A Ilha
Acordou sozinho e desceu. Nagini não estava por ali, não a via desde o dia anterior. Foi até o primeiro andar, observou cada detalhe do local. Descendo as escadas, à esquerda, o corredor terminava em uma porta que se abria para o que lhe pareceu ser a sala de refeições.
Um pouco menor que o Salão Principal de Hogwarts, continha apenas duas compridas mesas. Ignorou os bolos e frutas de uma delas e concentrou sua atenção na porta que ficava a um canto. Não tinha pensado, até então, na possibilidade de haver elfos domésticos trabalhando ali, se conseguisse convencer a um deles, poderiam aparatar para fora da ilha.
Seguiu ansioso para a porta de onde vinha o som familiar dos preparos culinários, mas o que encontrou era totalmente diferente do que esperava. Panelas borbulhavam ao fogo, pratos eram lavados, uma colher de pau agitava algo dentro de uma grande bacia, e tudo o mais em todos os cantos da cozinha parecia ter vida própria, só não havia vida ali.
Cruzou a cozinha cauteloso enquanto ela se mantinha em plena atividade. Olhou ao redor à procura de algo cortante mas não viu nada que servisse, os armários estavam fechados, saiu quando sentiu a aproximação de alguém.
– Imaginei que, a partir de hoje, você fosse preferir fazer suas refeições aqui conosco – Bellatrix informou – Como uma família... – acrescentou em tom de provocação.
– Não tem mais ninguém aqui além de vocês dois? – perguntou Harry, sempre pressentira um intenso movimento ali embaixo. – Onde estão os outros?
Bellatrix olhou ao redor curiosa, eram os únicos ali.
– Consegue mesmo sentir a nossa presença? – mostrou-se interessada.
Harry baixou a cabeça em silêncio e pegou uma fruta sobre a mesa, lembrou-se de Dumbledore, mas como já estava oficialmente morto comeu sem se importar. O Comensal, que vira a alguns dias atrás, lançou-lhe um olhar desinteressado ao entrar e se dirigiu a ela.
– Trouxeram mais dois, de ontem à noite. Vamos fazer o quê com eles?
– Ah, não... – Bellatrix fez uma careta de insatisfação. – Não os trouxe aqui para dentro, não é? – lançou um rápido olhar para Harry que observava os dois sem disfarçar sua curiosidade.
– Não... estão lá fora...
– Não perca seu tempo – Bellatrix disse a Harry quando este abriu a boca tencionando perguntar algo. – Vamos Noah, o Lorde das Trevas…
Harry observou se afastarem apressados, sentou e se serviu de mais algumas frutas, não queria voltar a se sentir fraco e indisposto.
Quando terminou voltou para as escadas e seguiu para a direita, quando chegou ao final do corredor, entrou no Grande Salão. Localizou a porta, que conduzia ao exterior do castelo, entreaberta. Continuou a caminhar por ali, parou à entrada do que algum dia deveria ter sido um salão de festas e que Narcisa tinha decorado para ser uma agradável sala de recepção.
Observou a grande mesa em forma de meio círculo, as cadeiras voltadas para um patamar, um pequeno palco, onde estava instalado um trono. Imaginou que era dali que Voldemort decidia o que deveria acontecer do outro lado do oceano, bem apropriado para a sua vaidade.
Subiu na mesa e dela saltou para o palanque, sentou-se no trono e olhou para baixo, gostou da vista dali de cima. Desceu e contornou o local, entrou por um corredor estreito que o conduziu a uma saleta menor, em formato circular, parou e observou os objetos e as tapeçarias.
Quando saiu novamente para o Grande Salão verificou o restante do lugar, lançou outro olhar para a porta de saída ao passar, mas não se aproximou, voltou para as escadas. Passou o resto da tarde apreciando a vista do alto de uma das torres que estivera, até então, com o acesso bloqueado. Ficou sentado na mureta observando as ondas quebrando na praia e o vento agitando os galhos das árvores, permaneceu assim mesmo quando ele se aproximou, evitando olhar em sua direção.
