Shot



Gênero: Romance
Classificação: K
Formato: Ficlet
Item: Tequila.
Obs.: Imaginem sob o POV da Astoria, obg.




Shot¹


Para Astoria, nada de Margueritas². Ela preferia o famoso shot: sal, tequila e limão. Tequila envelhecida em barris de carvalho, que ela tentava manter longe dos olhos sagazes do marido. Todas as noites, ela bebida três doses. Quatro, quando ele demorava além que o costume – e, nessas ocasiões, ela sabia que ele estava dividindo uma marguerita em algum quarto de hotel com ela.
Naquela noite, seu aniversário, ela bebeu quatro. E ele não se deu conta disso.
A indiferença era pior que a traição.
Era nessas horas, em que ele lembrava da amante e não da esposa, que Astoria abria mão do sal e do limão e ingeria a tequila direto da garrafa, esquecendo dos bons modos. Tequila ajudava a esquecer – ou a não lembrar dos detalhes na manhã seguinte.
Até lá, ela se recuperava, juntava os cacos do coração quebrado e preparava-se para beber mais três doses à noite.



Ele sempre voltava quando o grande relógio da mansão havia badalado nove vezes. Ela sabia que bastava um floreio da varinha e estaria como hálito fresco e sem um rastro da tequila que, instantes atrás, estava sobre a mesa. Ele abria a porta, entregava o casaco ao elfo e só então a cumprimentava. Sem beijo. Nem um mínimo roçar de lábios.
Mas Astoria não era cega. Seus olhos pareciam procurar os vestígios da outra. Uma marca de batom rosa na gola da camisa. Unhas marcadas na nuca dele. Camisa amassada. Um perfume que ele fez de tudo para que ela não notasse.
E ela fingiu não perceber nada disso.
Fingiu não saber que não usava batom rosa porque ele não queria lembrar dela. Fingiu que o fato de não poder usar perfumes florais era porque ela já usava. Fingiu não ter certeza que o motivo de usar o cabelo curto e liso era porque ela tinha o cabelo longo e encaracolado. E fingia não ver que, às vezes, ele olhava dentro de seus olhos castanhos e lembrava irremediavelmente dela.
Tequila a ajudava a fingir. E ela sempre bebia, remoendo a certeza de que nem isso ele notava.



Esse era o dia de beber quatro doses.
Já era onze e ele ainda não voltara. Quando voltasse, daria a desculpa de ficar preso no trabalho. E ela iria fingir acreditar. Estavam casados há três anos, sete meses, duas semanas, cinco dias, onze horas e 11... 12... 13 minutos. Contar a passagem do tempo já não adiantava.
Um pouco de sal. Uma dose. Uma rodela de limão.
Tequila ajudava a não pensar no que ele estava fazendo com ela e não consigo.
Tequila pura, desta vez. bebeu rapidamente, dando-se conta de que, em algum hotel de Londres, ele estava saboreando seu drink preferido e, ironicamente, feito com aquela mesma bebida.
Sexta dose. Sétima, oitava... Já descia como água. Ela nem se importava mais se ele voltaria ou não. Hoje, ela não se importaria.
Subiu para o quarto, deitando-se na larga cama. Sentiu-se pequena demais nela. Conjurou mais tequila. A outra garrafa já tinha acabado. E hoje ele saberia. Ele notaria, tinha de notar.



