Vrykolakes
Capítulo 21
Vrykolakes
O boneco de neve já estava devidamente pronto, no entanto eu ainda fazia alguns ajustes, como arrumar o cachecol amarelo-gema que Arktos tanto odiava, ou o chapéu coco que reservávamos para essas ocasiões. Não gostei do nariz. O graveto era muito pequeno, então peguei outro maior, levemente curvado.
— Esse nariz parece o do tio Zach — ouvi Arktos dizer atrás de mim, rindo.
— Se ele estivesse aqui, você não diria isso.
— Se ele estivesse vivo, eu não diria isso.
— Eu nunca contaria a ele! — falei indignada.
— Para perder o sermão que ele daria enquanto enrugava o narigão?
Rindo, peguei a caneca de chocolate quente que Arktos trouxera.
— Aquele nariz era estranho. Não faço ideia de quem ele puxou.
— Ou quem tenha puxado para ficar daquele tamanho...
— Lembra quando ele veio nos visitar e Elizabeth o encarou durante tanto tempo que tivemos que pedir para ela ir embora?
— Achei que ele fosse azará-la — Arktos falou, rindo comigo. — Mas ele se limitou em não vir mais nos ver.
— Ele não veio simplesmente por não querermos vender a casa.
— Isso também.
Ficamos em silêncio por algum tempo, e eu olhei o boneco de neve, analisando-o.
— Acho que ano que vem deveremos trocar o cachecol — falei.
— Eu tenho um que não uso mais.
— Nunca.
— Mas eu nem disse qual!
Olhei para Arktos, erguendo as sobrancelhas. Ele se segurava para não rir de mim.
— Qual o motivo do repúdio? — ele perguntou.
— Eu não vou colocar no meu boneco um cachecol da casa de Gryffindor. Nem sob tortura!
— Ficaria bonito, Dina. E o boneco não é apenas seu. Eu também ajudei.
— Prefiro colocar meu cachecol — falei.
— Faremos um boneco de neve, não uma cobra de neve.
— Rá! Engraçado, você. Se vamos usar analogias, então você terá que rugir muito antes de me forçar a permitir que meu mundo seja vermelho e dourado.
— Todo esse repúdio me cheira a despeito.
— Você acha que eu sofro por não pertencer à Gryffindor? Se isso o faz feliz...
— Não é questão de Casa, Dina. É que você gosta de alguém da Casa dos Leões.
— Eu?!
— Sim. Eu me lembro daquele garoto que estava conversando com você, nas férias de verão. Não me lembro do nome, mas sei que você veio resmungando “gryffindor idiota”.
— Está falando do Black? Você colocou álcool nesse chocolate quente? Porque está agindo feito um maluco bêbado.
— Fazia tempo que eu não via tanta raiva no seu olhar.
— Então por que diz que gosto dele?
— Um sinal, só isso. Além de te conhecer o bastante.
— Só me faltava essa — resmunguei, voltando para dentro de casa.
Então, quase caí no chão com uma pancada na cabeça. Levei à mão onde fui atingida, sentindo um punhado de neve em meus cabelos. Olhei para Arktos e ele estava rindo como uma criança feliz. Coloquei minha caneca no chão e fiz uma bola de neve, jogando-a em Arktos. Acertei-lhe bem no peito, ao que sua risada parou na hora.
— Ponto para Slytherin! — gritei feliz, erguendo os braços em comemoração.
— Então é uma competição?
A feição de Arktos mudou para divertida malícia quando ele pegou um punhado de neve para me acertar. Eu sabia que essa guerra de neve aconteceria, por isso mesmo eu nunca saía do meu quarto sem minha varinha quando nevava. Então, ao mesmo tempo em que meu irmão se preparava para me acertar, eu retirei minha varinha e me protegi a tempo.
— Apelando para magia? Vamos ver quem é mais rápido, Dina.