– Nunca tinha parado para apreciar essa vista antes... realmente, é agradável – Voldemort concordou.
Harry não se manifestou, ficou observando o vento brincar com seus cabelos enquanto mantinha seu olhar fixo na paisagem abaixo.
– Não vai me perguntar nada? – insistiu.
– Você vai me responder? – quebrou o silêncio lançando-lhe um rápido olhar de esguelha.
– Venha, vamos sobrevoar a propriedade, quero te mostrar a ilha – convidou.
– Não consigo, não com isso! – respondeu mal-humorado erguendo o pulso. – Vai retirar o bracelete... por um tempo apenas? – pediu.
– Eu te levo...
– Esquece! – atravessou para a outra extremidade da torre onde a vista não conseguia alcançar o mar, mas era igualmente bonita.
Sentiu uma sensação estranha enquanto ele se afastava, pensou que ele fosse sobrevoar o local sozinho, mas parou alguns metros acima ainda o observando. Algo se fechou em torno de si e o tirou do chão, em segundos estavam sobrevoando o castelo.
Observou espantado a pele escamosa da pata que o segurava, suas garras eram enormes, olhou para cima e para os lados mas sua visão era limitada, apenas ouvia o som do vento sendo cortado por suas asas, a sensação era maravilhosa. Passou a prestar atenção à paisagem abaixo.
Contornaram o castelo, depois seguiram sobre a ilha. Ficou admirado com o tamanho do lugar, era uma ilha grande, se perguntou que tipos de feitiços a ocultavam para as pessoas de fora. Toda ela possuía trilhas e caminhos, alguns pavimentados. Desceram em uma clareira à beira de uma queda d'água. Deslizou para o chão e virou-se para encará-lo.
Sua pele negra reluzia à luz do sol, olhou admirado enquanto ele esticava as asas, exibindo-se, seus olhos vermelhos se destacavam deixando-o ainda mais impressionante. Passou a mão por sua pele fria, já tinha tido contato com outros dragões antes, mas nenhum tão marcante. Ele deu alguns passos para trás, se afastando enquanto voltava a assumir sua forma humana.
– Eu não assusto você?
– Eu também consigo fazer isso, me transformar em um animago? – perguntou ansioso.
– Provavelmente...mas não será um dragão.
– Como pode ter certeza? – perguntou decepcionado.
– Não faz parte da sua natureza – esclareceu enquanto aspirava sentindo o ar em volta. – Não há vantagem em ser um animal mágico e raro, não é uma forma que se possa assumir lá fora.
Harry olhou ao redor, podiam avistar apenas uma das torres do castelo ao longe. O rio sumia após uma curva, pássaros cantavam na copa das árvores.
– O sol está se pondo – Harry comentou olhando na direção dos raios dourados que começavam a se perder na linha do horizonte. Lembrou-se do por do sol em Hogwarts, nas vezes que o apreciou à beira do lago com os amigos.
– O que aconteceu? – Voldemort desviou a atenção do rio para encará-lo.
– Nada... O que tem daquele lado, onde o sol se põe? Era a paisagem preferida de Salazar, ele não deixou alguma coisa lá?
– Já pensei nisso, mas não encontrei nada daquele lado.
Harry começou a se afastar seguindo o caminho que levava àquela direção, ouvia o som de vida pulsando a sua volta, os insetos, o farfalhar das plantas. Caminhou por um tempo, Voldemort o acompanhando até que se cansou e voltou a se transformar levando-o consigo. Sobrevoaram o litoral e pousaram em um penhasco à beira-mar.
– O que é aquilo? – apontou um conjunto de construções, ao longe, cujos telhados sobressaiam-se coloridos em meio à vegetação. – Há pessoas morando aqui?
– Claro, esta é uma ilha grande, precisa ser habitada, e naturalmente, cuidada.
