I
Novembro havia começado sem neve nesse ano, mas o frio que se fazia sentir naquela manhã, fazia Ginny ter a sensação de andar pela Antárctida.
Apesar de tudo ela estava bastante feliz... Feliz e nervosa, era a sua missão mais importante desde que entrara para a Ordem da Fénix. Apesar de ter tido um papel importante na maior parte das grandes batalhas contra Lord Voldemort da última década, toda a Ordem continuava com o complexo Ron Weasley, ou seja, Ginny era adulta, mas não deveria ser exposta aos perigos das missões a solo, deveria ir sempre a pequenas missões e acompanhada. Mas também podia ser o complexo Harry Potter, afinal ela era a namorada dele.
Harry Potter, por algum motivo as coisas não estavam tão bem como antigamente, nenhum dos dois conseguia dizer exactamente o que se passava, apenas o sentiam, e por isso mesmo decidiram dar um tempo, nada de especial, apenas para perceberem o que se passava, o que queriam e o que não queriam, coisas normais de casais... Ou então a certa pressão que o mundo fazia para os dois se casarem.
Apesar das poucas missões emocionantes que tinha, Ginny continuava a ser um membro bastante activo, já não passava os sábados na cama a tentar resistir ao aroma do pequeno almoço que a mãe cozinhava.
Ginny fazia o necessário para corrigir o mal que Voldemort provocara no mundo, ainda havia muitas pessoas traumatizadas, lançadas na pobreza, envolvidas em pesados processos judiciais. Isto sem contar com os inúmeros Devoradores da Morte que ainda se encontravam à solta, em pequenos grupos fazendo ataques terroristas em nome do seu antigo senhor, alguns meio loucos que dedicavam a vida ao roubo.
Ela lutava para voltar à velha rotina, queria todos a salvo e nunca mais queria saber de uma noticia que envolve-se Voldemort. Se Ginny pude-se voltar atrás no tempo, a primeira coisa que faria era encontrar o bastardo e mata-lo assim que os seus olhos lhe caíssem em cima.
A explosão de determinação fez Ginny saltar de volta à realidade e tomar atenção ao que estava à sua volta. Torceu o nariz ao reparar que estava a olhar para um jarro cheio de cabeças encolhidas e enrugadas.
Encontrava-se na rua Knockturn, a maior parte das lojas tinha vitrinas irregulares para produtos de origem igualmente irregular e de efeitos estranhos. O melhor local da Grã Bretanha para encontrar produtos fora do mercado.
Atrás de si, tocou uma campainha quando um homem alto e moreno entrou numa loja, mas precisamente na Borgin & Burkes. O nome dele era Arthur Quevedo, um traste de pessoa que milagrosamente tinha escapado a Azkaban e continuava a sua vida anterior tão arrogantemente, que se tornava incrível como tinha sido preso.
Ginny aproximou-se da vitrina da loja, que parecia não ser limpa há uns cinquenta anos, e colocou em uso um par das orelhas extensíveis que os gémeos tinham inventado há alguns anos. Encostou-se à parede ao lado da janela, puxou o capuz da capa para cima e tirou um papel que fingiu começar a ler, como se estivesse a rever uma lista de coisas que precisava antes de entrar na loja. Algo complicado de fazer visto que havia uma jarro cheio de olhos a observa-la de um canto da vitrina empoeirada que a incomodavam com o seu olhar fixo.
- Bom dia Mr. Quevedo, estou a ver que recebeu a coruja que lhe mandei ontem, lamento que tenha sido enviada numa hora tão tardia, espero não o ter incomodado. - Cumprimentou uma jovem loira, não muito mais velha que Ginny e que esta nunca havia visto lá.
- Bom dia Susy, não se preocupe com isso, afinal fui eu que pedi para ser avisado no momento em que a minha encomenda chegasse. Como está o seu avó? - Quevedo sorriu enquanto falava à empregada num tom bem-disposto e jovial, o que surpreendeu Ginny, pois sempre que o ouvira no tribunal, tinha ficado com a ideia de que ele era um bruto desmiolado.
- Oh! O meu avô está óptimo como sempre. - Sorriu enquanto se baixava atrás do balcão e remexia em alguma coisa que soava a um cofre. - Sabe como ele é, sempre jovem. - Colocou o embrulho em cima do balcão e Ginny espreitou pela vitrina para tentar ver o que era, mas Quevedo estava à frente, e Susy ocupada a observar uma moldura junto a um candeeiro.
Quevedo limitou-se a ignorar o que Susy estava a fazer e após o resfolhar de uma papel e o click de uma caixa a abrir, o ex-Devorador da Morte ergueu um relógio de bolso prateado pela corrente até ao nível dos olhos.
