A Memória Esquecida



—Capítulo 7—


A Memória Esquecida


 


      


As batidas ecoaram em seus ouvidos por um longo tempo, antes de serem envoltas por aquele silêncio modorrento. Pedro seguia olhando para frente, o corpo tenso, como se estivesse se preparando para um ataque.


Mas nada aconteceu. Os dois trocaram um breve olhar ansioso e um tanto frustrado.


—Acho que não tem ninguém em casa. —Disse Sophia, dando um sorriso fraco.


—Acho que tem razã...


Mas antes que pudesse completar a frase, seu olhar foi atraído para frente mais uma vez. O enorme puxador de ouro franziu a testa brevemente na direção deles antes de bocejar longamente, piscando seus grandes olhos demoradamente.


—Que surpresas...há temos não recebo visitantes...o que querem aqui? —Perguntou numa voz profunda e solene.


—Queremos entrar. —Disse Pedro, com uma voz decidida.


—Ah, pois não. Sintam-se a vontade. —Disse a esfinge, com um ar tranqüilo, mas com um fundo de malícia. Ouviu-se um estalo alto do lado de dentro e a porta abriu-se com um rangido alto.


Pedro olhou para o lado de dentro com a testa ligeiramente franzida, antes de olhar para Sophia. A garota parecia tão confusa quanto ele, mas meramente deu de ombros e murmurou algo “vamos aproveitar a sorte”, antes de indicar o lado de dentro com a cabeça.


Pedro concordou com um leve meneio da cabeça e virou-se na direção da entrada. Mal tinha dado um passo quando a voz da esfinge voltou a soar.


—Porém... —E, com um novo estalo, a porta fechou-se violentamente, espalhando uma pancada alta e seca que fez as árvores balançarem de leve. —terão que fazer por onde merecer.


—Estava fácil de mais para ser verdade. —Murmurou Pedro, dando um passo para trás, os cabelos bagunçados pelo vento.


A esfinge sorriu satisfeita e deu um novo bocejo, deixando bem à mostra suas enormes presas. Voltou a olhar para eles, com um olhar inteligente, antes de voltar a falar.


—Lhes dou duas opções, nobres viajantes. Podem partir em paz e desistirem do intento...ou responderem meu enigma e seguirem sem tormento. Se decidem por responder, acerta ou teu destino é ser devorado.


As ultimas palavras planaram no ar, como uma ameaça palpável. Os dois seguiram fitando a esfinge com atenção. Por fim, quando sentiu-se incomodado em olhar nos olhos de ferro da esfinge, Pedro pigarreou e de um passo para trás. Segurou o cotovelo da prima e puxou-a mais para trás também.


—Ok...agora a coisa fica complicada. —Umedeceu os lábios, olhando por cima do ombro para a esfinge, que parecia divertir-se em ver uma borboleta passar diante de seus olhos. —Eu não sei qual vai ser a pergunta e, conhecendo as esfinges, ela não está de brincadeira. Então, se você preferir voltar para o hotel eu...


—Corta essa, Pedro. —Sophia revirou os olhos, balançando a cabeça negativamente. —Eu já provei que sou útil e que você precisa de mim!


—A questão não é essa. A questão é...


—Eu já tomei minha decisão, Pedro. —Disse Sophia, com veemência. —Eu não tenho medo.


Pedro encarou a prima por um instante, ainda um tanto contrariado. Não queria colocar-la em risco. Sabia que já havia sido um risco enorme levar-la até ali – o que havia acontecido na floresta era prova disso. Mas o olhar decidido da prima mostrava que ela não iria recuar. Deixou um suspiro demorado escapar por entre os lábios, murmurando um “tudo bem”, antes de voltar-se mais uma vez para a esfinge.


—Nós iremos responder. —Disse Pedro, com convicção.


O sorriso maldoso da esfinge não foi nem um pouco animador. Seus dentes pontiagudos formavam um ângulo ameaçador. O rosto metálico encarou os dois demoradamente antes de falar, num tom despreocupado.


—Muito bem. Se essa é vossa escolha. —E logo seu sorriso deu lugar à uma expressão compenetrada. —Mas lembrem-se do que acontece se errarem.


