O LEGÍTIMO part. II
Após alguns minutos resistindo na estrada alagada, o ônibus da banda parou no acostamento de uma rua de terra paralela.
_ Não tem outro jeito..._ Marcos, o motorista estava desolado.Apesar da chuva, a claridade já tomava as primeiras horas da manhã, os rapazes da banda, acordados estavam também ali na cabine.
_ Não dá mais para continuar..._ O show já era... _ Milk resmungou.
_ Eu falei com o Túlio da produção em Minas... chove demais lá, cara, o jeito mesmo é a gente...Edu interrompeu-se ao ver uma caminhonete esportiva se aproximar do ônibus. O carro parou ao lado deles e um rapaz do banco de passageiros pôs a cabeça pra fora da janela.
_ Também estão indo pra pousada?
O jovem perguntou e Marcos franziu a testa.
_ Tem alguma por aqui?
_ Disseram que sim, nessa direção, parece que é o lugar mais seguro, não tem rio por perto e muita gente ta correndo pra lá... corram antes que não caiba mais ninguém! _ avisou o rapaz e logo a caminhonete acelerou pra estrada.Ao se recostar no banco do passageiro o rapaz estreitou os olhos pensativo.
_ Irmão, aqueles caras... acho que ja vi eles em algum lugar...
Marcos e Edu entreolharam-se parecendo compartilhar o mesmo pensamento, o jovem empresário fez um gesto positivo de cabeça e o motorista ligou o ônibus indo logo atrás da caminhonete.
_Eu vou pegar a câmera! _ Milk correu para o interior do ônibus.
_ Eu queria pegar um helicóptero..- Dado reclamou choroso.
_ Isso acabará acontecendo se a gente ficar ilhado. _ disse Costa com os olhos na pista alagada
Com expressão distante, Kristan observava a estrada de terra pela qual seguiam...
Pousada do Sonho
Um sobrado rústico revestido artesanalmente de tijolo de barro que ficava sobre uma faixa de gramado no meio das árvores. O ônibus que levava o nome da banda, estava na área de estacionamento, junto de mais três veículos,dois jipes e uma caminhonete , a mesma que passou por eles na estrada.
_ Banda Luminis...
No salão da recepção Edu estava em frente ao balcão sendo atendido por um homem negro, alto, o dono da Pousada.
_ Acho que ja ouvi falar de vocês sim...
Pelo sorriso confuso do homem Edu percebeu que ele nunca ouviu falar deles.
_É um prazer recebê-los aqui, geralmente não vem artistas para esses lados,só aventureiros_o homem fez um gesto de cabeça na direção de um grupo de pessoas que usavam vestimentas próprias de quem fazia trilhas no meio da mata_ Aqui é uma parte quase intácta da Mata Atlântica, esse chão que você está pisando aqui tem quase duzentos anos, pertencia àquele homem ali..._apontou um quadro no alto da entrada da recepção. A folha estava amarelada pelo tempo e exibia o desenho de um homem negro, sem camisa,calças curtas e descalço, ele segurava ma espécie de machado,a cabeça totalmente branca indicava uma idade já avançada_ Ele foi um quilombola.
Edu observou a foto com curiosidade, certamente aquele fato devia ter sido contado inúmeras vezes com a mesma emoção ja que era de admirar o brilho nos olhos do dono daquele lugar._ É um prazer receber vocês aqui, a pousada não enche muito nessa época... quantos quartos?
_ Na verdade é uma estadia de emergência, assim que a chuva parar nós vamos voltar para a estrada, precisamos somente de umas camas para esticar um pouco as pernas...
_ Em quantos vocês estão?
_ Em oito, os quatro do grupo, o motorista eu e dois seguranças...
_ Temos quartos com duas e três camas depende do que precisarem...
O salão de recepção estava movimentado, Costa e Dodo conversavam na saleta de espera com os rapazes da caminhonete,Milk, ali perto estava filmando o salão de recepção quando avistou Kristan parado na entrada,seu rosto,compenetrado, voltado na direção das arvores. Milk aproximou a camera pondo em foco seu perfil. Kristan era uma criatura fascinante, às vezes seu jeito silencioso e introspectivo era por demais de perturbador.
Uma figura coberta por uma toalha subiu as escadas rapidamente da área e atravessou na frente de Kristan. Atônito, o jovem cantor observou o rosto moreno envolto no pano azul passar por si e entrar no salão. Kristan paralisou por uns segundos então girou o corpo e foi atrás da figura encolhida sob a toalha molhada, Milk seguiu-os sem perder um segundo da expressão surpresa de Kristan.
Assim que parou atrás do balcão Kristan viu as mãos afastarem a toalha da cabeça e então parou mais uma vez perplexo... Era quase o mesmo rosto, mas os cabelos eram curtos, mas os olhos eram os mesmos...
_ Posso ajudar moço?
Era um garoto e olhava Kristan com estranheza
O rapaz piscou confuso
_ Hã?
Milk flagrou com a camera a expressão de tédio maldisfarçada do garoto e sorriu ao ve-lo tentar corrigir com um sorriso ensaiado.
_Quer alguma coisa?
Kristan estreitou os olhos
_ Não eu...é que você...é parecido com ela...
_ Ela?_ dessa vez o menino não disfarçou a careta.
_ A garota da estrada...o ônibus ia passando e ela surgiu do nada...
_ Do nada...
_ Saiu do meio da mata
_ Da mata...
_ No meio daquela chuva toda, usava uma calça jeans e...
_ Uma blusa branca de lacinho...
Kristan arqueou as sobrancelhas espessas
_ Você conhece ela?_se aproximou mais do balcão_ Porque uma garota estaria no meio do mato, debaixo daquela chuva, aparecendo do nada que nem um fantasma?!
Kristan estava inquieto desde que deparou com aquela aparição.
_ Vai ver... porque ela "é" um fantasma.
Milk filmou o rosto do garoto, ele estava sério...
_ Ela falou comigo_Kristan curvou o canto da boca.
_ E fala com todo mundo que encontra, nunca sai daquele pedaço porque morreu atropelada naquela estrada e agora vive assombrando quem passa por lá.
Kristan ficou mudo... pensando bem, que garota maluca sairia assim na chuva podendo ser engolida por uma enchurrada, ou ser atingida por raios...
Milk não perdeu o foco daquela sua expressão de dúvida.
_ Pedro!
A voz imperiosa veio detrás do garoto que se encolheu na hora. O dono da pousada se aproximou olhando-o reprovadoramente e em seguida encarou o rosto confuso de Kristan.
_ você não viu uma alma penada,era a minha filha que saiu no meio dessa chuva atrás do cachorro que fugiu.._E você,Pedro,vá ajudar a Bete a arrumar os quartos da ala esquerda,agora! _ordenou depois voltou-se com um sorriso para kristan_ Desculpe.
O garoto abaixou a cabeça em obediência ao pai,mas curvou a boca cinicamente olhando de esguelha para Kristan, o cantor estreitou os olhos pra ele, quase sentia-se um tolo em acreditar naquela história, Milk deixou escapar uma gargalhada sonora e recebeu um olhar enviesado do amigo, o guitarrista já estava se contorcendo de tanto rir.
Da janela...
Os olhos estavam presos sobre o campo
Seguindo cada folhagem que dançava ao vento...
As bolinhas verdes, precisas, podiam vasculhar cada lacuna do molejo das longas folhas
Ela surgiria ali...
Mas quando?
A fadiga da noite mal dormida castigava as pestanas cansadas...a cortina de cílios longos quase se fechavam
Então os lábios perfeitos comprimiram-se frustrados
Vencido, Kristan seguiu para a cama.
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