Confiança e Medo



Capítulo 19


 


Confiança e Medo


 


Eu me sentia em um labirinto. Cada vez que eu virava em um corredor, sentia ter passado por ele minutos atrás, porém, sempre havia um detalhe diferente, como um quadro ou um aparador encimado por um objeto qualquer. Um déjà vu propositalmente modificado em pequenos detalhes. No entanto, a cada virada de corredor, a sensação de que eu alcançava meu destino aumentava juntamente com a a ansiedade.


Quando virei pela terceira vez aquele corredor acarpetado de vermelho – pois eu tinha certeza que já havia passado por ele –, escutei o som de passos abafados. Estaquei, esperando ver uma pessoa passar pela interseção dos corredores, à minha frente. Ao notar que os passos ficavam mais longe, corri, conseguindo ver um pé sumir ao fim do corredor à esquerda. Continuei minha corrida, sempre vislumbrando ou o pé da pessoa que fugia de mim ou uma capa escura.


Estava quase desistindo quando virei um corredor e trombei em algo, caindo no chão. Olhei para cima, mas o rosto da pessoa à minha frente, na qual eu havia trombado, estava escondido pelas sombras. Era um homem alto e magro, cujas roupas faziam me lembrar de séculos passados. Quando ele deu um passo em minha direção, retrocedi instintivamente. Minha reação pareceu diverti-lo.


— Com medo de mim, Ariadne? — Sua voz era suave, porém, havia algo em seu sorriso que fez meu coração acelerar em temor enquanto eu sentia que minhas pernas falhavam e tremiam. Eu não conseguia me levantar. E a proporção do meu medo era algo que eu nunca havia sentido antes.


— Quem é você? — consegui perguntar. Minha voz saiu com custo, fraca.


— Logo você descobrirá. E, quando isso acontecer, você não escapará. Agora, levante-se.


Como se meu corpo fosse uma marionete à sua mercê, minhas pernas pararam de tremer e eu consegui sustentar-me à frente do homem. Eu sentia uma mistura de confiança e medo. Confiança por meu corpo parecer responder ao meu comando; medo por sentir que havia algo estranho e cruel naquele homem.


Meu coração parecia que iria sair pela boca quando ele segurou-me a mão e, suavemente, puxou-me para perto dele. E a cada centímetro que me aproximava, seu rosto começava a ficar nítido. A primeira coisa que vi foram seus olhos roxos.


Sentei-me na cama, assustada. Procurei desesperada por minha varinha embaixo do meu travesseiro; eu necessitava acabar com a escuridão do meu quarto em Hogwarts. Tão logo pensei no feitiço, uma luz forte iluminou o quarto, ajudando me acalmar. Rápida, fechei também as cortinas da minha cama.


Saber que eu me encontrava em Hogwarts e não naquele castelo fez com que meu coração se acalmasse gradativamente, embora minhas mãos e pernas ainda tremessem. Tudo ainda me parecia muito real. O homem em meu sonho era como um dementador, mas em vez de sugar minha felicidade, era todo o meu autocontrole. E eu também sabia que era ele quem me fazia ter os sonhos com meus pais sendo assassinados. De algum modo, eu sabia. Isso me deixava cada vez mais preocupada, uma vez que no sonho eu sentia que minha vontade era anulada, apenas obedecê-lo importava. A parte em mim que relutava que era a fonte de todo aquele medo.


Não consegui dormir mais, pois, novamente, o medo de sonhar era muito forte. Abri o cortinado rapidamente para pegar a caixinha de música que ganhara de Sirius em meu aniversário e que estava ao lado de minha cama, em seguida lancei um feitiço de imperturbabilidade nas cortinas. Eu sabia que aquela música seria a única coisa que me acalmaria. E eu precisava me acalmar para entender o que estava acontecendo.