Os dois balançaram a cabeça positivamente, decididos. A Esfinge pigarreou e seu ar solene ganhou um ar de mistério. Seus olhos pareciam brilhar ainda mais intensamente do que antes quando ele voltou a falar.


“Uma mulher vai visitar suas três filhas e levar-las algumas maçãs. Para a mais velha, ela dá metade das maçãs e mais meia maçã. Para a do meio ela dá metade das maçãs restantes e mais meia maçã. Por fim, para a ultima, a mãe dá  metade das maçãs restantes e mais meia maçã. Por fim, não restou mais nenhuma maçã no cesto”.


—O enigma é: quantas maçãs ela tinha no cesto inicialmente?


Os dois trocaram um olhar meio doloroso, antes de voltar a esfinge. O puxador parecia  satisfeito e seu olhar parecia o de uma fera que encontrou seu almoço. Pedro deu um passo para trás, sendo acompanhado por Sophia, que já parecia pensar no enigma.


—Um enigma matemático. —Murmurou Pedro, mordendo nervosamente a ponta do polegar. —Devia ter prestado mais atenção na escola trouxa!


—Tarde de mais para se lamentar priminho. —Disse Sophia, andando de um lado para o outro, o olhar fixo no chão.


Pedro olhou para a prima e concordou meio resignado. Abaixou a cabeça e deixou a mente vagar lentamente por entre números e inúmeros raciocínios, tentando encontrar um que fizesse sentido.


A Esfinge não parecia ter pressa em obter a resposta. Se eles acertassem, os deixaria passar e voltaria ao seu sono de antes. Se eles errassem ou desistissem, bem...ela estava mesmo com fome. As vezes sorria maldosamente, olhando e um para o outro, pensando nas mais diversas formas de saborear-los.


Pedro e Sophia trocavam constantes olhares nervosos, antes de voltar seus pensamentos ao problema em questão. Vez ou outra um parava e olhava para o outro com um brilho de compreensão no olhar, mas que logo sumia num suspiro e em vários “não, não, não!”. Por fim, Pedro agachou-se no chão, apoiando o corpo sobre os joelhos.


—Nada faz sentido. —Murmurou o garoto, fechando os olhos com força.


—Prontos para desistirem? —Perguntou a esperançosa esfinge.


—Claro que não. —Disse Sophia, lançando um olhar nem um pouco amigável para o puxador. Ficou um instante em silêncio, mordendo nervosamente o polegar antes de murmurar. —Eu sei a resposta.


—Ah, sabe? —Perguntou a esfinge, com um ar de incredulidade. Pedro ergueu o olhar na direção da prima, com uma pergunta muda dançando em seus olhos.


Sophia olhou para o primo de canto antes de virar o olhar para a esfinge. Tentava disfarçar o visível nervosismo com um olhar decidido. Soltou o ar de seus pulmões antes de falar.


—A resposta é sete. —Disse com veemência. —Se ela deu metade das maçãs para a primeira, são três e meia e mais meia maçã...quatro...sobram três...ela dá metade, ou seja, uma e meia para a segunda e mais meia maçã...duas...sobra uma...ela dá metade para a ultima, ou seja, meia maçã e mais a outra metade...não sobra nada no cesto.


A fitou Sophia demoradamente, analisando sua resposta. Por fim, com um suspiro decepcionado, ela voltou a erguer o olhar, fixando na floresta atrás dos dois, falando em sua voz solene.


—Muito bem. Podem passar. —E, dizendo isso, seu olha perdeu o brilho vivaz e voltou ao velho brilho metálico de antes.


No mesmo instante, com o mesmo estalo de antes, a pesada porta abriu-se. Seu ranger espalhou-se pelo local, como o ganido de um animal ferido. Por fim, quando a porta estava completamente aberta e a poeira abaixou, puderam ver o lado de dentro.