– São suas... “requisições”? – repetiu a expressão que ele tinha usado para se referir às pessoas desaparecidas.
– Nada além do essencial.
Deu uma olhada pelos arredores, mas como já tinha visto lá de cima, não tinha nada ali, nenhuma passagem ou construção. Voldemort parou à beira do penhasco, olhando para o horizonte, uma atitude que lhe fez lembrar do último encontro que tinham tido. Ainda conseguia enxergar um pouco de humanidade nele, se perguntou como ele seria se tivesse tido uma vida normal, com os pais.
– Eles já procuraram aqui? – Harry perguntou percebendo que não tinha visto nenhum barco ainda.
– Quem? – a pergunta escapou de seus lábios enquanto olhava fixamente para o horizonte.
– A equipe que você contratou...
– Deixe que eu me preocupo com isso. Por que de tanto interesse no cetro?
– Só quero ajudar...
– Vou permitir que explore a ilha, desde que esteja de volta antes de escurecer e fique longe do oceano.
– Não pretendo fugir a nado... – aproximou-se reparando a descida ingrime que levava até a água. – Você nem tem guelrricho no seu estoque...
A primeira coisa que fez ao iniciar a exploração da ilha foi conhecer o vilarejo, ruas pavimentadas pelas quais pessoas circulavam calmamente em sua rotina diária, uma pequena cidade. Sentiu a presença de Comensais ali, mas nenhum apareceu ou o abordou para fazer perguntas.
Algumas pessoas sorriam ao passar por ele, não lhe pareceu que estivessem insatisfeitas por estarem ali, ficou indeciso sem saber se seria seguro tentar fazer perguntas, o ambiente lhe pareceu alegre demais para ser real.
Viu um posto de atendimento médico e entrou, parecia um pequeno hospital mas não havia movimento ali, estava vazio. Aproximou-se da atendente que se ocupava em distribuir flores pela recepção.
– Ora, não esperávamos vê-lo aqui tão cedo! – o recebeu sorridente.
– Ah... – olhou para ela por alguns segundos sem saber o que dizer. – Eu só estou dando uma volta...
– Então fique à vontade. Isso aqui é o paraíso, não é? Não vejo a hora das crianças chegarem pra dar mais vida ao lugar...
– É? Hum...Bem... já vou andando, então...
– Não quer esperar o curandeiro? Eu posso ir chamá-lo, avisar que está aqui...
– Não, não precisa, hoje não... – saiu deixando-a sozinha com seu entusiasmo.
Uma senhora, na casa em frente, estava usando magia para ajeitar o jardim. Reparou melhor as pessoas ao redor, muitas delas estavam com suas varinhas, fazendo uso de magia naquele momento.
Nunca tinha lhe ocorrido a hipótese daquelas pessoas terem escolhido se aliar a Voldemort, abandonado suas casas e famílias por livre vontade. Resolveu se afastar dali.
Passou o dia sozinho na praia, catou algumas conchas vazias e tentou usá-las para partir o bracelete, não conseguiu nem um arranhão. Quando voltou, no final da tarde, encontrou Nagini dormindo no primeiro andar perto das escadas, o inchaço, motivo de sua ausência, ainda era visível. Mas não tinha sido “alguém”, como ela lhe garantira.
Mais do que passear pela ilha, passava os dias procurando a saída. Ficava horas vigiando a vila mas não acontecia nada de interessante, os moradores às vezes se afastavam em pequenos grupos, reparou que não aparatavam ali, a ilha devia ter proteção contra isso, e suspeitava de que nem todos eram bruxos.
Por duas vezes seguiu um desses grupos. Andavam pela ilha, observando e fazendo anotações como um grupo de pesquisadores, nunca voltavam no mesmo dia, era obrigado a abandoná-los para retornar ao castelo, porém lhe pareceu que não demonstravam nenhum interesse em ir para o continente.
