Verdades



Capítulo 15


 


Verdades


 


Quando acordei naquele sábado, estava decidida a procurar Severus. Por mais que dessa vez preferisse não confrontá-lo sabendo que poderia ser uma briga sem volta (e, provavelmente, sem resultados), eu não conseguiria ficar omissa com o que ouvira na noite anterior. Além disso, a conversa que eu tivera com Potter parecia ecoar de maneira agourenta em minha cabeça.


Suspirei, cansada, quando alcancei os jardins. Minha esperança era encontrar Severus do lado de fora do castelo, pois não o havia visto no salão comunal ou no principal. E não me decepcionei. Ele estava conversando com um pequeno grupo de amigos embaixo de uma das muitas árvores do jardim. Não que algum deles pudesse ser chamado propriamente de amigo, pude notar. Porém, eram essas pessoas, agora, que Severus preferia ter ao seu lado.


Estava a poucos passos de Severus quando ele me notou. Percebendo que eu queria conversar, afastou-se do grupo antes que eu me aproximasse. Estranhei essa reação. A princípio, imaginei que Severus usaria seus amigos para me manter longe, alegando estar ocupado. Talvez ele estivesse a fim de conversar. Animei-me um pouco. Contudo, minha animação minguou novamente quando lembrei o assunto que queria tratar.


— Oi, Sev.


— O que você quer? — Surpreendi-me com o tom seco de Severus. A conversa não seria fácil.


Respirei fundo e olhei rapidamente ao redor, certificando-me se havia gente perto o bastante para nos escutar. O jardim já estava cheio. Seria melhor nos afastarmos um pouco.


— Eu gostaria de conversar com você — falei, calma. — Mas não acho que isso seria bom perto de tanta gente. Caminha comigo?


Severus ergueu as sobrancelhas e fez uma leve careta em desagrado. Contive-me, deixando-o pensar por alguns segundos, até que ele deu de ombros e começou a andar.


Enquanto caminhávamos a um dos lados mais afastados do lago, tentei repassar em minha mente a maneira com que o abordaria. Acusá-lo logo no início seria idiotice, mas não ir direto ao assunto também o deixaria irritado.


Eu sempre soube lidar com meu primo. Contudo, esse novo Severus era mais difícil, mais sarcástico e cruel. Honestamente cheguei a pensar que tudo se resolveria quando Potter e Black parassem com suas infantis provocações, o que realmente aconteceu neste novo semestre. Além disso, o fato do Potter salvar Severus antes das férias de verão poderia ser algo a se pensar nos dois meses em que ele ficasse distante de Hogwarts. Mas a volta à escola provou que Severus nunca esqueceria o que passou com os dois alunos da Gryffindor. E James Potter salvá-lo de um lobisomem pareceu apenas mais um ataque ou provocação.


— Seus novos amigos são interessantes — falei sem olhá-lo.


— Junte-se a nós, então.


Notei sarcasmo em sua voz. Bem, ele apenas estava devolvendo o que lhe foi dado. Decidi deixar o sarcasmo de lado.


— Juntar-me a vocês? — perguntei, mas ainda tentando manter-me calma. — Para quê?


— Para fazer coisas interessantes.


— Imagino que foi isso que você fez durante o verão, não? Coisas interessantes?


— Sim.


— Por isso não me escreveu? Nem foi me ver em meu aniversário? — Encarei Severus finalmente.


— Eu estava ocupado, Ariadne.


— Imagino. Falando com seu senhor? — perguntei com desgosto.


— Isso não é da sua conta.


Severus virou-se para sair, contudo eu fui mais rápida, ficando à sua frente e impedindo-o.


— É, sim. É da minha conta, porque você é meu primo. Faz parte da minha família! Eu te adoro, Severus!


— Adora a ponto de defender o Potter? De me humilhar daquele jeito?


— Humilhar?


— No trem. Se você não iria me ajudar, por que se intrometeu? Preferiu defender seu novo amiguinho?


