UM



CAPÍTULO 1


 


 


— Emergência.


— Alô? É da Emergência? — Por favor, não pensem que eu sou burra, sei que a mulher disse Emergência. Mas quero confirmar. Ter certeza. Se vocês tivessem na minha situação iam querer confirmar também.


— Sim, é da Emergência. Em que posso ajudar?


— Eu estou com um problema.


— Que tipo de problema?


— Estou com um preservativo... entalado.


— Entalado aonde? — pergunta a mulher gentilmente.


Eu me enfureço do outro lado da linha. Quem está sendo burra agora?


— Na minha... minha... — digo eu, procurando em vão o termo médico apropriado — ... xoxota.


—  Vagina? — pergunta ela.


Eu me arrepio com o uso óbvio da palavra.


—  Isso mesmo.


—  Por favor, espere um instante — diz ela abruptamente.


Por favor, espere? POR FAVOR, ESPERE? Esse é o problema, ESPERAR. A questão não é esperar, e sim soltar.


Na verdade, preciso explicar uma coisa. Eu não estou com um preservativo entalado. É óbvio que não. De forma alguma. Se esti­vesse, eu saberia.


Então, por que estou telefonando para a Emergência? Bem, eu disse uma parte da verdade. É que não sou eu. É Ginny, a minha melhor amiga, que, neste exato momento, está sentada no sofá à minha frente, chorando no meu rolo de papel toalha.


— Eu estou esperando! — digo claramente ao telefone.


Achei que devia dizer a Ginny que, se ela tentasse relaxar um pouco, talvez o preservativo se soltasse, mas acabei ficando calada. Vocês devem estar se dizendo que, aos vinte e cinco anos de idade, eu não deveria mais estar fazendo tanto drama, então comecei a falar de amenidades. Não me interpretem mal, mesmo porque eu não me importo, é que eu só estava esperando uma coisa diferente. Pelo menos é a desculpa para comer biscoitos recheados de marmelada às nove da manhã (eu) e tomar uma dose de brandy (Ginny).


Ginny estava desesperada quando apareceu na minha casa hoje pela manhã. Eu achei um horror o que aconteceu, mas, pensando bem, não é uma coisa tão terrível assim e certamente ela não vai ano­tar na sua agenda de "Dias Especiais". O pobre Victor, meu namorado extraordinário, foi enxotado do apartamento com tanta pressa que acabou levando a colher com que estava comendo o cereal.


Não vou entrar em detalhes impressionantes porque vocês de­vem estar imaginando o que ocorreu com Ginny. Draco, o rapaz que ela namora há seis meses, mandou-se para o trabalho alegando que tinha uma reunião importante e deixou o abacaxi para eu descascar. Não tive coragem de fazer a própria Ginny telefonar para a Emergência e também não me dei ao trabalho de explicar que o pro­blema era da minha amiga porque eles não iriam acreditar mesmo.


Ginny e eu somos amigas desde os treze anos de idade e crescemos juntas na Cornualha. Duas amigas não poderiam ter histórias de vida mais contrastantes. A família de Ginny é cheia de frescura, com louça fina servida na mesa. Bem diferente da minha família boêmia, cujos pratos não combinam uns com os outros e os cachorros comem os restos de comida neles. Nós amamos as famílias uma da outra, provavelmente pelas diferenças. Eu adorava o aconchego da casa dela. E ela adorava a bagunça da minha casa – ficávamos sen­tadas nos degraus da escada comendo maçã e ouvindo a gritaria do meu pessoal (tenho três irmãos e uma irmã) entre uma briga e outra. Eu levantava os olhos para o céu, mas ela observava avidamente tudo que acontecia encantada com aquela balbúrdia.


Seria muito mais fácil se o problema do preservativo fosse meu e não de Ginny, pois já estou acostumada com situações de crise. Quer dizer, quantas famílias vocês conhecem que têm o número de telefone do hospital local gravado na discagem automática do telefone?


