Strickland
Harry sentiu alguém segurar seu pulso e a seguir, a desagradável sensação enquanto era levado para algum lugar desconhecido. Quando seus sentidos se reorganizaram moveu os dedos fincando-os na terra úmida sob suas mãos. Puxou o braço, libertando-se e tentou se erguer.
– Você está bem, Harry? – ouviu a voz trêmula de Rony.
Levou a mão ao olho direito limpando o sangue que toldava sua visão, a respiração pesada e o corpo dolorido. Tocou levemente o corte que os óculos tinham feito ao se partirem, enterrando-se em sua carne.
– Tira isso de cima da gente – Rony pediu. – Ela precisa de ar puro...
Só então, Harry reparou que ainda estava mantendo o escudo em volta deles, o que tinha ajudado a amenizar, um pouco, o impacto. O ar frio encheu seus pulmões, deixou-se cair sentado e olhou em volta tentando enxergar alguma coisa, seus óculos destruídos tinham ficado para trás. Deteve o olhar sobre o vulto de Rony, ele estava ajoelhado embalando algo nos braços.
– Rony... – se arrastou para perto dele, o coração apertado. – O que aconteceu com a Hermione?
– Ela está dormindo... – respondeu baixinho, a voz embargada.
Harry ergueu o braço até tocá-la e deslizou a mão até seu pulso, sentiu-o fraco.
– Há algum ferimento exposto? Ela está sangrando?
– Não – ele fungou. – Ela se sujou com o meu sangue...
– Você está sangrando? Está machucado? – tocou seu peito piscando para tentar clarear sua visão, passou o outro braço pelo rosto secando os cílios, que pingavam.
– Você também está – Rony murmurou ajeitando-a nos braços.
– Estamos perto de alguma civilização?
– Não sei...
– Ronald! Presta atenção – elevou a mão até tocar seu rosto. – Para onde nos trouxe? Voltamos a um dos parques?
– Este foi o único lugar da Romênia que consegui me lembrar. Harry... acho que ela não está bem...
– Mas ela vai ficar, vai ficar... temos que procurar ajuda, levá-la logo a um hospital, ao St. Mungus...
Rony se ergueu com ela nos braços, Harry se levantou também.
– Não podemos ir ao St. Mungus! – começou a se afastar a passos decididos carregando-a. – Vem, vamos pedir ajuda.
– Aonde está indo? Não vamos aparatar? – se apressou a acompanhá-lo antes que o perdesse totalmente de vista, o sangue escorria pela sua face.
– Vamos pedir ajuda a eles.
– Eles?! Espere... – tocou seu ombro para tentar impedi-lo, ele se encolheu e praguejou. – Sinto. Você está muito mal?
– Não importa, é a Mione que me preocupa, ela não se mexeu ainda... – observou com um leve temor na voz.
– Então vamos levá-la a um hospital, qualquer outro! – insistiu, apreensivo, enquanto seguiam por um caminho de terra que logo se tornou pavimentado. – Ela precisa de cuidados médicos! Não podemos levá-la a qualquer lugar, pode ser perigoso!
– O que você está vendo de perigoso? Por que não para de reclamar e anda logo!?
– Justamente, não estou vendo nada! Qual o seu problema?! Vai deixar que ela morra?!
– CALA A BOCA! – Rony se virou para ele como se fosse golpeá-lo se não tivesse os braços ocupados.
– Por que estão gritando? – Hermione murmurou levando a mão à cabeça e tentando se mexer, ainda nos braços dele. – Minha cabeça está doendo...
– Desculpa, amor – Rony apertou o passo enquanto a carregava – Você vai ficar bem vamos procurar ajuda. – Ela se silenciou e repousou a cabeça em seu peito.
Chegaram ao portão, Harry, relutantemente, tocou a aldavra a seu pedido.
– Que tipo de lugar é esse? – Harry ergueu a vista não conseguindo enxergar muita coisa.
– Eu o vi uma vez em uma revista, lá em casa, acho que, falando sobre os bruxos que trabalham aqui... deve ser um desses casarões antigos, com grandes porões – comentou baixinho para não incomodá-la.
– Como sabe? – ninguém tinha aparecido ainda, tocou novamente a aldavra.