— Potter não é meu amigo — falei irritada. — Eu estava sendo justa.


— Você vem me falar de justiça? — Severus retorquiu, ultrajado. — Esses imbecis vêm me provocando desde que entrei nesta escola. Nunca fui tão humilhado como fui nesses seis anos, Ariadne.


— Claro, pois seu pai é uma benção dos deuses comparado àqueles dois, não é? Por acaso ele parou de bater em você e na tia Eileen?


Percebi que as bochechas de Severus coraram levemente.


— Meu pai não toca em mim há um bom tempo. Não desde que eu perdi o controle e fiz magia sem querer.


Você fez magia sem querer? — perguntei incrédula.


Severus sorriu como resposta. Senti algo frio no estômago. O sorriso dele era vazio; quase diabólico.


— Severus, você... Seu próprio pai? — perguntei assombrada.


— Tobias Snape não é meu pai — ele retorquiu com frialdade. — É apenas um trouxa nojento que minha mãe teve o desprazer de conhecer. Eu sou um bruxo. Tenho sangue bruxo. É o sangue da minha mãe que me tornou bruxo. Não tenho nada dele.


— Por isso que você se juntou a ele — falei, sentindo-me estranhamente zonza. Precisei apoiar-me à árvore. — Não nego que seu pai é desprezível, Severus, mas usar magia contra ele? Juntar-se a Voldemort simplesmente por desprezar seu pai?


— Odiar. Eu odeio Tobias Snape.


Os olhos de Severus mostravam que ele realmente odiava seu pai. Eu sempre achei Tobias uma pessoa desprezível e não entendia como tia Eileen conseguia conviver com ele todos esses anos. Mas... usar magia contra ele? Uma pessoa que não poderia se proteger, mesmo se tentasse de tudo?


— Eu escutei sua conversa, ontem — falei. Olhei-o e percebi que ele sabia do que eu falava. Contudo, não parecia se importar. — Severus, o que você fez neste verão? O que você fez para Voldemort aceitá-lo?


— Nada que eu vá me arrepender depois.


— Você... amaldiçoou alguém? — Eu queria perguntar se ele havia torturado alguém. Ou matado. Eu não sabia o que era pior. Qual pergunta seria mais excruciante de se fazer.


— Não se preocupe, Ariadne — ele me respondeu, parecendo segurar um sorriso. — Ninguém que você conheça.


— Severus — apelei, mas ele me interrompeu:


— É minha escolha, Ariadne. Não interfira. Não dê palpites. Se você não a suporta, não posso fazer nada. Não quero e nem preciso de sua aprovação. Não mais.


Então ele se afastou. Eu ainda o chamei duas vezes, mas não o segui quando não obtive resposta.


Raiva, revolta, sarcasmo... Essas emoções eu conhecia há um bom tempo em Severus. Mas a frialdade com que ele tratara o assunto ao final me deixou totalmente abalada. Esse não era meu primo. Severus era gentil, embora fizesse de tudo para mostrar-se indiferente. Era amigo. Era meu companheiro. Como ele poderia mudar desse jeito? Jogar fora tudo de bom que existia nele para ficar apenas com o que era ruim?


Fiquei um bom tempo sentada embaixo daquela árvore, pensando como eu não pudera notar tudo o que estava acontecendo com meu primo. Mas não consegui pensar em absolutamente nada! Severus não mudara comigo. Sempre discutíamos, é verdade, mas ele sempre tinha uma palavra de conforto para mim, mesmo que dita de maneira seca ou indireta. Até o último verão.


Ele não me escreveu, como sempre fizera. Não foi à minha casa passar os últimos dias de férias. Nem se lembrou de meu aniversário. Este não era meu primo. Era uma imitação mal feita e cruel.


Respirei fundo quando senti que estava prestes a chorar. Pensar em Severus seguindo Voldemort remeteu-me a Arktos. O que aconteceria se os dois se encontrassem? Se Arktos tivesse que mandar o próprio primo a Azkaban? Ou se Severus tivesse que fazer algo contra meu irmão?


