UM



Um


 


É claro que eu tenho segredos.


Claro que sim. Todo mundo tem. É totalmente normal. Tenho certeza de que não tenho mais do que ninguém.


Não estou falando de segredos enormes, de abalar a terra. Do tipo “o presidente dos EUA vai bombardear o Japão e só Will Smith pode salvar o mundo”. Só segredos normais, segredinhos do dia-a-dia.


Por exemplo, aqui estão alguns ao acaso, que me vieram à cabeça:


 



  1. Minha bolsa Kate Spade é falsa.

  2. Adoro licor de xerez, a bebida mais cafona do universo.

  3. Não faço idéia do que significa a sigla Otan. Nem do que se trata.

  4. Peso 61 quilos. Não 56 como meu namorado Draco acha. (Se bem que, em minha defesa, eu estava planejando fazer dieta quando falei isso. E, para ser justa, são só cinco quilinhos a mais.)

  5. Sempre achei que Draco se parece um pouquinho com o Ken. O da Barbie.

  6. Às vezes, quando estou bem no meio de uma transa apaixonada, de repente me dá vontade de soltar uma gargalhada.

  7. Perdi minha virgindade no quarto de hóspedes com Victor Krum, enquanto mamãe e papai assistiam a Ben-Hur no andar de baixo.

  8. Já bebi o vinho que papai mandou guardar por vinte anos.

  9. Sammy, o peixinho dourado da casa dos meus pais, não é o mesmo peixinho dourado que mamãe e papai me pediram para tomar conta quando foram ao Egito.

  10. Quando minha colega Pansy realmente me chateia, eu molho a planta dela com suco de laranja. (O que acontece praticamente todo dia.)

  11. Uma vez tive um estranho sonho lésbico com Ginny, minha colega de apartamento.

  12. A calcinha fio-dental está me machucando.

  13. Sempre tive uma convicção profunda de que não sou como todo mundo, e que há uma vida nova e incrivelmente empolgante me esperando ali na esquina.

  14. Não faço idéia do que esse cara de terno cinza está falando.

  15. Além disso já esqueci o nome dele. E só o conheci há dez minutos.


 


- Nós acreditamos em alianças logísticas formativas – continua ele numa voz nasalada, ressoante – tanto acima quanto abaixo da linha divisória.


- Sem dúvida! – respondo animada, como se dissesse: todo mundo não concorda?


Logísticas. O que significa isso, afinal?


Meu Deus. E se eles me perguntarem?


Não seja estúpida, Hermione. Eles não vão perguntar de repente: “O que significa logísticas?” Eu também sou uma profissional de marketing, não sou? Obviamente sei dessas coisas.


E, de qualquer modo, se mencionarem isso de novo eu mudo o assunto. Ou digo que sou pós-logística ou algo do tipo.


 O importante é continuar confiante e parecer profissional. Esta é minha grande chance e não vou estragá-la.


Estou sentada numa sala na sede da Glen Oil, em Glasgow, e quando olho meu reflexo na janela pareço uma empresária de sucesso. O cabelo está alisado, estou usando brincos discretos como mandam nas matérias sobre “como conseguir aquele emprego”, e estou com meu novo conjunto Jigsaw, superelegante. (Pelo menos é praticamente novo. Comprei no bazar da Pesquisa do Câncer e preguei um botão para substituir o que faltava, e mal dá pra notar.)


Estou aqui representando a Corporação Panther, onde trabalho. A reunião é para finalizar um acordo promocional entre a nova bebida esportiva Panther Prime, sabor uva-do-monte, e a Glen Oil. Cheguei especialmente de Londres hoje cedo, de avião. (A empresa pagou e tudo!)


Quando cheguei, os caras do marketing da Glen Oil começaram uma conversa comprida, metida a besta, tipo “quem já viajou mais?”, sobre milhas aéreas e o vôo noturno para Washington – e acho que eu blefei de modo bem convincente. (Menos quando disse que tinha ido de Concorde para Ottawa, e por acaso o Concorde não vai a Ottawa.) Mas a verdade é que esta é a primeira vez que tenho de viajar para fechar um acordo.