– Precisa ter porões enormes para abrigar a todos do Clã, sendo vampiros, devem preferir ficar ...
– Hã!? – Harry se virou para ele assustado. – Você bateu com a cabeça?! Por acaso percebeu que estamos sangrando!? – irritou-se. Alguém se aproximou do portão e começou a mover os ferrolhos e trancas. – Eu a seguro, pegue sua varinha!
– Sai! – Rony reclamou tirando-a de seu alcance – Ainda nem escureceu!
Harry engoliu seus protestos quando o portão se abriu e uma figura pequena apareceu na entrada.
– Oi, somos bruxos e sofremos um acidente, minha amiga está muito mal, podem nos ajudar, por favor? – Rony suplicou.
– Oh... – soou a voz rouca e surpresa – Entrem, entrem! O que aconteceu? – perguntou num leve sotaque.
Rony a seguiu pelo jardim bem cuidado enquanto explicava o ocorrido. Harry permaneceu em silêncio enquanto Rony cuidava da situação, passou a mão pelo rosto tentando se limpar da melhor maneira que pôde, deixando uma marca de lama, terra e sangue, manchando a face. Um homem alto e parcialmente calvo apareceu para ajudar, mas não falava o idioma deles.
Várias pessoas, que trabalhavam no local, pararam para vê-los passar enquanto cruzavam a propriedade. O casarão, de três andares, parecia simples, mas confortável, foram conduzidos até o segundo andar onde, na cama de um dos quartos, ela foi deitada e cercada pela prestativa senhora e mais duas mulheres que se juntaram a ela, solícitas.
Aguardaram em pé, em frente a cama enquanto a examinavam. Pessoas entravam e saíam, curiosas, algumas se aproximaram deles falando coisas que não conseguiram entender. A senhora que os havia recebido no portão e tinha se identificado como Sra. Maddy, os socorreu traduzindo a oferta que lhes estava sendo feita, para terem ajuda com os próprios ferimentos, Rony recusou educadamente, sua atenção voltada para a amiga.
Hermione entreabriu os olhos e respondeu às perguntas que ela fazia mas não ousou se mexer, parecia estar sentindo dor.
– Ela vai ficar bem – disse a senhora, depois de colocar compressas sobre sua testa. – só precisa descansar, é bom que a deixem dormir por um bom tempo.
– Obrigado – Rony se aproximou e segurou a mão de Hermione. – Terá algum problema se acamparmos lá fora até que ela desperte?
– Não, absolutamente! Podem ficar aqui dentro, temos muitos quartos sobrando. – a senhora Maddy pareceu muito feliz com a presença deles. – E eles adorarão ter alguém diferente para conversar quando acordarem.
– Nós aceitamos, obrigado.
Deixaram Hermione aos cuidados das duas senhoras e foram conduzidos os quartos adjacentes, os quais deveriam ocupar. O homem, que as acompanhava, indicou-lhes o banheiro e falou a eles, antes de partir. O som grave de sua voz parecia querer alertá-los para algo.
– Alexander pediu para que cuidem de seus ferimentos antes do anoitecer – ela traduziu para eles antes de se afastar também – Chamem se precisarem de algo, deixarei Mirella com a amiga de vocês, fiquem à vontade.
– Vem, por aqui. – Rony o ajudou a chegar ao banheiro.
Harry ainda estava desconfortável com a decisão dele de pernoitar ali, porém, menos apreensivo ao constatar que não usavam feitiços de proteção, poderiam aparatar quando fosse necessário.
– Rony, você acha mesmo seguro ficarmos? Não é melhor procurarmos os seus irmãos, já que estamos aqui?
– Poderemos ir amanhã, Mione precisa descansar. – Rony ergueu os olhos para ele, enquanto despia da blusa com cuidado, sentindo o ombro latejar. – Desculpe ter gritado com você.
– Eu não deveria ter levado vocês até a loja, fui irresponsável e os coloquei em risco.
– Não poderíamos ter previsto isso – Rony comentou descontraidamente enquanto verificava o corte no antebraço.
Harry se ocupou em lavar o rosto na pia livrando-se de toda a sujeira, o sangue continuava a escorrer e sujar sua roupa. Rony o ajudou a fechar o corte.
