As Cores da Vida
O sol começava a se pôr, descendo preguiçoso para o horizonte, que o recebia de bom grado. As pastagens estavam verde claro, se movendo ao sabor da leve brisa. O dia estava estupidamente lindo. Ginny olhava a cena, da janela de seu quarto, e tudo o que enxergava era de cor cinza. Nada na paisagem a emocionava, sua mente estava lerda e se recusava a ordenar que seu corpo se movesse daquela cadeira. Ela nem sabia a quanto tempo estava ali.
Lutando contra a vontade de dormir para tentar acordar na manhã de Natal, encontrando um presente de Fred ao pé de sua cama e quando descesse, o abraçasse, mesmo brava com a cara verde que apresentava, e berrugas horríveis nas orelhas, ela não conseguiu evitar as lembranças. Ela daria tudo para sofrer todas as peças de Fred só para tê-lo de volta. Pensava em quantas vezes eles tinham brigado, se xingado e nas raras, quase esquecidas vezes que dissera que o amava. Ela nem se lembrava da última vez que dera um abraço em seu irmão. Na verdade, ela se lembrava. Tinha sido no dia anterior, quando ele foi baixado à sepultura. Ela se inclinou e se recostou ao corpo de Fred, sentindo a pele gelada dele em sua face, deixando uma lágrima escorrer de seus olhos para molhar os cabelos cor de ferrugem dele.
O nó em sua garganta a fez se mover e suspirar. Ela juntou as mãos no rosto e tentou controlar as lágrimas, inutilmente. Então, ela as deixou cair, livres e incontidas. Precisava disso, precisava se aliviar dessa dor. Sem saber como, ela só sentiu um corpo quente a abraçar. Reconheceu o cheiro imediatamente e se aconchegou nos braços da mãe, soluçando com força. Molly a embalou devagar, acariciando suas costas.
Quando Ginny se acalmou, a mãe também tinha os olhos vermelhos e inchados.
- Vou sentir tanta falta dele... Mamãe. – Ginny soluçou.
- Eu sei querida. – a mãe disse, fungando. – Mas precisamos ir em frente, você sabe, não é? – Ginny balançou a cabeça. – Precisamos lutar e pensar nos que ficaram. Certo? Agora, eu quero que você vá lavar o rostinho e desça, tem alguém que quer conversar com você.
Ginny arregalou os olhos, entendendo imediatamente. Se levantou e foi para o banheiro.
Quando chegou no pé da escada, parou e respirou fundo.
- Ele está no jardim. – a mãe lhe disse, suavemente, sem se virar da pia. – Voltem para lanchar.
Ginny andou devagar pela cozinha e saiu pela porta dos fundos. O céu tinha agora nuances amarelas, laranjas, azuis e vermelhas. Ela começava a ver as cores novamente. Andou pelo jardim e encontrou-o sentado num balanço, pendurado numa árvore. Ela se aproximou lentamente e sentiu-se estremecer, insegura. Mas, assim que Ginny chegou ao lado de Harry, seu coração se acalmou e ela sentiu que tudo ficaria bem, pois ele estava ali. Era como magia quando Ginny chegava perto de Harry, tudo mudava e só seu coração e os olhos verdes dele importavam.
Ele a fitou e constatou que ela estava linda, dentro daquele vestido branco. Ele a deixava com o aspecto de um anjo sereno, que podia trazer toda a paz e felicidade com que ele sonhara. Ele sentia que Ginny poderia fazer dele o homem que sempre sonhou em ser. Como sua mãe tinha feito a seu pai. Tudo o que ele não pode viver com seus pais, ele sonhou em viver com Ginny, desde o dia em que não conseguiu mais negar a si mesmo que estava apaixonado. Ele lhe estendeu a mão e, naturalmente, ela sentou-se em sua perna.
Ginny passou um braço pelo ombro de Harry e deixou a outra mão no peito dele, sentindo o coração pular sob a pele. Eles nada disseram, somente viram o céu escurecer, tomando tons azuis mais escuros a cada minuto. Quando Harry suspirou mais forte, Ginny sussurrou:
- Obrigada por estar aqui.
Ele se mexeu e a olhou nos olhos. Os dele estavam escuros com a pouca luz.
- Obrigada por me esperar, mesmo sem saber que eu viria.
- Eu esperei você a minha vida toda. Desde que me lembro de existir eu esperei você. Um ano não é nada. – ela riu com o canto da boca.
Harry acariciou os cabelos dela.
- Eu sei que você quer saber sobre tudo. O que aconteceu, onde estive, o que eu fiz.
- Não Harry, eu não quero. – e quando ele vincou a testa estranhando, ela completou. – Eu só quero saber uma coisa.
- Diga.
- Você vai ficar?
Harry a olhou por vários e longos minutos, tornando a espera quase dolorosa.
- Para sempre. – e estreitou o corpo dela ao seu, juntando seus lábios.
No fundo de seus olhos. Ginny via estrelas, que como num caleidoscópio, mudavam de forma e cores, brilhando e brilhando.
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Ginny caminhava sem pressa pelo gramado muito verde e observava o céu começar a mudar de cor. Atrás das montanhas que adornavam o castelo de Hogwarts, o sol já havia se escondido, mas o céu ainda estava claro o suficiente para chamar aquilo de dia.
Ao se aproximar da lápide de mármore, ainda com os olhos no céu, ela refletiu, lembrando do dia em que viu todas as cores de sua vida. Tanto tempo havia se passado, que a dor deu lugar a uma saudade imensa. Seu coração se apertou dentro do peito, ouvindo a voz de seu irmão em seus ouvidos, como se ele estivesse ali mesmo. Fechou os olhos e ficou quietinha.
Alguns instantes depois, Harry se aproximou de sua esposa, trazendo uma pequena flor amarela. Ela percebeu sua aproximação e pegou a singela flor, a qual ela deixou sobre o nome de Fred, com um sorriso. Ele a abraçou, acariciando sua barriga estendida pela gravidez avançada. James corria cambaleante atrás das andorinhas, que tentavam comer as migalhas deixadas por Harry, e gargalhava cada vez que elas voavam num átimo.
Refletindo sobre toda essa jornada de luta, morte e reconstrução, ela chegou à conclusão de que a vida sempre encontra um jeito. Aprendeu naquele dia, que alguns vão, mas é preciso seguir em frente. Estava aprendendo neste momento, que as cores da vida refletem as cores do coração. Neste momento, neste dia, as cores da vida e do coração de Ginny eram, pela segunda vez, azul e branco.
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