Os poucos livros que eu havia encontrado na biblioteca não foram nada úteis. Ainda tinha esperança de encontrar algum escrito de Morgana sobre Visões Impostas, afinal, se ela realmente registrara seu feito único, em Hogwarts poderia ter algo.


Suspirei, olhando para a dançarina da caixinha de música. Mais tranquila, comecei a cogitar ir naquele momento até a biblioteca. Talvez conseguisse algo na seção reservada. Da maneira mais silenciosa que consegui, troquei de roupa, peguei minha mochila, minha capa da invisibilidade e saí do quarto. Quando passei pelo salão comunal, olhei para o relógio: ainda faltavam quinze minutos para as cinco horas da manhã!


Com certeza seria um dia longo.


Entrar na seção reservada da biblioteca não foi difícil, pois a porta era trancada apenas com chave – o que me parecia um pouco idiota de se fazer em uma escola de bruxos. Porém, não quis discutir com minha sorte.


Iluminando com minha varinha os livros daquela seção, comecei a vasculhar. Não era fácil, uma vez que havia vários volumes, de muitos temas, e alguns nem eram propriamente livros, mas uma pasta cheia de papéis soltos que eu tinha que abrir para descobrir do que se tratava. Já estava amanhecendo quando descobri alguma coisa.


Não eram bem os escritos de Morgana como eu queria, no entanto era bem mais explicativo do que os livros que eu havia lido antes. Olhei mais um pouco e achei outra coisa interessante. Decidi enfiar tudo em minha bolsa e sair dali, pois se Madame Pince me visse, obviamente não me deixaria ir com esses livros sem uma autorização especial.


Passei toda a manhã ansiosa, querendo logo ler o que eu tinha, mas não consegui um tempo que fosse. Somente quando estava saindo de minha última aula que consegui driblar meus amigos e me esconder na sala de sempre. Contudo, mal abri minha bolsa, outra pessoa entrou. Eu havia me esquecido de selar a sala. E a pessoa era Sirius.


— Achei que não teria tempo para mim, hoje.


— Muitas aulas — eu disse. — E você, não vai para debaixo da árvore com seus amigos, como sempre?


— Preferi vir aqui. Sabe que já está me cansando encontrar escondido com você? — Ele me abraçou e sorriu. — Certo que tem um pouco de excitação enganar todo mundo, mas... Às vezes, eu poderia estar com você e com meus amigos ao mesmo tempo.


— Sim, porque eu e o Potter conseguiríamos conviver tranquilamente, não?


— Você consegue conviver comigo.


— Mas é diferente.


— Por quê?


Abri a boca para responder, mas preferi ficar calada. Não seria boa ideia dizer o que veio à minha mente naquele instante. Sirius insistiu.


— O quê? Diz!


— Acostumei-me a você. É isso.


— Então se acostume ao James — ele retorquiu, sorrindo. Se eu o conhecesse bem, sabia que esse sorriso era porque não acreditava no que eu havia dito.


— Talvez. Se a Lily se casar com ele.


— Portanto, deveria começar agora.


— Eles não vão se casar. — Soltei-me dele e fui até a bolsa, abrindo-a e retirando o livro. — Por que você não vai ficar com seus amigos, hoje? Preciso estudar.


— Foi por isso que você veio aqui? Achei que fosse porque queria se encontrar comigo.


— Presunçoso, você, não? — sorri, olhando-o.


— Só quando posso.


— E quem disse que você pode?


— Você quer mesmo que eu responda isso?


— Como eu disse: presunçoso. Você não vai mudar nunca, Sirius Black?


— Para que mudar, se foi assim que eu consegui fazer você gostar de mim?


Sorri em resposta e meneei a cabeça negativamente. Ele sorriu e retirou o livro de minhas mãos, colocando-o em cima de minha bolsa. Em seguida, abraçou-me.


— Não vai argumentar?


— Não.


Ele pareceu desconfiado a princípio, então sua expressão mudou.


— Você está bem?


— Claro que estou. Se eu não estivesse nos meus melhores dias, já teria te mandado embora.