– Preciso das minhas lentes – pediu a Rony. – Estão dentro da minha mochila, dentro da bolsa da Hermione.
– Eu não me lembro de ter visto a bolsa... Não estava com ela... – dirigiu-se ao chuveiro e deixou que a água caísse farta sobre os ombros, lavando o ferimento.
– Não acredito... – Harry murmurou assustado, todas as economias e pertences deles estavam na bolsa.
– Ela pode tê-la enfeitiçado, ou... sei lá, quando ela acordar perguntaremos.
Após o banho lavaram também as roupas e aguardaram, enrolados em toalhas, que secassem com o vapor que faziam desprender das varinhas. Rony tinha colocado em sua mão a varinha do Comensal que tinha derrubado, Harry achou-a bruta e desajeitada, incomparável à sua, mas útil, de qualquer forma.
– Com o tempo, conforme você for praticando, talvez se torne totalmente independente delas – Rony sugeriu.
– Não é o que eu quero, ser como eles. Ainda espero recuperar minha varinha. Voldemort também manteve a dele...
– Tá, então ele é sentimental igual a você...
Quando se vestiram foram ficar com Hermione, substituindo Mirella, que conseguiu pronunciar, num sotaque carregado, que estaria lá em baixo caso precisassem.
Depois de algum tempo uma das mulheres que tinha ajudado a cuidar de Hermione levou uma bandeja com alimento para eles. Hermione parecia estar tendo um sono tranquilo. Rony, cuidadosamente, verificou seus bolsos.
– Talvez tenha caído – disse a Harry.
– Quem sabe não ficou pelo caminho? – sugeriu. – Ajude-me a procurar.
– Já está anoitecendo, poderemos fazer isso amanhã, durante o dia – Rony argumentou – E não quero deixá-la sozinha...
Harry suspirou inconformado, detestava se encontrar naquela situação, mas nada podia fazer, sozinho. Velaram seu sono até o escurecer, quando os chamaram para que conhecessem os donos da casa. Rony lançou feitiços de proteção no quarto antes de saírem.
Desceram ao primeiro andar. Eram muitos os empregados, deduziram que a propriedade era mais do que tinham conseguido ver. Foram conduzidos até uma sala, de portas duplas, que poderia ter sido um salão de festas, pela sua extensão. Tapetes, sofás, poltronas, lareira, pinturas e móveis antigos ornamentavam o local. Seus dez anfitriões se viraram para eles quando entraram.
Harry percebeu Rony se enrijecer brevemente ao seu lado enquanto tentava focar o grupo à frente deles, saber estar entre vampiros o deixava desconfortável, sem poder enxergar adequadamente sentia-se vulnerável e em desvantagem, mas tentou aparentar calma.
Eram todos bem diferentes uns dos outros para serem considerados uma família. A maioria sorriu para eles, o que poderia ser considerado um gesto amistoso se com isso não expusessem também seus dentes pontiagudos.
Um deles, moreno e de estatura média, se destacou do grupo e foi cumprimentá-los, sentiram-se embaraçados. Maddy, a jovem senhora, que melhor falava o idioma deles, explicou ao grupo que eles não entendiam a Língua local.
– Ora, estrangeiros! Sejam bem-vindos ao Strickland – o homem, que se chamava Tristan, repetiu amistosamente o cumprimento, no idioma deles, e responderam igualmente.
Os demais logo os cercaram curiosos para saber o motivo que os levara até ali. Acomodaram-se confortavelmente e Rony começou a contar a eles.
– E vocês não têm ideia de onde irão encontrar seus irmãos? – Perguntou a mulher de longos cabelos loiros que se chamava Emil.
– Não, assim que amanhecer iremos à cidade...
– Como disse que se chama mesmo? – perguntou Tristan.
– Ronald Weasley.
– Ah! Os irmãos Weasley! – Nicolae disse aos demais com uma generosa gargalhada – Eles são mesmos engraçados! – mais tarde identificou-se para eles como um ex-bruxo, nenhum dos dois, porém, tinha achado a ocasião apropriada para perguntar o motivo.
