Surpresa, Lily!
Capítulo 4 – Surpresa, Lily!
-Ótimo, assim ficamos todos felizes! Você tem o Potter sob vigilância, eu provo que não vou ser papai e o Rodrigues ganha seus quinze minutinhos de fama. Que bom que pudemos resolver isso. Agora, se você puder me dar licença, tem um grupo de garotas esperando por mim – e, colocando o cigarro na boca, ele saiu.
James saiu andando a esmo pela rua. Se havia algo que o irritava era quando as coisas não saiam de acordo com os planos e um segundo Sly decididamente estava fora de seus planos. Ele virou a esquina, nervoso, uma movimentação anormal ocorria no entorno de um prédio recente. Vários fotógrafos disparavam seus flashes freneticamente. Era o tal prédio de que Marlene havia falado. James provavelmente a encontraria lá.
Diversas pessoas esbarravam em James conforme ele passava, a cidade havia se tornado um verdadeiro formigueiro humano com tantas excentricidades ocorrendo ao mesmo tempo. Novos prédios revolucionários de comunicação, transmissões extraordinárias de grandes detetives, explosões. Os tablóides tinham um prato feito.
Um homem baixinho e desengonçado tropeçou em James com força. Ele se virou preocupado murmurando milhares de desculpas, James acenou com a cabeça em consentimento e continuou seu caminho enquanto o homem atendia o celular.
James pegou o maço de cigarros, mas decidiu guardá-lo novamente, Marlene não sabia de seu mais recente habito e ele queria que continuasse assim, afinal, ela estava lá tirando fotografias e não seria nada bom que ela o visse fumando. Ele deu uma risadinha consigo mesmo. Outra pessoa esbarrou nele.
- Ai caramba, desculpe! Desculpa mesmo, senh... James? – Marlene retirou do rosto a câmera que lhe cobria os olhos – caramba, James, por que você não me avisou que vinha?
Ele sorriu para ela.
- Eu não sabia que vinha, resolvi dar um passeio e acabei aparecendo aqui.
- Ah tá – ela disse com um grande sorriso – E como foi a tal transmissão lá?
James deu de ombros com descaso.
- Eu não sei, eu acabei perdendo.
- Perdeu, é? – ela disse desconfiada, mas depois sorriu abertamente – Puxa James, você não é mais o mesmo! Perde transmissões, aproveita folgas e já tá com aquele caso do “the killer” há meses e nada.
- Ora, o que é isso, Marlene? Agora até você vai me desmerecer?
- É, James, fazer o que? Não é minha culpa se você tá perdendo o jeito!
- Só pra constar, perseguir serial killers não é nada fácil, viu! Aposto que você não duraria uma semana fazendo o que eu faço.
- Aposto que duraria mais que você – ela respondeu mostrando a língua para ele
Ele deu algo entre um riso e uma fungada.
- Duvido. – respondeu baixo – Agora, vamos, eu quero dar uma passada na agência antes de irmos para casa para ver como foi.
James e Marlene seguiram conversando até a agência. James recebeu mais quatro esbarrões aleatórios no caminho. Quatro mulheres e um homem. Marlene conseguiu se esquivar todas às vezes. Era mais baixa, mais magra e mais flexível que James.
Na porta da agência havia uma grande movimentação policial. Os bombeiros tentavam apagar o fogo produzido pela explosão, ambulâncias amparavam velhinhos em choque e todas as pessoas que sofreram pequenos ferimentos, e repórteres de todas as emissoras noticiavam a detonação. James fez uma expressão de surpresa e choque. Ele puxou um policial de sua divisão pelo colarinho.
- O que diabos está acontecendo aqui?
Marlene cobriu a boca com as mãos em autêntico pasmo; o guarda olhou para como se pego desprevenido.
- Eu não sei, senhor, o estoque de munição... eu... eu... os peritos! ... eles dizem que foi um vazamento... talvez aquela apreensão de explosivos!
James passou a mão pela testa.
- Se você não sabe o que houve então vá ajudar a apagar aquele fogo, oras! Existem documentos importantes e irreparáveis lá dentro!
-Senhor – ele disse timidamente – receio que tenhamos um problema maior.