Nosso duelo durou quase a tarde toda, e no fim já estávamos exaustos, deitados na neve, ensopados, ao lado do boneco. Minha barriga doía de tanto rir, pois, por mais que eu achasse essa brincadeira infantil, ter Arktos só para mim nas férias me deixava tão alegre quanto uma criança na manhã de Natal.
— Estava sentindo saudades sua — ele disse.
— Eu também.
Virei meu rosto para olhá-lo, mas Arktos encarava o céu, sorrindo levemente.
— Vamos entrar — ele disse, levantando-se. — Está nevando de novo, e não estou a fim de ficar doente. E você?
— Não, obrigada.
Eu ainda senti um floco de neve cair em meu rosto antes de entrar em casa...
— Dina, você vai para sua casa?
Foi com custo que desviei meu olhar do túmulo de Arktos para olhar Aimèe.
— Eu não sei.
— Se quiser, mamãe e eu iremos com você. Assim, você descansa um pouco.
— Não sei se eu ficaria bem se voltasse para casa, agora, sem Arktos lá — falei sentindo-me sufocar. — Acho que é melhor eu ir para Hogwarts.
— Mas você não disse que todos os seus amigos foram passar o feriado em casa?
— Nem todos — disse, pensando em Sirius. Mesmo mandando-o embora no dia anterior, eu sabia que, se o procurasse, ele não me ignoraria.
— Achei que você estivesse brigada com seu primo.
— Não é bem uma briga. Acho que só preciso me acalmar. Além disso, não me referi a ele.
Quando acordei hoje e vi Severus ao meu lado, em meu quarto, o primeiro pensamento que tive foi de agradecimento. Ele me consolou no dia anterior e, quando as lágrimas haviam acabado, ele me ajudou a ir para meu dormitório, ficando comigo até que eu conseguisse dormir com a poção dada por Madame Pomfrey. Porém, depois que o agradeci por ter me ajudado, a realidade me atingiu de uma maneira forte demais para ignorar.
Severus estava junto de Voldemort. Os Comensais de Voldemort haviam atacado Arktos e o matado. Severus, mesmo que indiretamente, estava ligado àquilo. Meu desprezo por ele então se tornou grande demais, que me vi expulsando-o de meu quarto, de perto de mim. Eu não queria vê-lo, pois, como dissera, “não precisava de um maldito aspirante a comensal me consolando”. Portanto, Severus não estava no enterro de Arktos. E, quando eu chegasse a Hogwarts, ele não me procuraria.
— Você tem certeza que prefere ir para a escola, ma chérie? — tia Françoise me perguntou.
— Tenho sim, tia. Obrigada.
— E como você irá?
— Aparatando — falei, dando de ombros. — Mas vocês podem ir. Vou ficar mais um pouco.
— Você vai ficar bem, Dina? — Aimèe me perguntou.
— Vou sim. Obrigada de novo.
— Então nós já vamos, chérie.
Minha tia me abraçou e depois Aimèe. Eu as assisti indo embora para depois me aproximar do túmulo de Arktos. Eu ainda queria ficar sozinha, colocar meus sentimentos em ordem. Com um aceno da varinha, fiz uma pequena coroa de flores para enfeitar a lápide, e em seguida fiz outra para a lápide ao lado, que pertencia aos meus pais.
— Cuidem dele — disse; olhei novamente para a lápide de Arktos. — Eu vou ficar bem. Você sabe como consigo me virar, não é?
Abaixei-me e peguei um punhado de neve, fazendo uma bola, colocando-a em cima da lápide de meu irmão.
— Vou sentir falta das nossas guerras de bola de neve, Ark.
Senti um bolo se formar no meu estômago, que parecia querer subir por minha garganta. Respirei fundo, controlando minhas emoções. Não tinha mais sentido chorar. Isso não traria meu irmão de volta.
Saí do cemitério e procurei rapidamente um lugar mais reservado, aparatando perto dos terrenos de Hogwarts. Ainda tive que caminhar por dez minutos antes de atravessar os portões ladeados por javalis. Porém, por mais que eu ansiasse a tranquilidade de meu quarto, não pude deixar de ficar na entrada da escola. Um pequeno grupo discutia acaloradamente, e eu notei logo o tema da discussão: os pais de Clair vieram buscá-la.