Certo. A verdade verdadeira é que este é o primeiro acordo em que eu trabalho, e ponto final. Estou na Corporação Panther há onze meses, como assistente de marketing, e até agora só me deixaram digitar comunicados, marcar reuniões para outras pessoas, pegar sanduíches e pegar a roupa do meu chefe na lavanderia a seco.


Ou seja, essa é tipo a minha grande oportunidade. E tenho uma esperançazinha secreta de que, se me der bem, talvez seja promovida. O anúncio para o emprego dizia “possibilidade de promoção em um ano”, e na segunda-feira terei a reunião de avaliação anual com meu chefe, Paul. Li a parte de “Avaliações” na apostila de apresentação aos funcionários, e ali dizia “uma oportunidade ideal para discutir possibilidades de avanço na carreira”.


Avanço na carreira! Ao pensar nisso sinto uma familiar pontada de saudade no peito. Isso mostraria a papai que eu não sou uma fracassada inútil. E a mamãe. E a Lilá. Se eu pudesse ir para casa e dizer bem casualmente: “Aliás, eu fui promovida a executiva de marketing.”


Hermione Granger, executiva de marketing.


Hermione Granger, vice-presidente (Marketing).


Se tudo der certo hoje. Paul disse que o acordo estava feito, selado e coisa e tal, e que eu só precisava confirmar com a cabeça e apertar a mão deles, que até eu deveria ser capaz de fazer isso. E até agora admito que a coisa está indo bastante bem.


Certo, eu não entendo noventa por cento do que eles estão falando. Mas também não entendi muito da prova oral de francês no GCSE e mesmo assim tirei B.


- Reestruturação de marca... análise... relação custo-benefício...


O sujeito de terno cinza ainda está arengando sobre alguma coisa. Do modo mais casual possível, estendo a mão e puxo seu crachá alguns centímetros na minha direção, para poder ler.


Doug Hamilton. Isso mesmo. Certo, dá para guardar. Doug. “Dou.” Fácil de visualizar. Hamil pode virar “ah, meu” ... e...


Certo, esquece. Vou anotar.


Escrevo “reestruturação de marca” e “Doug Hamilton” em meu bloco e faço um pequeno arabesco. Meu Deus, a calcinha está realmente desconfortável. Puxa, fio-dental nunca é muito confortável, na melhor das hipóteses, mas este está particularmente ruim. Deve ser porque é dois números menor do que deveria.


Com certeza porque Draco comprou pra mim, dizendo à vendedora que eu pesava 56 quilos. Ela concluiu que meu número devia ser 38. Trinta e oito!


(Francamente, acho que ela estava sendo má. A vendedora devia saber que eu estava cascateando.)


De modo que é noite de Natal, nós estamos trocando presentes, e eu desembrulho uma linda calcinha cor-de-rosa. Tamanho 38. E basicamente tenho duas opções.


A: confesso a verdade: “Ela é pequena demais, eu sou tipo 42, e, por sinal, não peso mesmo 56 quilos.” Ou...


B: Me enfio nela nem que tenha de usar calçadeiras.


Na verdade ficou boa. Mal dá para ver as linhas vermelhas na pele depois. E isso significou que eu precisei cortar todas as etiquetas das minhas roupas para Draco nunca ficar sabendo.


Não preciso dizer que desde então eu praticamente nunca usei essa calcinha. Mas de vez em quando olho para ela, tão lindinha e cara na gaveta, e penso: ah, qual é, não pode ser tão apertada assim, e de algum modo consigo me enfiar nela. E foi o que fiz hoje cedo. Até decidi que devia ter perdido peso, porque a sensação não era tão ruim.


Sou uma imbecil iludida.


- ...infelizmente, desde a reestruturação da marca... grande revisão de conceito... sentimos que precisamos considerar sinergias alternativas...


Até agora só fiquei ali sentada balançando a cabeça, pensando que esse papo de reunião de negócios é moleza total. Mas agora a voz de Doug Hamilton começa a cutucar minha consciência. O que ele está dizendo?