— Então por que você está me dispensando?


— Já disse, preciso estudar.


— E por que não foi para o seu salão comunal?


— Gosto daqui.


Sirius continuou me olhando, ao que eu fingi não perceber seu olhar perscrutador. Ele parecia querer entender o que me afligia, o que eu tentava lhe ocultar com sorrisos despreocupados. Porém, dividir com ele minhas aflições era um passo em nosso relacionamento que eu ainda não estava preparada para dar, embora desejasse muito. E esse desejo só aumentou quando ele fez um carinho delicado em meu rosto e sorriu.


— Tudo bem. Vou deixar você estudar. Só me dê um minuto.


O minuto se multiplicou, e ele só foi se encontrar com seus amigos vinte minutos depois.


Por mais que meus receios em ter um relacionamento normal com Sirius ainda existissem, havia algo que eu não conseguia lutar contra. Sua presença era tão necessária para mim que eu me sentia muito mais sozinha quando ele me deixava. Como se fosse um vazio que somente ele conseguia preencher.


Deixando meus sentimentos de lado, abri o livro que Sirius colocara em cima de minha bolsa. Se eu quisesse resolver meus problemas, deveria começar a lê-lo neste momento.


Somente na hora do jantar saí da sala. Tomei um banho rápido e segui para o Salão Principal, onde Louise me esperava.


— Você sumiu o resto da tarde! O que você andou fazendo, Ariadne?


— Lendo. Por quê? Aconteceu alguma coisa?


— Comigo, não. Mas, e você? Se encontrou com alguém?


— Não.


— Então que marca é essa no seu pescoço?


Estaquei enquanto me servia. Olhei apenas por um segundo para a mesa da Gryffindor, sentindo uma imensa vontade de matar Sirius. Como ele se atrevera a deixar marca no meu pescoço?


— Ah, então você se encontrou com seu namorado secreto — Louise disse, vitoriosa.


— Cale a boca, Louise — resmunguei. Automaticamente, coloquei meu cabelo todo de lado, tapando qualquer marca que pudesse existir.


— Não precisa ficar nervosinha. Não vou dizer a ninguém. E qual foi a direção que você olhou?


— Não te interessa.


— Ari, você é muito chata, sabia?


— Já me disseram isso.


— Desse jeito não fica nem engraçado tirar sarro de você.


— Você não tem que se encontrar com Etan?


— Ele está jantando. Preferimos ficar em nossas próprias mesas.


Murmurei um “Que ótimo” irritado, continuando a me servir.


— Eu vou descobrir quem é seu namorado, cedo ou tarde — Louise disse, parecendo não se importar com minha irritação. — E coloque esse cabelo para trás, antes que ele mergulhe na sua comida. Afinal — ela riu — não tem marca alguma para você ocultar.


— Mas você...


— Enquanto você vem com os ingredientes, querida, eu já enfiei o bezoar goela a baixo.


Minha vontade foi mandar Louise às favas. Porém, eu tinha que admitir: ela usara bem sua inteligência.


— Espertinha — falei, meu humor voltando ao normal. — E caso você não acredite, passei a tarde lendo sim. Nada de encontros secretos.


— Certo... Portanto, isso quer dizer que o encontro secreto será agora à noite. Pedirei para o Etan ser menos cuidadoso, já que hoje ele faz ronda.


Naquela noite, tomei todo o cuidado ao me encontrar com Sirius, receando que Louise estaria me seguindo. Porém, eu não consegui ser uma boa companhia para ele. Estava muito cansada por ter acordado muito cedo.


Uma das coisas que eu gostava quando estava com Sirius era que não precisávamos ficar conversando ou nos beijando o tempo todo. Eu ficava confortável com o silêncio, e ele também. Então, quando o assunto acabava e não tínhamos nada a conversar, eu ficava de costa para ele, encostada em seu peito, enquanto ele me abraçava. Nessa posição, olhávamos pela janela da sala, pensando em tudo e em nada. Não demorou muito para eu começar a dormir em pé.