James o encarou surpreso, ele realmente não havia compreendido o que isso queria dizer.
- Havia uma equipe de internos lá, um pessoal nosso, que não conseguiu sair, os bombeiros estão lá dentro, mas nada ainda.
O sangue de James congelou em suas veias. Não tinha planejado ferir seu próprio pessoal, isso estava completamente fora de seus planos, e como ele odiava quando as coisas saiam em desacordo com seus planos. Ele teria que entrar, não podia deixar que seu pessoal se ferisse.
- Leve a minha irmã pra casa, eu cuido disso! – ele disse correndo na direção do prédio em chamas.
James escutou Marlene gritando para que ele não fizesse isso, mas já estava longe e determinado. Um guarda desconhecido estava na porta e James jogou o distintivo na direção dele quando ele tentou se opor à sua entrada.
O prédio estava repleto de fumaça, mas ele não conseguia ver nenhum fogo. Provavelmente estava concentrado perto do galpão. E era lá também que as pessoas estariam. Ele ouviu gritos do outro lado da escada em pedaços, uma porta estava bloqueada por destroços e do outro lado dela uma voz feminina clamava por socorro.
O homem pulou o pedaço que faltava da escada e chutou o amontoado de madeira em frente à porta. Ele puxou-a com força e uma moça loira vestida de policial caiu sobre seus pés, com a mão sobre o rosto tossindo compulsivamente. James a ajudou a se levantar.
Ele encarou a porta, seus olhos arderam com o calor e seu estomago revirou com o cheiro de carne queimada que vinha da sala. Uma viga caiu no meio do fogo, alastrando as chamas. James se deitou sobre a moça para protegê-la da nova onda de fumaça e fogo.
- Lidner – ele chamou sacudindo os ombros da moça – Lidner, você está bem? Tem mais alguém lá dentro?
Grosas lágrimas trilhavam um caminho, limpando a fuligem do rosto da moça. Ela abriu a boca para falar, sua voz saiu tremida e falha
- Senhor, desculpe! Não havia nada que pudéssemos fazer, desculpe. A explosão...!
- Lidner, olha pra mim – ele disse segurando o rosto dela entre as mãos – por que vocês estavam aqui?
- Como assim, senhor? Nós recebemos um comunicado do senhor River em seu nome dizendo que todos, sem falta deveriam estar presentes.
James arregalou os olhos. River havia mentido para ele, e por causa disso seu pessoal estava ferido. E pior, morrendo em seu nome. O moreno ajudou a moça a se levantar e a olhou fixamente.
- Lidner, eu quero que você saia o mais rápido que puder, tem uma ambulância lá fora!
- Mas e o senhor?
- Eu tenho uma responsabilidade com o meu pessoal.
- Mas o senhor vai morrer assim, eu não posso deixar!
- Lidner, isso é uma ordem! Eu sou seu superior, faça isso ou você está despedida!
- Mas senhor...
- Diga aos bombeiros que tem mais gente presa! – ele entrou na sala em chamas, conseguia ouvir mais gritos de socorro.
Por algum motivo, ao entrar na sala, ardendo em chamas, James se lembrou de um poema que havia sido obrigado a ler em seu ultimo ano de escola. Os gritos agoniados, o odor de morte, o calor do fogo, era como se tivesse no sexto circulo de Dite¹. Estava conhecendo o inferno.
Ele chutou uma porta com toda a sua força, derrubando-a no chão. James entrou na sala e novamente o cheiro putrefato de um churrasco sinistro se apossou de seus sentidos. Ele colocou o casaco sobre o rosto para que pudesse respirar.
Uma pilha de entulhos se mexeu ao lado de James e um fraco pedido de ajuda se fez. O mais rápido que pôde, ele retirou as vigas de cima da pessoa. Sentiu suas mãos ficarem úmidas com o sangue do rapaz. James conseguiu reconhecê-lo. Era um novato, havia entrado na agência há uma semana. Ele não podia morrer. Não daquele jeito, não naquela situação.
- Senhor, – ele disse fracamente – obrigado.
James mandou que parasse de falar para poupar a pouca energia que lhe restava. Ele segurou o tronco do homem e tentou puxá-lo, mas ele exclamou em dor. Sua perna estava presa. James disse um palavrão ao constatar que a viga era pesada demais para levantar.