- ...dois produtos divergindo... tornando-se incompatíveis...


Que papo é esse de incompatíveis? O que foi aquilo sobre grande revisão de conceito? Sinto um choque de alarme. Talvez isso não seja só perfumaria. Talvez ele esteja dizendo alguma coisa. Depressa, escute.


- Nós apreciamos a parceria funcional e sinérgica desfrutada pela Panther e a Glen Oil no passado – prossegue Doug Hamilton. – Mas você deve concordar que sem dúvida estamos indo em direções diferentes.


Direções diferentes?


É isso que ele esteve falando todo esse tempo?


Meu estômago dá uma cambalhota ansiosa.


Ele não pode estar...


Ele está tentando cancelar o acordo?


- Com licença, Doug – interrompo com minha voz mais relaxada. – Estou prestando muita atenção em tudo. Claro... – E dou um sorriso amigável, do tipo “somos todos profissionais”. – Mas será que você poderia... é... recapitular a situação para nos esclarecer...


Em inglês simples, imploro silenciosamente.


Doug Hamilton e o outro cara trocaram olhares.


- Nós estamos um pouco insatisfeitos com seus valores de marca – despeja Doug Hamilton.


- Os valores de marca do produto – corrige ele, me olhando de modo estranho. – Como estive explicando, nós, da Glen Oil, estamos passando por um processo de reestruturação de marca e vemos nossa nova imagem como uma gasolina que se importa, como demonstra nosso novo logotipo com o narciso. E achamos que a Panther Prime, com sua ênfase em esporte e competição, é simplesmente agressiva demais.


- Agressiva? – encaro-o, perplexa. – Mas... é uma bebida de frutas.


Isso não faz sentido. A Glen Oil é uma gasolina que faz fumaça e arruína o mundo. A Panther Prime é uma inocente bebida com sabor de uva-do-monte. Como pode ser agressiva demais?


- Os valores que ela abarca. – Doug sinaliza para as brochuras de marketing na mesa. – Impulso. Elitismo. Masculinidade. O próprio slogan: “Não pare.” Francamente, parece um pouco datado. – Ele dá de ombros. – Nós simplesmente não achamos possível uma iniciativa conjunta.


Não. Não. Isso não pode estar acontecendo. Ele não pode estar tirando da reta.


Todo mundo no escritório vai pensar que foi minha culpa. Vai pensar que eu estraguei tudo, que fiz uma merda completa.


Meu coração está martelando. Meu rosto está quente. Não posso deixar que isso aconteça. Mas o que vou dizer? Não preparei nada. Paul disse que estava tudo acertado e que eu só precisava apertar a mão deles.


- Com certeza nós vamos discutir isso de novo antes de tomarmos uma decisão – está dizendo Doug. Ele me dá um sorriso rápido. – E, como eu disse, gostaríamos de continuar nossa parceria com a Corporação Panther. Portanto, esta foi uma reunião útil, de qualquer modo.


Ele está empurrando a cadeira para trás.


Não posso deixar isso escapar! Preciso tentar ganhá-los. Tenho de tentar encerrar o acordo.


Fechar o acordo. É isso que eu quis dizer.


- Esperem! – ouço-me dizendo. – Só... esperem um momento! Eu tenho alguns pontos para levantar.


De que estou falando? Eu não tenho nenhum ponto a levantar.


Há uma lata de Panther Prime sobre a mesa, e eu a seguro procurando inspiração. Tentando ganhar tempo, levanto-me, vou até o centro da sala e ergo a lata para todos poderem ver.


- A Panther Prime é... uma bebida esportiva.


Paro, e há um silêncio educado. Meu rosto está pinicando.


- Ela é... hmm... ela é muito...


Ah, meu Deus. O que eu estou fazendo?


Qual é, Hermione. Pense. Pense na Panther Prime... pense na Panther Cola.. pense.. pense...


É! Claro!


Certo, comece de novo.


