A Ala Hospitalar
N/A: Esse é até agora o maior capítulo da fic. Espero que não esteja muito entediante e como dica sugiro que a partir de mais ou menos a metade do capítulo escolham uma música que realmente lhes emocionem e botem para tocar, fica mais gostoso de ler. Boa leitura!
Capítulo XXXI
A Ala Hospitalar
Harry finalmente sentiu o mundo deixar de girar e o turbilhão de vento multicor cessar de repente. Respirando fundo e ignorando a dor afiada na região do seu pescoço, de onde sangue gotejava fluentemente, o garoto abriu os olhos e ao ver onde estava deixou a onda de alívio invadi-lo, se rendendo ao sentimento que lavava por cada fibra de seu corpo. Só quando um grunhido amortecido soou de algum lugar abaixo de si, foi que Harry notou que havia despencado sobre Rony e Hermione, e os amigos encontravam-se esmagados sob ele e contra o chão da sala de Rebecca Brinks, agora mal iluminada pela luz pálida do começo da manhã. Ele apressou-se então a girar para o lado, saindo de cima dos dois e deixando suas costas descansarem sobre o piso de pedra polida do cômodo.
-Graças a Deus, Harry. – a voz de Rony resmungou fracamente e Harry não soube bem se o amigo estava dando graças por vê-lo a salvo de volta ou por ele ter tirado seu peso de cima das costas do ruivo. Supôs que fosse um pouco das duas coisas.
-É... – ele declarou com dificuldade, a voz rouca devido à ardência de sua garganta e o estômago embrulhando com o gosto enjoativo de sangue que permanecia em sua boca. – Escapamos inteiros outra vez.
Rony fez um som engraçado, uma mistura de um bufo com uma risada amarga, antes de responder:
-Nós escapamos sim, mas o “inteiros” fica por sua conta.
Harry concordou lentamente com a cabeça e o encarou, arregalando os olhos ligeiramente ao notar a grande e escura mancha de sangue nas costas das vestes do amigo. O ruivo, por sua vez, apesar de pálido e trêmulo, não parecia se preocupar com o próprio ferimento e tinha toda sua gama de atenção voltada à garota deitada em seus braços, extremamente suada, branca como algodão e com os lábios num tom arroxeado nada saudável.
-Ela... ela não está bem. – murmurou ele erguendo o rosto aflito, deixando Harry ver tristeza e medo se escondendo sob seus luminosos olhos azuis.
-Ela está VIVA, companheiro. – Harry respondeu quietamente, dando um leve aperto no ombro do ruivo, de modo conciliador. Ambos os meninos se encararam, sérios, e Rony imediatamente compreendeu a profundidade do significado das palavras do amigo: Viva. Hermione estava viva. E depois daquela noite, isso queria dizer muita coisa. Enquanto houvesse vida, haveria também esperança.
-Rony, - chamou Harry interrompendo a linha de pensamentos do garoto. – leve Hermione para Madame Pomfrey e aproveite para pedir a ela que dê um jeito nas suas costas, que parece estar com uma ferida muito feia.
-Mas... – balbuciou Rony. – E você...? E a professora Brinks?
-Não há mais nada a se fazer por Rebecca. – retrucou Harry decidido, olhando tristemente o corpo inerte da mulher esticado sobre o chão, ali perto. – E não se preocupe comigo, estou ótimo. – acrescentou pressionando o corte no pescoço com a mão, como se quisesse escondê-lo, mas sem sucesso algum, já que sangue continuava a esguichar abaixo de seus dedos.
-Ótimo? – o ruivo resmungou erguendo uma sobrancelha ceticamente. – Pois eu diria que você já teve dias melhores, cara.
-Apenas esqueça isso, ok? – Harry se impacientou. – Estou indo ver Dumbledore.
Ele saltou sobre seus pés, se endireitando e caminhando a passos largos em direção à saída, mas não tinha sequer cruzado a metade da sala quando a porta da mesma se escancarou e uma agitada Minerva McGonagall fez temporal para dentro, acompanhada de um Hagrid ofegante e com os olhos muito inchados e vermelhos.
-Potter! – guinchou ela assim que o viu. – Ah, Potter, pelas barbas de Merlim, graças aos céus você- Weasley!! – exclamou ao ver Rony mais atrás, segurando Hermione. – E ah, querido Deus, o que houve com a Srta. Granger?... Por todas as santidades mágicas, Rebecca! – terminou a professora com um grito abafado, seus olhos se alargando consideravelmente e suas mãos se juntando numa atitude desesperada atípica dela.
Entrementes, Hagrid tinha puxado Harry em seus braços e apertava o menino freneticamente, soluçando com alívio e grunhindo palavras desconexas:
-Dumbledore estava tão preocupado com vocês três, mas eu sabia que no final tudo sairia bem, vocês sempre estão nos assustando como a morte, mas são tão danados e espertos, são sim!... – resmungava ele entre lágrimas.
-Rúbeo, por favor, controle-se, homem! – repreendeu a professora McGonagall ainda tentando se recompor. - Esses meninos estão feridos e precisam urgentemente de cuidados, acompanhe-nos até a Ala Hospitalar, sim?
-Eu não irei à Ala Hospitalar agora, professora. – teimou Harry se desvencilhando dos braços gigantescos de Hagrid, cuja frente das vestes estava completamente suja do sangue do pescoço do menino. – Eu preciso-
-Você vai à Ala Hospitalar, Potter! – cortou Minerva com firmeza. – Não há nada que você possa precisar mais do que isso no momento.
-Não, eu estou indo- - começou ele novamente.
-À Ala Hospitalar. – a professora interrompeu outra vez, apertando os lábios numa linha fina e usando um tom que não deixava espaço para discussão. – Aonde mais o Sr. pensa que deveria ir com esse pescoço sangrando como o de uma galinha decepada?
-Eu preciso ver o professor Dumbledore. – tentou Harry timidamente, olhando para baixo, indisposto a encarar a professora na face. – É urgente.
-Tenho certeza que sim, Potter. – respondeu McGonagall se aproximando. – Mas primeiro tente sobreviver, ok? – completou mais brandamente.
Harry a encarou finalmente e notou que embora a expressão da professora fosse dura, o queixo dela tremia e os olhos dela estavam brilhantes. Ela parecia estranhamente vulnerável por trás da fachada de durona.
-Vamos, Harry. – Hagrid disse tocando o ombro do garoto de leve, mas a grande mão pesada fez os joelhos dele oscilarem. Zonzo e cansado, ele não se moveu, apenas observou seu amigo gigante virar-se agora para Rony:
-Você está sangrando muito também, Rony. – disse alarmado. – Não se esforce mais, deixe-me levar Hermione. – pediu estendendo os braços ao ruivo.
Rony o encarou por alguns instantes, tímido e cauteloso, mas quando falou foi sem hesitar:
-Sinto muito, Hagrid, mas faço questão desse esforço.
E segurando Hermione mais firmemente contra o peito, ele empurrou a porta da sala com o pé e saiu, a mancha escura nas costas de suas vestes cada vez maior. Harry o seguiu relutantemente, mas não antes de ver o fantasma de um sorrisinho presumido nos lábios de Hagrid, que esfregou os olhos uma vez mais e fechou o cortejo na direção da Ala Hospitalar.
A Ala Hospitalar estava escura e silenciosa quando os três garotos e Hagrid entraram por ela. O lugar também estava vazio, com exceção de alguém que ressonava tranqüilamente numa cama a um canto, mas logo Madame Pomfrey surgiu de sua salinha anexa, os cabelos meio desalinhados e a cara amassada, como se acabasse de acordar.
-Esses meninos precisam de cuidados... – começou Hagrid, mas a mulher já não o ouvia e estava olhando criticamente o corte profundo no pescoço de Harry.
-Para a cama, Sr. Potter! – ordenou ela com energia, fazendo a figura na cama ao fundo erguer a cabeça. – Isso está bem feio e você está perdendo muito sangue! – Ela se virou então para Rony: - Sr. Weasley! Oh, céus, coloque a garota aqui na cama, depressa!
Rony obedeceu prontamente e descansou Hermione numa cama próxima, mas não deixou o lado dela.
-Ora, você também está ferido, Sr. Weasley! – exclamou Madame Pomfrey olhando a roupa ensangüentada do ruivo. – Deite-se com as costas voltadas para cima, vamos.
-Eu estou bem!... Cuide da Hermione primeiro, sim? – pediu ele aflito segurando uma mão da menina entre as dele. – Afinal ela... ela parece pior que nós, não é mesmo? – somou timidamente.
-Realmente ela não me parece bem e só o fato de não estar consciente já indica isso... – concordou a enfermeira lentamente, tomando o pulso da menina. – O que houve a ela?
Rony trocou um relance nervoso e apreensivo com Harry, que já tinha se deitado numa cama ao lado e respirou fundo. O silêncio persistiu e Madame Pomfrey ergueu as sobrancelhas a eles, seus olhos flamejando de um garoto para o outro.
-Vá se deitar, Sr. Weasley. – disse ela bruscamente e de forma ríspida. – Se não querem me ajudar com informações, então não me atrapalhem! Fique fora do caminho!
Ela começava a puxar cortinas dos lados da cama de Hermione quando a voz de Harry despejou de uma vez:
-Ela foi vítima das Maldições Imperdoáveis, Madame Pomfrey.
Hagrid ofegou e a mulher empalideceu ligeiramente. A pessoa na cama ao fundo ouvia atentamente, aproveitando-se que ninguém parecia fazer caso de sua presença.
-AS Maldições Imperdoáveis? – indagou Madame Pomfrey encarando Harry, que continuava a sangrar. – Você está querendo me dizer que a Srta. Granger foi vítima da Cruciatus e da Imperius?
Harry abriu a boca para responder, mas Rony foi mais rápido:
-Não, ele está querendo dizer que Hermione foi vítima da Cruciatus. – disse olhando longamente a face doente da menina. – Da Cruciatus e da Avada Kedavra.
Um silêncio intenso e embaraçoso seguiu-se às palavras do ruivo. Hagrid voltou imediatamente sua atenção para Hermione, como se para verificar que ela estava mesmo viva e a enfermeira ficou estranhamente inexpressiva, antes de tornar-se claramente confusa.
-Perdão? – começou ela. – O que foi que o Sr. disse, Sr. Weasley?
-O que você ouviu! – falou Rony encolhendo os ombros com impaciência, embora o movimento fizesse suas costas latejarem mais dolorosamente. – Hermione foi atingida por um Avada Kedavra.
A enfermeira arregalou os olhos e curvou-se para Hermione, tomando novamente o pulso da menina e sentindo a temperatura da sua testa com as costas da mão.
-Creio que definitivamente isso não seja possível, Sr. Weasley. – disse ela com um quê de desdém. – Você não sabe o que essa maldição faz?
-Sei perfeitamente bem. – devolveu o menino com amargura.
-Nesse caso você irá concordar comigo que a Srta. Granger NÃO PODE ter sido atingida por ela, não é? A não ser que você esteja tentando me dizer que temos aqui outro caso de sobrevivência a um Avada Kedavra e agora conheceremos também a “menina-que-sobreviveu”.
Rony enrubesceu e pareceu querer socar a enfermeira, mas Harry declarou com firmeza:
-É diferente. De fato ela também recebeu um Avada Kedavra, mas não sobreviveu.
-Desculpe, Sr. Potter. – Madame Pomfrey rosnou friamente enquanto esfregava uma pasta azul nas têmporas de Hermione. – Mas acho que depois de tantos anos de profissão eu estou apta a dizer se um paciente está vivo ou morto.