– Conhece os meus irmãos? Sabem onde estão? – Rony surpreendeu-se. Harry, que até então, estivera atento a uma pequena figura que parecia encará-lo a distância, desviou a atenção para eles.
– Sim, claro. Possuem um espaço perto da cidade. Eles têm algo realmente sombrio ali. Podemos levá-los até lá amanhã, assim que anoitecer.
– Pretendemos partir pela manhã – disse Rony. Eles insistiram para que ficassem, Rony hesitou esperando que Harry desse sua opinião, mas o amigo não parecia estar muito interessado na conversa deles. – Tudo bem então, é provável que amanhã nossa amiga ainda não esteja totalmente recuperada para partirmos...
– Ainda não sabemos nada sobre vocês... – Harry comentou. Rony o acotovelou enquanto fingia se esticar.
– Claro! – Mihail concordou de bom humor enquanto enrolava, com os dedos, os cabelos castanhos escuros – As apresentações...
O grupo era formado pelas seis mulheres: Emil, Irina, Mihail, Hana, Ksenya e Grazina; e pelos quatro, Tristan, Nicolae, Pável e Ubayd. Tinham se encontrado ao longo dos séculos, cada um com sua origem e sua história e, aos poucos, formado o grupo atual.
Mencionaram a existência de diversos Clãs, maiores e menores, que existiam com o objetivo de garantirem a própria sobrevivência. Possuíam terras, fazendas dedicadas à agropecuária, administradas por uma empresa de confiança, responsável por realizar negócios com outras partes do mundo. Por exigência dos proprietários, a carne era exportada, mas o sangue era separado e, supostamente, doado a um centro de pesquisa médica, situado em algum lugar retirado, no interior da Romênia.
– Não somos selvagens, sabemos conviver em sociedade – ressaltou Hana, seus jeans rasgados e cabelos castanhos com mechas coloridas até os cotovelos, que cultivava em desalinho, pareciam uma contradição.
– Parece perfeito – Harry se lembrou do vampiro que a família de Rony mantinha no sótão da casa, nunca o tinha visto mas sempre lhe passara uma imagem cômica, bem diferente dos que estava conhecendo agora – o governo daqui os aceita bem, então.
– Eles não se metem conosco e nós retribuímos a gentileza. – Tristan informou. – Já ouvimos falar da intolerância do Ministério de vocês, lamentável... Imagino que os poucos de nós em seu país vivam dispersos e amedrontados. Nada pior para um vampiro que uma vida solitária, acaba levando-os à inanição ou à loucura.
– E pelo jeito perseguem até seu próprio povo... – Emil comentou. – Vocês também estão fugindo.
– Nós... – Rony começou a gaguejar.
– Eu o reconheci assim que vi sua cicatriz – Emil informou – Já lemos e ouvimos muito a respeito de sua história, é famoso não só entre os bruxos...
– Não pretendo trazer problemas pra vocês, podemos partir...
– De jeito nenhum, não estamos preocupados com isso, seria até um passatempo interessante... – Ubayd informou olhando para os demais.
– Não deveria estar usando óculos? – observou Grazina, que possuía cabelos vermelhos descendo, lisos, até os ombros.
– Eu os perdi vindo para cá, terei que providenciar alguma coisa assim que amanhecer... – confessou incomodado.
– Pobrezinho, eu percebi que havia algo estranho com seus olhos... – disse a simpática Mihail.
– E não tem um reserva? Como espera se defender se for atacado?
Harry olhou em direção à voz que o censurava, viu o vulto, que estivera observando, se aproximar dele, algo em seu rosto brilhava.
– Perdi meus pertences também, e com eles, minhas lentes, talvez tenham ficado lá fora, pelo caminho.
– Irina – uma voz grave falou atrás deles, a advertindo. – Ninguém será atacado, ainda mais enquanto estiver sob nossos cuidados.
– Creio que nossos hóspedes precisem dormir – Emil os dispensou – Parecem cansados...
– Sim... – Rony concordou prontamente, se levantando – Preciso ver Hermione também.
– Tenham uma boa noite, voltaremos a nos encontrar amanhã – Tristan se despediu.
– Vou dar uma olhada lá fora, ver se encontro suas coisas – disse Irina, se aproximando de Harry. – Quer vir comigo? Acha que consegue me mostrar o lugar por onde passaram?