— Por todos os deuses, isso não pode estar acontecendo — murmurei comigo mesma. — Não com Severus.


Afundei o rosto em minhas mãos, sem saber o que fazer. Como eu seria capaz de abrir os olhos de Severus para onde ele estava indo? Meu primo não poderia estar lúcido para pensar em seguir um bruxo das trevas!


— Ariadne? Você está bem?


Olhei rapidamente para a pessoa que aparecera: era Hagrid, o gigante guarda-caça da escola que adorava carregar um guarda-chuva cor-de-rosa à tiracolo. Levantei-me e, disfarçadamente, sequei as lágrimas que haviam caído teimosamente.


— Estou. 


— Tem certeza? Você não me parece bem.


Ergui as sobrancelhas de maneira arrogante e o encarei. Hagrid deu de ombros.


— Eu vi você brigando com seu primo Snape. Ahm... Que tal um chá para se acalmar, hã?


Olhei indecisa na direção do castelo. No entanto, eu sabia o quanto as conversas com Hagrid me acalmavam.


— Tudo bem — falei por fim, dando de ombros.


A primeira vez que eu havia entrado na cabana de Hagrid, notei o quanto ele conseguia ser bagunceiro em um espaço tão pequeno. Contudo, já havia me acostumado, muito embora eu não o visitava há um bom tempo. Minha primeira visita a Hagrid havia sido em meu quarto ano. Eu estava acompanhada de minhas amigas gryffindor, mas Clair havia sido a responsável pela visita.


Clair visitava Hagrid regularmente. Não sei por que, mas ela adorava os animais mágicos – e tecnicamente perigosos – tanto quanto o guarda-caça. Talvez fosse até por isso que ela namorava Remus.


Com essas visitas, notei que Hagrid era uma ótima companhia.


— Então — Hagrid começou assim que colocou uma xícara cheia de chá à minha frente —, qual o motivo da discussão com seu primo?


Suspirei, incerta do que diria. Sentir-me confortável na presença de Hagrid era uma coisa; dize a ele o que Severus estava fazendo... Isso era algo completamente diferente. E talvez até mesmo insano.


— E por acaso é preciso algo importante para discutir com Severus? — retorqui. — Ele é um cabeça-dura.


— Mas isso você sempre soube — Hagrid sorriu.


Suspirei novamente.


— Eu adoro o Severus, Hagrid. Ele é como um segundo irmão, sabe? Ele se importava comigo, me ajudava. Sempre se preocupou com meus problemas. Só que agora... — Encarei minha xícara de chá ao sentir meus olhos arderem mais uma vez. Respirei fundo, sentindo uma grande necessidade de conversar com Hagrid. De desabafar, ao menos um pouco. — Agora ele está mudado. Como se o que ele sofreu se voltasse contra ele, forçando-o a fazer coisas que ninguém deveria fazer.


— Ele fez algo errado, Ariadne?


— Algumas escolhas ruins — tentei desconversar. Não gostaria de ir tão longe.


— Este não é um bom período para escolhas ruins.


A curiosidade desinteressada havia sumido da feição de Hagrid. Agora, ele parecia não gostar do rumo da conversa. Assim como eu.


— Mas eu sei que Severus vai perceber seu erro. Por mais que nossa briga não tenha terminado bem, sei que ainda consigo fazê-lo entender que ele está sendo um idiota — disse, tentando soar calma e segura, o que não era bem o que eu sentia.


Antes que Hagrid pudesse retorquir com algo além de um aceno, alguém bateu na porta e logo em seguida entrou.


— Ei, Hagrid, tudo bem? Pensei em te fazer uma... visita — a hesitação de Black ocorreu apenas quando ele me viu. Seu sorriso aumentou. — Oi, Ari. Tudo bem?


— Black.


— Que coincidência vocês dois aqui, hã? — Hagrid disse, sorrindo.


— Coincidência maravilhosa, devo dizer, Hagrid — Black emendou.


— Tão encantadora quanto a presença de um dementador — retorqui sarcástica.