No nosso telefone ela ocupa o número seis, logo depois da tia Pegs e antes da primeira mulher do meu pai, Katherine. Ela e meu pai ainda se falam. Katherine e minha mãe são boas amigas e todo ano eu lhe mando um cartão de Natal. Meu Deus! Todo mundo me diz que isso é uma coisa maluca.


A recepcionista da Emergência volta ao telefone. Espero sinceramente que ela tenha falado com um bom profissional experiente em retirar preservativos, em vez de entrar na sala dos médicos gritando: “Ouçam essa! Eu tenho uma boa pra contar pra vocês."


—  Alô? — diz ela.


—  Alô! — respondo, da forma mais despreocupada possível.


—  Eu falei com uma das enfermeiras...


—  Sim...? — eu digo, imitando instintivamente o irritante hábito de telefonista de subir uma oitava durante a frase.


— Ela disse que você deve vir imediatamente para cá para tirarem o preservativo.


— Muito obrigada. Eu já estou indo. — Desligo agradecida. Pelo menos, eles não resolveram explicar por telefone a técnica usada para retirar preservativo. Fiquei imaginando como Ginny e eu iríamos nos virar. 


 Ginny me olha com ar intrigado.


— Vamos ter de ir lá, Ginny.


Ela afunda o rosto nas mãos e desanda a chorar. Faço uma festinha nas suas costas e pergunto: — Ginny, você está bem? Não quer ir lá?


Está bem, que pergunta boba, mas é preciso começar por algum ponto e não estamos com cara de quem vai para a Emergência.


— Eu... eu... pode ser que eu encontre alguém lá. — Seus ombros ficam rígidos com o esforço para dizer essas palavras.


— Ah, Gin. Assim é que se fala! Nada como um namorado novo para a gente esquecer o antigo! — Eu me levanto e pego a bolsa.


Ginny para de chorar e fica olhando para mim. Eu me sento de novo.


— Oh, você está se referindo a encontrar alguém conhecido?


Mordo a bochecha, dou um riso forçado e fico olhando para os meus sapatos.


— Se a minha mãe descobrir, nunca vai me perdoar.


Olho para cima.


—  Como ela poderá descobrir? Sua mãe mora na Cornualha, meu Deus!


—  E se alguém nos vir e contar para ela?


—  Quem, por exemplo?


 Ginny me olha com raiva. Suspiro: — Oh!


Quando freqüentávamos uma escola na Cornualha, tínhamos uma colega chamada Lilá, que agora mora aqui em Bristol e infe­lizmente vive se vangloriando de trabalhar como voluntária no hospi­tal. Ela finge ser muito cristã e tem um monte de símbolos de peixes por todo lado, mas na verdade é uma das pessoas mais horríveis que já conheci. Quando Ginny e eu estávamos no colégio, o seu único obje­tivo era nos envolver em alguma encrenca, o que quase sempre conse­guia. Se alguém fosse contar o pequeno incidente para a mãe de Ginny, esse alguém seria a Lilá Falsa Santa. E com que prazer ela contaria!


—  Vou registrar você com o meu nome. Meus pais provavelmen­te nunca saberão disso. — E nem se importariam se soubessem. Minha mãe, sem dúvida, daria outra interpretação à história; e, se meus irmãos descobrissem, piscariam o olho quando passassem por mim no corredor e diriam: "Então, hein?". Meu pai? Meu pai não tiraria os olhos do jornal.


—  Draco vai avisar no trabalho que você teve de ir para o hos­pital, caso você não apareça?


 Ginny trabalha com Draco. Aliás, ele é mais ou menos o seu chefe. Ela faz que sim com um gesto de cabeça e um ar muito infeliz.


—  Você se importa se eu der uma parada no jornal quando a gente for para o hospital? — pergunto. — É caminho, e preciso dizer a eles onde estou. Talvez a gente fique horas na Emergência.


—  Você não vai contar nada para eles, vai?


—  Ginny, apesar de eu ser repórter, sou uma pessoa muito discreta.


 


Ajudo Ginny a sair do apartamento, segurando-a pelo cotovelo. Ela está andando mal, com as pernas meio abertas. De repente paramos.