-NINGUÉM ESTÁ DIZENDO QUE ELA ESTÁ MORTA, CERTO? – Rony gritou em frustração. – Ela ESTAVA, então ela não SOBREVIVEU, mas sim RETORNOU!
A mulher fechou a cara e as linhas de sua face tornaram-se severas. Ela estava claramente afrontada pela ousadia do garoto em gritar dentro de um ambiente hospitalar.
-Chega de balbúrdia aqui, jovenzinho! – sibilou raivosa. – Encontre uma cama e se acomode ou lhe darei uma poção calmante capaz de botar um Trasgo Montanhês para dormir por uma semana!
-Mas- - começou Rony, porém foi subitamente interrompido pelo som da porta da Ala Hospitalar se abrindo bruscamente e pela visão da atordoada professora McGonagall entrando logo à frente da figura alta e esguia de Alvo Dumbledore.
-Professor! – exclamou Harry assim que o viu, fazendo menção de se levantar. - Eu preciso falar com o Sr., professor, aconteceu-
-Acalme-se, Harry. – cortou Dumbledore fitando o garoto com seus olhos azuis brilhante detrás dos óculos de meia-lua. – Há muito a ser dito, explicado e esclarecido, mas deixe Papoula cuidar das feridas físicas de vocês antes que eu tente amenizar as emocionais.
-Mas professor, havia um plano! Voldemort organizou tudo e quase conseguiu e-
-Agora deixe Papoula trabalhar, Harry. – o diretor exigiu de modo calmo, mas conclusivo.
-Mas a professora Rebecca está MORTA! – as palavras deixaram a boca de Harry antes que ele pudesse se parar. Tristeza e pesar cobriram as faces dos presentes e Madame Pomfrey ofegou audivelmente. Mas foi uma voz espantada ao fundo da sala que pegou a atenção de todos:
-Que? A professora Brinks está MORTA?
Todos se viraram para olhar e ver Parvati Patil sentada na cama que ocupava ao fundo da Ala Hospitalar, de olhos arregalados e expressão atenta e curiosa.
-Srta. Patil, vejo que está bastante bem esta manhã e que o resfriado se foi. – falou Madame Pomfrey sem olhar para ela e voltando a ocupar-se com Hermione, embora suas mãos estivessem bastante trêmulas. – Tome a poção da mesinha aí ao lado e pode ir, sim?
-A professora Brinks está morta? – tentou a menina outra vez, ignorando as ordens da enfermeira. – E Hermione Granger MORREU e depois RETORNOU?
Harry bufou, enojado com a natureza fofoqueira da colega mesmo em momentos difíceis como aquele, mas foi Rony quem espetou mordazmente:
-Não é da sua conta, Parvati! – disse levantando a cabeça do travesseiro sobre a cama onde tinha finalmente se deitado com as costas para cima. – Você não ouviu a Madame Pomfrey? Apenas suma daqui e vá cuidar da sua vidinha fútil!
-Controle-se, Sr. Weasley! – ralhou a professora McGonagall. – Não cabe a você dar ordens por aqui.
-É isso mesmo. – disse Parvati dando um sorrisinho presunçoso. – Não cabe a você...
-E o que VOCÊ ainda está fazendo aqui, Srta. Patil? – continuou Minerva. – Não cabe a você bisbilhotar nada também. Para a torre!
A menina arregalou os olhos, sem graça.
-JÁ! – ordenou a professora parecendo ameaçadora. Parvati engoliu a poção e saltou da cama depressa como um flash, tropeçando nos próprios pés e desaparecendo pela porta da Ala Hospitalar sem ousar olhar para trás. Uma sombra de diversão cruzou os olhos preocupados e tristes de Dumbledore por um segundo, mas então ele se virou para Hagrid:
-Rúbeo, tome as providências necessárias sobre Rebecca, sim?
O grande homem fungou, acenou com a cabeça e com um último olhar aos meninos deixou a sala. O diretor se voltou para McGonagall:
-Minerva, avise sobre esse infortúnio aos alunos. – pediu ele. – Não dê maiores detalhes por enquanto, mas diga que as aulas estarão suspensas até pelo menos o restante da semana, vendo que todos teremos que nos preparar para um funeral.
A professora acenou em concordância e sem dizer uma só palavra também partiu. Dumbledore olhou de Harry para Rony e ergueu as sobrancelhas, suspirando.
-E quanto a mim, - disse puxando uma cadeira entre as camas dos dois garotos e se sentando com as mãos e pernas cruzadas – fico por aqui, aguardando pacientemente a história que vocês me contarão logo que Papoula consiga remendar todos os três.
Pouco mais de meia hora tinha se passado quando Madame Pomfrey terminou o último feitiço curativo no corte do pescoço de Harry. O menino encontrava-se obedientemente quieto e fitava inexpressivamente a enfermeira passar outro ungüento escuro e mal-cheiroso sobre as costas já lambuzadas de Rony, que mexia-se incomodamente, soltava muxoxos ocasionais e virava a cabeça para olhar Hermione pelo menos duas vezes em cada minuto.
-Pronto. – disse ela esfregando as mãos no avental branco que usava por cima das vestes bruxas. – Agora é só um pouco de descanso e creio que os dois estarão bem logo.
A cabeça de Rony estalou imediatamente para cima:
-Os DOIS? – indagou cheio de preocupação e com uma nota de desespero. – Os DOIS estarão bem logo? O que você quer dizer com isso? E quanto a Hermione?
A mulher fingiu não ouvi-lo, mas evitou categoricamente os olhos do garoto quando rodeou a cama em que ele estava e se abaixou novamente para uma espiada em Hermione, apertando os lábios numa linha fina que lembrava irresistivelmente a professora McGonagall.
-Alvo? – chamou ela fracamente se virando para Dumbledore. – Uma palavrinha, por favor?
O diretor, que tinha ouvido em silêncio absoluto os meninos narrarem toda a história enquanto eram atendidos pela Madame Pomfrey, se ergueu da cadeira em que tinha estado sentado e acompanhou a enfermeira até sua salinha à parte. Harry e Rony se entreolharam e o estômago de Harry afundou dolorosamente ao perceber que enquanto cochichavam, ambos atiravam olhares furtivos e preocupados na direção da cama de Hermione. Rony parecia estar sentindo mais ou menos a mesma coisa, pois a pequena quantidade de cor que sua pele tinha ganhado com os cuidados de Madame Pomfrey repentinamente o deixou uma vez mais e o ruivo voltara a apresentar um aspecto tão branco quanto o pêlo de um unicórnio.
-Bom... – a voz de Dumbledore falou, se dirigindo aos garotos pela primeira vez em algum tempo. Ele não tinha feito objeção aos meninos contarem tudo enquanto estavam sendo atendidos, mas parecia decidido a falar somente quando a enfermeira terminasse o trabalho. – Acho que agora já podemos conversar.
-O que há com Hermione? – indagou Rony olhando do diretor para Madame Pomfrey. – Por que ela não acorda?
-Eu irei estar lá fora se precisarem, Alvo. – disse a mulher ainda evitando encontrar os olhares dos garotos. – Cuidarei para que não sejam interrompidos.
Ela caminhou resolutantemente para a saída, puxando a porta atrás dela ao passar. Harry e Rony encararam Dumbledore.
-O que está errado? – tentou Rony de novo, aflito.
-Hermione vai... – murmurou Harry sentindo um aperto na garganta que nada tinha a ver com seu ferimento cheio de bandagens. - ...ela vai ficar boa... não vai?
O diretor deixou sair um suspiro profundo, sentou-se outra vez na cadeira entre as camas e só então começou a falar:
-Juntando o que Papoula me disse com os conhecimentos que venho acumulando ao longo de minha vida, ouso dizer que a Srta. Granger se encontra num estado vegetativo o qual os trouxas costumam chamar de “coma”.
Harry engoliu com força e Rony arregalou os olhos, amedrontado e confuso:
-E o que exatamente é “coma”? Isso quer dizer algo ruim? – perguntou baixinho.
-Veja bem, Sr. Weasley, - disse Dumbledore entrelaçando seus longos dedos uns nos outros – a Srta. Granger foi pivô de um feitiço extremamente poderoso e maligno, nunca antes executado por qualquer um. E pelo o que vocês me contaram, isso ainda aconteceu depois dela passar por privações incontáveis e vivenciar inúmeros reveses emocionais.
-O Encantamento das Almas nunca tinha sido realizado antes dessa noite? – quis saber Harry.
-Não há nenhum registro, embora eu acredite que houveram inúmeras tentativas frustradas ao longo dos séculos. – respondeu o diretor.
-E como Voldemort poderia estar tão certo de que o feitiço funcionaria, então?
-Feitiços malignos costumam ser infalíveis quando executados da maneira correta, Harry. – explicou. – Algum bruxo das trevas pesquisou arduamente e inventou as bases do feitiço, mas talvez não tenha sido tão hábil na hora de colocá-lo em prática ou quem sabe nem mesmo tenha tentado. O fato é que ele teve o cuidado de registrá-lo e passá-lo adiante. Assim, embora nunca realizado, esse encantamento tornou-se um mito.
-E por que uma droga de feitiço assim tornou-se mito? – Rony indagou rispidamente, corando ao perceber o modo que tinha falado com o diretor. – Eu quero dizer, o Sr. mesmo falou que nunca tinha sido sequer testado... – completou mais brandamente.
-As pessoas não precisam ver o vento para notar que ele sopra nem enxergar a magia para acreditar que ela existe, Sr. Weasley. – Dumbledore revelou tristemente. Harry balançou a cabeça, confuso:
-Eu ainda não consigo entender completamente tudo o que aconteceu. – disse correndo uma mão pelos cabelos desalinhados. – Esse feitiço... Ele tem duas faces, não tem? Pois como pode ser tão maligno se foi capaz de trazer alguém como a Hermione de volta à vida?
-Como vocês parecem entender, o Encantamento das Almas é um feitiço poderoso que exige alguns requisitos obrigatórios complicados como a presença das almas de três gerações e o aflorar de sentimentos opostos.
-Amor e ódio. – murmurou Rony.
-Exatamente. – concordou Dumbledore. – E de acordo com os interesses em questão, cada um dos participantes deve assumir um dos três papéis, sendo eles o de Doador, Receptor e Terceiro Participante. O Doador doa sua alma ao Receptor, abrindo mão de sua essência, sua chama vital.
O Encantamento das Almas pode levar a dois objetivos distintos: vida eterna ou ressurreição. Dessa forma, se o Receptor estiver vivo, ou seja, se ele estiver possuindo sua própria chama vital, assim que receber a alma com a chama vital do Doador, ambas se fundirão numa só e levará à imortalidade. Por outro lado, se o Receptor estiver morto, a alma e a chama vital do Doador não terá com o que se fundir, servindo ao invés para devolver a vida a ele.
-Foi isso que aconteceu, então? – perguntou Harry espantado. – A professora Brinks, como Doadora, doou sua alma e sua chama vital a Hermione, que era a Receptora que estava morta?
Rony fechou os olhos com força às palavras, como se mesmo a lembrança causasse muita dor. O diretor acenou afirmativamente:
-Isso mesmo, Harry. – disse ele. – E ao fazer isso, Rebecca estragou todo o meticuloso plano de Voldemort, que cobiçava o posto de Receptor, mas acabou desempenhando apenas o papel de Terceiro Participante.