- Desde o lançamento da Panther Cola no final dos anos 80, as bebidas Panther têm sido sinônimo de energia, empolgação e excelência – exclamo com fluidez.


Graças a Deus. Esse é discurso padrão de marketing para a Panther Cola. Eu o digitei tantos zilhões de vezes que poderia recitá-lo dormindo.


- As bebidas Panther são um fenômeno de marketing – continuo. – O personagem da pantera é um dos mais reconhecidos no mundo, e o clássico slogan “Não Pare” acabou entrando nos dicionários. Agora nós estamos oferecendo à Glen Oil uma oportunidade exclusiva de se juntar a essa marca valiosa e mundialmente famosa.


Minha confiança está crescendo, começo a andar pela sala, gesticulando com a lata.


- Ao comprar uma bebida Panther, o consumidor está sinalizando que vai aceitar apenas o melhor. – Bato na lata com a outra mão. – Ele espera o máximo de sua bebida energética, espera o máximo de sua gasolina, espera o máximo de si mesmo.


Estou voando! Sou fantástica! Se Paul pudesse me ver agora, iria me dar uma promoção no ato!


Vou até a mesa e olho Doug Hamilton direto no olho.


- Quando o consumidor da Panther abre a lata, está fazendo uma escolha que diz ao mundo quem ele é. Eu estou pedindo que a Glen Oil faça a mesma escolha.


Quando termino de falar, planto a lata com firmeza no meio da mesa, ponho o dedo no anel e, com um sorriso maneiro, puxo-o.


É como um vulcão entrando em erupção.


A bebida espumante com sabor uva-do-monte explode num jorro para fora da lata, pousando na mesa, encharcando os papéis e borradores com um sinistro líquido vermelho e... ah, não, por favor, não... escorrendo por toda a camisa de Doug Hamilton.


- Puta que o pariu! – ofego. – Quero dizer, desculpe...


- Meu Deus! – exclama Doug Hamilton irritado, levantando-se e tirando um lenço do bolso. – Essa coisa mancha?


- Hmm... – seguro a lata, desamparada. – Não sei.


- Vou pegar um pano – anuncia o outro cara e salta de pé.


A porta se fecha atrás dele e há um silêncio, exceto pelo som da bebida de uva-do-monte pingando lentamente no chão.


Olho para Doug Hamilton com o rosto quente e o sangue latejando nas orelhas.


- Por favor... – murmuro e pigarreio, com uma rouquidão terrível -, não conte ao meu chefe.


 


Depois de tudo... fiz merda.


Arrastando os calcanhares pelo saguão do Aeroporto de Glasgow, sinto-me completamente arrasada. No fim, Doug Hamilton foi um doce. Disse que tinha certeza de que a mancha ia sair e prometeu que não contaria a Paul. Mas não mudou de idéia com relação ao acordo.


Minha primeira reunião importante. Minha primeira grande chance – e é isso que acontece. Sinto vontade de desistir de tudo. Sinto vontade de telefonar para o escritório e dizer: “Chega, nunca mais vou voltar e, a propósito, fui eu que estraguei a copiadora daquela vez.”


Mas não posso. É minha terceira carreira em quatro anos. Tem de dar certo. Pelo meu próprio bem. Pela minha auto-estima. E também porque devo quatro mil pratas ao meu pai.


- Então, o que você deseja? – pergunta um cara australiano, e eu levanto a cabeça atordoada. Cheguei ao aeroporto com uma hora de folga e fui direto ao bar.


- Hmm... – Minha mente está vazia. – É... vinho tinto. Não, na verdade uma vodca-tônica. Obrigada.


Enquanto ele se afasta, eu me afrouxo de novo no banco. Uma aeromoça com coque de trança vem e se senta a dois bancos de distância. Sorri para mim, e eu dou um sorriso débil de volta.