— Devo ser, então.


— Hã? O que você falou? — perguntei.


Sirius riu e me deu um beijo na bochecha.


— Você está dormindo em pé, Ariadne. Minha companhia está tão ruim assim?


— Não é isso. Eu acordei muito cedo, hoje.


— Não conseguiu dormir?


— Algo assim. Seria melhor eu ir para meu dormitório.


Sirius não deixou que eu me afastasse dele. Abraçando-me, encostou o rosto na curva do meu pescoço. Meu corpo respondeu imediatamente, arrepiando-se. Eu me perguntava se ele sabia o efeito que esse simples gesto me causava.


— Quando você vai confiar em mim de verdade?


Mordi o lábio inferior, angustiada. Preferi ficar sem responder a essa pergunta.


Ele beijou meu pescoço, bochecha e então meus lábios, suavemente. Em seguida, me encarou.


— Eu não sou ruim como você sempre achou. E nem alguém injusto, como com certeza seu primo adorava apregoar.


— Severus não pode dizer muito de justiça... Mas por que você está falando isso?


— Para você saber que pode confiar em mim, Ari. Para tudo!


— Eu imagino que sim.


— Você pode! — ele disse com firmeza, forçando-me a encará-lo. Sirius retirou a capa da invisibilidade do bolso de seu casaco, a qual sempre trazia quando nos encontrávamos à noite. — Vamos. Vou te levar para seu salão comunal.


Durante o caminho, não dissemos nada. Eu estava mais preocupada em pesar tudo o que acontecera entre nós e o que as palavras dele significavam. E por mais que eu quisesse acreditar verdadeiramente nelas, alguma coisa ainda impedia. Angustiada, eu tentava descobrir o que era, mas nunca encontrava respostas.


 


XXX


 


Acordar com o coração querendo sair pela boca já estava virando uma rotina para mim. Durante aquela semana, eu havia sonhado com o castelo do homem de olhos roxos três vezes. E para piorar, Parkinson notara meu abatimento, pois dormir após esses pesadelos era impossível.


— Esteja inteira amanhã, Lakerdos. Caso contrário, teremos que substituí-la no jogo.


— Não vai precisar — falei, deixando o campo o mais rápido que pude.


Minha pressa tinha motivo. Em uma excursão pela seção reservada na noite anterior, eu havia encontrado os escritos de Morgana sobre Visões Impostas. Algo me dizia que eu encontraria muitas respostas naqueles papéis. Além disso, o que eu havia lido anteriormente já me fazia ter certeza que os meus pesadelos eram mesmo as memórias de alguém. Alguém maluco e cruel o bastante para me mostrar a morte de meus pais e fazer todo aquele terror.


Tomei um banho rápido e nem fui jantar. Uma vez que não queria ser incomodada, mandei um bilhete para Sirius, dizendo que hoje eu deveria estudar e dormir cedo por causa do jogo contra Hufflepuff no dia seguinte.


Assim que entrei na sala de sempre, lacrei a porta com um feitiço e comecei minha leitura. O livro, “Morgana Le Fay: vida e magia”, não fora escrito pelas mãos da própria bruxa, mas por alguém chamado B. Blake. Porém isso não me importava. O importante eram as informações que aquelas páginas continham. E eram muitas páginas.


Não notei a hora passar, uma vez que a concentração era tamanha que eu não conseguia sentir sono – embora tivesse acordado antes das seis horas da manhã. Os escritos de Blake, contando sobre o tipo de magia que Morgana utilizava, parecia surreal. Eu não conseguia deixar de pensar que aqueles absurdos eram fantasiados por Blake, e não um relato original. Não conseguia entender como Morgana conseguira ser tão poderosa quanto Merlin, e nem como ela conseguira enfeitiçar toda uma corte durante tanto tempo que o mago não fora capaz de anular-lhes o feitiço. Na verdade, eu custava acreditar que houvera mesmo um Rei Arthur e uma espada mágica chamada Excalibur. Porém, o tal Blake dizia tudo com uma linguagem digna de credibilidade.