Passou a se concentrar em uma pessoa especificamente. Acompanhava o movimento dos Comensais transitando pela vila e às vezes indo para o castelo, eram os únicos que iam até lá, e até então, também não tinha visto nenhum deles se ausentar.
Esticou o braço e colheu uma fruta em um dos galhos, passava a maior parte do dia nas árvores, o melhor ponto de observação que tinha por ali. Depois de algum tempo o localizou atravessando a praça, concentrou-se nele e aguardou enquanto ele se movia parando de vez em quando para falar com um e outro, esperou até que seus movimentos passaram a se limitar em um ponto determinado, próximo à extremidade oposta ao local onde estava.
Saltou para o chão, mesmo sem magia não tinha problemas em se locomover pelas árvores, o que fazia com agilidade.
“Você vem?” – perguntou à Nagini, esperava que ela pudesse ajudar caso fosse necessário, caçar ratos era sua especialidade.
“Não posso chegar perto deles” – ela continuou enrolada no galho vendo-o se afastar.
Harry esgueirou-se pela mata mantendo-se oculto da vista dos moradores, contornou as casas até chegar ao local onde ele estava, aproximou-se furtivamente pelos fundos do casebre e testou a porta, estava trancada. Abriu mais a janela que dava para um dos quartos e entrou. Encontrou-o na cozinha, mais gordo do que da última vez que o vira, parecia estar vivendo muito bem ali.
– Rabicho... – aproximou-se tendo o cuidado de passar longe das janelas.
Ele virou-se assustado, desviou rapidamente os olhos dele para as janelas e correu para fechá-las.
– O que faz aqui? Quer me matar?! Não tenho permissão pra chegar perto de você! Como me achou? Vai embora!
– Para com isso! – o deteve impedindo-o de continuar correndo até as janelas reverificando-as paranoicamente. – Ninguém me viu entrar. Preciso da sua ajuda pra sair daqui... Ninguém vai saber! – acrescentou enquanto ele agitava a cabeça energicamente.
– Não posso fazer nada, eu não tive culpa de nada, eu estava seguindo ordens, você...
– Você me deve! Não estou pedindo que o enfrente, só quero que tire isso... – estendeu-lhe o pulso com o bracelete. – Por favor, não esqueça que eu salvei a sua vida...
Ele olhou seu pulso de todos os lados sem o tocar, examinando a peça.
– Eu não posso fazer isso... Quem disse que eu posso?
– Eu não consigo sozinho. É só isso que eu quero, nada mais.
Rabicho olhou dele para o bracelete em seu pulso e para as janelas, lentamente tocou com o dedo a pulseira e encarou-o nos olhos. Harry usou seu olhar suplicante e aguardou esperançoso enquanto ele testava a abertura.
– Sem a luva – sugeriu.
– Não... – afastou-se amedrontado, encolhendo-se. – Ele vai descobrir, vai me matar... – no segundo seguinte já não estava mais lá.
– Não, espere! – atirou-se ao chão mas ele escapou por entre seus dedos e correu para debaixo de uma das poltronas, virou-a e mais a alguns móveis, mas ele já se deslocava por baixo do assoalho, não teve como pegá-lo. – Então me diga onde é a saída! – gritou em vão para a cabana vazia. – Covarde!
Ficou ainda algum tempo por ali, aguardando, mas presumiu que ele não voltaria tão cedo. Saiu novamente pelos fundos, desapontado, esfregou seu cordão nas mãos enquanto decidia o que fazer. Foi para a praia.
Costumava passar algum tempo percorrendo o litoral, não tinha visto nenhum barco ainda. A ilha era grande, demoraria dias para visitar toda a costa e tinha que estar de volta antes do pôr-do-sol, mas imaginou que em algum momento eles voltariam àquele trecho para conseguir suprimentos, no vilarejo. Só esperava que não fossem como os moradores do local.