Ignorando-nos, Hagrid virou-se, indo esquentar mais chá.


— O que você está fazendo aqui, Black? — perguntei secamente, sem olhá-lo.


— Acho que posso fazer essa mesma pergunta a você, Ari. Eu sou amigo de Hagrid desde que cheguei nessa escola. Já você, eu não sabia que era amiga dele.


— Visito Hagrid desde meu quarto ano, se para você essa informação é tão importante. E hoje, ele me convidou para tomar chá e comer biscoitos — falei, pegando um.


— Se eu fosse você, não faria isso — Black murmurou perto do meu ouvido, fazendo com que eu me afastasse imediatamente.


— Isso o quê?


— Isso. — Ele apontou para o biscoito no momento em que eu o mordia.  — Eu disse — ele riu baixinho.


No instante em que mordi o biscoito, preferi que não tivesse feito. A impressão que tive foi que meus dentes houvessem quebrado. Aquilo estava mais duro que pedra. Olhei confusa para Hagrid, então para o biscoito e finamente para Black. Irritei-me ao ver o esforço que ele fazia para não gargalhar.


— Eu havia me esquecido deles. Por que não me alertou antes? — murmurei.


Black apenas ergueu as sobrancelhas como resposta.


— Idiota.


— Seu chá, Sirius. — Hagrid se virou ao que eu rapidamente escondi o biscoito no bolso de minha calça.


— Obrigado, Hagrid.


— Biscoitos?


— Não, obrigado. Acho que já está na hora do almoço, sabe? E ouvi dizer que hoje teremos pastelão de rim.


— Ouviu dizer, hã? — Hagrid riu.


— E tenho certeza que estarão uma delícia — Black retorquiu, fazendo Hagrid rir ainda mais.


— Bom, então não vou segurá-los mais aqui. Bom apetite para vocês.


— Até mais, Hagrid — falei, levantando-me. Eu não precisava de outra desculpa para sair dali. — Obrigada pelo chá.


— Sem problemas. Apareça mais, Ariadne.


— Pode deixar.


— Eu também vou indo. — Black se levantou. — Não se pode deixar uma garota andando sozinha por aí, não acha, Hagrid?


— Estamos em Hogwarts, Black — falei em desprezo —, não “por aí”. Pode ficar com seu amigo. Gosto de caminhar sozinha.


— Mas eu estou indo mesmo. Pastelão de rim, lembra? Tchau, Hagrid.


— Tchau, garotos. E Sirius, boa escolha. Embora não sensata.


— Você me conhece — Black riu.


Olhei de Hagrid para Black, não entendendo o que eles quiseram dizer. Porém, não fiquei mais do que dois segundos preocupada com aquilo. Saí da cabana e tentei andar rapidamente a fim de deixar Black para trás, mas não consegui. Rapidamente ele estava ao meu lado.


— Por que tanta pressa?


Não lhe respondi. Contudo, diminuí meu passo. Mesmo não apreciando a companhia de Sirius Black, eu não também não gostaria de chegar ofegante e transpirando no Salão Principal.


— Está tudo bem com você e seu primo? Vocês conseguiram se acertar?


Continuei muda, olhando apenas para frente.


— James me disse que conversou com você, que foi uma conversa legal. A questão é que ele ficou muito surpreso com o que você fez no trem, por isso demorou a agradecer suas condolências. Sabe como é, não estamos acostumados a sermos defendidos por alguém. E quando você apareceu foi bem diferente. Claro que eu sabia que você não era do tipo injusta. Eu te conheço o bastante para saber que, embora você às vezes demonstre, nunca vai passar por cima do que é realmente certo.


Eu estava tentada em mandá-lo calar a boca, mas continuei a preferir o silêncio e olhar exclusivamente para frente. Talvez Black percebesse que eu não diria nada e parasse de tagarelar.


— Você não vai conversar? — ele perguntou. Segurei minha vontade de rir ao ouvi-lo frustrado.