-Mas professor, - falou Harry se lembrando de algo – o Sr. já me disse várias vezes que feitiço nenhum era capaz de reviver os mortos...
-Aí é que está, Harry. – respondeu Dumbledore parecendo velho e cansado. – Nenhum feitiço DECENTE pode reviver os mortos. E nenhum feitiço que até essa noite tivesse sido realizado, de qualquer maneira.
-Feitiço decente? – indagou Rony indignado. – Esse encantamento é muito decente! Eu não vejo nenhum mal nele, se ele foi capaz de trazer a Mione de volta! O que importa se é dito como maligno? Ele fez um milagre, afinal de contas...
-De certa forma o Sr. tem um pouco de razão, Sr. Weasley. – Dumbledore disse erguendo as sobrancelhas pensativamente. – Assim como você, Harry, quando disse que o Encantamento das Almas tem duas faces. Pelo menos nesse caso acredito que essa afirmativa é válida.
-Como assim, professor?
-Esse feitiço é maligno, Harry, por diversas razões. Ele já foi desenvolvido com esse intuito. Nenhuma magia que tenha envolvida em si um sentimento como o ódio pode ser considerada inocente. E em análise mais profunda, o Encantamento das Almas é maligno por interceder junto a forças nas quais os bruxos não deveriam se intrometer. Ninguém foi criado para ser imortal ou para ter mais de uma vida numa mesma encarnação. Desde que o mundo é mundo, a morte não é algo com que se deve bater de frente, ela é o fim de um ciclo e o início de outro, portanto algo que devemos aceitar. É a noite escura que aguarda cada um de nós e que só revelará seus segredos depois que estivermos dentro dela.
-Então esse encantamento é maligno por bater de frente com a morte? – quis saber Rony.
-Certamente essa é uma das razões, mas eu poderia citar várias outras.
-Quais por exemplo? – perguntou Harry.
-Nesse feitiço há a abdicação da própria alma pelo Doador e uma pessoa sem alma é apenas uma casca vazia. E nesse encantamento em particular, o Doador nem mesmo fica vivo como uma casca, ele morre instantaneamente, pois junto com sua alma ele doa também sua chama vital. Ele comete um crime contra si mesmo, abrindo mão de algo tão valioso. É um desrespeito contra si e contra as leis naturais que regem o mundo. É tão mal quanto cometer um suicídio.
-Mas nesse caso a professora Rebecca só fez o que fez para salvar a Hermione! – exclamou Harry. – Ela não cometeu um suicídio, foi mais como um sacrifício. Como... – ele hesitou por um momento. – Como o que minha mãe fez por mim. – completou olhando para baixo
Dumbledore encarou o garoto bondosamente antes de continuar:
-É onde eu digo que vocês dois têm razão. Nesse caso, o Encantamento das Almas foi um feitiço decente e até um milagre, como afirmou o Sr. Weasley. Seu uso evitou o objetivo sórdido de Voldemort e ofereceu uma segunda chance a uma vida inocente. E como você disse, Harry, o feitiço teve duas faces, pois mesmo com suas raízes negras ele terminou sendo útil para uma razão mais que nobre.
Os três ficaram em silêncio durante alguns instantes, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. Harry continuava a olhar para baixo e Rony observava Hermione com uma expressão triste e distante. Ele fungou baixinho e escondeu o rosto nas mãos.
-Ela... – murmurou com a voz abafada pelos dedos. – Hermione... ela voltará a ser quem sempre foi? Isso é possível depois de tudo o que aconteceu?
O diretor pareceu ponderar a pergunta e Rony ergueu o rosto, seus olhos azuis temerosos da resposta.
-Há muitas formas de interpretar sua questão, Sr. Weasley. – falou Dumbledore com simplicidade. – E se eu for levá-la exatamente ao pé da letra, eu diria que não, Srta. Granger nunca mais será a mesma depois dessa noite.
O ruivo ofegou e Harry pôde ver que ele apertava os lábios com força, tentando evitar o choro a qualquer custo. Dumbledore prosseguiu:
-Ela não será a mesma assim como Harry nunca mais será o mesmo e assim como você também nunca mais será o mesmo, Sr. Weasley. Nós nos transformamos um pouco com cada experiência que vivenciamos. Amanhã você não será o mesmo que é hoje e mesmo daqui a duas horas ou dez minutos você será alguém diferente do que é agora.
-Certo. – concordou Rony nitidamente aliviado. – Mas não era bem isso o que eu queria saber...
-Eu imaginei.
-O que eu queria dizer era... bem, pelo o que entendi, Hermione recebeu a alma da professora Brinks, não?
-Certamente.
-Nesse caso... o que eu queria saber era se ela... se ela continuará sendo a Hermione, entende? Se mesmo com outra alma ela será ela mesma. É meio confuso...
-Eu entendi perfeitamente. – falou Dumbledore. – E o que eu preciso que vocês compreendam é que uma alma não é uma coisa compacta, única e imutável. A Srta. Granger ressuscitou não porque recebeu a ALMA de Rebecca, mas porque ganhou novamente uma chama vital. Uma alma é como um grande quebra-cabeça, cheio de pequenas peças que se encaixam para formar a unidade. Não é porque a Srta. Granger tem em si a essência de Kimberly Taylor que se pode afirmar que ambas são a mesma pessoa. Não é porque ela agora tem em si a essência da própria Rebecca que ela passará a agir como a professora. Cada alma é uma grande unidade composta de peças menores, Sr. Weasley. Você tem sua unidade, Harry tem a unidade dele, eu tenho a minha. Kimberly Taylor tinha a unidade dela e Rebecca Brinks a mesma coisa. E as unidades de ambas agora são pequenas peças que ajudam a compor a unidade própria de Hermione Granger. Cada pessoa é cada pessoa e mesmo no decorrer das reencarnações cada ser tem sua unidade exclusiva. Cada um de nós é único aos olhos do universo. E entender isso é o primeiro passo para aceitarmos a nós mesmos e aos próximos como realmente somos: ESPECIAIS.
-Isso me deixa mais aliviado. – murmurou Rony ligeiramente impressionado. – Mas quando Hermione vai acordar?
-Creio que só depende dela. – respondeu o diretor fitando a face pálida da garota desacordada sobre a cama. – A Srta. Granger sofreu muitos danos físicos com as diversas sessões de torturas descritas por vocês, mas a não ser que eu esteja muito enganado, isso não é o que está a impedindo de retomar a consciência.
-E o que é então? – perguntou Harry, que tinha estado anormalmente quieto nos últimos minutos.
-O emocional. – falou Dumbledore. – E Papoula concordou comigo que tudo que Hermione Granger precisa para acordar é QUERER isso.
-Mas então fica tudo mais fácil, não fica? – exclamou Rony parecendo se animar.
-Só depende dela, Sr. Weasley. – Dumbledore reafirmou, ainda preocupado. – Ela precisa desejar isso do fundo do coração e isso pode ocorrer agora, daqui a um minuto, daqui a duas horas ou dez anos... Talvez ela de fato nunca queira acordar. Só o que nos resta é torcer.
-Ela vai querer! – Rony disse convicto fitando Hermione ternamente. – Ela é Hermione Granger e Hermione Granger nunca desiste de nada!
-Todos nós esperamos assim, Sr. Weasley. – concordou o diretor num tom que fez a confiança do ruivo se estilhaçar. – Todos nós esperamos assim...
Outro silêncio se abateu sobre a Ala Hospitalar, mas dessa vez não foi nenhum dos três o responsável a quebrá-lo. Uma pequena movimentação parecia estar ocorrendo do lado de fora da porta, de onde vinham vozes exaltadas:
-A Srta. não vai entrar, mocinha! – guinchava a voz dura de Madame Pomfrey.
-Ah, é? E eu quero ver quem é que vai me impedir! – desafiou outra voz bastante familiar.
-Gina! – sussurraram Harry e Rony em uníssono. Dumbledore exibiu um pequeno sorriso, se levantou e com um gesto displicente da varinha abriu a porta e revelou as costas de Madame Pomfrey, que tinha os braços abertos para impedir a passagem de uma Gina muito brava e de olhos muito inchados e vermelhos.
-HARRY! – berrou a ruiva assim que seus olhos caíram sobre o garoto deitado na cama mais próxima à entrada. Ela empurrou a enfermeira com o ombro e fez seu caminho para dentro da sala. – RONY! – berrou novamente ao ver o irmão, lágrimas correndo livremente por suas bochechas rosadas. – Oh, graças a Merlim!
Ela se atirou sobre Harry, chorando e molhando o pescoço ferido do menino com lágrimas quentes e em seguida soluçou ao acariciar os cabelos vermelhos do irmão, o beijando por toda a face e ignorando suas caretas.
-Vocês estão vivos! – murmurou olhando de um para o outro e tentando conter as lágrimas. – Eu tive tanto medo, tanto! Passei a noite em claro, morta de preocupação... E graças a Merlim vocês encontraram a Hermione! Há quanto tempo ela está dormindo? Vocês conseguiram pegar a Brinks?
Harry e Rony trocaram um relance, mas Gina não pareceu perceber, pois continuou falando de modo ininterrupto:
-Vocês estão tão machucados!... Logo que vocês desapareceram com aquele portal eu saí correndo para avisar alguém, mas na saída da sala da Brinks encontrei Malfoy e ele parecia esquisito, então eu-
-E quanto a Malfoy? – Harry cortou a ruiva, se voltando para Dumbledore. – Ele teve bastante culpa em tudo o que aconteceu! – falou nervoso. – Ele foi parte importante do plano!
-Draco não agiu por vontade própria, Harry. – apaziguou o diretor. – Vocês mesmo me disseram que Lúcio o mantinha sobre a Imperius desde as férias da Páscoa.
-O que? – murmurou Gina arregalando os olhos.
-Depois, Gina. – Rony retrucou para a irmã.
-Sim, mas Lúcio também disse que Draco teria feito tudo de boa vontade! – insistiu Harry.
-Ele queria apenas impressionar Voldemort. – disse Dumbledore.
-Então ele não vai ser expulso?
-Suponho que não.
-E eu que esperava que ele fosse parar em Azkaban... – resmungou Rony com amargura.
-Será que alguém vai me explicar do que exatamente estamos falando? – Gina estalou com impaciência.
-Tenho a ligeira impressão de que a Srta. não está incluída no assunto, Srta. Weasley. – Madame Pomfrey falou com uma carranca. – Sugiro que os deixem terminar e volte mais tarde se quiser ver seus amigos.
-Sugestão negada, obrigada. – retrucou a ruiva puxando uma cadeira próxima à cama de Harry e se sentando.
-Deixe a menina, Papoula. – pediu Dumbledore se erguendo. – Será bom Harry e Rony terem uma companhia extra para conversarem, vendo que terei que me ausentar.
-Se ausentar? – indagou Harry alarmado. – O Sr. vai deixar a escola outra vez?
-Só por algumas poucas horas. – respondeu. – Vocês tiveram que passar por tudo o que passaram essa noite porque eu estava fora resolvendo assuntos da Ordem e não estava aqui para impedir, mas suponho que aprendi a lição.
-Então...?
-Realmente serei rápido, Harry, não se preocupe. É só o tempo de localizar e escoltar os Granger até aqui.
-QUE? – Rony arregalou os olhos, assustado. – Os pais de Hermione serão trazidos para cá?
-É bom que eles vejam a filha, Sr. Weasley. – foi Madame Pomfrey quem respondeu. – Agora procure não se agitar, sim?