– Está escuro lá fora, Irina, e os humanos são diurnos, esqueceu? – perguntou Hana, balançando a perna impacientemente.
– Vamos, Harry – Rony o chamou.
– Não, eu vou ficar – disse a ele, depois voltou-se para Irina. – Sei qual o caminho que percorremos, posso mostrar – tinha aprendido a se orientar pela floresta enquanto esteve na ilha, lembrava perfeitamente o caminho que tinha feito mais cedo com Rony, e se sentiu muito tentado a aceitar seu convite. Sem cerimônias, ela segurou sua mão e o guiou para a saída.
– Cuide bem do nosso hóspede – ouviram Tristan recomendar atrás deles.
Chegaram ao portão e Harry parou piscando para a escuridão à sua frente, a luz da lua não era suficiente para as sombras da noite que rodeavam a trilha.
– Não precisamos de iluminação, então, nunca nos incomodamos com isso, os outros não costumam vir aqui fora à noite – ela comentou ao seu lado – Muito escuro pra você?
– Sim... – confessou – Mas tudo bem... – estendeu a mão esquerda, a luz do luar que iluminava a palma de sua mão foi ficando mais densa à medida que se concentrava.
Deixou que o pequeno globo luminoso pairasse sobre suas cabeças, ajudando a clarear o local. – Está bem pra você? – perguntou incerto de que a luz natural pudesse afetá-la.
– Bom, espero que isso te ajude a achar o lugar correto.
Ele olhou para trás em direção ao portão e refez mentalmente o trajeto, começou a seguir pela trilha contando a distância que estavam percorrendo. O contato com a pele fria dela o inquietava, mas de uma forma diferente da que tinha imaginado.
– Pode ter caído em qualquer lugar por aqui – disse a ela. – é uma bolsa pequena que Mione enfeitiçou para caber o que precisássemos.
– Sei, a garota....
Seguiram, ainda de mãos dadas. Harry às vezes olhava em sua direção. Para ele, ela parecia ser jovem e delicada, mas sua voz era firme e decidida, estava ansioso por poder ver como ela era. Apesar de lhe incomodar a falta da visão, estava confiante em si, tentando aprimorar seus outros sentidos. Aspirou profundamente o ar, o cheiro dela lhe era muito agradável. Parou quando chegaram, indicou o local.
Ele observou ela se afastar rodeando a área e depois se abaixar num trecho fora do círculo de iluminação improvisado.
– Achou alguma coisa? – perguntou.
– Há sangue aqui...
– Sim, é aqui mesmo, nos ferimos antes de...
De repente ela estava novamente à sua frente, percebeu que seus cabelos eram curtos enquanto ela se inclinava para ele, farejando-o.
– Sim, parece que um deles é seu – concordou voltando a se afastar. – Pelo jeito o cheiro do sangue de vocês atraiu outros animais... outros predadores, não gostamos de concorrência por aqui. Se forem espertos sentirão nosso cheiro e ficarão longe.
– Acha que podem ter levado a bolsa?
– Venha, vamos verificar – a voz dela soou da escuridão da noite.
Continuou parado ponderando se não seria melhor retornar no dia seguinte, com Rony. Foi puxado pela mão antes que tivesse tempo de decidir.
– Você é rápida...
– Sou a mais rápida, depois de Ksenya – ela o guiava prestando atenção ao solo, seguindo os rastros.
– Estão por perto... – Harry comentou após algum tempo de caminhada, ouvindo-os.
– É, eu sei, chacais... – ela murmurou. Afastou-se por instantes e quando voltou colocou algo molhado em sua mão – É isso o que estamos procurando? Mordido e babado mas ainda inteiro.
– Obrigado, Irina, vamos voltar?
– Não. Quero ter certeza de que se afastarão, temos um rebanho aqui também.
– Mas já vai amanhecer, não é melhor irmos? O sol não te... afeta?
– Não diga bobagem, nossa pele só é um pouco sensível! Somos noturnos, logo, a claridade é inconveniente... mas não um ponto fraco para nós.
– Desculpe... – sentiu-se encabulado, não se lembrava de ter estudado sobre eles. – Eu vou voltar, então...