— Esta não é uma decisão sua, Clair — o Sr. McKennit falou muito irritado. Ele estava com o rosto vermelho de raiva, era fácil perceber. Já a mãe de Clair era pura arrogância e o olhar de nojo que ela dirigia a Remus me fez mal.
— Então, quem decidirá, papai? Vocês?
— Você não ficará nesta escola com este rapaz — a Sra. McKennit falou. — Pegue suas coisas agora, Clair.
— Eu não vou pegar droga nenhuma! — Clair gritou. — Eu não vou embora com vocês. Não tenho medo desta guerra. E não vou abandonar Remus por um capricho idiota.
— Capricho idiota? — a Sra. McKennit disse entre os dentes. — Esse garoto é um lobisomem, Clair! Ele não é normal! É uma aberração que pode te matar a qualquer momento.
— Sra. McKennit, por favor, controle suas palavras — Dumbledore disse praticamente inalterado, mas sua voz soou bem mais firme e ameaçável do que sua educação demonstrava.
A Sra. McKennit pareceu constrangida quando olhou para Dumbledore, mas logo sua repulsa voltou.
— Por acaso o Ministério sabe que você abriga um lobisomem aqui, Dumbledore?
Antes que o diretor respondesse ao pai de Clair, ela própria se pronunciou:
— Não ousem. Não ousem delatar Remus de maneira alguma.
— Clair — Remus tentou intervir, porém ela não lhe deu ouvidos.
— Não, Remus, eu não vou me calar — ela disse, olhando para os pais com muita raiva e determinação. — Se vocês fizerem alguma coisa para prejudicar Remus, podem esquecer que têm uma filha.
— Clair! — a Sra. McKennit disse, ofegante e ultrajada. Talvez ela não esperasse que Clair fosse tão longe. Para ser sincera, eu também não esperava tanta determinação de minha amiga.
— Você não faria isso — o Sr. McKennit disse.
— Experimentem. Se vocês querem fugir de Voldemort, indo para os Estados Unidos, podem ir. Mas vocês não podem me forçar, pois já sou maior de idade. Não podem ameaçar Remus ou a mim. E se vocês tentarem me forçar com ameaças ou estragando a vida da pessoa que eu mais amo no mundo, podem esquecer que eu existo. Agora vamos, Remus.
Clair puxou o namorado pela mão e voltou para a escola. Eu os segui, deixando os senhores McKennit a cargo de Dumbledore. Parecia que eles iriam amaldiçoar Remus ou a filha. Por um instante eu esqueci meus problemas e só queria consolar minha amiga; mas percebi que Remus faria isso melhor do que eu. Deixei-os, então, quando eles foram em direção às estufas. Por sorte, poucos alunos estavam em Hogwarts para presenciarem o escândalo.
— Ari! — Sirius me chamou. Ele estava correndo, pelo visto vindo da casa de Hagrid.
— Oi — cumprimentei, tentando sorrir, porém falhei de maneira miserável.
— Você chegou faz tempo? — ele perguntou.
— Acabei de chegar. Ainda consegui ver os pais de Clair, ao portão.
— Ah, sim... Eles fizeram um show no Salão Principal. Por sorte Dumbledore estava lá e não deixou que eles falassem o segredo de Remus.
— Isso é bom.
Sirius parecia ansioso, me olhando. Eu apenas cruzei os braços e olhei para o lado.
— Procurei você por toda Hogwarts, mas me disseram que partiu antes do café da manhã. Por que não me chamou para ir junto?
— Preferi ir sozinha. Aimèe estava lá, e minha tia Françoise também, então...
— Mesmo assim, eu queria ter ido. — O tom preocupado dele não estava me fazendo bem.
— Eu estou bem, Sirius. Não precisa se preocupar — falei mais agressiva do que gostaria.
— Você não precisa fingir para mim, Ari.
— Fingir o quê?