-Espere um pouco! – o ruivo disse tentando se sentar, mas sendo empurrado pelos ombros pela enfermeira. – O que vocês estão nos escondendo? Por que os pais de Hermione serão trazidos? – a voz dele estava desesperada.
-Acalme-se, Sr. Weasley, acalme-se! – ralhou a mulher tentando contê-lo em vão.
-Os pais dela são trouxas! – ele gritou sentindo lágrimas picarem os cantos dos seus olhos. – Nunca um trouxa deve ter entrado em Hogwarts antes! Se isso está acontecendo agora é porque há algo muito errado! Digam a verdade!
Gina boquiabriu-se, espantada e surpresa demais para dizer alguma coisa. Harry sentiu um aperto incômodo no peito ao notar que o amigo provavelmente tinha razão:
-O estado dela é muito grave, não é? – perguntou temendo antecipadamente a resposta. – Essa é a razão dos Granger estarem sendo trazidos? Para uma... – a voz dele morreu e ele não teve coragem de dizer alto a palavra que pipocou em sua mente: “despedida”.
-O estado da Srta. Granger é de fato delicado, Sr. Potter. – disse Madame Pomfrey ainda firmando Rony contra o colchão.
-Mas se é tão grave então por que não transportá-la para o St. Mungus ao invés de transportar os pais dela até aqui? – indagou Gina, que tinha uma lágrima teimosa escorrendo de novo sobre sua bochecha.
-Os curandeiros do St. Mungus não poderiam fazer por ela nada a mais do que eu posso fazer por aqui mesmo, Srta. Weasley. – falou a enfermeira cabisbaixa. – Não está em nossas mãos.
-O que você quer dizer com “não está em nossas mãos”? – esbravejou Rony se debatendo e quase jogando Madame Pomfrey para o chão. – O QUE VOCÊ QUER DIZER? A Hermione NÃO VAI morrer, ok? ELA NÃO VAI MORRER OUTRA VEZ!
-Outra vez? – sussurrou Gina para ela mesma, chorando silenciosamente ao ver o irmão cansar de se debater e entregar-se a pequenos soluços, escondendo a face no travesseiro e esmurrando o colchão com o punho.
-Ela não vai morrer, Sr. Weasley. – murmurou a enfermeira fazendo-o erguer a cabeça para que ele tomasse uma poção esverdeada. – Não é esse o problema. A questão é que as probabilidades dela acordar são poucas e talvez os pais da menina queiram levá-la para casa, vendo que não há mais nada que eu ou qualquer outro possa fazer...
-Poucas não quer dizer nenhuma, Rony. – disse Dumbledore baixinho se curvando para o ruivo.
E os olhos penetrantes do diretor foram a última coisa que Rony viu antes de render-se à eficiência da poção e cair num sono profundo e sem sonhos.
Dor. Afiada, rasgante, incômoda, afligindo cada milímetro de suas costas.
Vozes. Cochichadas, abafadas, tristes.
-Eu não posso acreditar que ela realmente teve que passar por tudo isso. É mais do que uma pessoa pode suportar...
“Hermione.” – Rony pensou com uma pontada de angústia, o medo da perda o invadindo outra vez. – “Estão falando sobre Hermione.”
Ele abriu os olhos devagar e piscou algumas vezes antes de reconhecer Gina. A menina dividia uma cadeira com Harry e tinha a cabeça encostada ao ombro do garoto, enquanto segurava na mão da desacordada Hermione deitada abaixo e acariciava lentamente os cabelos fofos da amiga.
-Harry... – a ruiva continuou e Rony soube pelo tom da voz que a irmã chorava. – Você acha que... que ela... er... vai ficar bem?
Harry não disse nada, mas Rony viu o amigo encolher os ombros e ouviu ele suspirar. Gina prosseguiu:
-Esse plano foi cruel! E a Mione foi a primeira a começar a sofrer as conseqüências dele. Eu posso bem imaginar como devia ser horrível para ela agüentar Você-Sabe-Quem invadindo a sua mente. Eu me sentia suja quando Tom fazia isso. – ela soltou um pequeno soluço e Harry passou um dos braços ao redor do ombro dela.
-Eu sei. – ele falou quietamente.
Rony somente observou, sabendo que provavelmente não haveria nenhum lugar no mundo melhor para a irmã e o amigo que assim, nos braços um do outro. Era a primeira vez (e talvez única) que ele se sentia completamente confortável com a visão de sua irmãzinha bebê aconchegada contra alguém infestado de hormônios masculinos em erupção.
-Como foi que ele fez isso? – a ruiva falou depois de alguns momentos de silêncio, sua voz um pouco além de um sussurro. – Como Você-Sabe-Quem invadia a mente da Mione? Quero dizer, comigo ele usava o diário e com você a cicatriz, mas e com ela?
-Ele é excepcional em Legilimência, Gina. – respondeu Harry esticando a mão livre e acariciando os cabelos de Hermione também. – Provavelmente ele usou o poder do parentesco que tinha com a parte da alma dela que pertenceu a Kimberly Taylor.
-Sim. – a ruiva concordou lentamente. – E certamente esse era também o motivo da professora Brinks estar sempre sentindo algum mal-estar, Você-Sabe-Quem devia estar concentrando energias ruins sobre a coitada o tempo todo.
Harry acenou com a cabeça.
-Eu me sinto péssima. – a ruiva confessou depois de um tempo. – Sabe, por desconfiar dela. Da professora Brinks, eu digo.
-Eu também. – disse Harry com um longo suspiro, apertando mais o abraço ao redor dos ombros de Gina e plantando um beijo terno sobre os cabelos flamejantes da garota.
-Acho que todos nós estamos envergonhados por termos sido umas mulas cegas idiotas. – Rony falou roucamente, sobressaltando os outros dois. Gina levantou-se rapidamente e caminhou para perto do irmão.
-Oi, Rony! – ela falou numa falsa voz alegre, escovando as lágrimas das bochechas com as costas da mão. – Como você está se sentindo?
O ruivo meramente encolheu os ombros.
-Como Hermione está? – ele perguntou.
Harry e Gina se entreolharam com rapidez.
-Na mesma. – Harry falou sem olhar nos olhos do amigo. Gina tentou ser mais entusiasta:
-Bem, ela não acordou ainda, mas certamente parece um pouco mais corada e tudo, não parece, Harry?
-Ah... er... – gaguejou o garoto em resposta. – Sim.
-Não tente me enganar, Gina! – ralhou Rony. – Eu não sou burro e se você tiver se esquecido, eu também cresci junto com os gêmeos!
A ruiva pareceu meio desconcertada, mas no momento seguinte sua face tornou-se dura e ela assumiu a expressão decidida que costumava usar sempre antes de premiar alguém com sua “Azaração para Rebater Bicho-Papão”.
-Agora escute aqui, Rony. – falou ela cruzando os braços e fuzilando o irmão com o olhar. – Você não é o único que ama a Hermione, tá bom? Todos nós estamos sofrendo aqui e é bom você parar de bancar o estúpido agindo como um bebê! Abra bem os ouvidos para o que vou lhe dizer: Isso. Não. Vai. Ajudar. Em. Nada!
Rony fez uma cara brava e por um segundo Harry achou que o amigo iria explodir, mas para a grande surpresa dele e mesmo de Gina, o ruivo deu um suspiro derrotado e baixou os olhos, miserável.
-Me desculpe. – disse ele quietamente, brincando com um buraco em seu lençol e sem encarar a irmã. A feição da garota se abrandou e ela esticou a mão para tocar o ombro do irmão.
-Rony? – ela chamou, mas o menino não a olhou. – Me desculpe também, eu perdi o controle.
-Está tudo bem. – murmurou Rony.
-Não, Rony, não está tudo bem. – insistiu Gina. – Eu perdi o controle, mas isso só aconteceu porque eu odeio ver você assim! Você pode ser um estúpido algumas vezes, mas isso não anula o fato de você ser meu irmão.
-Valeu, Gina. – disse o ruivo amargo e sarcástico. A menina agarrou a mão dele entre as dela.
-Rony, olhe para mim. – pediu. – Nós somos sete irmãos, mas você sabe que sempre foi o especial.
Finalmente o garoto a encarou e ela prosseguiu:
-Sempre éramos nós dois, Rony. Nós fazíamos tudo juntos. O último menino Weasley e a única menina Weasley. Sempre éramos nós dois rindo do Percy, nos protegendo dos gêmeos ou imaginando como seria quando viéssemos para a escola... Mas então você veio para Hogwarts primeiro e fez seus próprios amigos... Você não imagina como ciumenta eu ficava quando você escrevia para casa falando de Harry e Hermione. Principalmente dela, por ser uma garota. Eu achava que Hermione estava tomando o meu lugar ao seu lado, e até cheguei a odiá-la por isso. Só que tudo mudou quando eu a conheci. No momento que conheci Hermione eu descobri porque você a amava... Você a amava porque Hermione tinha em si tudo o que parecia faltar em você, mas mesmo assim ela sempre parecia ter a capacidade de fazer você se enxergar como realmente é: especial.
Rony a encarou ligeiramente boquiaberto e Harry se sentiu meio deslocado por estar presenciando um momento que deveria ser apenas dos dois irmãos. Por essa razão, quando o ruivo puxou a menina para um abraço, ele decidiu virar-se e observar sua outra melhor amiga, desacordada e pálida sobre a cama. Mas Gina continuava falando:
-E é por essa razão que eu não posso te ver assim, Rony. Eu não suporto quando você puxa toda culpa e tristeza para você. Hermione não gostaria disso também. Você a tirou daquele cemitério, Harry escapou e tudo o que podia ser feito já foi. Vocês três foram formidáveis essa noite. Outra vez. E agora só o que nos resta é esperar.
Harry ouviu Rony grunhir algo incompreensível e suspirou. Ele acariciou levemente o cabelo rebelde da amiga mais uma vez e só então arriscou um olhar por cima do ombro: os dois irmãos continuavam abraçados.
-Como você está se sentindo, cara? – a voz de Rony fez Harry se virar.
-Estou ótimo. – ele encolheu os ombros. – Não foi dessa vez que conseguiram destruir meu pescoço. – brincou para iluminar o humor.
-Mas você não pode negar que fizeram um trabalho bem bom. – devolveu Rony olhando o corte no pescoço do amigo, que agora já não sangrava e estava coberto por ataduras.
-Sim, mas eu tive sorte de conseguir sair de lá antes que terminassem o serviço.
-Eu ainda não consigo entender como você chegou àquele portal com todos aqueles Comensais sangrentos e o próprio Você-Sabe-Quem em sua cola. – falou Rony.
-Voldemort não parece gostar de perder e estava cego de fúria por seu plano magnífico ter dado errado, o castigo que deu a Belatriz e Lúcio foi só uma prova disso. Então tudo o que eu fiz foi me esconder atrás dos túmulos, tacar fogo em algumas árvores, desviar de alguns feitiços e convocar o pacote-portal quando estava bem perto dele...
-Nada demais, coisas simples. – disse Gina com sarcasmo. Os outros dois riram fracamente.
-Dumbledore ainda não voltou? – indagou Rony se sentando sobre a cama e olhando de olhos compridos para a cama de Hermione.
-Não. – respondeu Harry. – Pelo menos não para cá.
-Bem, talvez ele esteja ocupado demais com... bem... organizando tudo... eu quero dizer, com o que aconteceu com a professora Brinks e tudo o mais.
-O funeral será depois de amanhã. – Gina disse quietamente.
-Como é que você sabe?
-Neville nos contou.