Por um momento, pensei que eu havia vencido, pois ele finalmente havia se calado. Mas minha esperança não durou muito.


— Sabe que isso é infantil, não sabe? — ele falou depois de um tempo. — Ficar sem conversar, me ignorando. Isso não vai mudar nada do que eu sinto ou penso sobre você.


Fiquei tentada em continuar meu silêncio. No entanto, algo me impeliu a respondê-lo. Talvez eu quisesse mostrar a ele o que era óbvio.


— Você não sente nada por mim, Black — falei, embora não o encarasse.


— Como você pode ter tanta certeza?


— Apenas sabendo.


— Certo...


Olhei-o de esguelha. Black mordia o lábio inferior, sua testa franzida mostrava que ele pensava em algo, analisando. Estávamos quase alcançando as escadas e porta principal do castelo quando ele falou de supetão:


— Você não pode afirmar com tanta certeza.


— O quê?


— Que eu não sinto nada por você.


Rolei os olhos, aborrecida.


— Assim como você não pode negar o que sente.


— E que raios eu sinto? — irritei-me, encarando-o.


— Confusão, em primeiro lugar.


— Estou completamente sã, se quer saber. — Cruzei os braços, parando de andar.


— Se você não sentisse nada por mim, nada mesmo, zero de sentimentos, nem sequer estaríamos conversando. Você me ignoraria por completo.


— Como se você me deixasse em paz!


— Se você me pedisse verdadeiramente, quem sabe? A questão é: você gosta de mim. Não consegue me manter longe. Eu percebi você me encarando esses dias, Ari. Achou que eu houvesse te esquecido?


Senti minhas bochechas esquentando constrangedoramente quando Black sorriu. E quando ele deu um passo um minha direção, meu coração se acelerou e respirar tornou-se difícil. Instintivamente, afastei-me também.


— Vá para o inferno, Sirius Black — disse irritada virando-me para entrar no Salão Principal.


— Talvez eu vá.


Antes que eu desse dois passos, ele segurou-me pelo braço e me puxou.


Honestamente, eu não sabia por que ainda me surpreendia quando Black me beijava de surpresa. Talvez eu tivesse realmente pensado que ele havia se esquecido de mim, como parecera durante as primeiras semanas de aula. Por isso que minha reação inicial foi choque. E para meu total horror, poucos segundos depois, eu correspondia ao beijo.


Permiti que Black me abraçasse, embora eu não retribuísse. Mesmo que eu estivesse beijando-o também, meu corpo se encontrava tenso.


Logo meu ar faltava e eu sentia meu coração prestes a saltar pela boca. Interrompi o beijo, baixando o rosto e sentindo-me zonza.


— Ari, eu... — Arrepiei-me ao ouvir a voz de Black, rouca, em meu ouvido. — Eu preciso te contar uma coisa.


Mas eu não queria ouvir. A única coisa que eu queria era que minha cabeça parasse de rodar, que minhas pernas me sustentassem por elas mesmas. Eu precisava sair dali.


— E-eu preciso ir — falei, a voz rouca. Rapidamente soltei-me de Black e corri.


Desisti de entrar no Salão Principal e fugi para a segurança do meu quarto. Tão logo sentei em minha cama, fechei o cortinado para que tivesse a privacidade necessária. Eu precisava pensar, colocar a cabeça no lugar. Contudo, voltar a pensar naquele beijo, em como Black me abraçava e – pelos deuses! – em como foi ouvir sua voz sussurrada em meu ouvido só fez com que meu coração se acelerasse mais.


Estava quase na hora do jantar quando Louise, pela segunda vez, abriu o cortinado de minha cama.


— Você não vai me contar mesmo o que está acontecendo, Ari? Sinto que vou ter um treco de tanta aflição!


Olhei-a com uma careta. Em seguida, apontei a cama para que se sentasse. Eu precisava contar para alguém tudo o que se passava comigo a fim de organizar minhas ideias. A animação era clara nas feições de minha amiga.


— Acho que estou ficando maluca.