Eu apenas consegui ler o que realmente me interessava quando estava no meio do livro. E o que li não foi nada agradável. Naquele livro estava claro como impor visões a alguém tornava tudo influenciável. As memórias que alguém colocava em minha mente através de sonhos deixavam-na cravadas em meu cérebro de tal maneira que eu pensava ter vivido tudo aquilo. Meu corpo estava cansado quando eu corria pelos corredores do castelo negro em sonho, assim como a angústia aumentava a cada morte que eu assistia repetidas vezes. Além de conseguir sentir o perfume que havia no sonho... Como se alguém o espirrasse em mim enquanto eu dormia.


Eu sabia que era tudo coisa da minha mente. E um maluco estava por trás daquilo tudo. Eu deveria escrever para meu irmão, perguntar-lhe se conseguira descobrir algo e contar-lhe o que eu sabia. O que eu estava tendo não eram apenas pesadelos comuns; alguém estava impondo visões e memórias em minha mente.


Continuei a ler o livro, procurando uma maneira de bloquear tais visões. Mas, à medida que eu lia, as letras ficavam embaralhadas, em seguida as palavras perdiam os sentidos...


Vi-me novamente andando pelo castelo de corredores acarpetados. Meu coração rapidamente se acelerou, com medo. Eu já imaginava o que aconteceria, embora sempre houvesse algo diferente. Procurei pelo homem de olhos roxos ou pelo casal que lembrava meus pais. Dessa vez, eu estava ao meio de uma grande sala com uma lareira suntuosa do meu lado direito. Em pouco tempo, senti uma presença atrás de mim. Intentei virar-me, mas alguém segurara meus braços, impedindo. Eu sabia quem era. Ou talvez meu subconsciente já estivesse tão acostumado àquilo tudo que eu sabia que não poderia tratar-se de outra pessoa a não ser ele.


— Você não conseguirá me bloquear, Ariadne.


— Veremos — eu disse, demonstrando uma coragem que estava longe de sentir. O homem riu.


— Eu não tenho nada seu. Nem uma mecha de seu cabelo, ou uma roupa que você tenha usado. Eu tenho algo que é mais forte. Algo que nem você poderá pegar de volta.


Eu sabia que, a única coisa que poderia permitir aquele homem de impor-me suas memórias, além de algo que me pertencera, era...


— Sim, minha querida. Sangue. O sangue que corre em minhas veias é o mesmo que corre nas suas. Nossa ligação é forte. E o momento está chegando, Ariadne. E nada nem ninguém me impedirá de tê-la para mim.


Acordei assustada com alguém tocando meu ombro. O grito ficou preso em minha garganta quando vi que era Sirius quem me tocava, não aquele homem odioso.


— Ainda bem que é você — murmurei, sentando-me. Nem tinha percebido que adormecera na sala, o livro aberto ao lado de minha cabeça.


— Você está bem?


— Acho que sim. Tive um pesadelo.


— Percebi. Você parecia apavorada enquanto dormia. Estou tentando te acordar há um tempão, Ari.


— Obrigada por me acordar.


Somente neste momento notei o quão clara estava a sala. Levantei-me, um pouco estabanada.


— Que horas são? O Parkinson vai me matar se eu demorar! Temos jogo, hoje. Você guarda esse livro para mim?


Saí da sala antes que Sirius pudesse dizer coisa alguma. Corri para meu quarto e o mais rápido que pude cheguei ao campo de quadribol. Para meu assombro, o jogo já havia começado.


Demorou quinze minutos para Parkinson me ver, embora eu tenha certeza que ele percebera minha chegada assim que entrei no campo. Ele pediu tempo e desceu com todo o time onde eu estava. Percebi que quem tomara meu lugar era um quintanista que fizera teste no início do ano letivo.