- Riley – ele disse para o homem – a sua perna está presa, eu vou ter que empurrar, talvez doa.
- Não se preocupe senhor, eu já nem a sinto mais – ele respondeu com um fio de voz, fechando os olhos.
- Não, não, – havia um traço de pânico na voz de James. Ele deveria salvar as pessoas boas e em suas mãos havia um homem bom, cuja vida estava se esvaindo lentamente – abra os olhos, Riley! Me diga, quem mais estava com você, aqui?
- Sargento Lidner – ele disse com voz quase ausente – ela disse que ia buscar ajuda. E o Tenente Davis, eu acho que ele morreu, senhor.
James olhou para frente e encarou os olhos vazios de um corpo carbonizado e teve que morder os lábios para não vomitar. Já havia visto pessoas mortas, muitas delas, algumas causadas por ele, por sua mão, mas a visão de seus companheiros morrendo o nauseava.
- Eu tenho certeza. – murmurou enquanto fazia o seu melhor para empurrar a viga.
- Eu não quero morrer, senhor – gordas lágrimas escorriam escuras de imundice dos olhos do homem para seus cabelos negros, se misturando ao emaranhado da sujeira, fuligem e sangue.
- Você não vai – a viga se moveu alguns centímetros, James sentiu suas esperanças se renovarem ao ver que era capaz de empurrar o pesado objeto. A cabeça de Riley tombou e o policial o sacudiu vigorosamente – Riley, vamos acorde. Família, você tem família?
Ele suspirou pesadamente, falar doía, assim como respirar, e James sabia disso, mas não podia deixar que ele parasse de falar, pois isso podia ser a diferença entre vida e morte.
- Eu tenho uma noiva, vamos nos casar em duas semanas, ela está grávida.
- Me fale sobre ela – James fazia uma força sobre-humana para mover o pedaço de madeira.
- Ela tem os olhos – ele parou para respirar – os olhos mais bonitos que eu já vi e uma voz absolutamente encantadora – mais um centímetro – é minha namorada desde os tempos de colégio – mais lágrimas – senhor, por favor, eu não posso abandoná-la.
- Não se preocupe – ele disse com esforço, a viga cedeu finalmente – você vai vê-la e vai segurar a mão dela durante o nascimento do seu filho.
James o levantou e passou o braço dele por seu pescoço e o próprio braço pela cintura do policial. Com a perna completamente inutilizada ele teria que carregá-lo por todo o caminho. Com toda a sua força James o puxou para fora.
Ele o carregou até a ambulância mais próxima e o deitou na maca. Os paramédicos foram rápidos e antes que realizasse estavam a caminho do hospital. Fracamente, Riley puxou a manga de James, ele o olhou sobressaltado.
- Senhor, – ele disse com a voz fraca e abafada pela mascara do oxigênio – obrigado.
James sorriu para ele largamente.
- Não há por que agradecer, Riley. Você teria feito o mesmo.
- Sim – Riley falava lentamente, cansado, encarando o vazio – o mesmo...
Durante todo o tempo Riley havia mantido um dos punhos fechado. Ele esticou o braço, com a mão ainda cerrada, na direção de James, como se quisesse lhe entregar algo. James estendeu a mão na direção do subordinado, ele deixou um papel dobrado e sujo escorregar por entre seus dedos até a palma da mão de James
- Por favor – estava muito fraco, seus olhos saiam de foco – entregue – respirou profundamente, o ar lhe faltava – à minha noiva e diga que eu a amo mais que tudo no mundo e que eu sinto muito.
Seu braço pendeu pesadamente pela lateral de maca. O monitor fez um som agudo e ininterrupto, indicando a ausência de batimentos. James chamou por ele, um traço de pânico na sua voz. Os paramédicos agiram velozmente, tentando reanimá-lo. Agarrado a um desfibrilador um dos médicos pediu que se afastasse.
Um choque.
O corpo do moreno se arqueou com a corrente elétrica. James prendeu a respiração. O mesmo som contínuo e desesperador.
Dois choques.
Os segundos parecem horas.
Três choques.
O mesmo som, ainda contínuo e cada vez mais desesperador.