— Como assim?


— Louise, você sempre gostou do Etan, não é?


— Isso tem algo a ver com o que aconteceu com você?


— Sim.


— Então, não — ela deu de ombros. — Eu não gostava do Etan, logo que o vi. Quero dizer, eu o achava simpático e divertido. Além disso, no quinto ano ele se desenvolveu muito bem, se entende o que quero dizer.


— Então você não o odiava?


— Eu não! Por que o odiaria?


— Sei lá... Quem sabe se ele fizesse alguma coisa que você não gostasse?


— Eu ficaria aborrecida. Acho odiar um sentimento muito forte, Ari. Na verdade, tão forte quanto paixão.


— Mas se ele importunasse alguém que você gostasse demais? Um amigo ou parente, talvez. Se desde que você o visse, o Etan fizesse coisas desprezíveis com quem você gosta? Você o odiaria?


— Eu não sei — Louise respondeu devagar, olhando-me de maneira diferente. Então sorriu. Um sorriso enorme. — Ari, você... Você está gostando do Black? Meu Deus, isso é tão legal! Ele vem correndo atrás de você há tanto tempo! É claro que ele te conquistaria!


— Opa, vá com calma, Lou! Eu não disse nada disso.


— Não literalmente. Eu sei ler nas entrelinhas. Se bem que o “Se ele importunasse alguém” foi praticamente literal... Ari, você já foi mais esperta, sabia? — ela falou, rindo.


— Eu não gosto do Black.


— É mesmo? — O tom de voz de Louise era matreiro. — Então, me explique que beijo foi aquele na porta do Salão Principal.


Por um momento, fiquei tentada em negar. Contudo, eu precisava muito de uma opinião, embora algo me dissesse que a opinião de Louise não me agradaria.


— Um beijo não quer dizer muita coisa.


— Verdade. Mas eu vi como ele te abraçou. Do mesmo jeito que o Etan me abraça quando nos beijamos. E você — ela hesitou, estudando minha reação, o sorriso aumentando. — Você, Ari, só faltou se agarrar nele para não cair.


— Foi tão horrível assim? — perguntei, afundando minha cara no travesseiro e querendo me sufocar.


— Foi. Horrivelmente apaixonado.


— Eu não estou apaixonada por ele, Louise. Não posso!


— Nota-se, pelo tanto que você discute com ele, Ari.


— A Lily! — retorqui, sentando-me e a assustando com minha empolgação. — A Lily não suporta o Potter, e nem por isso ela gosta dele.


— Ah, mas isso é o que você pensa. Ali tem paixão sim. E não é apenas do lado do Potter.


— Quer saber? Você é uma doida, isso sim.


Levantei-me, saindo do quarto. Louise veio atrás de mim. Seguimos em silêncio até o Salão Principal, que já estava cheio. Evitei olhar para os lados quando entrei e sentei rapidamente.


— Por que tão séria? — Louise indagou, sentando ao meu lado. Seu tom era de riso. Ótimo! Minha amiga estava se divertindo com minha tragédia. — Ou apenas está concentrada em não olhar para a mesa da Gryffindor?


— Vá encher outro, Louise.


— O Black não para de olhar para nós.


— Louise.


— OK, parei. — Ela ficou séria. — Mas o que falei, não importa o que você pense, não são besteiras, Ari. Pense nisso.


Suspirei e olhei para minha amiga.


— Tudo bem, vou pensar. Embora isso não queira dizer que você tenha razão.


Louise sorriu. Eu preocupei-me com o jantar. Era mais fácil ficar encarando as batatas no meu prato do que olhar para cima e verificar se realmente ele estava nos olhando.


Tão logo terminei meu jantar, saí do Salão Principal. Relanceei a mesa da Gryffindor por apenas um segundo; tempo bastante para perceber que Sirius Black ainda estava sentado e concentrado em uma conversa com Potter. Quando cheguei ao salão comunal da Slytherin, procurei uma poltrona perto da janela, onde os outros alunos evitavam.


