O Despertar do Desejo



A grande galeria tinha o cheiro incrível de incenso caro misturado com um tipo raro de perfume barato. Susan torceu o nariz ao passar por uma das fontes do cheiro: Uma das sete estátuas vivas inspiradas nos pecados capitais que enfeitavam o salão. Basílio parecia muito ocupado com seus convidados para conseguir notá-la, mas mesmo assim, ele abriu um pequeno sorriso ao vê-la passar.


- Oh, venha cá, Susan. – Ele esticou a mão que não estava segurando uma taça de bebida e agarrou o braço dela. – Ela é uma das minhas personagens pecadoras essa noite. – Ele anunciou para um grupo de pessoas. – Susan Bones, estes são os relações públicas da família real britânica.


Susan endireitou as costas, automaticamente, ao ouvir a apresentação de Basílio. Claro, ele era o fotografo da família real, era quase óbvio que alguns representantes da família real estivessem por lá.


- E por toda a eternidade, já que suas fotografias durarão para sempre, Basílio. – Um dos homens ergueu sua taça, cumprimentando-o.


- Que Deus lhe ouça! – Basílio brincou, ainda segurando o braço de Susan. – Susan, querida, você veio sozinha?


- Eu pedi para alguns amigos me encontrarem aqui, mas eles não chegaram ainda. – Ela queixou-se, ajeitando as saias do vestido. Basílio notou sua preocupação com as roupas.


- Você está muito elegante. – Ele puxou a outra mão dela para cima, fazendo um sinal para que o garçom lhe trouxesse uma bebida. – Espero que seus amigos cheguem a tempo para a revelação das fotografias... Eu espero que todos gostem da minha idéia de exposição para esse ano.


- Tem tudo para ser fantástica, Basílio. – Uma mulher do grupo de relações públicas da família real aproximou-se dos dois, com uma taça extra em sua mão. – Sete fotografias inéditas buscando inspiração nos sete pecados capitais têm tudo para dar certo. – A mulher largou uma das taças nas mãos de Susan.


- Harriett Warrior, a guerreira. – Basílio apresentou, enquanto a mulher esticava a mão. – Muitas vezes, sem escrúpulos. Uma péssima companhia.


- Ora Basílio – Ela iniciou, mostrando dentes muito grandes, ao sorrir. –, sou apenas uma daquelas pessoas que gosta de viver intensamente cada segundo.


- Eu também, mas vivo intensamente e com responsabilidade.


- Responsabilidade é para os fracos, Susan querida. – Ela agitou a mão e agarrou a mão da garota, lhe puxando para longe de Basílio. – Deixe-me tirá-la de perto deste homem sério e sem compromissos com a aventura.


Herriett a levou até o salão principal da grande galeria, onde os sete quadros estavam expostos. Era uma festa luxuosa e nos convites havia uma nota: Black-Tie, então todas as mulheres ali haviam caprichado em seus vestidos e penteados. Herriett não ficava atrás. Usava um belo vestido negro e um belo decote frontal, revelando grande parte de seu colo rechonchudo. Os cabelos curtos estavam puxados com gel para trás.


Ela parecia a heroína de Matrix.


- Você está explendida. – Ela comentou, reparando demoradamente no vestido lilás de Susan e em seu penteado pouco produzido. – Estou curiosa para ver sua fotografia.


- É quase uma obra de arte.


- É uma obra de arte. – Herriett corrigiu, virando para a parede leste, onde os quadros estavam pendurados lado a lado. – Todas as modelos são extremamente belas e cada uma segue uma linha de aparência, mas creio que você seja aquela que mais merece destaque.


- Você já está exagerando. – Susan disse, bebericando de sua taça.


- Não. – Herriett pareceu ofendida. – Você é aquela que pode conseguir tudo o que quiser, porque nunca mais em sua vida vai ser melhor do que é hoje. Nunca mais você vai conseguir tudo o que quer em um estalar de dedos como é capaz de conseguir hoje. E você sabe por quê? – Ela bebeu de sua taça, dando à Susan um tempo desnecessário para pensar. – Porque você nunca vai ser tão jovem e tão bela quanto é hoje.