Ginny mal conseguiu suprimir um pequeno grito de alegria, era aquilo que ela vinha buscar, um objecto que os rumores diziam ter o poder de trazer os mortos de volta, fazendo o tempo moldar-se aos desejos de quem o possui-se. O instrumento que traria Lord Voldemort de volta dizia-se.
Com um pequeno sorriso de vitória mal contida, voltou a atenção ao seu papel, ninguém sabia exactamente como era o objecto, alguns diziam que seria um caldeirão ou um armário, algo pesado que pudesse conter um corpo. Mas no fim era apenas um relógio, um pequeno objecto que Ginny poderia colocar facilmente no bolso.
- Quevedo! Bem me parecia ter ouvido a sua voz, como está? Bem como sempre não é? - O homem deu uma gargalhada. - Vejo que finalmente conseguiu o relógio do velho Slytherin.
Ginny não se lembrava daquele Mr. Borgin, devia ter cerca de 90 anos, e apoiava-se numa bengala. Assim, o Mr. Borgin que ela conhecia deveria de ser o seu filho e a Susy a neta, ou talvez uma empregada...
- Sim finalmente, pensei que fosse uma lenda, ou que se tivesse perdido pelos séculos, foi definitivamente uma sorte tê-lo encontrado, e ainda por cima em tão bom estado. Ouvi dizer que era indestrutível. - Os dois homens riram.
- Avô, quem são estes dois na fotografia? - Mistério resolvido sobre a identidade dela pensou Ginny.
Houve um momento de silêncio antes de mr. Borgin falar.
- Onde estava isto? - Parecia surpreendido. - Não via esta fotografia há alguns anos... Costumava estar em cima da lareira, a minha mulher fixou-a lá com um feitiço. - Suspirou. - O quem-nós-sabemos tirou-a numa das poucas visitas que fez à minha loja depois de ter deixado de trabalhar aqui. Este é ele, e ela trabalhou cá durante uns dois meses e meio antes de desaparecer, não me lembro do nome dela... mas essa noite foi muito estranha, ele estava muito doente e ela desapareceu sem se preocupar com o ordenado ou com a roupa... lavada em lagrimas digo-vos. Nunca mais a vimos.
- Parecem apaixonados. - Disse Susy.
- Mais alcoolizados... - Comentou Quevedo inclinando-se mais para a frente tampando completamente a visibilidade de Ginny.
Quevedo deu uma gargalhada e colocou um saco cheio de dinheiro no balcão. - Adorava ficar aqui a ver as memórias do meu senhor mas tenho outras ocupações que me puxam para outro lugar.
Girando quase dramaticamente sobre si próprio começou a dirigir-se à porta. Ginny mal teve tempo de tirar a orelha do vidro e guarda tudo dentro da capa antes de se atirar contra Quevedo, que acabava de sair com o relógio na mão.
Milagrosamente conseguiu tirar-lho da mão, a corrente enrrolando-se à volta do seu pulso, no entanto Quevedo desviou-se num reflexo e Ginny caiu para dentro da loja.
Bateu contra a porta entre-aberta com mais força do que desejara, e a gravidade completou o resto da acção atraindo-a como uma pedra para o soalho de madeira acizentada. Um breve crack indicou que o relógio tinha cedido sobre o seu peso e que este estava provavelmente totalmente quebrado e irreparável.
Atordoada, Ginny conseguiu sentar-se no chão, puxou o capuz para cima tentando esconder as faces vermelhas de vergonha por uma queda tão desastrada. Recolheu todas as peças do relógio, enquanto a sua mente ria da suposta indestrutibilidade que havia sido referida.
Num movimento ágil levantou-se e virou-se para a porta, e o que viu paralisou-a: uma grossa camada de neve intocada espalhava-se por todo o lado e formava um angulo recto onde tinha caído contra a porta. Ginny podia ter ficado todo o tempo do mundo a olhar para aquilo, a tentar perceber o porque da rua gelada ter dois palmos de neve em cima, mas sentiu uma presença atrás de si e olhou por cima do ombro nessa direcção.
Mr. Borgin e Suzy tinham desaparecido de trás do balcão, e dois metros de si estava uma figura de lhe fazer parar o coração. Como se não basta-se a neve, o seu pior pesadelo desde o primeiro ano olhava para ela de sobrancelhas franzidas, tão integrado como Ginny estivera momentos atrás.
Tom Riddle.
Estava mais alto e mais velho que no diário, deveria ter vinte e poucos anos, as suas feições estavam mais definidas e os olhos mais frios. Ginny sentiu os cabelos na nuca levantarem quando um arrepio lhe subiu a coluna, colocou o relógio no bolso e apertou-o até o vidro partido a magoar.
Ginny sentiu que a sua vida acabara de ser reduzida vários anos, drasticamente reduzida.
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