Eu sabia que não poderia ficar fugindo de Black o tempo todo. Na verdade, eu não queria isso. Fugir não era para mim. Eu era mais corajosa do que isso. Contudo, enfrentar algo que eu não estava preparada me deixava receosa.


Desde que eu entrara em Hogwarts, destratar Black era natural. Ele e Potter faziam da vida de Severus um inferno desde o primeiro dia – na verdade, desde nossa viagem de trem. Para mim, ver meu primo sofrer constrangimentos por causa daqueles dois era um absurdo! Severus já sofrera e sofria muito em casa. Ele não merecia algo assim na escola, também.


Mesmo Louise dizendo que ódio era um sentimento muito forte, eu não conseguia encontrar outra palavra para descrever o que eu sentia por aqueles dois gryffindors. Claro que Potter havia subido em meu conceito depois da conversa que tivemos à beira do lago, além de ele ter salvado a vida de Severus. Ele havia demonstrado maturidade, e como não o tinha provocado mais, eu praticamente o tinha esquecido.


Mas o Black... Ele parecia o mesmo! Uma mostra de arrogante e idiota! Ou eu estava errada? Ele também não tinha feito nada com Severus. Ao menos, não que eu tivesse sabido.


Gemi, aflita com o que estava sentindo. Eu sentia meu coração se acelerar quando me lembrava dos beijos do Black, porém, ele não deixava de ser um idiota pelo simples fato de eu me sentir atraída por ele.


— É isso! — falei comigo mesma. Notei que alguns slytherins me olharam. — O quê? Nunca falaram sozinhos?


— Doida...


Levantei da poltrona e saí do salão comunal. Minha cabeça sempre funcionava melhor quando eu me movimentava. Portanto, decidi andar um pouco, porém não muito longe. Não gostaria de topar com Black neste momento.


Não tinha muitos alunos àquela hora nos corredores, uma vez que estava quase na hora de nos recolhermos às nossas Casas. Havia mais casais de namorados ou amigos que pertenciam a Casas diferentes.


Sem lhes dar muita atenção, continuei caminhando. Agora que eu havia percebido o que eu realmente sentia por Sirius Black, seria fácil agir. Era atração o que eu sentia por ele. Um tipo de magnetismo, que me fazia agir sem pensar quando ele chegava muito perto. Eu já havia lido e ouvido sobre isso. Não era amor, era atração física.


Quase sorri quando consegui perceber tudo isso. Afinal, algo assim era facilmente curado: era só ficar com ele por uma ou duas vezes que tudo se resolveria. Uma vez que eu também sentira atração por Paul, e em duas semanas tudo havia passado para mim, com Black seria igual. E com ele eu não precisaria ficar enrolando como fizera com Paul. Eu não tinha consideração por ele como tinha com Paul.


Dessa vez eu sorri de verdade enquanto dava meia volta no corredor. Mas meu sorriso sumiu assim que eu vi o Potter entrando às pressas em uma sala. Àquela noite eu não era a monitora responsável, porém, pelo jeito e com a feição que ele demonstrava, obviamente Potter estava tramando algo. Apressei-me, chegando até a porta. Antes de abri-la, entretanto, encostei meu ouvido.


— Não se preocupe, ninguém me seguiu. Sou esperto, esqueceu?


Uma garota riu com o que ele dissera. Então era isso. Ele havia ido se encontrar com alguém. E eu teria esquecido essa situação se a garota não tivesse dito:


— Eu sei o quanto você sabe se livrar das coisas, James.


Escancarei a porta, assombrada, sem me preocupar com educação. A única coisa que eu sabia era que eu entrar de supetão havia interrompido um beijo


— Lily?!


Minha amiga me encarou, assustada.


— Ari! O que... O que você está fazendo aqui?


— Eu pergunto o mesmo! — Olhei para o Potter, que parecia um pouco embaraçado, muito embora ele continuasse me olhando um pouco desafiador. — Você está saindo com o Potter? Ficou maluca?