Houve um momento de silencio que parecia sufocar James, como se duas mãos segurassem sua garganta e apartassem cada vez mais, só por diversão, só pra saber por quanto tempo ele resistiria.
- Hora da morte – falou o paramédico com o desfibrilador – 16h50min.
- Não! – bradou James – Vocês não podem desistir assim!
Ele olhou o rapaz. Seus olhos vazios encaravam o teto da ambulância. Não havia mais o brilho que eles traziam ao falar da noiva. A noiva. James pensou naquela criança que estava por nascer, que viria ao mundo sem um pai. Sem aquela imagem que o ensinaria a andar de bicicleta. Sem alguém para dizer como se fala com as meninas, caso fosse um garoto, ou para ameaçar bater nos rapazes, caso fosse uma moça.
James, tomado pelo ódio, se precipitou para o paramédico que havia anunciado à hora da morte. Ele o segurou pela gola da blusa.
- Façam alguma coisa! – assustada, a paramédica, que assistia à cena, gritou – Vamos! Vocês têm centenas de agulhas, remédios e outras coisas! Façam alguma coisa! Ele não pode morrer!
- Senhor, me largue! – suplicou.
- Eu sinto muito, mas não há nada que possamos fazer se o coração não bate! – e moça disse, com o máximo de compreensão que conseguia reunir, apesar do medo – ele teve morte cerebral. Perdeu muito sangue!
- Eu não acredito – ainda não havia largado a gola do homem – vamos, tragam-no de volta!
- Senhor – ela disse mais confiante – ele teve uma fratura femoral, – apontou para a perna do corpo – hemorragias, – indicou o sangue que escorria – várias lacerações – mostrou os muitos cortes – e uma concussão. – afastou o cabelo da testa dele para mostrar o grande roxo que lá havia – Eu sinto muito. – sua voz era doce e reconfortante, maternal – Nosso trabalho é manter o corpo funcionando, mas, uma vez que ele deixa de fazer sua parte, nós não temos como reiniciá-lo. Nós tentamos – ela apontou para o desfibrilador – mas não foi o suficiente, agora não há mais nada a fazer, apenas dar um enterro digno ao corpo para que a alma possa seguir seu caminho em paz.
A mão de James afrouxou o aperto no homem, que o olhava assustado. Ele escorregou para longe do policial e agradeceu fracamente à companheira, que sorriu ternamente para ambos. Ela retirou os aparelhos conectados ao corpo e fechou seus olhos.
- Não queremos que a alma fique eternamente ligada à terra, enquanto o corpo perece, o espírito deve descansar.
Ela cobriu o rosto do finado com o lençol. James escondeu o rosto entre as mãos. A ambulância parou e dois médicos abriram as portas apressados perguntando pela situação dos feridos.
- Um com ferimentos menores – ela indicou James – e o outro falecido.
- Eu estou bem, – James respondeu – cuidem apenas dele.
O paramédico desceu da ambulância, com cuidado para não chegar muito perto de James, e puxou a maca de Riley para dentro do hospital, enquanto os dois médicos que abriram as portas corriam para a próxima ambulância que chegava.
- Vou levá-lo para o necrotério e fazer os relatórios. E você – ele apontou para James – vá lá pra dentro e cuide desses machucados.
James meneou a cabeça. Tinha muito o que fazer para se preocupar consigo mesmo. Tinha falar com Marlene que, provavelmente, achava que ele havia morrido, avisar à noiva do finado o ocorrido e se certificar de que o resto de sua tropa estava bem.
- Vamos, – a paramédica o pegou pelo braço e guiou porta adentro. - você parece ser do tipo teimoso que não se cuida enquanto o mundo não estiver a salvo. Bom, como você vai salvar o mundo se não estiver vivo?
Ela sorriu para ele um sorriso que desarmou todas as suas barreiras. James encarou seu rosto. Era alongado e os olhos, asiáticos, eram amendoados com os cílios longos e negros. Os cabelos, presos em um prático rabo de cavalo, eram muito castanhos, quase pretos, e incrivelmente lisos. O olhar de James se deteve nos lábios da moça, muito finos em cima e carnudos em baixo. E a pele, branca como leite. James a imaginava facilmente vestida de gueixa.