Não sei como as outras pessoas administram a carreira, realmente não sei. Como minha amiga mais antiga, Ginny. Ela sempre soube que queria ser advogada – e agora: tchã-ram! É advogada de defraudações. Mas eu saí da faculdade sem a mínima pista. Meu primeiro emprego foi numa corretora de imóveis, e só entrei para lá porque sempre gostei de olhar casas, e conheci uma mulher com incríveis unhas pintadas de vermelho numa feira de carreiras, e ela disse que ganhava tanto dinheiro que poderia se aposentar aos 40 anos.


Mas, no minuto em que comecei, odiei. Odiei todos os outros corretores estagiários. Odiei ter de falar coisas como “uma vista adorável”. E odiei ter de dar detalhes de casas que custasse pelo menos quatrocentas mil libras quando os compradores diziam poder comprar uma de trezentas mil libras, depois olhá-los de cima, tipo “Você só tem trezentas mil libras? Meu Deus, coitado de você”.


Assim, depois de seis meses anunciei que ia mudar de carreira e ia ser fotógrafa. Foi um momento tremendamente fantástico, como num filme ou sei lá o quê. Meu pai emprestou o dinheiro para um curso de fotografia e a máquina, e eu ia me lançar numa carreira criativa e espantosamente nova, e ia ser o início da vida nova...


Só que não aconteceu exatamente assim.


Quero dizer, para começar, você sabe quanto ganha um assistente de fotógrafo?


Nada. Não é nada.


O que, você sabe, não me importaria se alguém tivesse me oferecido um cargo de assistente de fotógrafo.


Solto um suspiro pesado e olho para minha expressão digna de pena no espelho atrás do balcão. Além de todo o resto, meu cabelo, que eu alisei cuidadosamente com um produto especial hoje cedo, ficou todo crespo. Típico.


Pelo menos não fui a única que não chegou a lugar nenhum. Das oito pessoas do meu curso, uma teve sucesso instantâneo e agora tira fotos para a Vogue e coisa e tal, uma se tornou fotógrafa de casamentos, uma teve um caso com o professor, uma foi viajar, uma teve um bebê, uma trabalha na Snappy Snaps e uma está na Morgan Stanley.


Enquanto isso eu me endividei cada vez mais e comecei fazendo serviços temporários e me candidatando a empregos que pagassem alguma coisa. E por fim,  há onze meses, comecei como assistente de marketing na Corporação Panther.


O barman coloca uma vodca-tônica na minha frente e me lança um olhar interrogativo.


- Não fique assim – tenta me consolar. – Não pode ser tão grave!


- Obrigada. – Tomo um gole. A sensação é um pouco melhor. Estou tomando o segundo gole quando meu celular começa a tocar.


Meu estômago dá uma cambalhota nervosa. Se for do escritório, vou fingir que não ouvi.


Mas não é, é o número de minha casa piscando na telinha.


- Oi – atendo, apertando o verde.


- Oi! – É a voz de Ginny. – Sou eu! E aí, como foi?


Ginny é minha colega de apartamento e minha amiga mais antiga. Tem cabelos ruivos lisos e é a pessoa mais doce do mundo.


- Um desastre – respondo arrasada.


- O que aconteceu? Não conseguiu o contrato?


- Não consegui o contrato e ainda dei um banho no diretor de marketing da Glen Oil com bebida de uva-do-monte.


Mais adiante no balcão vejo a aeromoça escondendo um sorriso, e me sinto ficar vermelha. Ótimo. Agora o mundo inteiro sabe.


- Caramba. – Quase posso sentir Ginny tentando pensar em algo positivo para dizer. – Pelo menos você atraiu a atenção deles – exclama, finalmente. – Pelo menos não vão esquecer você depressa.


- Pode ser – digo com a voz mole. – E aí, tem algum recado para mim?


- Ah! Hmm... não. Quero dizer, o seu pai ligou, mas... hmm... você sabe... não foi... – Ela deixa no ar, evasivamente.


- Ginny. O que ele queria?


Há uma pausa.


- Parece que sua prima ganhou um prêmio profissional – conta ela, como se pedisse desculpas. – Eles vão comemorar no sábado, junto com o aniversário da sua mãe.


- Ah. Que bom.