— Ari, por favor, não surta! — Lily falou, aproximando-se de mim. — Eu ia te contar, mas...


— Ia? Quando? Quando o filho de vocês nascesse?


— Não exagere!


— E por que eu não exageraria? Você estava aos beijos com o Potter, Lily! O Potter! Você o odeia, você o acha um idiota, você...


— Eu o amo!


Meu queixo caiu. Encarei minha amiga, vendo raiva em seus olhos.


— Eu amo James, entendeu? — ela falou, a raiva se suavizando, porém eu nunca havia sentido tanta firmeza em suas palavras. — Eu não disse a você antes, pois eu sabia que você surtaria. Queria preparar o terreno, primeiro.


— Como se isso fosse bastar! Você sabe o quanto eu não o suporto, Lily!


— Mas eu pensei que com a conversa de vocês, isso já tivesse se resolvido.


— Ah, então foi por isso que ele foi conversar comigo? — falei de maneira acusatória, apontando para Potter. — Foi por isso que você veio com aquela conversa fiada, Potter? De que não vai mais poder dizer ao papai que a garota chata e arrogante também é justa? Vejo como você amadureceu...


— O que eu disse foi verdadeiro, Lakerdos, você aceitando ou não.


— Ah, vá para o inferno, Potter. — Encarei Lily. — Você não pode ficar com esse imbecil, Lily. Simplesmente não pode!


— E por quê? Você é minha mãe, por acaso, para me dizer o que posso ou não fazer?


— Sou sua amiga! — falei, ultrajada. — O Potter é um imbecil, você não pode estar gostando dele!


— Mas eu estou. Conviva com isso, Ari.


— Ele te enfeitiçou, não é? O que é, Imperius?


Lily jogou as mãos para cima, como se desistisse.


— Eu não preciso de nada disso, Lakerdos. Por anos, eu sentia algo pela Lily, mas era... como você disse? Ah, sim, eu era imbecil demais para saber que, do jeito que eu agia, só a fazia se afastar. Eu amadureci. Agora, está na hora de você crescer, saber que nada se resume a essa escola, ao que fazemos nela, como agimos aqui. O mundo lá fora é diferente. Está cruel. Muito cruel. Além disso, você não tem o direito de dizer o que os outros podem ou não fazer. Eu amo a Lily. Ela me ama. Estamos juntos. Fim da história. O que você pensa de mim não faz a menor diferença. Se não quiser aceitar nosso relacionamento, problema seu. Mas se você aceitar... — ele hesitou por apenas dois segundos antes de continuar. — Se você aceitar nosso relacionamento como algo real e verdadeiro, deixar nossas diferenças de lado, eu ficaria feliz.


Olhei para Lily. Desejei que ela dissesse que tudo era mentira, que ela não estava namorando James Potter. No entanto, a firmeza em seu olhar continuava lá, misto a uma enorme vontade de que eu fizesse o que ela queria. Que eu dissesse que meu surto era ridículo, que eu a apoiaria nessa decisão. Porém, eu não conseguia. Vê-la com James Potter era um presságio ruim. Era como se minha resolução de minutos atrás fosse falsa: de que eu não poderia sentir apenas atração por Sirius Black; que eu poderia estar sentindo algo mais. ]


E essa verdade atingiu-me como um balde de água fria.


Sem dizer nada, virei-lhes as costas e saí daquela sala.


 


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N/B: Aff, mas a Ari é uma chata! O James está certo: a vida não se resume ao mundinho em torno do umbigo dela. Tomara que ela melhore um pouco daqui por diante, por que né... Espero o próximo. Bjsssssssss


 


N/A: E depois de pouco mais de dois meses, eis um novo capítulo! E, particularmente, concordo com a Pri: tomara que a Ari melhores..rsrs.. Mas ela vai sim... Afinal, por mais cabeça dura que ela seja, ter amigos sensatos às vezes faz com que pensemos melhor!


Espero que todos tenham gostado deste capítulo.


Beijos e até mais,


Lívia.


 

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