-Neville esteve aqui?
-Praticamente toda a escola esteve aqui enquanto você estava dormindo. – a ruiva falou com um quê de desprezo. – Mas graças a Merlim Madame Pomfrey acabou com a zoeira e proibiu mais visitas.
-E como você ainda está aqui se ela proibiu visitas?
-Eu disse a ela que Dumbledore queria que eu ficasse. – disse a menina baixando a voz. – Ela não ousou discutir.
-Então a escola inteira já sabe sobre tudo?
-Aparentemente a professora McGonagall disse algo no café, eu não sei exatamente o que foi porque tinha corrido para cá depois de ir outra vez verificar a sala da Brinks e ouvir alguns professores falando que vocês tinham aparecido e estavam muito machucados.
-Verificar a sala da Brinks?
-Sim, eu tenho ido lá ocasionalmente desde que vocês desapareceram, assim como os professores. Todos tínhamos esperança de que o portal traria vocês de volta para o mesmo lugar de onde saíram.
-Certo... Mas o que toda a escola veio fazer aqui, de qualquer maneira? – indagou Rony.
-Bem, você conhece o pessoal de Hogwarts, loucos por uma fofoca... – desdenhou Gina. – Neville nos disse que a escola inteira está falando sobre vocês, especialmente sobre Hermione. Eles estão a chamando de “A-menina-que-retornou”...
-Aposto que foi a Parvati quem espalhou isso. – rosnou Rony com irritação.
-Parvati Patil? Como ela saberia? – a ruiva quis saber.
-Ela estava aqui quando chegamos. – contou Harry. – Se recuperando de um resfriado ou algo assim.
-Por que é que os resfriados não são fatais? – Rony disse exasperado. Mas nenhum dos outros dois responderam, pois nesse exato momento as portas da Ala Hospitalar se abriram e Dumbledore reapareceu, acompanhado de um Sr. Granger amarelo-esverdeado e uma Sra. Granger se debulhando em lágrimas.
-Minha filhinha! – guinchou a mulher correndo até a cama da filha. O marido a acompanhou a passos largos. Ela agarrou os ombros da desacordada Hermione num abraço e afundou o rosto no ombro direito da garota, chorando impiedosamente e murmurando coisas incompreensíveis. Sr. Granger se postou do outro lado da cama e segurou uma das mãos da filha, usando a mão livre para esfregar algumas lágrimas tímidas fora dos olhos. Rony suspirou. Gina deixou escapar um soluço amortecido e Harry, sentindo seus próprios olhos molhados, percebeu que aquela cena era de algum modo familiar: tudo acontecia justamente como no pesadelo que ele tivera há algum tempo atrás.
-Ah, Deus, ela parece tão pálida e fraca! – chorou a mãe de Hermione se afastando um pouco da garota para observar sua face. – Minha menina, o que fizeram com minha menina? – choramingou.
Madame Pomfrey, que tinha se apressado fora de sua salinha com a balbúrdia, lançou um olhar reprovador à mulher, pouco disposta a tolerar tanto barulho.
-Acalme-se, Sra. Granger. – pediu a enfermeira de modo eficiente. – Tudo o que podia ser feito por sua filha já foi realizado, agora é aguardar.
Sra. Granger ergueu os olhos inchados e mirou Madame Pomfrey, mas foi o pai de Hermione quem falou:
-Ninguém vai aguardar nada! – resmungou, ríspido. – Eu vou levar minha filha para um hospital DE VERDADE e para os melhores médicos! Essa historinha de magia já foi longe demais e por causa dela Hermione quase morreu.
-Ela não QUASE morreu, Sr. Granger, de fato ela o fez. – a enfermeira explicou cautelosamente.
-Eu sei. – o homem fez um gesto impaciente com a mão. – O diretor teve o cuidado de nos explicar tudo isso. E toda essa história horrorosa é mais um motivo para eu tirar minha filha daqui hoje mesmo. Eu não quero Hermione envolvida em mais nenhuma dessas coisas irreais e sórdidas.
-O Sr. não pode levar a Hermione! – a voz de Rony exclamou repentinamente. Todos os presentes se viraram para ele e os Granger pareceram notar sua presença pela primeira vez.
-Eu... – balbuciou Rony muito vermelho com todas as atenções sobre ele. – Eu quero dizer... Não é seguro tirá-la daqui agora. Seria melhor esperar e... bem...
O Sr. Granger soltou a mão da filha e caminhou lentamente até o ruivo, seus olhos castanhos cintilando.
-Ronald Weasley. – murmurou sem quebrar o contato visual.
-Sim... er... sou eu. – Rony gaguejou desconcertado, se sentando.
-O rapaz que pôs um diamante no pescoço da minha filhinha?
O rosto do menino passou de vermelho intenso para púrpura e então para um branco coalhado. Ele acenou com a cabeça.
-O rapaz que há alguns meses atrás me fez a promessa de proteger Hermione aonde quer que ela fosse?
Outro frio na barriga de Rony. Outro aceno de cabeça.
-E o rapaz, - Sr. Granger continuou sério – que...
“...que é louco por sua filha? Que briga com sua filha como um idiota? Que tem planos para o futuro e sonhos nada inocentes com sua filha?” – Rony pensava freneticamente.
-...que cumpriu essa promessa e mesmo gravemente machucado tirou minha filha do meio do fogo cruzado?
Rony arregalou os olhos, boquiaberto. Tudo o que fosse que ele estivesse esperando não era nem próximo disso.
-Muito obrigado, Ronald. – o pai de Hermione lhe ofereceu sua mão. – Hermione tinha razão sobre você.
O menino apertou a mão do Sr. Granger ainda ligeiramente abobado. E no momento em que ele se virou para o outro lado, tudo o que viu foi uma maré de cabelos castanhos bater contra o seu rosto antes de uma afobada e chorosa Sra. Granger o engolfar num grande abraço.
“Agora eu sei de onde Hermione herdou esses surtos.” – pensou o ruivo enquanto a mulher o apertava e chorava no seu ombro. – “E o cabelo da Sra. Granger tem o mesmo cheiro que o da filha...” – notou com um grande suspiro, seu coração se inquietando outra vez em seu peito.
-Eu nunca terei como agradecer, Ronald. – disse a mãe de Hermione em meio aos soluços. – Muito obrigada por trazer minha filhinha de volta.
O garoto não disse nada, apenas sentindo a mulher o esmagar e molhar seu ombro com lágrimas. Ele olhou e viu que o Sr. Granger apertava a mão de Harry agora.
-Você é um bom menino, Ron. – continuou a Sra. Granger finalmente soltando o menino. – Ron... é assim que Hermione o chama, não?
“Só quando ela quer me matar.” – pensou Rony se lembrando de quão doce era ouvir Hermione chamando-o assim, mas ele apenas afirmou com a cabeça.
-Muito bom... – continuou ela o encarando com um olhar que Rony pensou ser de admiração ou quem sabe... de orgulho? – Não é a toa que sempre confiei nas escolhas da minha filha.
E então, com essa nota um tanto enigmática, ela virou-se para abraçar Harry também.
Rony teve uma noite inquieta e conturbada, pontuada com dores latejantes em suas costas e pesadelos horríveis envolvendo Comensais da Morte, Voldemort e Hermione morta. Para completar, ainda havia o peso incômodo na borda de seu estômago e o bolo em sua garganta a cada vez que se virava de lado e via Hermione ainda inconsciente em sua cama de lençóis imaculadamente brancos. Os Granger passaram toda a madrugada sentados próximos à filha e, embora Sra. Granger tivesse cochilado algumas vezes, o marido dela estava muito desperto durante todas as vezes que Rony arriscara um relance. Assim, foi só durante o começo da manhã que o garoto conseguiu dormir um pouco, mas o sono não durou mais que uma hora e o som de vozes o despertou bruscamente.
-Mas ela terá uma chance muito maior de recuperação em um hospital especializado, querida. – falava o Sr. Granger parecendo irritado.
-E quem é que garante? – Sra. Granger indagou teimosamente, cruzando os braços no mesmo jeito característico que Hermione costumava usar. O homem suspirou, frustrado, e quando voltou a falar Rony percebeu que ele usava toda sua energia para manter o controle e não explodir com a esposa.
-Ninguém garante, você sabe disso. – disse sério. – Mas o que você sugere? Ficarmos aqui parados só esperando pelo dia que ela irá milagrosamente acordar, sendo que esse dia pode não chegar nunca?
Sra. Granger ofegou, lágrimas começando a vir novamente em seus olhos chocolate como os da filha.
-Não diga isso, querido, por favor. – murmurou ela afundando o rosto no peito do marido, que a envolveu com ambos os braços, acariciando seus cabelos.
-Me desculpe. – ele pediu. – Apenas é que eu me sinto tão impotente por vê-la assim e não poder fazer nada por ela, convencê-la a acordar...
-Eu sei... Amor, escute. – ela ergueu o rosto para olhá-lo. – O diretor nos disse que o funeral da professora será amanhã. Fiquemos para prestarmos um último cumprimento à mulher que... que fez o que fez por Hermione e então... então nós partiremos e levaremos nossa filha para todos os hospitais, médicos ou para qualquer um que seja capaz de trazer nossa menina de volta para nós.
Sr. Granger concordou silenciosamente com a cabeça e ambos se abraçaram novamente, envolvidos na dor e angústia um do outro. Rony, sentindo seus próprios olhos embaçarem com umidade, virou para o outro lado e encarou Harry, que dormia tranqüilo e ressonava baixinho. Ele estava mais corado e parecia nitidamente melhor.
Por muito tempo o ruivo permaneceu acordado, ouvindo os suspiros ocasionais dos Granger, o ressonar suave do amigo e o piar distante das corujas em algum lugar do castelo. Ele assistiu o teto branco da Ala Hospitalar tornar-se dourado com os primeiros raios de sol e a luz encher completamente o lugar quando o dia finalmente despontou.
-Aqui, Sr. Weasley. – a voz firme de Madame Pomfrey o chamou e ele observou para notar que a enfermeira estava de pé em frente a ele segurando uma bandeja com uma poção marrom grossa com um aspecto horroroso de lama. – Beba tudo. – ordenou ela.
Rony sentou-se desanimado e bebeu a poção num gole só: o gosto era tão sórdido quanto a aparência. Madame Pomfrey se virou para Harry:
-Você apresentou uma recuperação impressionante, Sr. Potter. – disse ela tirando a atadura do pescoço de Harry e revelando um corte fino e comprido já fechado. – Tome outra dose dessa poção aí ao lado e sinta-se liberado para partir.
Harry sorriu fracamente e apanhou o frasco com líquido azul indicado pela enfermeira, já preparando-se para levantar.
-Apenas não abuse e tente ficar mais quieto e longe de confusões por enquanto. – advertiu a mulher lhe atirando um clarão firme.
-E quanto a mim? – indagou Rony esperançoso no mesmo instante em que a cabeça de Gina aparecia pela porta da Ala Hospitalar. – Estou liberado também?
-Certamente, Sr. Weasley. – falou Madame Pomfrey. – Que não! Você ainda não está suficientemente convalescido! Talvez hoje à tarde eu lhe libere, dependendo do seu estado nervoso que me parece muito instável... E Srta. Weasley, o que faz aqui novamente? – perguntou se virando para Gina. – Pensei ter mencionado que as visitas estão terminantemente proibidas por aqui!
-Bom dia para a Sra. também, Madame Pomfrey. – disse a ruiva entrando e fechando a porta atrás de si. – Bom dia Sr. e Sra. Granger, como Hermione está?