Afundo ainda mais no banco. É só disso que preciso. Minha prima Lilá segurando em triunfo algum troféu prateado de “melhor agente de viagens do mundo, não, do universo”.


- E Draco também ligou, para ver como você estava – acrescenta Ginny rapidamente. – Ele foi mesmo um amor, disse que não queria ligar para o seu celular durante a reunião, para não atrapalhar você.


- Verdade?


Pela primeira vez, hoje, sinto um leve ânimo.


Draco. Meu namorado. Meu namorado amoroso e sensível.


- Ele é um doce! – continua Ginny. – Disse que estava preso numa reunião importante a tarde toda, mas que cancelou o jogo de squash e perguntou se você quer jantar esta noite.


- Ah – exclamo com um tremor de prazer. – vai ser legal. Obrigada, Ginny.


Desligo e tomo outro gole de vodca, me sentindo muito mais animada.


Meu namorado.


É como Julie Andrews dizia. Quando o cachorro morde, quando a abelha pica... simplesmente lembro que tenho um namorado – e de repente as coisas não parecem mais uma merda tão completa.


Ou sei lá como ela falava.


E não é um namorado qualquer. Um namorado alto, bonito, inteligente, que a Marketing Week chamou de “uma das mentes mais brilhantes da pesquisa de marketing atual”.


Fico sentada acalentando minha vodca, deixando que os pensamentos em Draco fiquem rolando no cérebro e me consolem. O cabelo louro dele brilhando ao sol, o sorriso que não sai do rosto. O favor que me fez atualizando todos os programas do meu computador sem que eu nem mesmo pedisse, e o modo como ele... ele...


Minha mente fica vazia. Isso é ridículo. Quero dizer, há muita coisa maravilhosa em Draco. Tipo... as pernas compridas. É. E os ombros largos. Até a vez em que ele cuidou de mim quando eu fiquei gripada. Puxa, quantos namorados fazem isso? Pois é.


Eu tenho muita sorte, tenho mesmo.


Guardo o telefone, passo os dedos pelo cabelo e olho o relógio atrás do balcão. Faltam quarenta minutos para o vôo. Agora não é muito. O nervosismo começa a se arrastar sobre mim como pequenos insetos, e tomo um gole comprido de vodca, esvaziando o copo.


Vai ficar tudo bem, digo a mim mesma pela zilhonésima vez. Vai ficar totalmente ótimo.


Não estou apavorada. Só estou... só estou...


Certo. Estou apavorada.


 


        16. Eu morro de medo de avião.



 


Nunca disse a ninguém que tenho medo de avião. É que parece tão idiota! E, puxa, não é que eu tenha fobia nem nada. Não é que eu não consiga entrar no avião. É só que... se pudesse, só ficava em terra.


Antigamente eu não sentia medo. Mas nos últimos anos fui ficando cada vez mais nervosa. Sei que é totalmente irracional. Sei que milhares de pessoas andam de avião todo dia e é praticamente mais seguro do que ficar deitada na cama. A gente tem menos chance de sofrer um acidente aéreo do que... do que de achar um homem em Londres, ou algo do tipo.


Mas mesmo assim. Simplesmente não gosto.


Acho que vou pedir outra vodca rápida.


 


Quando o vôo é anunciado, já tomei mais duas vodcas e estou me sentindo mais positiva. Quero dizer, Ginny está certa. Pelo menos causei uma impressão, não foi? Pelo menos eles vão se lembrar de quem eu sou. Enquanto vou para o portão de embarque, segurando minha pasta, quase começo a me sentir de novo uma empresária confiante. Algumas pessoas sorriem para mim quando passam, e eu dou um largo sorriso de volta, sentindo um calor de amizade. Veja bem. O mundo não é tão ruim, afinal de contas. É só uma questão de ser positiva. Qualquer coisa pode acontecer na vida, não é? Nunca se sabe o que há depois da próxima esquina.


Chego à porta do avião, e ali, pegando os cartões de embarque, está a aeromoça com coque de trança que eu vi sentada no bar, antes.


