tempo não houve. O farfalhar das folhas contra o vento, o canto suave dos pássaros e o ocasional miado de um gato completavam aquele momento silencioso que se estendeu entre James e Lily. Ela não sabia o que dizer e ele não sabia o que esperar que ela dissesse.


“Não precisa dizer nada, Lily”, disse ele. “Só, por favor, permita que eu usufrua da minha última tentativa”.


 


Fools rush in
Tolos aventuram-se
Where wise men never go
Onde os homens sábios nunca vão




Lily permaneceu em silêncio quando ele se aproximou dela, sem romper o contato visual, e abraçou-a pela cintura. Não importava se o beijo fosse sem graça ou se a lua não estivesse brilhando no céu. Os sentimentos que eclodiam dentro do peito dele eram profundos e verdadeiros demais para serem ignorados e eles valiam por mil estrelas prateadas no céu.


“Você me permite?”, perguntou ele em voz baixa.


O nariz dele roçou suavemente no dela e Lily fechou os olhos. Não sabia por que estava deixando que James a beijasse, só sabia que tinha sido involuntário da sua parte fechar os olhos e entreabrir os lábios. As palavras pareciam estar entaladas na sua garganta, por isso ela apenas assentiu.


Os lábios de James encaixaram no de Lily como se fossem duas peças de um quebra-cabeça. Ela sentiu uma explosão de sentimentos que aquela simetria causou e seu corpo inteiro estremeceu. Ela não pôde evitar que seu coração acelerasse desconfortavelmente dentro do peito. Como, afinal de contas, beijar James Potter podia ser tão surpreendente?


Ela deixou que ele a abraçasse com mais força e aprofundasse aquele beijo. Deixou seus sentidos ficarem inebriados e se entregou nos braços dele. Seu corpo inteiro parecia em brasa e seu coração lembrava uma britadeira. Como era possível que ele batesse tão rápido? E por quê?


Quando se afastaram suavemente ela abriu os olhos e seus olhares se encontraram. Um olhar tão profundo e verdadeiro que Lily sentiu vontade de fugir. Sentia como se sua alma estivesse sendo lida, como se fosse uma página aberta de um diário absolutamente secreto.


“Então é assim que você conquista todas as garotas?”, acusou ela colocando as mãos sobre o peito dele e empurrando-o para longe. “Poemas, declarações, beijos... O que me surpreende é como você consegue ser falso!”.


“Lily, eu não...”.


“E o que acaba comigo é saber que eu fui outra das suas vítimas! Eu aceitei sair com você, fui alvo de todas essas declarações mentirosas e, por um momento se fraqueza, eu cheguei a acreditar que você realmente gostava de mim”.


“Mas...”.


“Você deve ter ensaiado tudo isso! Todas as suas palavras bonitas não passam de mentiras!”.


“LILY!”, exclamou James para que ela parasse de falar. “Por que você tem tanto medo? Eu não menti em nada do que eu disse, eu jamais irei magoá-la e eu pretendo amá-la todos os dias da minha vida!”.


 


But wise men never fall in love
Mas os homens sábios nunca se apaixonam
So how are they to know?
Então como eles podem saber?
 


Lily apenas suspirou.


“Isso me lembra uma canção que diz ‘Tolos aventuram-se aonde os sábios nunca vão, mas os sábios nunca se apaixonam, então como eles podem saber?’”, disse ela com pesar.


“O que isso quer dizer?”, perguntou James.


“Quer dizer que depois daquela poesia, da declaração sob o salgueiro, das palavras entalhadas no pessegueiro e do beijo sob o céu utópico a jovem ruiva se apaixonou por aquele que apenas a observava de longe”.


Foi uma história engraçada porque as cantadas de James Potter eram ridículas e os rebates de Lily eram mais ridículos ainda. Foi ridícula porque ela aceitou sair com ele porque Kwon pediu. Foi tosca porque apesar de tudo ela se recusava a acreditar nele. Foi meio trágica porque lágrimas vieram aos olhos dela quando ela pensou que todas as declarações tinham sido mentirosas. E foi romântica porque eles se beijaram sob um pessegueiro, sob o céu utópico de Novembro e foi o que selou o destino deles, que permaneceram entrelaçados até o fim dos tempos.


 


When we met I felt my life begin
Quando nos conhecemos eu senti minha vida começar
So open up your heart and let
Então abra seu coração e deixe
This fool rush in
Esse tolo se aventurar
Just open up your heart and let
Apenas abra seu coração e deixe
This fool rush in
Esse tolo se aventurar
Let open up your heart and let
Deixe abrir seu coração e deixe
This fool rush in
Esse tolo se aventurar
 


N/A: Foi a fic mais longa que eu já escrevi, eu acho. A música se chama Fools Rush In, do Bow Bow Wow. Espero sinceramente que gostem. Comentários e críticas são bem vindos! Beijão!

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