O pai de Hermione encolheu os ombros, sem palavras, e Sra. Granger respondeu numa tentativa falha de sorrir:
-Ela vai ficar bem, querida.
Gina ensaiou um sorriso reconfortante de volta e se virou para os garotos:
-Ei, vocês. – cumprimentou. – Como estão?
Rony deu de ombros e Harry disse:
-Bem, já estou liberado e estou saindo.
-Sim, está. – cortou Madame Pomfrey. – E Srta. Weasley, você está saindo também!
Gina abriu a boca para retrucar, mas Harry tomou a mão da ruiva e apertou, sussurrando de forma que apenas ela o ouvisse:
-Tudo bem, Gina, deixe isso para lá.
O coração da menina acelerou e mesmo na situação atual ela flutuou com a sensação maravilhosa de ser tocada tão deliberadamente por Harry em frente a terceiros.
-Nós voltaremos mais tarde para ver vocês. – falou Harry fitando Rony com preocupação e também abrangendo Hermione com o olhar. O ruivo acenou afirmativamente e não se sentiu nem ligeiramente incomodado em assistir o melhor amigo deixar a sala de mãos dadas com sua irmãzinha. Definitivamente o mundo estava muito louco. Ou quem sabe, os acontecimentos de uma única noite foram capazes de fazer Rony crescer mais do que ele tinha feito em dezessete anos.
Como tinha passado quase a noite inteira em claro e estava esgotado tanto no físico quanto emocionalmente, logo que Harry e Gina deixaram a Ala Hospitalar, Rony deixou-se vencer e finalmente caiu num sono profundo e merecido, o qual durou a maior parte da manhã. Quando acordou, viu através da janela mais próxima que o sol estava bem alto no céu, uma indicação que deveria ser por volta do meio-dia. Instintivamente ele ergueu um pouco a cabeça e procurou Hermione com o olhar, mas o rosto da menina estava oculto pelas costas da Sra. Granger, que estava sentada numa cadeira ao lado da cama e novamente tinha a cabeça baixa e o tronco curvado sobre o corpo da filha. Sr. Granger não estava em nenhum lugar ao redor, então, com um assomo de terror, Rony ponderou se o homem tinha saído para providenciar a remoção de Hermione para um desses hospitais malucos dos trouxas. Há! Se estivesse, ele não iria permitir. Ele não iria permitir que levassem Hermione dali e a entregassem nas mãos de um bando de doidos que até costuram a pele das pessoas com agulha e linha, como na técnica trouxa que aquele Curandeiro experimentara em seu pai certa vez. Sr. Granger poderia ser o pai dela, mas isso não lhe dava o direito, certo? Ninguém iria levar Hermione para longe dele. Nunca.
O ruivo já estava começando a bolar mil maneiras infalíveis para esconder Hermione do pai dela quando a voz suave da Sra. Granger o sobressaltou. Ela estava... cantando?
Sim.
Definitivamente.
Ela estava cantando algo doce e macio, parecido com uma canção de ninar:
“Para ser feliz é preciso ver
Nesse céu azul a imensidão
É fazer das tristezas estrelas do céu
E do medo uma canção...
Há um mundo bem melhor
Todo feito prá você
É um mundo pequenino
Que a ternura fez...”
Rony a ouvia cantar abobalhado. A voz da mulher era triste, porém agradável e cheia da mesma ternura mencionada na letra da canção. Ela repetiu os versos algumas vezes, abaixando o tom gradualmente até sua voz sumir por completo. Foi então que ela começou a falar:
-Eu espero ter conseguido te acalmar, mel, essa era a canção de que você mais gostava. – murmurou plantando um beijo na testa da filha. – Há quantos anos eu não canto para você, não é mesmo? Desde que você era minha pequena garotinha... Muita coisa se passou desde aquele tempo em que você tinha medo de balanço porque o brinquedo te levava muito alto... Você tinha muito medo de altura, mas naquela ocasião nenhuma de nós poderia saber o quão alto você iria voar... – ela tomou uma respiração funda antes de continuar. – Você voou muito cedo, Hermione. Voou muito cedo por conta própria, para longe de nós... Eu sinto tanto por não ter participado mais em sua vida. Me dói tanto saber que minha menininha indefesa se tornou uma mulher maravilhosa e eu mal tive tempo de pegar algumas migalhas de observação desse processo. E agora, agora... – a voz dela tornou-se mais fina e trêmula, deixando Rony deduzir que ela chorava. – Agora você está aqui, na minha frente, parecendo tão indefesa quanto a pequena Hermione do balanço. Está VIVA, mas não PRESENTE. E isso me faz lembrar de uma frase. Uma frase de um dinamarquês, escritor dos livros infantis que você mais venerava em sua infância. Em um dos seus livros tem uma passagem em que a borboleta diz: “Só viver é insuficiente. Precisamos de sol, liberdade e uma pequena flor.” E assim está você hoje, mel. Viva, mas de forma insuficiente! Então por favor, acorde e agarre tudo o mais que você precisa para viver plenamente! Faça como disse a borboleta e reivindique sua chance de ser feliz! Volte para nós, Hermione!
Sra. Granger olhou esperançosamente para a filha por alguns minutos, mas como ela continuou imóvel, a mulher soltou um grande soluço e mergulhou o rosto molhado no ombro da menina uma vez mais. Rony observou, estático, sem nem ao menos se dar conta que seu próprio rosto estava encharcado também. Ele sentia a mesma dor da Sra. Granger no momento, aferroando seu coração e obstruindo sua garganta.
-Seu pai e o seu diretor estão à minha espera, meu mel. – a voz fraca da mulher entrou nos ouvidos do ruivo novamente. – É bom que você saiba que nós mulheres sempre temos que estar com um olho atento sobre aqueles que amamos, cuidando para que eles não façam nenhuma besteira... – aconselhou.
Rony não pôde se impedir de girar os olhos. Típico das Granger.
-Eu voltarei logo. – continuou ela e então acrescentou em tom de segredo, depois de arriscar um relance a Rony, que fechou os olhos fingindo dormir: - Não se preocupe, Ron está aqui. Fingindo de adormecido bem ali ao lado.
As orelhas do ruivo tornaram-se púrpuras imediatamente e ele só arriscou abrir os olhos e tirar a cabeça dos confins de seu travesseiro quando ouviu a porta da Ala Hospitalar se fechar e os passos da Sra. Granger morrerem lá fora. Maldita inteligência dessas mulheres!
Rony ainda sentia seu rosto arder e suas orelhas queimarem muitos minutos depois da Sra. Granger ter deixado o lugar. Ele ergueu a cabeça e, sentando-se na cama, olhou ao redor. A Ala Hospitalar estava em completo silêncio e totalmente deserta, exceto por ele e Hermione. Madame Pomfrey cochilava em sua salinha, alheia a tudo. Lentamente e com o coração estrondeando em seu tórax, o garoto se levantou, se preparando para fazer o que gostaria de ter feito desde sempre: se aproximar de Hermione, tocá-la, contar a ela que ela era especial e fazê-la entender toda a importância que a presença dela tinha em sua vida.
Com passos lentos, porém firmes e decididos, o ruivo caminhou até a cama da garota, sentindo um remelexo de todos os seus interiores assim que ele olhou atentamente o rosto ainda muito pálido da mesma:
-Oi, Mione. – ele falou baixinho, não conseguindo deixar de se sentir um pouco desconfortável por estar falando com alguém inconsciente. – Sou eu... Você pode me ouvir? – perguntou cobrindo a pequena mão da menina com a sua enorme e estremecendo com as sensações que tomaram conta de todo seu corpo no instante em que sentiu a pele dela contra a sua novamente. Ele se curvou ligeiramente e não pôde se impedir de atender ao seu coração, que clamava por mais contato. Assim ele afundou a mão livre na confusão de cabelos de Hermione, começando a acariciá-los amorosamente e dando um beijinho suave em cada uma de suas bochechas descoradas.
-Eu... eu estou sentindo a sua falta, sabia disso? – disse ele quietamente ainda acariciando as madeixas embaraçadas da garota. – Isso aqui está entediante!... O Harry teve alta hoje, ele está bem, não é ótimo? E ele saiu daqui junto da Gina, você consegue acreditar? Eu quero dizer, JUNTOS mesmo, de mãos dadas e tudo... – o ruivo deu uma risadinha triste. – Madame Pomfrey disse que talvez eu terei alta hoje também. Bem... na verdade eu não me importo se você quer saber. Porque... Porque... Mione, mesmo que minhas costas não estejam mais doendo e tudo, eu não estou bem para sair daqui. E eu nunca estarei bem enquanto você não acordar. – ele tomou uma respiração funda e tirou a mão do cabelo de Hermione, tocando a bochecha dela ao invés e acariciando a pele morna da menina com o dedo polegar. – Eu só saio daqui com você. – sussurrou, a voz um tanto falha e rouca. – Eles falaram que só depende de você, Hermione! E você nunca desistiu de qualquer coisa, não é? Você não pode se render agora! – A pose de durão tinha se ido. O tom do ruivo tinha se tornado desesperado e agora lágrimas estavam presentes no rosto sardento dele, seu coração rasgando com sua dor. – Você tem que acordar novamente, entende? Eu preciso de você! Eu... eu não acho que poderei controlar essa vida sem você aqui. – confessou esfregando os olhos com raiva. – Você nunca desistiu de qualquer coisa. – repetiu com firmeza. – E eu nunca vou desistir de você.
Ele reforçou o aperto na mão de Hermione, atando mãos e dedos com força e então se apoiou sobre a garota. A respiração dele estava quente e suave na orelha dela.
-Eu sei que você ainda está aí, Mione. – murmurou com os olhos fechados. – E eu vou achar algum modo de te trazer de volta... Eu posso não ser um herói, mas eu não sou tão idiota de te deixar escapar sem uma boa briga!
Alguns minutos se passaram. Os dedos deles ainda estavam entrelaçados e com a outra mão Rony tinha voltado a acariciar ternamente os cabelos de Hermione. O corpo do ruivo estava tenso e uma forte onda de sentimento decantava dele. O som de passos e de conversas pôde ser ouvido do lado de fora e Rony reconheceu as vozes do Sr. Granger e de Dumbledore. Assim, quando parecia que o menino estava a ponto de se levantar, Hermione abriu os olhos.
Hermione abriu os olhos.
-Ron. – foi a primeira palavra que caiu da boca dela, depois de tudo. A primeira palavra de Hermione em sua nova vida.
O ruivo saltou imediatamente, se afastando da garota o suficiente para encarar seus olhos achocolatados e ter certeza de que não era uma alucinação. Ele estava boquiaberto, trêmulo, assustado. Mas também sem palavras, contente, emocionado. Uma onda quente de felicidade e alívio subia dentro dele e logo as lágrimas já não eram mais contidas.
-Mione. – ele sussurrou groguemente, antes de render-se à recém-chegada euforia, envolver Hermione num abraço e começar a gritar. Dane-se que isso era uma Ala Hospitalar! Ninguém precisava de silêncio quando o mundo deveria saber que a bruxa mais brilhante do mundo estava viva. E acordada.
-VOCÊ ESTÁ ACORDADA! – berrou. – SR. GRANGER, MADAME POMFREY, PROFESSOR DUMBLEDORE, HERMIONE ESTÁ ACORDADA!