- Essa é uma ótima pergunta... – ele parou e a encarou.
- Mayumi – ela disse sorrindo – Mayumi Takaishi.
- Mayumi. – ele refletiu – Que nome bonito.
Ela agradeceu e o deixou em uma maca enquanto ia a um balcão assinar vários papeis. Rapidamente um médico apareceu para cuidar dos ferimentos de James e ele perdeu Mayumi de vista.
Assim que todos os cortes e lacerações estavam devidamente costurados e enfaixados James pegou seu celular para ligar para Marlene. Ele suspirou pesadamente assim que a chamada foi redirecionada para a caixa postal.
James pegou seu casaco e, depois de assinar alguns papeis, se direcionou para a porta. Ele observou que as coisas estavam começando a se acalmar. As ambulâncias paravam de chegar e o hospital não estava mais um completo caos.
Pessoas com ataduras na cabeça, muletas e gessos saiam pela mesma porta que Jame. esperando não retornar tão cedo. Ele reconheceu colegas de trabalho e seus familiares por entre as janelas do hospital e transeuntes e se lembrou de quem era a culpa de tudo isso.
Seus oficiais, feridos e mortos. Os melhores e mais corretos homens e mulheres da Inglaterra perdendo suas vidas e saúde. James amaldiçoou Lavine Sly mentalmente, sabia que toda a culpa era dele. Ele piscou várias vezes ao passar pela porta, até se acostumar com a claridade.
- Ah – ele ouviu uma voz doce exclamar – aí está ele, o salvador do mundo.
Ele se virou e encarou os olhos amendoados e puxados de Mayumi. Ela sorria para ele. Não usava mais o macacão azul de paramédico, mas sim uma calça jeans coberta por um par de botas e um pesado casaco de inverno. Seu cabelo estava solto e o vento brincava gentilmente com ele. As bochechas e o nariz estavam rosados por causa da brisa gelada. James sorriu de volta.
- Quem me dera – respondeu melancolicamente.
Ela olhou surpresa por alguns instantes, mas logo tornou a sorrir, mais abertamente.
- Falo sério! O que eu vi hoje foi a atitude de um herói!
- Claro, – ele disse sarcástico – quase espancar o seu amigo foi muito heróico.
- Ora, nós somos paramédicos, você realmente acha que essa foi a primeira vez, senhor... – ela o olhou indagador.
- Potter, James Potter. Mas pode me chamar só de James, senhora Takaishi.
- O mesmo para você. Acho Mayumi muito mais bonito que Takaishi e, por favor, senhorita! Não sou tão velha assim, devo ser até mais nova que você e estou muito bem solteira para ser senhora! – James riu.
- Me desculpe, Mayumi! Escuta, – ele disse enquanto a moça acenava para o companheiro de ambulância – já que o seu turno acabou, será que você gostaria de ir tomar uma cerveja comigo?
Ela o encarou, meio sorrindo, meio a avaliando e depois o destinou o seu sorriso mais encantador.
- Estava esperando que me convidasse! – ele lhe direcionou um sorriso torto, apreciando a confiança da moça – eu conheço um lugar ótimo, aqui perto. É meio pé sujo, mas eles servem a melhor torta de chocolate do mundo e nunca tivemos nenhuma informação sobre intoxicações alimentares fatais. – ela riu.
- Puxa, isso é realmente reconfortante.
- Não se preocupe, – ela levantou um dos braços na altura dos olhos e puxou a luva com força, dramaticamente – você está com alguém da área da saúde, eu sei fazer massagem cardiovascular e respiração boca a boca!
- Isso pode ser útil.
O bar que moça mencionou era no outro lado da rua, em frente ao hospital. Ela empurrou a porta com força e um sininho tocou, indicando ao dono do estabelecimento a chegada de clientes. A morena jogou o casaco displicentemente sobre um cabide, revelando a fina blusa branca de mangas curtas e decote avantajado, e sentou em um dos bancos em frente ao balcão.
Do lado de fora o bar possuía um letreiro brilhante com as palavras “Big Joe” piscando em amarelo e vermelho. As janelas eram grandes e enegrecidas. Dentro, havia um grande e longo balcão com vários banquinhos redondos na frente. James se lembrou de sua infância, quando gostava de sentar em banquinhos como aqueles para ficar girando.