- Oi, de novo – digo sorrindo. – Que coincidência!


A aeromoça me encara.


- Oi. Hmm...


- O quê?


Por que ela parece sem graça?


- Desculpe. É só que... você viu que... – Ela sinaliza sem jeito para a minha frente.


- O que é? – pergunto, em um tom agradável. Olho para baixo e congelo, pasma.


Não sei como, minha blusa de seda foi se desabotoando enquanto eu andava. Três botões se abriram e ela ficou toda escancarada na frente.


Meu sutiã está aparecendo. O sutiã de renda cor-de-rosa. O que ficou meio frouxo depois da lavagem.


Era por isso que todo mundo estava sorrindo para mim. Não porque o mundo é um lugar bom, mas porque eu sou a mulher do sutiã cor-de-rosa deformado.


- Obrigada – murmuro, e abotôo a blusa com os dedos desajeitados, o rosto quente de humilhação.


- Não está sendo seu dia de sorte, não é? – consola a aeromoça com simpatia, estendendo a mão para meu cartão de embarque. – Desculpe, eu não pude deixar de ouvir.


- Tudo bem. – Forço um meio sorriso. – É, não está sendo o melhor dia da minha vida. – Há um silêncio curto enquanto ela examina meu cartão de embarque.


- Vou sugerir uma coisa – ela baixa a voz. – Você gostaria de ficar numa classe melhor?


- O quê? – Encaro-a como rosto vazio.


- Anda! Você merece uma folga.


- Verdade. Mas... vocês podem trocar as pessoas de classe, assim?


- Se houver lugares vazios, podemos. Nós usamos nosso critério. E este vôo é muito curto. – Ela me dá um sorriso conspiratório. – Só não espalha, certo?


Ela me leva para a parte da frente do avião e aponta para uma poltrona grande, larga, confortável. Nunca me puseram numa classe melhor na vida! Nem posso acreditar que ela está me proporcionando isso.


- Aqui é a primeira classe? – sussurro, absorvendo a atmosfera calma e luxuosa. Um homem de terno elegante está digitando num laptop à minha direita, e duas senhoras idosas no canto estão colocando fones de ouvido.


- Classe executiva. Não há primeira classe neste vôo. – Ela ergue a voz até o volume normal. – Está tudo bem para você?


- Perfeito! Muito obrigada.


- Tudo bem. – Ela sorri de novo e se afasta, e eu enfio a pasta embaixo da poltrona da frente.


Uau. Isso é realmente um barato. Poltronas grandes e largas, descansos para os pés e tudo. Vai ser uma experiência completamente prazerosa do início ao fim, digo a mim mesma com firmeza. Puxo o cinto de segurança e o fecho com um gesto casual, tentando ignorar os tremores de apreensão na barriga.


- Gostaria de champanhe?


É minha amiga aeromoça, rindo.


- Seria ótimo. Obrigada!


Champanhe!


- E para o senhor? Champanhe?


O homem na poltrona ao lado da minha ainda nem levantou a cabeça.  Está usando jeans e um suéter velho e olha pela janela. Quando se vira para responder eu capto um vislumbre de olhos verdes, barba crescida; um franzido vertical desenhado na testa.


- Não, obrigado. Só um conhaque. Obrigado.


Sua voz é seca e tem sotaque americano. Estou para perguntar educadamente de onde ele é, mas logo ele se vira de volta e olha pela janela outra vez.


O que é ótimo porque, para ser honesta, também não estou muito no clima para conversar.


 


N/A: Desculpa a demorar pra postar o 1º capítulo. Tive algum probleminhas (meu notebook deu pau) e só agora pude retornar! Informo a todos que minhas atualizações são sempre sábados e domingos.  O que significa que tem capítulo amanhã! \o/\o/\o/ Mas caso futuramente eu não possa postar em um dos dois dias, postarei na 4ª feira, pra manter minha meta de 2 capítulos por semana, visto que o livro é muuuito grande!


Obrigada pelos reviews! E pra quem passou sem deixar review também!


Beijos!

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