— O que você está fazendo aqui? — Parkinson perguntou.


— Eu vim para o jogo! Desculpe a demora, Parkinson, mas eu tive um problema e...


— Não se preocupe. Powell já tomou seu lugar. E, a partir de hoje, ele será o apanhador da Slytherin.


— O quê? Você não pode me tirar do time desse jeito!


— Eu posso e estou te tirando. Sou o capitão e faço o que bem entender.


— Mas eu sou melhor do que ele!


— Você decaiu muito esse ano, Lakerdos — Crosmwell, um dos artilheiros, disse. — E não queremos um apanhador que se esquece da hora do jogo.


— Vocês precisam voltar ao jogo, Sr. Parkinson. — Madame Hooch havia pousado ao nosso lado. — Decidam logo o que vão fazer e subam. Têm um minuto.


— Você está fora, Lakerdos. Powell, você é o novo apanhador da Slytherin.


E sem esperar minha resposta, o time todo levantou voo. Apenas Paul perdeu dois segundos me olhando, como se pedisse desculpas.


Minha vontade era lançar um feitiço em todos aqueles imbecis, mas limitei-me em dar meia volta e ir para o castelo.


— O que foi? Você não vai jogar?


— Aquele imbecil pensa que pode me tirar do time, mas ele está muito enganado! — falei entre os dentes quando Sirius me abordou à porta do castelo.


— Ariadne, espere!


— Eu não estou bem agora, Sirius. Não vou ser uma companhia boa.


— Mas quem disse que eu só quero ter você ao meu lado quando seu humor cooperar?


— Você não vai gostar de ficar comigo nervosa desse jeito. Eu fico intragável quando irritada.


— Acho que eu aguento o tranco.


— Eu não tenho culpa do que está acontecendo! — quase gritei, ao que Sirius puxou-me para uma sala. — Eu adormeci quando lia aquele livro, só isso! Ele não tem problemas? Custa tanto assim compreender o que acontece comigo?


— E o que está acontecendo com você, Ari?


— Essa droga de pesadelo que me persegue! — falei, sem conseguir me segurar. Sair do time não era o fim do mundo para mim, contudo, a formo como isso acontecera que me irritava tanto. Era incrível como os pesadelos influenciavam tanto meu humor. — Cadê o livro que mandei você guardar? — perguntei, lembrando-me.


— Eu levei para meu dormitório.


— Então vá buscar. Preciso continuar a lê-lo, já que agora vou ter mais tempo graças ao Parkinson.


— Isso é uma ordem?


— Claro que não, deixe de ser bobo — falei, irritada. — Eu falei para você guardá-lo, agora eu quero o livro de volta, só isso.


— Não estou a fim de buscar agora. A torre da Gryffindor é longe, você sabe.


— Mas eu preciso daquele livro!


— Por quê?


— Oras, não te interessa! Só o busque.


— Não estou a fim.


Ele cruzou os braços e apoiou-se na parede, encarando-me, parecendo o Sirius arrogante que eu não suportava.


— Qual o seu problema? É tão difícil assim buscar meu livro?


— O problema, Ariadne, é o jeito que você pede. Eu guardei seu livro sim, mas o fato de você precisar dele e estar estressada com o Parkinson não lhe dá o direito de ser mandona e sem educação comigo. Não sei se você sabe, mas eu não tenho culpa dos seus problemas.


Minha vontade foi mandá-lo às favas e sair daquela sala, embora outra parte de mim quisesse pedir-lhe desculpas. As palavras de Sirius pesaram contra mim. Eu sabia que estava errada, que estava agindo grosseiramente.


Eu gostaria de desabafar, e uma vez que Severus nem olhava para minha cara, eu sentia que iria explodir com tantas dúvidas martelando em minha mente. Esses pesadelos estavam me consumindo.