No salão, cinco mesas de sinuca estavam dispostas, cada uma com sua própria iluminação, e algumas mesas redondas ao fundo, cada uma com quatro cadeiras de madeira escura. O lugar era pouco iluminado e tinha uma atmosfera aconchegante, era um bom lugar para sair com os amigos e encher a cara. Ao fundo “Hey You” do Pink Floyd tocava.
Sentada num dos bancos, Mayumi indicou o banco ao seu lado, para que James se sentasse, e pediu duas cervejas ao barman, dizendo que as colocasse em sua conta, o que fez James crer que ela fosse ao bar com freqüência.
- Você me parece um homem com muita coisa na cabeça – ela disse displicente, arrancando o moreno de seus pensamentos.
- É, – ele confirmou, melancólico – recentemente eu tenho tido que pensar em muita coisa.
Ela encostou a boca no gargalo da cerveja recém chegada e virou metade do conteúdo na boca de uma só vez antes de olhar curiosa para James. Ele bebericou distraído um pouco da sua. No que se tratava de álcool, James pôde perceber que Mayumi não era nenhuma principiante.
- Com o que você trabalha? – ela estava debruçada sobre a bancada, em uma mão a garrafa meio vazia de cerveja, pendendo sobre o chão, e a outra apoiando o rosto.
James passou a mão pelos cabelos e sorriu triste, encarando a parede espelhada, repleta de bebidas a sua frente. Ele suspirou e tomou outro gole.
- Polícia. – outro gole – Eu sou o detetive responsável por toda a polícia inglesa.
Ela soltou um “uau” educado de surpresa.
- E aquele homem que morreu? – ela disse insegura – Vocês eram muito próximos?
- Na verdade, não. – ele disse depois de um tempo refletindo – Ele era novo na agencia, não estava lá há sequer um mês.
- Puxa vida. – ela disse encarando James docemente – Eu sinto muito.
Ele sorriu agradecido para ela antes de tomar mais um gole e deixar seu olhar vagar pelo estabelecimento.
- O dono desse lugar é americano?
- Não – ela respondeu infeliz - era um japonês maluco que queria porque queria um bar americano no centro de Londres. Isso que eu chamo de globalização, hã?
- É verdade.
Os dois permaneceram em silêncio por alguns segundos, ambos encarando o vazio e bebendo. Ela acabou com sua garrafa antes que James pudesse chegar à metade da dele, e já havia pedido uma segunda rodada para ambos.
O celular de James vibrou em sua mão, era Marlene. Eles suspirou antes de atender o aparelho .
Marlene falava apressada, disparando centenas de palavras em poucos segundos, como sempre fazia quando estava nervosa. James disse várias vezes a ela que se acalmasse, pois não conseguia entender nada. Ela respirou profundamente e perguntou se estava tudo bem.
- Eu estou bem, Marlene, eu juro! – James respondia a cada 20 segundos.
Mayumi olhava curiosa para a cena, enquanto do alto falante do celular saia a voz distorcida de Marlene gritando com James para que nunca mais a assustasse daquele modo. Assim que James desligou o aparelho ela colocou uma generosa garfada da torta de chocolate que havia pedido na boca.
- Namorada? – ela perguntou friamente assim que engoliu. James negou com a cabeça.
- Irmã.
Ela soltou um “oh” arrependido e ofereceu um pedaço do bolo para James, que aceitou agradecido.
- Você também tem irmãos?
Ela abaixou os olhos, triste e confirmou com a cabeça. Durante poucos segundos ambos se mantiveram calados, James se repreendia por ter feito a pergunta.
- Tinha – ela disse finalmente – um irmão. Mais velho. O nome dele era Kaien. Ele morreu há alguns meses, em um assalto, aqui nesse bar.
- O bar era dele? – ele perguntou receoso. Ela confirmou com a cabeça, um sorriso triste em seus lábios.