— Que não está triste, que não quer chorar. Não vou achar você fraca por sofrer.
— Que conversa é essa, Sirius?
— Conversa de quem te conhece melhor do que você imagina.
Eu o olhei, sentindo raiva por saber que ele tinha razão e por eu me mostrar tão frágil perto dele; tristeza por tudo o que acontecera; arrependimento por ter expulsado Sirius no dia anterior e saber que hoje eu daria tudo por sua presença no funeral.
— Então, se você me conhece, sabe que eu não sou do tipo que fica chorando pelos cantos. Além disso, chorar não vai trazer Arktos de volta — completei, olhando para o chão, pois estava tudo embaçado.
— Mas vai diminuir sua tristeza.
— E o que você sabe sobre isso?
— Mais do que você imagina.
A cada dia que passava, eu tinha total certeza de que Sirius não era apenas mais uma pessoa em minha vida. Ele era como uma fortaleza para mim, na qual eu poderia me esconder e também ser eu mesma sem me importar com qualquer outra pessoa ou situação, e ter essa certeza só me fazia querer mostrar para ele que eu estava bem, que era forte; mesmo sentindo meu coração doer, não queria demonstrá-lo. Mas quando ele me abraçou, toda a dor que eu havia reprimido durante o funeral de Arktos, toda a firmeza que eu demonstrara, não importava naquele momento. Abracei Sirius de volta e deixei que as lágrimas caíssem silenciosamente.
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Assim como as férias de Natal, janeiro passou vagarosamente. Contudo, por mais que eu desejasse, ele não foi tedioso. Eu gostaria que minhas preocupações enquanto estudante fossem como a de todos – aulas, provas, trabalhos e professores –, mas, porque o destino adorava brincar comigo, eu tinha meus pesadelos. Todos pensavam que meu abatimento fosse pela morte de Arktos, o que eu não desmentia. Era melhor assim do que encherem-me de perguntas. Tornou-se rotineiro dormir com as cortinas de minha cama fechadas e com feitiço de imperturbabilidade. Se Louise me ouvisse gritando no meio da noite, saberia que meu abatimento tinha outro motivo.
Durante esse tempo, porém, eu deixei de lado a pesquisa que fazia. O livro de Blake, sobre Morgana, estava esquecido em meu malão desde que eu o arrumara para voltar para casa, no Natal. A questão não era que eu havia me desinteressado sobre como e por que eu tinha pesadelos com meus pais mortos – ou por que um maluco impunha sua presença em minha mente. Meu medo era o que eu iria descobrir se continuasse a procurar.
Os pesadelos estavam diferentes. Eu os sentia cada vez mais reais, como se eu estivesse no local dos pesadelos, e não na segurança de Hogwarts. O homem de olhos roxos que fazia questão de não se mostrar claramente me prendia cada vez mais, me analisava de uma maneira que me dava calafrios e, quando sorria, o medo deixava minhas pernas fracas. Quando eu acordava, o medo continuava, assim como o eco de sua voz em minha mente.
Dormir a noite inteira era um luxo que eu não tinha mais. Portanto, naquela tarde de domingo, não consegui me segurar quando sentei com Sirius na sala de sempre; em poucos minutos já cochilava. Eu sentia vagamente a mão dele acariciando meus cabelos ou meu braço, o que me servia como um calmante inebriante. Vez ou outra ele me abraçava um pouco mais forte e me dava um beijo na bochecha, o que me despertava por alguns segundos.
— Você não tem dormido direito.
— Não.
— E você não vai me dizer o que está acontecendo?
— São as visões que eu disse a você que tenho.
— Que alguém a faz ter como se usasse legilimência?
— Isso. Elas vêm quando estou dormindo, como se fossem pesadelos. Por isso está difícil dormir.
— Mas àquela noite...
— Foi a primeira vez que as tive acordada.
— E o que você vê?
Apesar da preocupação e do cuidado na voz de Sirius, sua pergunta me causou mal-estar. Lembrar meus pesadelos também me lembrava de Arktos e no que ele me diria no Natal. Mesmo assim respondi.
