A Rosa e o Lírio
A ROSA E O LÍRIO
"Even if I come back
Even if I die
Is there some idea
To replace my life"
For the Windows in Paradise, For the Fatherless in Ypsilanti - Sufjan Stevens.
Fecho os olhos e sinto a brisa suave que vem do mar acariciar a minha pele. Ondas pequenas quebram em meus pés descalços, que então afundam na areia úmida. O sal do oceano parece tornar o ar ao meu redor mais denso, mais pesado. Pegajoso. Encho os pulmões desse ar quase líquido e ergo o rosto para os poucos raios de sol que conseguem atravessar as compactas nuvens cinzentas do céu de outono. Agradeço – aos céus, a Deus, a quem ou o que quer que seja que tenha feito o mundo – por estar vivo.
Um riso cristalino de criança chega aos meus ouvidos e aquece o meu coração. Abro os olhos, mas não saio do lugar. Essa praia, esse mar de um cinza oleoso como petróleo, os rochedos logo adiante, a caverna quase oculta entre pedras e oceano. Sim. Eu já estive aqui. Há anos. Quando o Mal ainda não tinha sido vencido, quando aqueles que se foram ainda estavam vivos, quando a Rosa estava desabrochando e o Lírio ainda não havia nascido.
A Rosa e o Lírio. Olho para as duas, tão diferentes em suas semelhanças. Estão de mãos dadas, molhando os pés na água fria da praia. A Rosa segura com uma firmeza delicada a mãozinha branca do Lírio – nossa pequena flor – em suas mãos igualmente clara, e elas cochicham, entre risinhos, uma no ouvido da outra, como amigas de colégio. Belas, ambas. Os cabelos igualmente fulvos, os sorrisos igualmente encantadores, os olhos igualmente castanhos. Mas os olhares, ah, são diferentes. Minha Rosa tem o olharos olhos profundo e sábio de quem já viu a morte, de quem já sentiu a dor, a perda, a desesperança em sua própria carne e sobreviveu. O Lírio tem o olhar mais puro que eu já vi em toda a minha vida. Belíssimas. É impossível não sorrir de volta quando elas sorriem para mim.
Observo a Rosa. Alta, graciosa, segura. Me pergunto – mais uma vez – se eu teria sobrevivido se não existisse a Rosa. Não. É claro que não. E depois dela, veio o Lírio, e um amor que eu jamais imaginei ser capaz de sentir nasceu com ele. Porque eu morreria pela Rosa, eu morri pela Rosa, mas pelo meu pequeno Lírio, eu não apenas morreria. Eu mataria. Qualquer um.
Elas vêm em minha direção. Sinto orgulho por tê-las, por vê-las. A Rosa segura minha mão. Seus dedos estão mornos. Beijo-lhe a face, inspiro um pouco do perfume de seus cabelos, que é o mesmo desde o dia em que me dei conta de sua existência. Nasceu com ela. O Lírio solta a mão da mãe e se ajoelha na areia, encantada com a espuma branca que as ondas fazem quando batem na praia, que, por sua vez, parece também encantada, hipnotizada pelos grandes olhos amendoados, castanhos, curiosos do meu Lírio.
“Vamos”, diz a rosa, quase num sussurro. Vamos. Seguro a sua mão pequena e morna da Rosa, a outra na mãozinha do Lírio. Dou uma última olhada para a caverna no meio do rochedo. Ela parece pequena e inofensiva vista de tão longe. Eu já não temo o frio úmido que um dia senti dentro dela. Porque o medo, a aflição, o terror, já não existem. Porque eu tenho a Rosa e o Lírio a aquecer a minha alma.
N/A: minha primeira fic publicada aqui na F&B, espero que tenham gostado. Era pra ser assim curtinha mesmo, uma coisa meio fluxo de consciência. Clarice Lispector se REMEXE no túmulo :P
Even if I die
Is there some idea
To replace my life"
For the Windows in Paradise, For the Fatherless in Ypsilanti - Sufjan Stevens.
Fecho os olhos e sinto a brisa suave que vem do mar acariciar a minha pele. Ondas pequenas quebram em meus pés descalços, que então afundam na areia úmida. O sal do oceano parece tornar o ar ao meu redor mais denso, mais pesado. Pegajoso. Encho os pulmões desse ar quase líquido e ergo o rosto para os poucos raios de sol que conseguem atravessar as compactas nuvens cinzentas do céu de outono. Agradeço – aos céus, a Deus, a quem ou o que quer que seja que tenha feito o mundo – por estar vivo.
Um riso cristalino de criança chega aos meus ouvidos e aquece o meu coração. Abro os olhos, mas não saio do lugar. Essa praia, esse mar de um cinza oleoso como petróleo, os rochedos logo adiante, a caverna quase oculta entre pedras e oceano. Sim. Eu já estive aqui. Há anos. Quando o Mal ainda não tinha sido vencido, quando aqueles que se foram ainda estavam vivos, quando a Rosa estava desabrochando e o Lírio ainda não havia nascido.
A Rosa e o Lírio. Olho para as duas, tão diferentes em suas semelhanças. Estão de mãos dadas, molhando os pés na água fria da praia. A Rosa segura com uma firmeza delicada a mãozinha branca do Lírio – nossa pequena flor – em suas mãos igualmente clara, e elas cochicham, entre risinhos, uma no ouvido da outra, como amigas de colégio. Belas, ambas. Os cabelos igualmente fulvos, os sorrisos igualmente encantadores, os olhos igualmente castanhos. Mas os olhares, ah, são diferentes. Minha Rosa tem o olharos olhos profundo e sábio de quem já viu a morte, de quem já sentiu a dor, a perda, a desesperança em sua própria carne e sobreviveu. O Lírio tem o olhar mais puro que eu já vi em toda a minha vida. Belíssimas. É impossível não sorrir de volta quando elas sorriem para mim.
Observo a Rosa. Alta, graciosa, segura. Me pergunto – mais uma vez – se eu teria sobrevivido se não existisse a Rosa. Não. É claro que não. E depois dela, veio o Lírio, e um amor que eu jamais imaginei ser capaz de sentir nasceu com ele. Porque eu morreria pela Rosa, eu morri pela Rosa, mas pelo meu pequeno Lírio, eu não apenas morreria. Eu mataria. Qualquer um.
Elas vêm em minha direção. Sinto orgulho por tê-las, por vê-las. A Rosa segura minha mão. Seus dedos estão mornos. Beijo-lhe a face, inspiro um pouco do perfume de seus cabelos, que é o mesmo desde o dia em que me dei conta de sua existência. Nasceu com ela. O Lírio solta a mão da mãe e se ajoelha na areia, encantada com a espuma branca que as ondas fazem quando batem na praia, que, por sua vez, parece também encantada, hipnotizada pelos grandes olhos amendoados, castanhos, curiosos do meu Lírio.
“Vamos”, diz a rosa, quase num sussurro. Vamos. Seguro a sua mão pequena e morna da Rosa, a outra na mãozinha do Lírio. Dou uma última olhada para a caverna no meio do rochedo. Ela parece pequena e inofensiva vista de tão longe. Eu já não temo o frio úmido que um dia senti dentro dela. Porque o medo, a aflição, o terror, já não existem. Porque eu tenho a Rosa e o Lírio a aquecer a minha alma.
N/A²: segunda fic, espero que tenham gostado. Era pra ser assim curtinha mesmo, uma coisa meio fluxo de consciência. Clarice Lispector se REMEXE no túmulo P
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