- Os assaltantes entraram e pegaram todo o dinheiro do caixa. Alguém ligou pra policia logo que eles anunciaram o assalto e em poucos minutos o bar estava cercado, então os assaltantes disseram que fariam reféns e que começariam a atirar neles se a policia não fosse embora. Como você pode imaginar a policia não foi. Eles ficaram por horas negociando até que os assaltantes foram liberando os reféns, um por um, até que ficamos Kaien e eu, apenas. Eles queriam me levar como garantia, mas meu irmão não deixou. Então o maior assaltante bateu nele, várias vezes, e me puxou, pelo cabelo, para os fundos do bar.
Ela fez uma pausa e sacudiu a cabeça como, se quisesse se livrar de um pensamento ruim. James colocou a mão sobre a dela e apertou. Ela chorava contidamente, sua voz estava firme, mas os olhos estavam completamente marejados.
- Eles fizeram alguma coisa com você? – ele perguntou preocupado, ela negou com a cabeça.
- Não, quando o Kaien percebeu o que eles iam fazer foi correndo atrás de mim. Ele bateu no assaltante, várias vezes, até que ele pegou uma arma e atirou nele. E de novo. E de novo. E de novo. Ele não gritou nenhuma vez. Sempre que ele se machucava na minha frente ele cerrava os dentes pra não gritar. Ele dizia que tinha que ser forte na minha frente, por que sempre que eu precisasse devia contar com ele. Éramos só nos dois. Então a policia entrou, prendeu os comparsas dele, mas o homem que matou o meu irmão fugiu, e depois foi inocentado por falta de provas. O Kaien morreu nos meus braços, me pedindo desculpas, por que não havia sido forte o suficiente e não estaria mais, fisicamente, comigo, mas que seu espírito sempre estaria aqui, me olhando, cuidando de mim.
James passou o braço em torno do pescoço dela, que apoiou a cabeça no ombro dele e deixou as lágrimas correrem livremente. Ela soluçava enquanto agarrava a blusa dele com força. James se lembrava desse caso. O assaltante que havia matado o irmão de Mayumi já tinha ficha na policia. Já havia assaltado e matado outras pessoas de maneiras cruéis. Ele se lembrou também de como o havia matado.
Demorou uma semana, depois do assalto ao bar, para encontrar o meliante. Estava escondido, na periferia de Londres, na casa de uma família pobre que havia feito de refém. Eles não puderam fazer nada para impedir a entrada do ladrão. James o encontrou, dormindo como um porco em um lençol imundo nos fundos da casa.
Ele entrou pela janela, com muito cuidado para não ser visto. Ainda se lembrava das ultimas palavras dele. De como ele havia implorado pela própria vida, dizendo que era uma boa pessoa que não merecia morrer. Mais do que isso, James ainda se lembrava perfeitamente do nojo que sentiu do sujeito antes de cortar-lhe a garganta.
- Ele foi uma das vitimas do assassino em série que vem matando os maus elementos de Londres, não foi? Eu trabalhei nesse caso. – ele completou assim que recebeu um olhar indagador.
- Não – ela respondeu secando os olhos – ele não foi uma vitima, aquele tipo de pessoa nunca é uma vitima! Ele foi julgado e condenado por seus crimes! Eu sei que não devia falar isso, por que você é da polícia, mas eu não acho que esse Killer seja uma pessoa má, ele é um justiceiro, que carrega um fardo muito pesado, mas que tem que ser carregado.
- Mas ele mata as pessoas, um erro não justifica o outro. Reconheço que o principio dele é bom, mas a execução é deturpada, você não acha?
Ela sacudiu a cabeça energicamente.
- Não. Eu sei que não é certo desejar a morte dos outros, mas desde a morte do meu irmão eu preciso de algo em que acreditar e eu acredito nesse deus que julga as pessoas más!
- Deus? – James perguntou, disfarçando um sorriso – Por que um deus atuaria somente na Inglaterra, Mayumi?
- Ele não está somente na Inglaterra, James – ela disse com o que de adoração na voz – criminosos estão sendo mortos em todo o mundo.
Por um instante James deixou sua mente vagar, se perguntando se seria esse o motivo da ausência prolongada de Tom Riddle. Aparentemente ele havia feito algumas viagens pelo mundo, a procura de um James para cada país. Ele não pôde deixar de se sentir um pouco traído, afinal, Tom havia dito ter achado uma habilidade única em James e agora ele viaja o mundo fazendo novos James. Oh sim, ele tinha muito o que explicar quando se encontrassem novamente.