— Meus pais. Eles estão de pé, me olhando, mas... — Hesitei por um minuto, para completar: — Eles parecem estar mortos.
— Como inferi?
— Eu não sei. — Virei um pouco o corpo para olhá-lo. — Eles não se parecem com as imagens de inferi que vimos na aula de DCAT. Estão mais pálidos, os olhos avermelhados. Parecem estar vivos, também.
— Então, como você sabe que eles estão mortos no seu sonho?
— É mais como uma sensação, entende? Não sei como explicar. Eu sinto que eles estão mortos, mas, de alguma maneira, também estão vivos.
— Essa incerteza que te perturba tanto?
— Não. — Olhei para minhas mãos, não querendo parecer boba, quando falei: — O que me incomoda é o fato de eu não estar conseguindo pensar nos meus sonhos apenas como sonhos. Eles estão me parecendo cada vez mais reais, como se eu não estivesse mais em Hogwarts, dormindo, mas acordada e no lugar dos pesadelos.
Por um momento, achei que Sirius fosse rir, afinal, eu mesma achava ridículo começar a pensar nos sonhos como situações reais.
— E se você conseguisse poções para dormir e que não a deixassem sonhar? — ele falou. — Isso, até você conseguir usar oclumência.
— E como vou conseguir os ingredientes? Se eu disser a Madame Pomfrey que preciso de poções, ela vai me perguntar o motivo, e não sei se gostaria de dizer que estou tendo visões como se fosse uma lunática.
— Então o que você pretende?
— Não sei — disse, num suspiro. — E não acho, também, que uma poção vá ajudar, Sirius — falei, levantando-me. Perguntei sem olhá-lo: — Você não acha que estou sendo ridícula por confundir realidade com sonhos?
— Não, se isso está perturbando tanto você. Além disso, parece que tem algo muito estranho nessas visões. Você descobriu mais alguma coisa?
— Não. Só o que lhe disse àquela noite. Arktos tinha descoberto algo e iria me dizer no Natal, mas...
— Nós vamos dar um jeito nisso.
— Nós? — repliquei.
— Claro. Ou você ainda não entendeu a sua importância para mim? — Ele sorriu e se aproximou, abraçando-me. — Por mais que você finja não perceber.
— Eu não finjo, Sirius. Só acho que seria ruim nos precipitarmos.
— Não acho que estamos nos precipitando em nada. Na verdade, pelas minhas inúmeras tentativas e suas inconcretizadas negações, podemos dizer que estamos tendo um relacionamento já faz um tempo.
— Inconcretizadas negações? — retorqui, rindo. — Meu Deus, você tinha que me lembrar de sua arrogância?
— O que você chama de arrogância, eu chamo de verdade irrevogável.
— Você e o Potter realmente se merecessem... Um pior que o outro.
— Há quem goste.
Por mais que eu quisesse, era impossível discutir esse ponto. Então, eu apenas rolei os olhos, demonstrando tédio.
— Viu? Você nem tem palavras para contestar.
— É aí que você se engana — falei, soltando-me dele. Caminhei até onde nos sentávamos e peguei a manta que havíamos trazido, uma vez que sentar no chão gelado não era uma boa opção. — Se começarmos a discutir o fato de você ser tolerável apesar de arrogante e presunçoso, ficaremos tempo demais aqui, e prefiro passar a noite no conforto de minha cama, mesmo não aproveitando toda minha noite de sono.
— Estou confuso. Estamos falando de mim ou de você?
Atirei-lhe a manta, a qual ele pegou, rindo. Mal dei dois passos, ele a passava ao meu redor, como se me prendesse e me aquecesse ao mesmo tempo, e me virou para olhá-lo.
— Viu como também nos merecemos? Somos mais iguais do que você imagina, Ari.
— Por isso que às vezes acho tudo isso errado — falei sem conseguir me conter; o sorriso, que se formara assim que ele me prendeu, sumindo.