— Lá vamos nós! — eu grito, mostrando a direção do hospital para que ela não fique com medo de novo. Quando me viro ela esta me olhando com raiva.


— O que foi?


— Eu não estou doente nem grávida! Por favor, largue meu braço! — Eu largo o braço de Ginny e vamos andando devagar até o carro, olhando a toda hora para trás na esperança de ver o preservativo caído na calçada. Mas não temos sorte. Tudo bem! Eu até que gosto de ir a Emergência. É a minha veia dramática.


Ginny tem dificuldade de entrar no meu carro, mas todo mundo tem porque ele é muito apertado. Só há duas formas de entrar e sair de um MG esporte: da forma elegante ou do meu modo. A forma elegante é a que se vê nos filmes ou na televisão quando as pessoas chegam para a festa do Oscar. Para entrar, elas põem primeiro o traseiro no banco e depois giram as pernas para dentro. Para sair, as pernas vão primeiro e o traseiro por último. Do meu modo, o traseiro nunca vai em primeiro lugar; fica tomando frio do lado de fora enquanto as pernas se enfiam no carro, e só depois ele entra. Para sair, eu praticamente me atiro na calçada.


O nome do meu carro é Tristão. Sei que é uma bobagem dar nome a objetos inanimados; em geral não faço isso, mas meu carro tem tanto caráter e tanta suscetibilidade que despersonalizá-lo pode ser mais uma maldade com a natureza já bastante efêmera.


Tento pedir a Alah dessa vez para que Tristão não me deixe mão (Deus não foi muito benevolente da última vez). Prendo a respiração quando ligo o motor e respiro aliviada quando ouço seu ruído. Mas relaxar completamente esta fora de questão, pois Tristão pode parar a qualquer momento sem precisar de qualquer razão. Já passei muitas noites felizes no acostamento duro da estrada que vai para a Cornualha, esperando aparecer o caminhão do socorro. Como sou mulher e estou sempre sozinha, tenho prioridade quando chamo a polícia. Já conheço os rapazes daquela área e todos eles trapaceiam incrivelmente quando jogam comigo. Acho que vou sentir falta deles se (a) o Tristão começar a se comportar bem ou se (b) for substituído por um Volvo confiável chamado Brian.


Ginny percebe meu olhar aflito e tenta entrar. Põe o pé com firmeza ao lado do carona e se segura. Eu me animo diante de uma situação de “emergência”, e finalmente tenho uma desculpa para botar o pé na tábua e voar. Sacolejamos ao passar pelas lambadas, viramos para o lado errado nos balões da rua e a toda hora manobramos, sinalizamos e olhamos pelo espelho.


 Depois de dez minutos e vários incidentes na rua, dou uma para­da espetacular na frente do jornal, digo a Ginny que não vou demo­rar e entro pela porta do Bristol Gazette. Sigo pelo corredor ladeado de plantas até o elevador e cumprimento alegremente um dos seguranças (que eu acho que ficam ali por motivos estéticos, pois nunca vi nenhum deles precisar agir).


 O elevador pára no terceiro andar e eu viro à esquerda para che­gar ao escritório do editor. Bato na porta e ouço uma voz gritar: "ENTRE." Joseph Heesman está na sua posição habitual quando eu entro. Pés em cima da mesa (estereótipo do editor, mas mesmo assim verda­deiro), falando ao telefone e fumando provavelmente seu décimo cigarro do dia. A gravata escandalosa está virada para o lado, ten­tando obviamente concorrer com a camisa turquesa espalhafatosa. Heesman é um homem gigantesco e ninguém discute com ele. Ja­mais. Sua jovialidade pode transformar-se em furacão diante da sim­ples frase: "Mas eu achei que..."


Ele desliga o telefone.


— Hermione, você pretende tomar muito o meu tempo? Temos uns problemas hoje.


— Uma amiga minha precisa ir ao hospital para... para... por uma certa razão, e eu tenho de ir com ela.


Ele tira o cigarro da boca e atravessa-o por cima de uma xícara de café. Franze os olhos, desconfiado, e solta um halo de fumaça.


—  Qual é o problema dela?


—  Problema dela?