Chegou a casa e estranhou não encontra-la sentada na poltrona de couro a lhe esperar. Talvez estivesse cansada. Indisposta. Tanto fazia. Ela tinha quem a levasse ao hospital. Talvez estivesse dormindo, não era motivo para alarde.
Subiu e a cena lhe chocou.
Sua cama havia se transformado num mar de tequila. Ele reconhecia o odor e o sabor. Espalhado pelos lençóis havia sal e limão. E uma Astoria completamente bêbada no centro. Ótimo, agora tinha de cuidar de uma esposa alcoólatra!
- Draco? – perguntou ela com a voz enrolada pela bebida. As mãos rápidas logo colocaram uma pitada de sal na boca, seguida de um gole de tequila e uma rodela de limão.
- Sai daí, Astoria. Vou chamar alguém para limpar isso.
- Não vai, não. Eu sei que você gosta de bebida. Tem uma marguerita ali, esperando por você. – ela apontou, com dedos errantes, um drink na mesa de cabeceira.
- Desde quando começou a beber? – perguntou consternado e ignorando o drink.
- Desde quando começou a me trair. – respondeu na maior naturalidade – São três doses por noite. Quatro quando você demora demais e resolve tomar uma marguerita com ela.
- Do que você está falando, sua bêbada? – resmungou Draco, tendo aquela verdade jogada na sua cara de um jeito tão brutal.
- Falo do batom rosa que eu não comprei, do cabelo longo e encaracolado que eu não tenho, do perfume floral que não uso!
Ao final do discurso, Astoria, perfeita na arte de transfiguração, já ostentava a aparência daquela que acabara por destruir seu casamento. O cabelo crescera até a cintura, tornando-se castanhos e crespos. Um batom rosa pintava a boca de lábios finos e um perfume floral surgira de algum lugar, tomando todo o ambiente.
- Gosta de mim, agora? Gosta de mim como gosta dela? – ela já não se importava.
- Astoria... Vamos ter calma...
Calma, Draco? Espero que você me conte desse caso há dois anos. Faz dois anos que me trai com ela! Não venha se fingir de santo! A mim cabe o papel de fingir. Fingi tão bem que você nem percebeu.
- As coisas não são assim... – ele tentava explicar.
- Tem razão, são piores! – ela praticamente pulava na cama. A cena seria cômica, não fosse a irritação crescente dela. – Eu não me importaria, Draco. De verdade, eu não me importaria se você me notasse. Se você lembrasse de mim ao voltar para casa ou me beijasse com o mínimo de consideração. Mas nem isso você faz. Você olha para mim, Draco, e lembra dela. Quando me olha nos olhos, lembra dela. Eu sei e não negue isso.
- Não vou negar. – respondeu de cabeça baixa. – Nós... Simplesmente aconteceu. Desde Hogwarts. Nós nos encontramos clandestinamente, mas ninguém nunca notou. Só você.
- Porque eu queria que olhasse para mim ao menos uma vez e não lembrasse dela. Por isso só eu notei. Porque eu quero, desesperadamente, que também me note.
- Eu casei com você, não é o bastante?
- Se fosse para viver assim, preferia que não houvesse casado.
- E por isso bebe? – estava alarmado. Via tudo desmoronar.
- Eu bebo porque tequila me faz esquecer. Me faz querer continuar com essa insanidade chamada casamento. A tequila me deixa com o raciocínio turvo e não me permite lembrar dos detalhes no outro dia. É por isso que bebo. E você nem nota.
Segurando uma garrafa, Astoria deitou-se e virou para o lado.
- Você não dorme aqui hoje.
Com um floreio da varinha, Draco foi expulso do quarto e a porta, trancada.
Em meio aos vários litros de tequila, Astoria se espreguiçou e dormiu como há muito não fazia.



Três doses. Hoje ele voltaria cedo, tinha certeza. Estaria  para vê-lo sair.
Deram nove horas e ele saiu do hotel. Ela iniciara uma viagem de negócios naquela manhã. Riu sarcástica. Tinha certeza que ele diria o mesmo ao chegar.
Astoria não estaria lá para ouvir. Não mais.
Segurou a bolsa mais contra o corpo e levantou-se, equilibrando-se com elegância sobre os saltos finos das botas de cano longo. Subiu até o quarto e encontrou-a. Ela se assustou.
- Olá, Hermione Granger Weasley. – disse com a voz calma, polida e fria.
- Astoria Malfoy? – sussurrou com a voz trêmula.
Greengrass. Vim só avisar que o sobrenome Malfoy agora é todo seu. – um documento assinado por um juiz de paz declarava o fim do casamento entre Astoria e Draco. – Faça bom proveito.
Sem esperar resposta, Astoria saiu como se nunca houvesse entrado. Aparatou até o Ministério. De lá, chegou a sua mansão na França por chave de portal.
Dez horas. Quatro doses.
Ele estava chegando em casa. Sorriu.
Desta vez, havia apenas uma garrafa de tequila a lhe esperar.


 




¹ - combinação de sal, tequila e limão.
² - drink feito com tequila. Bjs.

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