– Você não vai conseguir voltar sozinho, está quase cego, vulnerável... Fique perto de mim e nada te acontecerá – ela o aconselhou.
– O q...? É isso o que você acha? – reagiu asperamente.
Aparatou de volta ao quarto, tirou a mochila de dentro da bolsa e a jogou sobre a cama, se não fosse pela bolsa que tinham encontrado, teria se arrependido por ter aceitado seu convite. Foi até o banheiro e abriu o estojo sobre a pia, continha as lentes mergulhadas em soro, lavou as mãos observando o contorno de seu reflexo no espelho.
Sua visão, embaçada, nunca o tinha incomodado tanto, as palavras dela o tinham ofendido. Pensou que se soubesse de uma maneira de resolver aquilo, o faria, então, se lembrou da sugestão de Leon e descartou a ideia. Pegou o frasco de colírio, quase vazio, e usou as últimas gotas.
Verificou o outro quarto, constatando a ausência de Rony, encontrou-o adormecido no chão, debruçado sobre a cama em que Hermione ainda dormia. Aproximou-se devagar, para verificar se estavam bem, depois encaminhou-se para o quarto ao lado, para esperar que acordassem e sugerir que fossem embora dali, não estava a fim de esperar que anoitecesse novamente. Entrou no quarto e caminhou até a cama.
– Irina? – chamou-a assim que sentiu seu cheiro.
– Por que sumiu daquela maneira? Você estava sob minha responsabilidade! – ela reclamou surgindo à porta.
– Qual o problema? Achou que eu não fosse capaz? – olhou para as duas janelas e fez com que se fechassem e as cortinas fossem cerradas para impedir a entrada da claridade que começava a se espalhar do lado de fora.
– Já disse que não somos assim tão vulneráveis – reclamou reparando as janelas enquanto atravessava a penumbra do quarto até chegar a ele – Não pense que por ser um bruxo...
Harry ficou olhando enquanto ela se aproximava reclamando. Uma jovem de feições delicadas, os cabelos espetados, curtos e castanhos com mechas douradas. Seus grandes olhos, escuros e vívidos, o fitavam desafiadoramente, imaginou que ela passaria tranquilamente por uma jovem excêntrica em meio aos trouxas, reparou o piercing que usava no nariz.
– O que foi? Ainda não está conseguindo enxergar?
– Não – murmurou – Estou! Estou sim – corrigiu-se, não conseguiu evitar que seus olhos a percorressem de cima a baixo.
– Por que seus olhos ficaram vermelhos?
– Hum? – ele voltou a se concentrar em seu rosto, ela o encarava com curiosidade.
– Seus olhos estão vermelhos agora...
Ele piscou algumas vezes sem entender o que ela estava querendo dizer, apressou-se em direção ao banheiro e se olhou no espelho. Seus olhos estavam ficando irritados.
– É que eles não se adaptam bem às lentes – Harry explicou – E o meu colírio acabou – ela bufou.
– Então teremos que providenciar isso também.
– Assim que meus amigos acordarem iremos embora – esclareceu friamente – Providenciarei isso eu mesmo, e não sou quase cego! Minha visão é apenas embaçada...
– Mesmo assim, não deve ficar por aí, exposto, pensei que fosse...
– Já amanheceu, você não tem que voltar para o seu... caixão, ou coisa assim? – refez o caminho até o quarto.
– Desculpe... eu não queria te ofender, de verdade – ficou olhando enquanto ele se jogava na cama e cruzava os braços atrás da cabeça – Você está cansado? Vai dormir agora?
– Não, não estou a fim – respondeu de mau humor, sem desviar os olhos do teto ornamentado.
– Ótimo, me encontre no portão. Vou te levar à cidade, você precisa de óculos novos...
– Já disse que vou resolver isso...
– Vai precisar de ajuda, vocês não falam o idioma local – argumentou enquanto se dirigia para a porta – E só vão partir à noite, seu amigo deu a palavra dele...
Continuou deitado por um tempo, pensando no comportamento dela, concluiu que se não conseguia entender as garotas, tinha menos chances ainda de compreendê-la. Poderia ignorá-la e se recusar a ir, mas não era o que queria fazer. Arrumou-se rapidamente e quando ouviu o barulho vindo de algum lugar lá fora, aparatou.