—  É, qual é o problema dela?


—  Problema dela?


—  Hermione! Pare de repetir a mesma coisa como se fosse um papagaio demente e conte o que aconteceu com a sua amiga. Certamente ela está indo ao hospital porque tem um problema, não é?


—  É claro que ela tem um problema — eu digo, com voz tensa, percebendo sem graça a situação absolutamente constrangedora. Eu devia ter ficado mais tempo no elevador pensando no que iria falar ali.


—  Não é de você que nós estamos falando, é? Será que existe realmente "uma amiga"?


Estão vendo? Ninguém entra nessa história de amiga.


— Existe sim! Ela se chama Ginny e está esperando no carro! — digo indignada.


— Então, qual é o problema dela?


— É coisa de mulher — respondo de forma evasiva. Isso deve explicar tudo.


Felizmente, a pura menção de problemas ginecológicos, Joe muda drasticamente de atitude. Faz um sinal pra eu sair, como se estivesse travando uma batalha perdida.


— Tente não demorar muito — diz ele resignado.


— Obrigada, Joe!


Vou saindo, mas quando coloco a mão na maçaneta ele me faz uma pergunta.


— Você disse que está indo para o hospital?


Eu pisco, nervosa. Será que ele esta tentando descobrir alguma coisa?


— Vou para hospital, sim.


Joe começa a mexer freneticamente em uma pilha de papéis a sua frente.


— Você pode fazer uma matéria enquanto estiver no hospital.


— O que? — pergunto interessada, voltando para a mesa dele.


— Um suspeito de fraude tentou fugir e acabou envolvido em um acidente de carro. A polícia está no hospital esperando o homem ser medicado.


— Não seria melhor o Pete ir? — Pete, o presunçoso, é o repórter policial do jornal, portanto é a área dele.


— Pete está fazendo outra matéria.


— Tudo bem, então! — eu digo, animada. O cargo de repórter policial não é muito cobiçado, pois o nosso relacionamento com a polícia é longe de ser ideal; e a minha posição de pouca relevância na equipe, em razão da minha idade, raramente me dá oportunidade de fazer uma matéria interessante. Pego um caderno de anotações e o resumo do caso e vou depressa me encontrar com Tristão e Ginny antes que Joe mude de idéia. Qualquer mudança é bem-vinda, considerando as matérias que faço atualmente.


 


 


— Vou ter de fazer uma matéria — digo para Ginny um instante depois, enquanto enfio as pernas no carro.


— O que?


—  Uma matéria no hospital. Joe quer que eu trabalhe nisso enquanto estiver lá. — Puxo o cinto de segurança e ao mesmo tempo ligo o carro.


—  Hermione! Eu achei que você ia ficar lá comigo!


—  Eu vou ficar com você. É só uma pequena matéria que terei de fazer.


Saímos de novo e seguimos a toda velocidade pelas ruas. Chegamos cedo demais ao nosso destino e avistamos uma vaga perto de um BMW. Resistindo à tentação de dar uma virada brusca e puxar o freio de mão, estaciono paralelo ao BMW (sou craque em estacionamento paralelo).


—  Puxa! — digo, sem ar. — Foi divertido, não é?


—  Você devia ter me deixado de cabeça para baixo, pendurada pelos tornozelos — diz Ginny, apavorada.


—  Eu precisava trazer você depressa para cá, Ginny! Você podia morrer de Síndrome de Choque Tóxico, ou coisa parecida! — digo, soltando o cinto que aperta meus ossos.


— Ou então morrer de choque comum — diz ela, saindo do carro.
Entro no prédio e vou até a recepção, com Ginny mancando atrás de mim. Ficamos na fila atrás de um menininho levado enquanto a mãe explica que ele engoliu um dinossauro de plástico. Aparen­temente é a terceira vez na semana que isso acontece. Um estegossauro, depois um raptor e finalmente um tiranossauro. Ginny e eu esperamos enquanto a recepcionista escreve com cuidado tudo isso.