A Mansão Lestrange era exatamente como Pedro sempre imaginou. Grande. Sombria. Intimidante. Por trás da porta havia um enorme salão. Nem a luz que entrava pelas grandes janelas que ladeavam a porta parecia iluminar o local. Um macabro candelabro pendia do teto de uma forma fantasmagórica. Quadros de bruxos, velhos e mal encarados, dormiam em um sono pesado, emitindo um ressonar baixo como o rosnar de um tigre. Uma imponente escadaria levava aos andares superiores.


—Então...finalmente estamos dentro. —Disse Sophia, olhando para o primo.


—Sim... —Disse Pedro, sentindo aquela excitação correr em suas veias e artérias a cada batida de seu coração. —estamos dentro.


 


 


 


Ao contrario do que se temia, não havia armadilhas ou alarmes do lado de dentro da mansão. Tudo o que havia dentro eram os pertences deixados para trás. Sofás e poltronas luxuosas, mesas enormes, feitas em madeira de lei, armários vazios, criados-mudos e lamparinas com tocos de vela dentro. Tudo isso coberto por uma grossa camada de poeira que se acumulava com os tempos sem se limpar.


Os quadros seguiam adormecidos, como se estivessem em hibernação. Pedro agradeceu por isso. Temia que, se um deles acordasse, disparasse algum alarme. Reconheceu entre eles duas garotas de cabelos ruivos, idênticas. Sabia que, uma delas já não tinha a aparência do retrato e riu de leve. Ao lado havia uma garota de cabelos castanhos que reconheceu como Dorah, a amiga de Sophia. Passou de olhos fechados pelo retrato adormecido de Bellatrix Lestrange, tentando conter a enorme vontade de rasgar-lo.


—Nada aqui também. —Anunciou Sophia, fechando a porta de um quarto ao sair dele. Pedro foi até a prima e marcou um pequeno ‘x’ na porta com a varinha. —Acho que eles levaram tudo.


—Ninguém leva tudo. —Disse Pedro, convicto, enquanto afastava-se na direção de outra porta. —Sempre se esquece alguma coisa quando estamos saindo com pressa. Uma foto antiga, um documento, uma carta, a torneira do banheiro aberta.


—A não ser que a pia do banheiro nos conte alguma coisa, não acho que iria ajudar muito. —Disse Sophia, com uma nota de ironia na voz.


Ignorando o comentário da prima, Pedro entrou no quarto. Assim como o restante, estava praticamente vazio e escuro. Apenas os moveis e nada, além disso. Tentou achar algo embaixo das cadeiras, das almofadas e de tudo onde poderia estar alguma pista perdida.


Com um suspiro frustrado e um soco de leve numa das almofadas, o garoto desistiu daquele quarto e saiu. Assim como o outro, marcou um x na porta. Ouviu o bater da porta ao lado, enquanto sua prima saia de mais um quarto. Olhou para ele e encolheu os ombros, balançando a cabeça negativamente.


—Isso tudo não pode ter sido em vão. —Murmurou Pedro, enquanto marcava a porta do quarto de onde a prima tinha saído. A garota olhou para ele com uma certa pena, pondo a mão em seu ombro.


—Não é culpa sua. —Sussurrou, apertando o ombro do primo, tentando reconfortar-lo. Pedro olhou para a prima por cima do ombro e forçou um sorriso antes de afastar-se na direção da próxima porta. Naquele corredor só havia mais duas.


Um novo suspiro frustrado escapou por seus lábios ao ver que a sala não era muito diferente das outras. Cama, mesa de centro, um piano. Mas nada que pudesse indicar alguma pista ou algo que pudesse lhe ajudar. Saiu do quarto e repetiu o ritual de fechar-la e marcar com um x.


—Pedro. —A voz de Sophia chamou sua atenção. Olhou para a porta restante e franziu a testa. —Vem cá! Tem algo interessante aqui!


Sentindo uma excitação borbulhante crescendo em seu peito, o garoto praticamente correu até o quarto ao lado.


—O que encontrou? —Perguntou Pedro, o coração batendo na garganta. Sophia chamou ele com a mão, debruçada sobre algo que parecia ser uma bacia de pedra.