— Não é errado e não precisa ter medo. Confie em mim.
E sem conseguir me conter mais uma vez, falei antes de Sirius me beijar:
— Sempre.
Por mais que minha racionalidade me amaldiçoasse quando eu ficava sozinha, era cada vez mais difícil pensar que Sirius e eu estávamos nos precipitando. Eu não saberia dizer de onde vinha todo esse sentimento que crescia a cada dia em meu peito e me tomava todo o pensamento. Eu só sabia que ansiava por vê-lo cada dia que acordava, ansiava por seu mais singelo toque ao mais acalorado beijo, ansiava por suas piadas sobre meu mau-humor e o fato de não sentir raiva quando ele se mostrava tão arrogante. E então, quando o encontrava, apenas tê-lo ao meu lado era o bastante.
Ficar com Sirius era o mesmo de não ter noção do tempo. Eu poderia ficar acordada o tempo todo ou me entregar ao sono ao fim da tarde, que ao fim, quando cada um tinha que ir para seu respectivo salão comunal, o tempo parecia ter sido pouco, mesmo tendo passado horas. Mas o melhor ainda era quando ele me beijava.
Eu esquecia que havia horário para voltar para Slytherin, que estávamos juntos há pouco tempo ou que eu afirmava veemente que o odiava até quase quatro meses, esquecia até mesmo os pesadelos e tudo o que me atormentava. A única realidade era Sirius com seus braços ao meu redor, apertando-me de uma maneira que me deixava na ponta dos pés, sem fôlego, o corpo inteiro trêmulo, mesmo aquecido sob aquela manta...
Minha pele se arrepiou – e até pareceu pinicar – quando sua mão achou uma brecha através de minha blusa, alcançando minhas costas, cintura, costas novamente, subindo e então descendo...
Interrompi o beijo, embora não saísse de seu abraço. Minhas mãos estavam no peito de Sirius, e embora trêmulas eu conseguia sentir seu coração descompassado, no mesmo ritmo do meu. Delicadamente ele arrumou minha blusa, tapando o pouco de pele que ele havia exposto; algo naquele gesto me pareceu impróprio – talvez nem tanto quanto meu pensamento seguinte. Respirei fundo, tentando controlar minha vontade de voltar a beijá-lo.
— Eles vão servir o jantar daqui a pouco.
— Eu sei — falei, minha voz tão rouca quanto a dele, e tão baixa que ninguém a um metro de nós poderia ouvir.
— Acho melhor nós irmos.
— Eu sei.
As mãos de Sirius foram devagar para minha cintura, desfazendo o abraço. Senti-me mais segura para olhar seu rosto, notando, então, que havia algo errado em seu olhar. Ele parecia tenso e preocupado e eu não entendi por quê.
— O que foi?
— Eu não quis, bem... Precipitar as coisas.
— Por que você está dizendo isso?
— É que você me parou quando eu... — Sua mão desceu alguns centímetros, autoexplicativa, pelo meu quadril. — Eu não faria algo que você não quisesse, Ari.
— Quem disse que eu não queria? — perguntei, apreciando a confusão na expressão do rosto de Sirius. — Eu não saí correndo, saí?
— Não, não saiu — ele falou, relaxando em um sorriso. Então ficou sério. — Mas ainda acho melhor irmos.
Eu tinha que concordar com ele. Esquecer-me do mundo quando ficava com Sirius não era algo prudente, pude notar. Peguei a manta e andamos em silêncio até a bifurcação que nos levava para nossas Casas, despedindo-nos com um beijo rápido.
— Até daqui a pouco — ele disse.
Eu apenas acenei e sorri, descendo as escadas em direção às masmorras.
— Interessante como você vive seu luto, Ariadne.
Estaquei no corredor, olhando para trás. Para meu terror, eu não me encontrava mais em Hogwarts.
— O que você quer? — Minha voz saiu com raiva e mais petulante do que eu me achei capaz.
— Simples: eu quero você.