Ginny olha em volta, aflita, com medo de estar sendo espionada por Lilá Falsa Santa, e eu observo a sala de Emergência enquanto a palavra tiranossauro é soletrada. A Emergência não mudou muito desde que estivera lá há algum tempo. Foram duas vezes. Da última porque dei uma pancada no rosto com uma raquete de tênis e preci­sei levar seis pontos na sobrancelha. Como eu sangrava muito, pas­sei na frente de todos que estavam na fila.


Como recompensa, o médico que cuidou de mim era simples­mente maravilhoso, uma versão real de George Clooney. Aquele ho­mem moreno e vibrante quase fez com que eu me esquecesse por que estava ali. O sangue no rosto não deixava que eu usasse meu charme natural, então tentei mostrar os pés, que são a minha segunda parte melhor do corpo (segundo me dizem). Mas creio que ele não notou os meus pés, pois quando perguntei se precisava tirar as sandálias, ele disse que não era necessário. Eu me lembro que seu nome era Dr. Black. Acho esse nome absolutamente magnífico, e fiquei imaginando ser a Sra. Black (embora isso esteja totalmente fora de cogitação, pois sou apaixonada por Victor e pretendo continuar assim).


Finalmente o menino é levado lá para dentro, com a cabeça amparada pela mãe, e Ginny e eu chegamos à mesa da recepção.


— Alô! — digo toda animada para a recepcionista.


— Em que posso ajudar?


— Bom, telefonei antes e me disseram pra vir pra cá. Estou com um problema um pouco delicado.


A recepcionista levanta as sobrancelhas com ar surpreso e aperta os lábios pintados de batom rosa, depois pega um formulário e me pede para preenchê-lo. Preencho o formulário e Ginny e eu vamos nos sentar na sala de espera.


Dou uma palmadinha no joelho de Ginny, que me olha com ar tenso.


— Está vendo? Foi fácil.


— Quando for chamada você entra comigo?


Dou uma olhada rápida e vejo dois sujeitos com cara de policiais conversando animadamente em um canto; talvez sejam os policiais ligados ao caso da fraude.


— Bom, eu tenho de fazer aquela matéria — respondo, olhando para eles.


— Por favor — Ginny pede, voltando os olhos pra mim.


Dou um suspiro.


— Tudo bem. Mas aqueles homens ali têm cara de ser policiais; eu vou só fazer umas perguntas a eles enquanto esperamos e volto logo. Além do mais, o menino do dinossauro deve levar pelo menos uns dez minutos lá dentro. — E com isso vou depressa falar com os meus suspeitos.


— Olá! — digo para os dois homens. Ambos estão de camisa e gravata, com mangas arregaçadas, mas sem paletó. O que está a minha frente dá um sorriso; é um rapaz bonitão, de cabelo claro e grosso. O outro vira-se pra mim e me olha desconfiado, com os olhos mais verdes que eu já vi na vida. É um homem muito atraente, com um belo físico.


 Sou apanhada de surpresa.


—  Olá. — diz ele de repente.


—  Ah...


—  Deseja alguma coisa?


—  Vocês são policiais?


—  Você quer registrar alguma queixa? — ele me pergunta com ar ligeiramente irônico.


Fico tentada a olhar as anotações que trouxe, mas vou em frente.


—  Ao que parece, um dos suspeitos do caso Stacey sofreu um acidente de carro, não é?


—  Verdade? De que jornal você é?


—  Do Bristol Gazette.


—  E o que quer saber?


—  Qualquer coisa que vocês possam me dizer.


—  É melhor você conversar com o nosso departamento de Relações Públicas. Estão preparando um release para a imprensa.


—  O suspeito foi gravemente ferido? Ele quase foi preso por vocês? Acusado de quê? Vocês prenderam alguma outra pessoa liga­da ao caso? Ou...


—  Qual é o seu nome? — ele interrompe. Começo a desejar que as maneiras do Sr. Olhos Verdes se igualem ao seu aspecto.


—  Hermione Granger.


—  Bom, Hermione Granger — diz ele, com ar sério —, por mais persistente que você seja, terá de esperar o release da imprensa. — E, segurando o meu cotovelo, me leva até a recepção.