Sirius ainda me olhava e sua feição não era convidativa. Eu sabia o que ele esperava de mim. No entanto, pedir desculpas nunca foi uma característica minha. Mas eu sabia que devia ser feito. Encostei minha vassoura na parede, dando-me conta apenas naquele momento que ainda a segurava.


— Me desculpe — falei quase num sussurro e sem encará-lo.


— O quê?


Eu o olhei, engolindo meu orgulho.


— Me desculpe. Você não tem culpa dos meus problemas.


Os segundos que ficamos em silêncio me pareceram uma eternidade.


— Espere aqui. Eu já volto.


Sirius deixou aquela sala rapidamente, antes mesmo que eu formulasse qualquer frase. Estranhei sua reação, mas, mesmo assim, continuei na sala. Sozinha, comecei a pensar sobre o que acontecera.


Eu sempre agia de maneira deseducada quando eu estava irritada ou contrariada. Não me orgulhava desse meu jeito, contudo era a única maneira que eu havia encontrado para não ser magoada. Arktos sempre me censurava, assim como Elizabeth, quando eu agia assim. Eu devia reconsiderar essa minha atitude, uma vez que pedir desculpas nunca fora do meu agrado.


Suspirei, olhando pela janela da sala. Meu irmão sempre me dissera que eu era igual ao nosso pai: facilmente irritável, intolerante e orgulhosa. Sempre que ele me falava dessas coisas, eu pensava se havia algo de nossa mãe em mim, ou se eu tivera a sorte de ter todas as características desagradáveis de uma vez. Enquanto olhava pela janela da sala, pensei que, talvez, a característica que eu herdara de meus pais, e que não era de todo ruim, fosse a mania de sempre pensar antes de fazer as coisas, pesar prós e contras.


Ri com esse pensamento. Talvez não fosse tão boa assim em pensar e pesar. Afinal, contra todas as possibilidades, eu estava me encontrando às escondidas com uma pessoa que eu dizia detestar. Eu realmente devia ter surtado.


— Louco — falei comigo mesma —, mas bom.


— Falando sozinha?


Surpreendida, virei-me para olhar Sirius, que estava a dois passos de mim. 


 — Faço isso de vez em quando. Está aí há muito tempo?


— O suficiente — ele disse, sorrindo.


— Não espalhe por aí, está bem? Ainda não quero ser diagnosticada como louca.


— Ah, mas todos já sabem que completamente sã você não é.


— Engraçadinho. — Notei que ele tinha o livro nas mãos.


— Depois de um pedido de desculpas, tudo fica mais fácil — Sirius falou, dando-me o livro. Peguei o livro de suas mãos e, por algum tempo, fiquei olhando para sua capa. — Agora, você tem que agradecer, sabe? Faz parte de uma boa educação.


Olhei para Sirius e vi que ele sorria; não me censurava. Sem me conter, retribui. As coisas estavam ficando mais fáceis entre nós, eu percebia isso a cada dia.


— Obrigada, Sirius.


— Por que você precisa de um livro sobre visões, se você não está em Adivinhação?


— Achei interessante — respondi enquanto abria o livro e estudava o índice, despreocupada. Como ele ficou muito tempo em silêncio, levantei os olhos para ver se Sirius continuava ali. — O que foi?


— É ruim perceber que você não confia em mim.


— Por que você está dizendo isso?


— Porque você está mentindo. O livro não foi escolhido por ser interessante, assim como você não teve indigestão àquele dia na aula de Transfiguração e no jantar. Ari, o que está acontecendo?


— Eu não sei. Não estou mentindo — falei quando percebi que Sirius diria alguma coisa, não acreditando em mim. — Ainda preciso descobrir.


— Mas o que está acontecendo?


Mais uma vez, a necessidade de conversar com alguém se tornou tão intensa que eu custei refreá-la. Mas minhas angústias sobre o que eu descobrira naquele livro me calavam.


— Eu prefiro não falar sobre isso. Ao menos por enquanto. Você pode respeitar minha decisão?