– O que fez com seu cabelo? – a voz dela soou abafada de dentro do capacete. Sua vestimenta de couro preto, dos pés à cabeça, a fazia parecer parte da máquina na qual estava montada. Harry ajeitou a franja sobre a testa, aceitou a mão que ela lhe estendeu e montou na garupa.
– Não quero correr o risco de ser reconhecido – colocou o capacete que ela lhe ofereceu.
– Segure-se, nós vamos correr – fez o motor roncar, possante. – Estou falando sério, gosto de velocidade.... – tirou a mão dele do seu ombro e fez com que atravessasse sua cintura.
Subiu as escadas e chegou ao corredor, a voz deles vinha do quarto que ela estava ocupando. Estavam falando sobre o ataque sofrido no Beco, a lembrança do ocorrido surgiu muito distante em sua mente, como se pertencesse a uma outra época.
– Como está se sentindo? Está melhor?
– Eu estou bem – Hermione respondeu. – Só um pouco dolorida.
– Vocês conseguiram? – Rony perguntou a ele, estava ajudando a arrumar as coisas que ela tinha retirado da bolsa e espalhado sobre a cama.
– Sim. Pegarei os óculos amanhã... Está faltando alguma coisa?
– Não, parece que não caiu nada.
– Acho que não deveria ter aceitado a oferta de esperar até o anoitecer – Rony comentou enquanto pegava um rolo de pergaminho em cima da cama – Estamos perdendo tempo...
– Por que a pressa? – Harry se sentou na janela e ficou admirando a paisagem – Além do mais, você deu sua palavra a eles...
– E daí? Posso deixar um recado me desculpando... Pensei que você estaria ansioso para partir. – Rony voltou a atenção ao papel e Harry fez uma careta ao se lembrar dos problemas que tinha que resolver.
– Esse não era o pergaminho que estávamos usando pra falar com o Draco? – perguntou a Hermione.
– É – ela olhou para o papel em sua mão e continuou a colocar as coisa de volta na bolsa.
– O que Gina está fazendo com ele? – meditou em voz alta.
Harry e Hermione se aproximaram, os três leram juntos. Pedia notícias, queria saber sobre o Harry, o que estavam fazendo e dava notícias sobre como estava sendo a escola sobre a liderança de Snape.
– As coisas parecem estar bem ruins por lá – Hermione comentou, pegou a folha e a ofereceu a Harry. – Responda, ela quer saber sobre você.
Ele ficou um tempo olhando para o papel estendido em sua direção, prova de que os problemas continuavam lá fora, aguardando-o. Pegou tinteiro e pena sobre a cama e levou até Rony.
– Peça mais notícias, pergunte se Dumbledore já retornou – sugeriu.
Rony pegou o tinteiro e a folha, sentou-se na poltrona e escreveu. Ficaram um tempo aguardando o retorno mas isso não ocorreu. Aguardaram o resto do dia sem obter resposta.
Distraíram-se na companhia da governanta, Sra. Maddy, ouvindo um pouco mais sobre a história do Clã, que tinha se formado há tantos séculos. Strickland havia iniciado a formação do Clã, que recebeu o seu nome.
Tristan e Emil eram um casal, o único ali, tinham sido os primeiros a se juntarem a ele, aos poucos foram conhecendo os demais, e por afinidade, se unindo. A formação e lealdade de um Clã era algo muito importante para eles, era o meio que encontravam para sobreviver, os conflitos e confrontos entre Clãs parecia ser algo muito comum, embora há algum tempo, o Clã de Strickland se mantivesse isolado e em paz.
Quando anoiteceu e eles despertaram, os três já aguardavam ansiosos no térreo. Hermione foi apresentada a todos e pareceu encantada por conhecê-los. Despediram-se dos demais e rumaram para a cidade, na van prateada dirigida por Tristan, Emil o acompanhava no banco da frente, Mihail e Nicolae conversavam com Rony a respeito dos avanços que tinham presenciado ao longo dos milênios e Hermione ouvia atenta as histórias que Pável contava sobre o período em que viveu em Moldávia. Irina ia ao lado de Harry, conversavam em voz baixa, alheios ao falatório do grupo.