—  Você não pode fazer isso! — protesto, quando ele atravessa co­migo a sala de espera. Ginny observa horrorizada. Ele não responde.


—  Por favor, não atenda mais essa mocinha — diz ele para a recepcionista.


A mulher olha para mim. — Mas ela está aqui para ser tratada.


—  É, eu estou aqui para ser tratada — repito, indignada.


—  Verdade? — Ele solta o meu cotovelo e me olha de alto a baixo. — E qual é exatamente o problema dela? Ela me parece bas­tante saudável.


Droga. A recepcionista e eu hesitamos.


—  Então?


—  É... um problema pessoal.


— Grande coincidência, não é? Vir ser atendida aqui quando um dos suspeitos da matéria que você precisa fazer também está sendo atendido no hospital!


— Bom, sinto muito pela coincidência — digo, no tom mais sarcástico possível.


— Hermione? — diz uma voz atrás de mim. É Ginny. — Eles estão chamando você — ela fala num tom ácido. Com os olhos arregalados e os dentes presos, faz um sinal com a cabeça.


— Com licença, senhor, mas chegou a minha vez de ser atendida. — Ajeito o corpo, levanto a cabeça e saio marchando na direção de Ginny.


— Àqueles idiotas asquerosos! — vou dizendo para Ginny enquanto seguimos a enfermeira pelos corredores.


—  O quê, Hermione?


—  Mal educados, repulsivos, horríveis...


—  Hermione?


—  Covardes, corruptos, detestáveis...


—  HERMIONE!


Eu dou um pulo. — O quê?


—  Será que pode se concentrar em mim um segundo?


—  É claro que sim, Ginny — respondo, fazendo um carinho no braço dela. — Afinal de contas, estamos aqui por sua causa. Ele estava praticamente acusando aquela pobre senhora de...


—  HERMIONE! PARE COM ISSO!


—  Certo. Desculpe. Eu estou cem por cento aqui com você.


A enfermeira pára junto de uma cama, puxa uma cortina à nossa volta e diz que o médico chegará logo. Esperamos uns segundos e fico falando furiosa comigo mesma.


Finalmente eu digo: — Ginny, você se importa se eu der uma olhada para ver se consigo encontrar o sujeito que foi acidentado? Ele deve estar por aqui e não posso aceitar a idéia daquele sujeito nojento lá fora passar por cima de mim. Volto daqui a um instante...


Ginny faz um sinal impaciente para mim e eu vou atravessando a enfermaria.


Passo pelas camas, imaginando como vou conseguir encontrar o suspeito se nem ao menos sei o nome dele (não estava escrito nas minhas notas) nem o tipo de acidente que sofreu. Paro quando percebo uma pessoa em um canto distante.


É um policial inglês antiquado, de uniforme preto e branco, com uma expressão muito mais amistosa que seu colega à paisana. Ele está sentado ao lado de uma cama escondida pela cortina, tomando um gole de chá. Refreio a tentação de correr até lá toda alegre, pois ele pode se alarmar, e vou andando a passos lentos.


Dez minutos depois tenho todas as informações necessárias para fazer uma excelente matéria. Mas interrompo meu papo com o poli­cial Woods quando vejo seu colega de olhos verdes vindo na minha direção; ele parece também ter me visto. Escapulo por uma porta atrás de mim, resistindo à vontade de fazer um sinal de vitória para o policial, e com um sorriso que não consigo apagar do rosto vou até a divisória onde está Ginny.


—  Ginny? — chamo do outro lado da cortina. — Posso entrar?


—  Pode, Hermione.


Enfio a cabeça pela cortina e vejo Ginny sentada na beira da cama, olhando desanimada para frente. — O médico já veio?


— Ainda não.


Antes que eu possa falar sobre a minha matéria, a cortina é puxada para um lado e uma enfermeira pergunta:


—  Qual de vocês é Hermione Granger?


—  Sou eu — digo automaticamente, antes de pensar.


Ela aponta para mim e diz para uma figura que se aproxima:


— É ela a paciente. — E o maravilhoso Dr. Black aparece à nossa frente.