Os minutos seguintes se passaram como um grande e desconexo borrão. As portas da Ala Hospitalar voaram abertas e Dumbledore e os Granger correram dentro, os últimos em passos trôpegos e apressados na direção da filha. Os dois a agarraram num apertado abraço coletivo, ambos em lágrimas. Madame Pomfrey aparentemente estava tão surpresa que quase caiu da cadeira em que se encontrava à sua salinha ao lado. Harry e Gina, que surgiram de algum lugar durante a confusão, estavam estáticos, o menino com o sorriso mais genuíno que já tinha dado em idades e a ruiva esfregando lágrimas fora das bochechas rosadas e rindo em voz alta. E então havia Rony. Bobo, apalermado, arraigado no mesmo lugar em que tinha estado desde que soltara Hermione para que os pais dela pudessem a abraçar. O coração dele corria freneticamente numa velocidade louca e ele nem mesmo tentava evitar as lágrimas que continuavam a cair de modo eloqüente, molhando seu rosto e lavando sua alma, contando à sua mente que o mundo estava gratamente se pondo de volta no lugar.
Quando os Granger finalmente soltaram Hermione, a garota tinha sido imediatamente bombardeada com uma maré de perguntas sobre como ela estava se sentindo, mas limitou-se a oferecer respostas curtas do tipo “sim”, “não” e “estou bem”. Durante todo o processo, ela atirava relances furtivos e tímidos a Rony, que correspondia prontamente, mas ambos de fato ainda não tinham trocado mais palavras um com o outro.
-A Srta. Granger parece mesmo gozar de plena saúde, mas eu aconselharia deixá-la descansar por enquanto. – falou Madame Pomfrey criticamente para ninguém em particular. – Portanto, fora Sr. Potter e Srta. Weasley. – concluiu guiando Harry e Gina pelos ombros na direção da porta. A ruiva ensaiou uma cara indignada e Harry resmungou baixo, mas a enfermeira os empurrou para fora sem cerimônias e bateu as portas de forma que tudo o que eles tiveram tempo foi de acenarem adeuses rápidos para Rony e Hermione.
-Eu ainda acho mais viável levar você para um hospital especializado. – murmurou o Sr. Granger para a filha, segurando carinhosamente a mão da menina. – Você sabe, um checape geral, quem sabe alguns exames...
-Papai, eu estou bem. – repetiu ela num tom meio exasperado que fez Rony ocultar um sorriso. – E eu não vou deixar Hogwarts antes do fim do ano letivo!
-Ah, mas claro que você vai. – retrucou o Sr. Granger com firmeza, embora ainda parecesse calmo.
-Querido, por favor, isso não é hora para discussões! – ralhou a Sra. Granger advertindo o marido com um olhar. – A enfermeira disse que ela precisa descansar.
-Realmente ela precisa. – disse Madame Pomfrey a contragosto, ajeitando os lençóis de Hermione e a empurrando deitada novamente. A menina fez uma careta e girou os olhos.
-Talvez vocês gostariam de me acompanharem num chá? – convidou Dumbledore mirando os Granger de forma amigável e penetrante. – Terminarmos nossa conversa?
O Sr. Granger enrugou a testa, murmurando algo como “Ela vai, eu já me decidi”, e Sra. Granger pareceu muito relutante em deixar o lado da filha, mas ambos terminaram por acompanhar o diretor para fora da Ala Hospitalar. Talvez por educação ou quem sabe por receio da carranca de Madame Pomfrey, que continuava insistindo que Hermione não deveria se agitar.
-Agora durma um pouco, Srta. Granger. – falou a enfermeira assim que a porta se fechou e ela se encontrava sozinha com seus dois pacientes.
-Dormir? – disse Rony incrédulo lá de sua cama. – A Sra. tem idéia de que ela acabou de acordar?
Hermione apenas mordeu o lábio evitando a risadinha triste que lutava para deixar sua garganta e não disse nada. Madame Pomfrey bufou:
-O Sr. deveria fazer o mesmo, Sr. Weasley. – resmungou ela. – Sejam bons e quem sabe poderão sair daqui ainda hoje, juntos.
“Ahá, essa é a idéia!” – pensou Rony se virando para a parede para esconder o sorriso culpado e o rubor de suas bochechas.
Os passos da enfermeira se afastaram e o ruivo estava tão concentrado em seus próprios pensamentos que nem percebeu. Ele manteve-se alheio por algum tempo até que uma pequena voz o sobressaltou, ecoando direto em seu coração:
-Ron. Você está dormindo?
-Não. – ele respondeu rolando para o lado para assistir Hermione o encarando da cama dela, com a testa ligeiramente enrugada e mordendo o lábio inferior de um modo nervoso que Rony sempre achava adorável.
-E você... está com sono? – tentou a garota timidamente.
-Não. – repetiu o ruivo convicto. – Nem um pouco. – disse se sentando, como se para provar o que tinha acabado de dizer.
-Você se importaria em conversar um pouco? – Hermione pediu com um risinho fraco. – Eu não quero dormir agora...
Rony fez um gesto negativo com a cabeça e se levantou:
-Não, eu não me importo. Não quero dormir agora, também.
Ele caminhou até a cama de Hermione e a menina se sentou, acenando para que ele fizesse o mesmo e se afastando um pouco para lhe dar algum espaço. Rony aceitou a oferta, se sentando na beirada da cama e se perguntando intimamente o porquê dela não ter pedido que ele se sentasse na cadeira ali ao lado. Não que ele se importasse. Pelo contrário.
-Então... – começou o menino, tímido, encarando as próprias mãos. – Como você está se sentindo?
Hermione suspirou antes de soltar uma risadinha.
-O que é tão engraçado? – ele indagou arriscando um olhar rápido ao rosto da garota.
-Nada. – ela encolheu os ombros. – É só que você soou como meus pais agora.
-Eu não soei como seus pais! – Rony tentou parecer indignado, mas não conseguiu esconder um quê de diversão.
-Certo... – falou Hermione fingindo parecer pensativa. – Acho que você não soou como eles... Foi mais como Madame Pomfrey, agora que penso melhor.
O ruivo fez uma cara escandalizada:
-Mione! Você está me comparando com aquela velha bitolada?
Ela riu e ele a acompanhou, ambos ainda não encontrando a coragem para se encararem nos olhos.
-Eu senti a sua falta. – ele falou subitamente depois de um breve silêncio.
-Eu sei. – murmurou Hermione.
-Sabe? – perguntou Rony parecendo surpreso, mas no segundo seguinte sorriu. – Bem, não é nenhuma novidade, é? Você sempre sabe tudo, tem uma ótima percepção das coisas.
-Eu não sei tudo sempre. – negou a garota. – E não tem nada a ver com percepção, você me disse isso ainda hoje, não disse?
As orelhas do menino tornaram-se completamente rubras num piscar de olhos. Ele engoliu com força e gaguejou:
-Você me ouviu?
Hermione afirmou com a cabeça.
-Você podia ouvir tudo? – quis saber Rony incrédulo. – Então era verdade tudo aquilo que eles disseram, que só dependia de você?
-Bem... – começou a menina mordendo o lábio uma vez mais. – Acho que de certa forma era verdade sim.
-Como assim?
-Rony, eu... é meio complicado, mas eu vou tentar explicar. – ela tomou uma respiração funda como se tentasse se encorajar.
-Não precisa dizer nada se não quiser. – disse o ruivo notando a expressão de Hermione.
-Eu quero. – afirmou ela se sentindo repentinamente forte. – Eu PRECISO falar.
-Tudo bem. – Rony concordou, aguardando pacientemente até que a garota se sentisse segura para continuar. E isso aconteceu alguns meros segundos depois, quando ela começou meio hesitante:
-Acho que ainda estávamos naquele cemitério horrível quando comecei a ouvir tudo ao meu redor outra vez. Eu estava confusa e tudo o que eu me lembrava era de uma luz verde muito forte vindo em minha direção... Eu sabia o que era aquela luz, mas ao mesmo tempo não fazia sentido algum. Meu corpo doía e só o que eu podia era fazer força para lembrar de algo, entender... E eu fiz. Com fragmentos de conversas que peguei aqui e ali eu consegui compreender tudo. Foi então que uma tristeza súbita e terrível se abateu sobre mim.
-Por isso você não queria acordar? – perguntou o ruivo baixinho.
-Por favor, Rony, não me interrompa, apenas ouça primeiro.
-Ok, desculpe. – murmurou. Ela fez um aceno positivo e prosseguiu:
-É completamente enlouquecedor ouvir as pessoas falando sobre você como se você não estivesse ali e não poder responder a elas, discutir, lhes falar que elas estão erradas e que as coisas não são tão simples. É um pesadelo ficar deitada numa cama, incapaz de falar, mover, chorar e até mesmo ver. Mas eu aprendi que muitas vezes, quando você pode ver, você enxerga as coisas apenas de uma perspectiva. E diferente disso, quando eu estava na escuridão, eu não VIA, mas eu OUVIA. Eu SENTIA as coisas. Era como se eu flutuasse num oceano morto, escuro, noturno. Ouvindo vozes ao meu redor e não podendo pedir ajuda. Ouvindo as pessoas falando meu nome e repetindo tudo o que tinha acontecido...
Mas na luz ninguém podia ver o que eu podia sentir na escuridão. Ninguém tinha certeza sequer que eu podia ouvir, mas eu podia. Eu reconheci as vozes de meus pais, senti papai segurar minha mão e senti as lágrimas de mamãe caindo e molhando o ombro de minhas vestes. Eu ouvi as vozes de alguns professores, colegas e outras vozes estranhas de curiosos que vieram me inspecionar. Eu notei os suspiros quietos de Harry e os lamentos e soluços baixos de Gina. E eu até senti meu coração apertar quando na escuridão a voz de mamãe cantarolou a musiquinha que embalou meus sonhos de infância... Mas não foi nada disso que me manteve viva. Foi sua voz, Ron. Sua voz me manteve viva e suas palavras me puxaram de volta à luz.
Rony boquiabriu-se e finalmente encarou Hermione. Os olhos dele eram piscinas profundamente azuis nas quais a garota queria se imergir por completo.
“Eu poderia me afogar em olhos assim.” – ela pensou loucamente. – “Ou renascer.”
-M-minha voz? – indagou o ruivo num tom trêmulo e rouco.
-Sim. E suas palavras. Suas palavras me incitaram, me emocionaram, acenderam uma chama dentro de mim. Naquele momento eu tentei tão duro quanto eu pude me mover um pouco, contrair uma pálpebra, erguer um dedo, qualquer coisa. Tudo para lhe falar que eu queria estar aqui... com você. – ela ergueu a mão timidamente e cobriu a do ruivo antes de continuar: - Eu forcei meu cérebro o máximo possível e focalizei toda minha concentração legando meu corpo a se mover, mas não foi minha mente ou meu esforço que me salvou. Não havia nada no mundo que eu queria mais que abrir meus olhos e, naquele instante, pela primeira vez desde que eu tinha entrado na escuridão, eu honestamente quis viver. Eu quis viver para ouvir sua voz, para sentir suas mãos alisando meus cabelos, para sentir o cheiro que você exala quando chega na sala comunal logo depois de um banho. Eu quis viver para ver pelo menos mais uma vez essa sarda que você tem acima da bochecha esquerda, - ela tocou o dedo indicador no local – e até mesmo, eu quis viver para brigar com você e gritar durante uns bons minutos. Eu quis viver por você, Ron. E foi isso o que me fez acordar.