Ninguém na cidade pareceu se importar com a van de vidros negros que circulou por ali. Passaram do centro e algum tempo depois pararam em frente ao terreno iluminado e barulhento. Era um grande parque de diversão.
– Parecem que estão mesmo fazendo sucesso – Rony comentou orgulhoso.
– Os humanos adoram diversão, comédia e terror – observou Nicolae.
– Como conseguiram montar um parque de diversões, o que eles entendem disso? – Hermione admirou-se.
– Esse parque já existia aqui bem antes deles chegarem, mas não fazia tanto sucesso naquela época. – esclareceu Mihail. – Eu mesma o achava bem sem graça...
Entraram e atravessaram o parque até os fundos onde encontraram pessoas com duas letras “W” desenhadas no uniforme circulando sorridentes pelo local. Emil pediu informações e eles indicaram a loja de “truques e ilusões” que também servia de residência e escritório, ladeadas por duas casas de show, a Casa da Comédia e a Casa do Espanto.
Harry tentou levar a mão até a cicatriz, quando esta latejou dolorosamente, então percebeu que estava segurando a mão de Irina, ao seu lado, provavelmente, desde que saíram da casa. Olhou para ela, que também parecia ter se dado conta disso naquele momento e o soltou.
– O que está sentindo? – ela perguntou olhando-o diretamente nos olhos.
– Nada... – retribuiu seu olhar e ela voltou a segurar sua mão.
Não encontraram os gêmeos dentro da loja, cujos produtos pareciam possuir mágicas símples, feitas para entreter os trouxas. Ficaram sabendo, pelos funcionários, que os gêmeos tinham se ausentado durante a noite anterior, sem previsão de retorno.
– Já deveríamos ter uma maneira de nos comunicarmos com eles – Hermione olhou para os amigos. – Mandar uma coruja seria arriscado.
– Poderão ficar conosco até que eles retornem – Tristan ofereceu.
– Não precisa, nós poderemos acampar enquanto isso. – Hermione agradeceu. – Certo? – perguntou aos amigos. Rony deu de ombros e Harry assentiu.
– De jeito nenhum, essas terras são perigosas – Emil argumentou. – Vocês ficarão conosco, faço questão.
– Mas já que estamos aqui, vamos nos divertir um pouco – Mihail pediu ansiosamente enquanto se retiravam da loja – Vamos mostrar o local aos nossos convidados...
Rony pareceu entusiasmado com a ideia e segurou a mão de Hermione enquanto seguiam pela multidão.
– Eu encontro vocês depois – Harry disse a eles, soltando a mão de Irina. – Esse lugar é barulhento demais pra mim.
– Você está bem? – Hermione perguntou a ele.
– Estou... qualquer coisa eu entro em contato – levou a mão ao peito referindo-se ao cordão. – Façam o mesmo – pediu antes de se afastar.
Caminhou até chegar à estrada, respirou fundo e levou a mão até a cicatriz, massageando a testa.
– Não vai ficar e se divertir com os outros? – perguntou em voz alta.
– Não... não sinto atração por parques... – Irina comentou enquanto se aproximava – Você tem faro de caçador.
– Tenho certeza de que não me equiparo a você...
– Sempre gentil... – caminharam lado a lado, sem rumo – Você só me falou sobre Hogwarts até agora. Eu quero ouvir sobre os grandes feitos que dizem que você praticou.
– Acha que posso ser um desafio interessante? – parou à beira da estrada e manteve o olhar fixo na escuridão à frente.
– Sei que você é, embora, diferente do que eu esperava...
– Não vou pedir desculpas por ter te decepcionado e muito menos lutar com você – seguiu caminhando pela mata e escalou uma árvore. Olhou para baixo, procurando por ela mas não a viu.
– Considero que lutar ao seu lado possa ser muito mais interessante – ela o surpreendeu deitada alguns galhos acima, observando-o. – Quero ouvir mais sobre você, sua vida parece ser emocionante.
– Minha vida tem sido uma sequência de problemas que se complicam mais com o passar do tempo... Não é algo que eu goste ou admire – ele se esticou e ficou contemplando o céu noturno.
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