Eu nunca fiquei tão constrangida em toda a minha vida. Nunca. As cicatrizes emocionais desse momento ficarão comigo por um longo tempo. Provavelmente não poderei fazer sexo de novo sem passar pelo menos um ano em terapia.


 O Dr. Black continua lindíssimo. Sei que falei que sou apaixonada por Victor, e sou mesmo, mas isso não me impede de admirar outras pessoas e, pior ainda, querer lhes causar uma boa impressão. Mas acho que seria justo dizer que essa boa impressão nunca será passada para o Dr. Black. A primeira coisa que ele disse foi:


— Você já esteve aqui antes, não é? Estou reconhecendo o seu nome.


Droga. A enfermeira me olhava com um ar estranho, como se eu estivesse a toda hora com preservativos presos no corpo.


Fiquei roxa e não fui capaz de dizer uma só palavra. Infelizmente não era ele que estava sem graça.


— Não precisa ficar constrangida. Tire a calcinha e suba na cama.


Aaaahhhh! Eu queria morrer! Como estava arrasada! E o que a minha amiga fazia no meio disso tudo? Uma boa pergunta. Ela também, aparentemente, ficara sem fala diante da beleza dele e não conseguira tomar as rédeas da situação. A que ponto as coisas poderiam ter chegado se ela tivesse continuado muda.


Aquela altura eu ainda não havia dito uma só palavra (nem feito charme). Olhei para Ginny com tanta raiva que achei que seu cabelo ia pegar fogo. É justo dizer que a nossa amizade balançou durante uns segundos. Ela sabia exatamente o que eu queria dizer, esse era o problema. Com os olhos apertados, minha vontade não era dizer: “Você pode me dar à mão para eu subir na cama?”, era gritar: “ ASSUMA A  SITUAÇÃO AGORA!!!”


Foi aí que a coisa piorou mesmo. Seguiu-se uma pequena animosidade entre mim e a enfermeira. Ela tentava me fazer subir na cama, dizendo: “Vamos, vamos, vamos, o médico não pode ficar esperando o dia inteiro”, quando eu finalmente recobrei a voz. Com o rosto ainda ardendo gritei:


— GINNY, DIGA PARA ELES AGORA. — Nesse momento Ginny recobrou também a consciência e disse que era ela que estava com problema e não eu. Afundei na cadeira ao lado da cama, absolutamente exausta. Não é todo dia que a gente tem uma enfermeira eficiente tentando tirar a sua calcinha.


Primeiro fomos repreendidas pela enfermeira por termos feito uma brincadeira de mau gosto e desperdiçado o tempo do hospital. Depois ela passou a um estado de fúria, devida exclusivamente a mim e a Ginny. O querido Dr. Black ficou alvoroçado; provavelmente ele não via tanta confusão assim desde a última vez em que eu estivera lá, e tenho certeza de que vou ser "o assunto" na equipe do hospital por algum tempo. Dá quase para ouvir os comentários. As historias começam assim: "E você se lembra da vez em que..." E uma gargalhada geral.


A toda hora ele acariciava o braço de Ginny, que chorava, e dizia:


— Não é tão ruim assim.


Tive vontade de gritar: "É muito ruim sim, senhor doutor. E não acaricie o braço dela, ela não merece um carinho."


Mas teria sido uma coisa pouco caridosa. Por que eu estava com medo que o Dr. Black me achasse pouco caridosa depois de tudo que ele havia acabado de presenciar, nunca vou ficar sabendo.


Desculpem, mas não quero falar mais sobre isso. São onze horas da manhã, e eu já bati de frente com um policial à paisana e fui apalpa­da por uma enfermeira que achava que eu estava guardando um preservativo no corpo de propósito.


Que se danem os biscoitos recheados de marmelada. Eu quero mesmo é tomar um brandy.


 


N/A: FIC NOVAAA!!! Muito bom, fico muito feliz! E recomendo que todos leiam o Aviso antes, porque gosto das coisas bem certinhas! E deixem comentários, que assim o capítulo 2 chega bem rápido!


 


Beijos!

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.