Retrocedi o passo quando o homem de olhos roxos aproximou-se. Como sempre, seu rosto estava escondido nas sombras, apenas os olhos brilhando de maneira estranha e surreal.
— E por que eu?
— Porque você é especial, oras — ele riu. — Ou vai me dizer que não conhece a si mesma, Ariadne? Ah, você não sabe — o homem continuou, parecendo infeliz, então suspirou. Mas toda sua atuação parecia um venenoso sarcasmo. — Interessante como a proteção de seus tão queridos familiares tem sido, na verdade, sua perdição.
— Do que você está falando?
— Estou falando, sua menina ignorante, que você tem o sangue de seus ancestrais tão latente que eu chego a sentir o cheiro até com você a quilômetros de mim. E agora você pergunta “que ancestrais?”, e eu digo: feiticeiros. Além do sangue dos Vrykolakes. Uma mistura que a torna única. Maravilhosamente única.
— Dina?
Olhei para trás, assustada, quando senti alguém tocando meu ombro. Senti-me tão aliviada por ver Severus que quase o abracei. Eu estava de volta a Hogwarts.
— Está tudo bem? — ele perguntou, parecendo preocupado. — Eu te chamei, mas você não parava de encarar o nada, parecendo hipnotizada.
— Estou sim, Severus.
— Que bom.
Ele me olhou por alguns segundos, mas logo começava a sair de perto de mim. Antes que eu o perdesse de vista, o chamei novamente. Quando estávamos perto o bastante para ninguém entender nossa conversa caso passasse por aquele corredor, falei:
— Acho que nunca vou entender sua escolha, Severus, mas não quero julgá-lo por isso novamente. Você sempre foi um ótimo amigo, um primo que eu amo. Então, gostaria que me perdoasse por ter gritado com você daquela maneira.
— Você estava abalada, eu entendo — ele falou, dando de ombros.
Ficamos em silêncio, sem saber o que falar.
— Eu não quero você longe de mim, Sev.
— Vai ser um pouco difícil me ter por perto enquanto estiver com o Black.
— O Sirius mudou.
— E você também.
— Eu não esqueci o que ele já fez. Não sou uma retardada. Mas há uma diferença enorme entre esquecer e perdoar.
— É mais fácil perdoar algo quando não nos atinge diretamente.
— Não aja como se você não fosse importante para mim, Sev! Por favor!
— Nos vemos por aí, Dina.
— Isso é um sim? — perguntei, segurando-o pelo ombro.
Ele se soltou, mas deu um meio sorriso enquanto se afastava. Eu sabia que ele havia me perdoado pelas ofensas e o fato de eu estar junto de Sirius. Eu entendia o quão difícil era, para Severus, Sirius e eu estarmos namorando, e ter sua concessão era muito importante.
Fui dormir com um problema a menos àquela noite. E também mais dedicada. Antes de deitar, escrevi em um pedaço de papel o nome “Vrykolakes”. Voltaria às minhas pesquisas no dia seguinte.
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N/B: Eita que esse suspense todo ainda me mata, sabia? Torço para que a pesquisa da Ari termine logo e assim a gente possa ler o próximo capítulo o mais rápido possível! Bjs, Liv. Já estou roxa de saudades.
N/A: Olá, queridos! Esse capítulo demorou um pouquinho para sair, porque eu sempre me perco em cenas pós-morte. E, sim, isso é um reflexo de mim – já que nunca sei como me portar em velórios. Porém ele acabou saindo do jeito que eu quero! Espero que todos tenham gostado.
Beijo grande e especial para Priscila Louredo, minha beta que abracei cheia de saudades nesse feriado de maio, assim como pra Kelly, que também vi, abracei, apertei e matei um pouquinho da saudade (amore, acho que me arrependi de não ter comprado seu produto em PoA! Hahahhaha), e para Ana (a morte do Arktos era necessária sim, infelizmente...e isso também me entristece, pois eu o adoro! Um de meus personagens preferidos.).
Aos demais, meu obrigada pela leitura! E espero comentários, queridenhos!
Beijos,
Lívia.
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