Susan estava com a taça a meio caminho de seus lábios quando se viu obrigada a parar de se mexer, pela observação da mulher. Herriett falava sério. Ela nunca havia pensado que alguém poderia lhe dizer aquelas coisas, muito menos que algo assim viria de alguém que ela conhecera há apenas um minuto.


- Atenção! – Chamou uma voz aguda vinda da parede leste e as duas viraram para olhar.


Basílio Hurshey estava parado ao lado do dono da galeria, ainda segurando sua taça, olhando com prazer para todos os convidados para a abertura de sua exposição. Os quadros estavam dispostos de forma desigual na parede, alguns tortos, mas apenas um parecia merecer destaque. Havia um único quadro perfeitamente colocado na parede, acima dos outros seis.


- Comunico aberta a exposição “Sins” por Basílio Hurshey! – O entroncado dono da galeria anunciou, puxando uma corda que automaticamente revelou as fotografias em igual tempo. Os olhares foram primeiramente chamados por uma das fotografias.


O quadro posto mais acima do que os outros merecia uma atenção maior, pois era o mais bem trabalhado. A modelo nele representada usava uma básica blusa justa de mangas compridas que evidenciava cada pedaço de seu abdômen e seu busto, inclusive as veias arroxeadas, evidenciadas por computador. Os cabelos eram compridos e vermelhos como o fogo, voando para trás de si, enquanto o rosto tinha a mais perfeita expressão que o fotógrafo procurava: O sensualismo retraído.


Os outros quadros também despertaram a atenção de todos na galeria, mas aquela fotografia avermelhada que representava a Vaidade merecia atenção extra. Susan estava estagnada em seu lugar, ainda segurando a taça a meio caminho dos lábios quando percebeu do que se tratava.


- Oh Merlin... – Ela sussurrou, boquiaberta.


- Agora você entende o que eu disse sobre juventude e beleza?


Susan não conseguiu esboçar outra expressão que não surpresa. Nunca havia visto a si mesma daquela maneira, simples, mas mesmo assim como um poço de sensualidade. Era verdade, ela era muito bonita. Era perfeitamente capaz de ter tudo o que quisesse para si durante os anos em que se mantivesse com aquela aparência. Pena que aqueles anos prometiam ser curtos e sem regresso.


- Basílio! – Herriett gritou, chamando a atenção do fotógrafo para si, apontando a grande fotografia emoldurada de Susan. – Lhe devo minhas mais calorosas felicitações. Me parece a mais bela fotografia de sua carreira!


- Você gostou, Susan? – Basílio perguntou, mas a bruxa disfarçada não respondeu.


Continuou a encarar a fotografia como quem olhava algum espécime de animal que não poderia se extinguir nunca. Seus olhos brilhavam e seus lábios estavam levemente separados. Ela tinha no rosto uma estranha expressão que misturava angústia com uma satisfação sem fronteiras. Era óbvio que havia gostado, mas a preocupação que lhe tomara era maior do que qualquer nota de agradecimento pela obra.


- É triste... – Ela disse, apertando os olhos, enquanto estes se enchiam de lágrimas. As pessoas ao redor não estavam prestando atenção nela, mas o olhar de Basílio conferia uma importância ímpar. – Não é justo! – Ela chorou, mantendo a voz num sussurro. – Porque o quadro há de ficar jovem eternamente e eu terei de perder qualquer traço de juventude e beleza que me foi capturado naquela tarde? Não é justo que eu tenha que envelhecer enquanto esta fotografia permanece jovem. – Ela largou a taça em uma mesa, mantendo os olhos nos olhos oblíquos pedintes de sua fotografia. – E se acontecesse o contrário? – Ela recitou para si mesma, sorrindo debilmente. – Eu daria tudo para que continuasse a ter a mesma aparência daquele dia e para que a fotografia envelhecesse em meu lugar. – Susan cerrou os olhos, apertando as mãos em frente ao corpo. - Eu daria minha alma para que isso acontecesse.


- Um acordo desse só lhe arruinaria a carreira, Basílio. – Herriett riu, buscando na bandeja de um garçom mais uma taça para Susan. – Você precisa beber para esquecer esse tipo de coisa... Não é muito bonito que a mais nova sensação de Londres chore publicamente porque achou sua fotografia bela demais. – A mulher puxou Susan pelo braço. - Venha, vamos retocar essa maquiagem.

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