Rony ouvia Hermione e a fitava como se não pudesse acreditar. Ela o encarava de volta, meio receosa e vulnerável, nitidamente aguardando uma resposta. O menino apertou a mão dela que ainda estava sobre a dele e, lentamente, a puxou para um abraço de quebrar costelas, que durou minutos, já que nenhum estava interessado em quebrar o contato.
-Mione, muito obrigado. – ele sussurrou no ouvido dela, fazendo-a se perder em arrepios.
-Obrigado pelo quê? – indagou ela baixinho.
-Por você existir.
Aquilo foi demais. Uma onda de paixão, emoção, ternura e amor subiu pelo corpo da menina imediatamente a essas palavras e no instante seguinte ela estava chorando na curva do pescoço dele, o apertando cada vez mais forte. Rony se assustou com a reação e se afastou um pouco, pedindo meio desesperado:
-Não, não chore, por favor!
-Está t-tudo bem. – ela soluçou tentando esfregar as lágrimas fora das bochechas. – Eu s-sou uma boba.
O menino fez que não com a cabeça, mas não disse nada. Um silêncio intenso os invadiu enquanto Hermione tentava controlar as lágrimas e Rony acariciava ternamente o cabelo dela. Só depois de algum tempo o ruivo voltou a falar:
-Ainda bem que você acordou. – ele resmungou. Ela continuou calada. – Hermione, se você não acordasse, o que seria de Harry?
-Anh? – ela indagou finalmente, estranhando. – Como assim? O que você quer dizer com “o que seria de Harry”?
-Mione... – ele falou com uma voz concentrada e diferente. – Apenas ouça. Se você não acordasse, eu... Harry ficaria sem seus melhores amigos.
A menina pareceu ainda mais confusa: - Mas... o que...? O que você quer dizer? Se eu não acordasse, ele ainda teria você.
-Não. Você não entende? Se você não acordasse, eu não teria mais razão alguma para continuar vivendo. Eu morreria, Hermione.
Hermione apertou os lábios numa linha fina e enrugou a testa, fazendo força para não chorar outra vez: - Não diga algo assim. – ela pediu num sussurro. – Não me fale em mortes. Eu não tenho valor o bastante para alguém morrer por minha causa... Ninguém mais, pelo amor de Deus.
-Nunca fale que você não tem valor o bastante. – Rony ralhou suavemente. – E não foi sua culpa, ela fez uma decisão.
-Eu sei, mas...
-Mas...?
-Mas você e nem ninguém pode me pedir para aceitar isso. Eu nunca mais serei a mesma depois do que houve. Eu nunca mais serei a mesma Hermione Granger.
-Eu entendo... Muita coisa mudou depois daquela noite, não é?
-Se mudou? Eu era uma menina que sonhava, Rony! Eu encarava o mar e pensava que um dia eu poderia cruzá-lo a nado! Eu acreditava em fadinhas parecidas com a Sininho de Peter Pan! Eu pensava que magia era quando um idiota tirava um coelho de uma cartola ou quando um Príncipe Encantado montado num cavalo branco chegaria numa tarde ensolarada e me varreria para fora de meus pés!... Mas eu não faço e nunca farei nada disso mais! Ser uma bruxa, ser amiga de Harry Potter e lutar numa guerra mudou tudo isso! Enfrentar Voldemort e viver para contar a história mudou tudo isso! Ou ter ressuscitado...
Voldemort levou de mim o último fragmento de inocência que eu guardava. Ele arrancou tudo isso de mim em uma noite! Até que tudo terminasse, eu era uma pessoa mudada.
Os olhos de Rony tornaram-se mais escuros do que Hermione alguma vez tinha visto. Ele também parecia prestes a chorar. A cabeça da garota descansou contra o tórax dele e cuidadosamente, como se amedrontado de a ferir, ele pôs os braços ao redor dela.
-Quando eu era uma criancinha, eu me lembro de papai me dizendo que eu fizesse um desejo à primeira estrela que eu visse à noite. – continuou Hermione contra o peito dele. – Até havia uma rima para isso. Uma rima que há tempos eu esqueci, como agora eu também me esqueci de como fazer desejos. – ela suspirou. – Eu estava enganada sobre meu futuro. Eu pensava que conseguir boas notas era tudo o que importava para ter um caminho brilhante, e se eu as conseguisse, eu teria êxito. Eu pensava que livros me contariam tudo. Mas livros não puderam me contar como encarar o bruxo das trevas mais poderoso do mundo. Livros não puderam me contar como encarar a vida depois de perder uma amiga que se sacrificou por mim. Livros não conseguiram me ensinar a não sofrer...
-Livros não conseguiram, mas eu consigo. – disse Rony fazendo Hermione afastar a cabeça para olhá-lo. – E se eu pudesse fazer um desejo, Mione, eu desejaria que você não estivesse mais triste. Eu faria qualquer coisa para lhe fazer sorrir. – falou ele sério e então acrescentou mais nervosamente: - Você é bonita quando sorri.
A emoção crua nas palavras dele tocou Hermione tanto que ela nem mesmo percebeu o que ele de fato tinha dito. Então algo clicou: “Ele me chamou de bonita!” – ela pensou e sentiu um pequeno sorriso sincero finalmente cruzar os seus lábios. Os olhos de Rony se iluminaram à essa visão. Ele fitou diretamente nos olhos dela e sussurrou:
-Você é empolgante.
Hermione tremeu, de repente se sentindo muito vulnerável quando ele continuou a encarando. Rony era o amigo dela, mas mais que isso, era também seu protetor. Ele nunca realmente soube o quanto a garota precisava dele, mas mesmo assim, ele sempre esteve lá para ela.
-Ron, - ela gaguejou, trêmula – Rebecca me salvou de Voldemort, mas agora você está me salvando de mim mesma.
O ruivo não disse nada, apenas moveu um pouco mais íntimo. Hermione gelou. Rony agarrou os ombros dela vigorosamente e a puxou em outro abraço apertado. Quando se afastaram, o menino sorriu ligeiramente e apoiou perto dela, inclinando a cabeça um pouco à esquerda e se curvando lentamente, como se dando tempo a ela para apartar. Mas Hermione não podia fazer isso. Ela não queria fazer isso. Ela queria voltar a ser Hermione Granger. Ela queria se sentir feliz de novo. Mas principalmente, ela queria Rony.
Os olhos dela fecharam-se em antecipação. Os dele, deslizaram fechados no mesmo instante em que seus lábios se encostaram nos da garota, atirando tremores deliciosos pelos corpos dos dois. Os lábios dele estavam mornos e trêmulos. Ele os roçou suavemente contra os dela e só então os pressionou com um pouco mais de energia, embora ainda hesitante. A mão de Hermione tocou a bochecha sardenta de Rony e o ruivo passou um braço pela cintura da menina, enquanto a outra mão moveu-se para o cabelo dela, enrolando pequenos cachos em seus dedos. Ele suspirou e, devagar, começou a entreabrir os lábios, induzindo ela a seguir seus passos. Não demorou e as bocas de ambos estavam movendo-se lentamente uma sobre a outra, cada uma delas saboreando o sentimento e as sensações de se encaixarem tão perfeitamente. Hermione não sabia o que estava fazendo, mas pela primeira vez na vida isso não a aborreceu. Tudo o que importava era a respiração dele na face dela, a suavidade maravilhosa dos lábios dele, o cheiro dele a entorpecendo e os cabelos dele escovando e titilando a testa dela. Rony, por sua vez, mesmo também não tendo a menor idéia do que fazia, sabia que era certo. Nada que fosse errado poderia ser tão bom e poderia fazer tanta “ecleticidade” luzir em seu corpo. E mesmo o garoto sendo bruxo, ele nunca tinha sentido uma magia assim antes. Uma magia que até os trouxas poderiam tentar se, algum dia, encontrassem alguém para amar do mesmo jeito que ele amava Hermione.
E assim, se não estivesse Madame Pomfrey cochilando em sua salinha, ela teria sido a única a testemunhar Rony aprofundando o beijo e Hermione sorrindo contra os lábios do garoto. Ela teria sido a única a notar como a mão de Hermione tremia ou ver como Rony brincava com os cabelos da nuca da menina de forma doce e sincera. Mas mesmo nesses casos, Madame Pomfrey não poderia sequer cogitar o quão rápido os corações dos jovens batiam naquele momento. Porque ela não poderia nunca imaginar que mesmo sendo jovens, inexperientes e diferentes, Rony e Hermione eram parte um do outro. Ela não poderia contar que com uma guerra estourando lá fora, um exemplo de amor verdadeiro dançava bem em frente aos seus olhos, no meio de uma Ala Hospitalar.
Nada mais justo. O mesmo lugar onde Rony se recuperou depois de demonstrar sua coragem e se sacrificar num jogo de xadrez gigante. O lugar em que Hermione passara tempos deitada feito pedra apenas por não ter um sangue considerado puro. O lugar onde Rony curou a perna que feriu por querer salvar a vida do melhor amigo e o lugar onde Hermione se restabeleceu depois de ser ferida gravemente com um feitiço, batalhando pelo lado do bem, dentro do Ministério da Magia. E o palco de tantas cenas agora poderia guardar mais uma: aqui, perante essas paredes muito brancas e janelas grandes de onde poderiam espiar todo o jardim de Hogwarts, Rony e Hermione deixavam o orgulho e as diferenças de lado e selavam seu primeiro beijo de amor.
E talvez, o único verdadeiro problema que ambos encontraram na Ala Hospitalar era que ela não ficava deserta por muito tempo. Não demorou para o som de passos lá fora os obrigarem a quebrar o beijo. Os Granger tinham voltado rápido, Madame Pomfrey tinha acordado e o mundo tinha voltado a girar. Mas isso não importava realmente, pois Rony e Hermione tinham finalmente dado um passo adiante. E que passo.
N/A: Em primeiro lugar parabéns para quem leu tudo e chegou até aqui. Que capítulo longo, héim?
Eu sei que vocês devem estar pensando: “Ah, finalmente saiu o beijo!” E sim, eu concordo, também me senti assim ao escrever. Espero não ter decepcionado e que vocês tenham gostado. Foi um capítulo difícil, cheio de detalhes, mas que AMEI escrever! Adorei poder esclarecer um pouco mais sobre o “Encantamento das Almas” usando as palavras do nosso querido Dumbledore e achei muito divertido escrever um pouco mais da família da Hermione. E as cenas românticas, como sempre, foram ótimas de escrever também.
A musiquinha que a Sra. Granger canta para Hermione é uma que minha própria mãe cantava para mim e eu amava, não sei se a letra é mesmo essa (provavelmente não) e nem sei quem é o autor ou intérprete, mas fica aí a homenagem. A frase citada pela Sra. Granger é do dinamarquês Hans Christian Andersen, escritor de livros infantis. O resto é meu mesmo...rs...
Um super agradecimento a todos aqueles que lêem, comentam, votam e me incentivam. Abraços a todos e perdão por não poder agradecer individualmente como eu adoro fazer. Mas saibam que leio cada comentário com todo amor e fico muito feliz! Beijo especial para a Alulip, que é uma leitora querida que além de acompanhar e comentar a fic desde o iniciozinho ainda me enviou uns e-mails adoráveis sobre esses últimos capítulos.
Aguardo opiniões, críticas e tudo o que tiverem a dizer.
Beijos e até a próxima!
Comentários (2)
Emocionante!... Os diálogos, a canção de infância, as declarações, o beijo... Amei esse capítulo.
2013-11-10Ai que lindo, eu amei o primeiro beijo dele, nunca vi algo tão perfeito*------------------------------------------*
2012-03-08