Aproximou-se lentamente, sentindo o sangue circular por seu corpo muito rapidamente. Parou ao lado da prima. Ela ergueu o olhar, como se esperasse a opinião dele sobre algo. Pedro olhou para baixo. Era realmente uma bacia de pedra. Inscrito em suas bordas haviam runas que ele não entendia. O liquido que preenchia a bacia era leitoso e, por vezes, parecia ar concentrado de tão leve que eram seus movimentos.


—Uma penseira... —Murmurou Pedro, apoiando as mãos em suas bordas.


—E veja... —Sophia enfiou a mão no bolso e retirou um frasco do bolso. Era fino e parecia um relicário. Dentro, um liquido branco perolado dançava suavemente.


—Onde achou isso? —Perguntou Pedro, pegando o frasco lentamente das mãos da prima.


—Estava num desses armários. —Sophia apontou por cima dos ombros de uma forma displicente. —Só tinha essa. Olhei em todos os cantos. Mas ao menos confirma sua teoria.


Pedro riu de leve e ficou observando o frasco à sua frente atentamente. Puxou o ar demoradamente para seus pulmões antes de olhar para a prima, com as sobrancelhas erguidas. A garota ergueu as sobrancelhas e parecia dizer “o que tá esperando?”. Pedro sacudiu a cabeça positivamente antes de abrir a tampa do frasco.


O liquido caiu lentamente na bacia e misturou-se ao restante, rodeando sutilmente até o fundo. Lentamente o liquido foi tornando-se mais claro e logo parecia um vidro bastante límpido, mostrando um céu noturno. Pedro sentiu um aperto no peito, numa espécie de mal pressentimento. Virou-se para a prima e esticou a mão em sua direção.


—Vem comigo? —Murmurou, quase como uma criança que está com medo de entrar num quarto escuro.


—C-claro... —Disse Sophia, gaguejando de leve com a surpresa. Segurou a mão do primo antes de olhar para a bacia.


Ainda com aquela incomoda sensação martelando em seu peito, Pedro inclinou-se na direção da bacia. Sentiu um forte solavanco atirar-lo na direção da bacia e logo estava caindo.


Caiu sentado no chão. Ouviu um xingamento baixo ao seu lado e, pelo canto do olho, viu que Sophia também havia caído. Levantou-se sentindo as costas doerem um pouco e estendeu a mão para ajudar a prima.


—Onde estamos? —Murmurou Sophia, olhando ao redor.


Como num súbito, uma imensa explosão iluminou tudo. Uma casa tornou-se visível em meio às chamas, enquanto seus moradores saiam desesperados. Seus olhos começaram a se acostumar com a escuridão e a luz branca de uma lua cheia ajudou a divisar bem os contornos de casas e de uma praça onde erguia-se a estatua de uma bela mulher. Naquele instante, a beleza simplória do lugar era maculada por jorros de luz verde e lampejos laranja que se erguiam a cada nova explosão. Os gritos de dor e pânico ecoavam em seus ouvidos.


—Estamos em Raven’s Ville. —Disse Pedro, sentindo o aperto no peito aumentar ainda mais.


Uma nova explosão tornou visível a silhueta de uma mulher à frente deles. Estava de costas para eles. Seus cabelos grossos e brilhantes caiam-lhe pelas costas e uma maneira elegante, assim como seu porte. Pedro sentiu as entranhas revirarem e, se não soubesse que aquilo era apenas uma lembrança, teria pulado sobre ela naquele instante.


—Bellatrix. —Disse Sophia ao seu lado, com um ar curioso.


Não era preciso confirmar. Aquilo não era uma pergunta. O olhar do garoto seguiu fixo nas costas da mulher que sacudia os ombros violentamente, como se estivesse gargalhando de uma forma prazerosa.


Virou-se de súbito e passou por eles como se os dois fossem fantasmas. Sem esperar a prima, Pedro também virou-se e saiu correndo atrás da mulher. Viu quando ela parou de frente para a única casa ainda não atingida pelo ataque. Seu olhar era demente e seu sorriso sinistro, misturando-se àquele jogo de luzes aterrorizante. Puxou a varinha e disparou um feitiço que ricocheteou na direção do céu.


—Sempre prevenido, Diego. —A mulher falou num sussurro malicioso, quase que se deliciando com aquilo. Ergueu a varinha mais uma vez e iniciou uma série de palavras em uma língua completamente desconhecida.