— Claro.


— Obrigada.


Ergui-me na ponta dos pés e beijei os lábios de Sirius suavemente para em seguida deixar a sala. Mas ele não permitiu.


— Aonde você vai?


— Para o meu dormitório, eu acho.


— Por que você não fica aqui, comigo?


Olhei para Sirius alguns segundos, tentando entender sua feição. Tentando entender, também, aquela situação.


— Isso não é normal — falei, suspirando em seguida.


— O que não é normal?


— Você querer tanto minha companhia.


— Eu gosto dela. E de você também.


— Isso é meio óbvio, caso contrário nem estaríamos na mesma sala.


— Então?


— Eu sempre fui sem educação com você, nunca conversamos decentemente, mas, mesmo assim... Mesmo assim, você está aqui.


Nós estamos aqui.


— Você foi bem insistente.


— Ainda bem, não acha?


— Na verdade, não sei — respondi-lhe, sorrindo. — Se quer saber, eu acho tudo isso muito estranho. E não te entendo por querer minha companhia depois de tudo.


— Foram muitos beijos roubados, e eu acabei me acostumando. — Ele deu de ombros. — E eu também gosto de um bom desafio.


— Então eu sou um desafio? — perguntei, sentindo minha irritação voltar.


— Claro que é! Um desafio que vale à pena. Um desafio que eu quero muito vencer.


— Você fez alguma aposta sobre mim, Sirius?


— Digamos que sim.


— Idiota. — Tentei sair da sala, mas ele me segurou, forçando-me a encará-lo. — Tire esse sorriso idiota da sua cara, Black!


— Eu apostei, sim — ele falou, não se afetando com minha tentativa tosca em me livrar de seu abraço. — Apostei comigo mesmo que não me deixaria influenciar. Que não permitiria que o que eu sinto se transformasse.


Parei de me debater. Novamente, seu olhar estava intenso, dizendo muito mais do que suas palavras.


— Eu gosto de você, Ari. Não sei quando aconteceu, ou como começou. Eu só sei que quero te proteger, ficar com você. Tornar sua vida um pouco mais feliz.


Senti uma grande angústia às suas palavras. Também me senti cheia de felicidade que, porém, não parecia me pertencer. Por muitas vezes eu queria deixar me levar, ter um relacionamento decente com Sirius. Contudo, sempre que essa decisão ameaçava tornar-se concreta, algo me impedia. Eu sentia vontade de dizer que também gostava dele, apreciava sua companhia de tal maneira que gostaria de ficar com ele o maior tempo possível. Mas sempre que eu tentava, lá estava a sensação de desmerecimento e covardia.


Portanto, fiz a única coisa que eu poderia fazer naquele momento. Ergui-me na ponta dos pés e o beijei, demonstrando tudo que eu não conseguia falar-lhe.


 


XXXXX


 


N/B: Eu tenho um conselho para a Ariadne: toma maracujá na veia antes de dormir, querida! E dê muitos beijos no Sirius, também. Isso vai ajudar você a se acalmar e a dormir melhor. EU AGARANTIO!!!! Livinha, meu amor, dê uma trégua para essa criatura, please! KKKKKKKKK Bjssssssssssss


N/A: Tô com a Pri e não abro mão! Hehehehe... Muitos beijos no Sirius ajuda em muito, com certeza... Quanto à trégua...bem, a fic é classificada como drama (e só digo isso para os que não sabem).


Após este capítulo, a situação começa a ficar diferente. E apesar do drama, espero que gostem, pois não me esquecerei do romance.


Um beijo especial para as queridas Ana (obrigada, querida!), Renata (calma! Demoro um pouquinho, mas posto sim! Hihi), Kelly (que bom ter você de volta!!! E a ponto de termos nossas conversas via MSN que sempre me inspiram..hihihi) e Eduarda (que adoro ver me cobrar pelo twitter..hehe).


Até mais,


Lívia.

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