James se levantou e estendeu a mão para a moça. Ela o olhou confusa.
- Vamos, eu vou te levar para casa, já está tarde e você parece cansada – ele sorriu encantadoramente para ela.
Mayumi segurou a mão de James e se levantou. Ele a ajudou a vestir o casaco e pagou a conta, depois passou o braço pelo ombro dela, em um gesto protetor, afinal, ela poderia ser de muita ajuda no futuro e seria melhor cativá-la o quanto antes.
Depois de indicar onde ficava sua casa, James pagou um taxi para levar ambos ao endereço, que não era próximo. Seguiram calados durante todo o percurso. Mayumi aninhada no braço de James e ele, por sua vez, pensando em como entraria em contato com Riddle.
A casa da moça era mais distante do que James havia imaginado, quase na periferia de Londres. Ficava na rua Southgate em Potters Bar². Era uma casa branca, com telhado cinza e janelas azuis escuro. Sobre as janelas de baixo havia uma planta florida. Não havia jardim, ficava na beira da rua.
James abriu a porta do taxi para ela e a ajudou a sair do carro. Já passava da meia noite, James constatou, era muito tarde para ir à casa da viúva, mas ele precisava fazer isso. Deixaria Mayumi em casa, passaria na casa de Riley e depois iria para a sua própria, para ver como Marlene estava.
Ela andou na frente dele e, depois de destrancar a porta, encostou-se ao batente e se virou para James.
- Muito obrigada por tudo, hoje – ele sorriu.
- Eu é que agradeço, pelos curativos, pela cerveja e pela ajuda com o Riley, principalmente pelo último.
- Não foi nada, eu realmente agradeço por ter me escutado hoje, foi muito legal – ela sorriu – será que você não quer entrar, pra tomar um chá, ou qualquer outra coisa?
James refletiu por um momento, estava realmente tentado a entrar. Mas ainda tinha que passar na casa de Riley e ver Marlene.
- Eu adoraria – respondeu por fim – mas eu não posso, ainda tenho algumas coisas pra fazer hoje, tenho que entregar isso – ele retirou o papel sujo e dobrado do bolso – à noiva de Riley.
- Está bem. – ela respondeu decepcionada – Eu entendo, isso deve ser difícil. Bom – ela retirou um cartão do bolso – caso você queira me ligar.
Ela ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo na bochecha e depois, disfarçadamente se aproximou do ouvido dele.
- Eu queria ser um pouco mais discreta, mas tem um homem te seguindo desde que a gente entrou no bar.
James prendeu a respiração. Havia sido seguido? Como? Por quem? Por quê? Isso não era nada bom. Se ele estivesse sendo seguido desde a explosão seria um grande problema. Ele sentiu seu sangue congelar nas veias.
- Tem certeza? – ele perguntou assim que se recuperou do choque.
- Absoluta, ele está ali, na esquina.
James não olhou na hora. Esperaria mais um pouco antes de se virar. Então Lavine Sly realmente desconfiava dele, era o único motivo que houvesse um detetive o seguindo. Isso era realmente desastroso. Ele refez todos os seus passos mentalmente. Desde a morte acidental de John até aquele momento e não conseguiu descobrir onde havia deixado uma brecha.
Ele queria ir para casa imediatamente e pensar onde havia errado, mas essa atitude seria suspeita. Não. Teria que descobrir quem era o seu perseguidor. O seu nome, aparência, para quem trabalhava. Tudo. Não havia espaço para erros.
James se despediu de Mayumi e entrou no taxi, rumando para a casa de Riley, como havia prometido ao finado. Bateria na porta da noiva dele e diria que um terrível acidente havia acontecido, mas que o policial a amava mais que tudo no mundo e lhe deixou uma carta antes de morrer. Pobre moça, ele pensou, dormindo despreocupada, ou, no máximo, acordada, um pouco ansiosa, esperando pelo noivo que nunca chegaria. Mais uma vez ele amaldiçoou Sly, enquanto observava um taxi igual àquele que estava sentado seguindo-o por todo o caminho.
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