Mesmo com toda a barulheira, um som semelhante ao de um lençol sendo arrancado à força passou por seus ouvidos. Sem cerimônias, a mulher apontou a varinha para a porta mais uma vez e, dessa vez, o feitiço explodiu a passagem, derrubando-a.


—Pedro...você não precisa ver isso. —Disse Sophia ao seu lado, segurando o braço do primo.


Foi então que Pedro notou o quanto estava tremendo. Seus músculos estavam tensos e o nó de seus dedos embranquecidos. Sentia os lábios ressecos. Ergueu o olhar na direção da prima antes de murmurar.


—Eu já vi isso antes...uma vez mais não vai me matar...


E, soltando o braço da mão da prima, seguiu para dentro da casa. A chama que ele sabia arder na lareira segundos agora atrás estava apagada. As cortinas ainda estavam fechadas, mas a luz que entrava pela porta derrubada permitia que visse a silhueta de Bellatrix, de costas para ele. À frente da mulher, estava um casal. Ambos estavam firmes, um ao lado do outro, de mãos dadas.


—...ninguém se esconde por tanto tempo do Lord das Trevas. —Disse Bellatrix, com seu ar maníaco.


—Quando vai se convencer de que Voldemort está morto, Bellatrix? —Perguntou Diego, tentando manter a frieza.


—Não ouse dizer o nome dele!! —Exclamou a mulher, com irritação. —Vermes traidores do sangue como vocês não merecem dizer o nome de milord!


—Voldemort não merece esse titulo. —Disse Selene, a voz ligeiramente embargada e o rosto manchado de lagrimas. —Voldemort não merece esse respeito. Ele não passa de um maníaco sanguiná...


—Cale-se!! CALE-SE sua traidora do sangue!!! —Gritou Bellatrix, já sem a compostura de antes. —Vocês só tem tanta coragem porque o Lord não está aqui. Mas não se preocupe. Eu mesma irei ensinar à vocês um pouco de respeito. Crucío!!


Pedro fechou os olhos com força. Os gritos de agonia de seus pais eram como facas que penetravam lentamente em seu coração. Sentiu uma lagrima solitária cair de seu olho e limpou antes que chegasse ao queixo. Quando os gritos cessaram, teve coragem de abrir os olhos novamente.


Seus pais estavam caídos no chão, ofegantes. Contorciam os rostos de dor. Bellatrix sorria de uma forma macabra, como se sentisse o mais puro prazer em ver os dois sentindo dor.  Um prazer quase carnal. Ergueu a varinha e passou-a lentamente pelos lábios, antes de murmurar.


—Isso pode terminar de uma forma diferente, Diego. —Murmurou para o homem, olhando-o com um certo interesse. —Você sabe.


—Nunca. —Resumiu-se Diego, sem olhar para a comensal. Seu olhar encontrou o de sua esposa que lhe sorriu o máximo que podia em meio à dor e lagrimas. Esticou uma mão para ela que segurou com força.


—Hm. Uma pena. —Disse Bellatrix, com deboche. Ergueu a varinha e cortou o ar rapidamente na direção deles. —Avada Kedavra!


O flash verde ocasionou uma explosão que lançou parte do assoalho para os outros. Os corpos de Diego e Selene embolaram para o lado, sem vida, ainda de mãos dadas.


Pedro fechou os olhos, esperando acordar abruptamente em sua cama, com a testa suada. Só quando abriu os olhos foi que lembrou-se que estavam em uma memória.


—O que ela está fazendo? —Perguntou Sophia ao seu lado.


Bellatrix agora percorria a sala, chutando os brinquedos do pequeno Pedro que estavam espalhados pelo chão. Revirava almofadas, abria e fechava portas. Foi até a cozinha e voltou, refazendo tudo o que havia feito antes.


—Ela estava me procurando. —Disse Pedro, olhando para a escada que levava até o andar de cima. —Agora ela vai subir.


Como se houvesse o comando de Pedro, a mulher dirigiu-se até a escada e subiu em passos rápidos e até grosseiros, sua bota fazendo um barulho seco ao bater na madeira. Sophia olhou para o primo por um instante, como se esperasse que ele acompanhasse a mulher. Pedro, porém, estava olhando fixamente para o canto da sala, entre a parede e o armário de louças.


—Pedro, vamos! Não podemos ficar muito tempo longe dela! —Alertou Sophia. O garoto voltou à realidade com um leve tremor. Murmurou um “você tem razão” antes de seguir na direção da escada.


Na parte de cima, Bellatrix já estava no quarto que pertencia à Diego e Selene. Revirava o armário, atirando as roupas para os lados, sem o menor cuidado. Bufou irritada antes de olhar embaixo da cama. Pedro lembrou-se um pouco de sua própria procura na mansão Lestrange. Depois de um constante abrir e fechar de portas, a mulher desistiu e seguiu para o quarto seguinte.


O seu quarto.


Não teve coragem de olhar a cama bem arrumada com um lençol azul, com estampa de vassouras. Nem para os brinquedos espalhados no chão ou para suas roupas que a mulher agora atirava sobre a cama. Virou de costas e esperou que Bellatrix saísse do local.


—Agora ela vai explodir o chão e desaparatar. —Murmurou Pedro, como quem narra um filme muito chato.


Mas para sua surpresa, a mulher seguiu para outra porta. A única que estava trancada. Girou a maçaneta, mas ela não cedeu. Tentou uma série de feitiços, mas a porta estava bem protegida. Já sem paciência, a comensal arregaçou as mangas e começou a murmurar uma série de feitiços.


—Que quarto é esse? —Perguntou Sophia, a testa ligeiramente franzida.


—Eu não lembro. —Disse Pedro, o queixo ligeiramente caído. —Eu...eu não sei que quarto é esse.


Depois de quase dez minutos, um “clique” anunciou que a porta estava aberta. Quase que esmurrando-a, entrou no quarto como um furacão.


As paredes do quarto eram pintadas de um rosa bastante delicado. Haviam bonecas com vestidinhos antigos, o rostinho redondo e rosado, de cabelos de todas as cores. Ursinhos se amontoavam num canto, parecendo uma pequena montanha. E, encostado na parede do lado direito, havia um berço branco.


E no berço, uma criança.


—Ah...não sabia que havia outro. —Murmurou Bellatrix, com um ar de satisfação na voz.


—Outro? —Sophia olhou para o primo, com um ar confuso. —Do que ela está falando.


Mas Pedro não conseguia mais falar. Seu olhar estava fixo no pequeno bebê adormecido à sua frente. Parecia completamente alheio ao caos que ocorria do lado de fora. Só acordou quando Bellatrix pegou em suas mãos. Era branquinha e delicada como as bonecas ali espalhadas. Tinha poucos cabelos na cabeça, clarinhos assim como seus olhos. A comensal ergueu-a no ar, como se fosse um troféu.


—Não se preocupe, Diego. —Murmurou a comensal, numa entonação um tanto infantil. —Eu vou cuidar da sua filhinha.


E, com uma súbita explosão, Pedro e Sophia se viram envoltos por uma nuvem de fumaça. Quando a nuvem abaixo, porém, viram-se novamente na sala da penseira, na mansão Lestrange.


—Wow. —Disse Sophia, dando um passo para trás, parecendo zonza. —O que foi aquilo?! Pedro! Quem era aquela criança? Ela disse que era filha do seu pai! Você nunca me disse que tinha uma irmã.


Mas Pedro não parecia prestar atenção nas perguntas da prima. Seu olhar seguia fixo na penseira, ligeiramente arregalado. Aquilo não podia ser verdade. Memórias esquecidas começavam a espocar em sua mente como flashes de uma máquina fotográfica. O rosto do seu pai, de sua mãe, vozes felizes, riso e choro de um bebê, o rosto de uma criança dentro de um berço, com um ar choroso, esticando a mãozinha gorducha em sua direção. Não. Aquilo não podia ser verdade. Aquilo não fazia o menor sentido. Deu dois passos para trás e encostou-se na parede, deixando o corpo escorregar até o chão.


—Morgan...


 

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