Cruzou os portões de Hogwarts às pressas, estava ansioso por reencontrar seus amigos. Seus passos ecoaram no saguão de entrada, olhou para o Salão Principal, para as mesas vazias.
Subiu rapidamente e parou estupefato quando chegou ao sétimo andar, a passagem para a Sala Comunal estava aberta, só então reparou que todos os retratos estavam vazios. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
Entrou e não encontrou ninguém nos dormitórios, por alguns instantes tentou se convencer de que todos deveriam ainda estar de férias, mas sabia que tinha algo errado. Foi até o escritório do Diretor.
Encontrou a escada desobstruída, a gárgula de pedra não estava mais lá. A sala de Dumbledore estava vazia, todos os seus estranhos objetos tinham desaparecido e o poleiro de Fawkes; todos os retratos dos antigos Diretores também estavam abandonados.
Percorreu os corredores verificando todos os cômodos, seu desespero crescendo a cada ausência, chamou por Raven quando entrou em sua sala, em vão. Não achou uma pessoa ou fantasma que pudesse lhe dizer o que tinha acontecido. Saiu do castelo e foi para a cabana de Hagrid numa desesperada tentativa.
Arrastou-se de volta ao Salão Principal e observou tristemente as quatro mesas. Sentou-se na cadeira que o Diretor ocupava durante as refeições e ficou observando, pela janela, a claridade ir sumindo os poucos.
Quando as sombras tomaram o salão secou o rosto e repôs os óculos. Percebeu um movimento ao seu lado mas não se surpreendeu. Olhou para a figura alta, de cabelos negros, parada ao seu lado, seu rosto estava oculto pelas sombras mas não teve dificuldade em reconhecê-lo como a presença silenciosa que o acompanhava.
– Está na hora de irmos, não é? – perguntou mesmo já sabendo a resposta, segurou a mão que ele lhe estendeu e se deixou conduzir para a saída.
Olhou para baixo quando sentiu o contato do metal frio, do anel que ele usava, contra sua pele, levou alguns instantes reparando o pedra verde até reconhecê-la, era o anel dos Gaunt.
Acordou assustado, o céu estava começando a clarear, vestiu-se e saiu, não podia mais perder tempo ali.
Observou o horizonte por algum tempo, a irritação aumentando a cada minuto, não tinha nada ali, ficou angustiado e sua cicatriz começou a latejar, há tempos isso não acontecia, então se deu conta de que tinha algo errado e voltou para o castelo.
Ele estava na sala de reuniões sentado em seu trono, olhando fixamente a porta à frente enquanto acariciava o anel distraidamente, um gesto que Harry achou muito familiar.
Os cinco Comensais abaixo aguardavam inquietos.
– Saiam – Voldemort disse a eles.
Harry esperou no Grande Salão enquanto eles saíam lançando-lhe olhares desconfiados. Bellatrix surgiu logo após, examinou-o de cima a baixo.
– Você está parecendo um pequeno selvagem – criticou-o.
– O que aconteceu hoje? – perguntou sem se incomodar com seu comentário. Sempre andava pela ilha descalço e sem blusa, os jeans dobrados até a canela. O clima quente do local dispensava qualquer peça a mais.
– Ele quer falar com você – ela o avisou.
Harry olhou para os Comensais que começavam a se dispersar, um deles era novo ali na ilha. Os outros sempre o ignoravam, recebiam ordens para isso mas este, ao contrário, lhe sorriu.
– Pensei que estivesse preso. – Harry o reconheceu como o Comensal que andara por Hogsmeade.
– Estive, mas...
– Eddie, está na hora de você ir – Bellatrix o interrompeu indicando a porta.
Harry foi logo ao encontro de Voldemort, queria sair a tempo de verificar se Eddie ficaria na ilha ou não.
– Quer falar comigo? – perguntou a Voldemort. O verde de seus olhos brilhavam mais intensos, tanto pela expectativa desta nova oportunidade quanto pelo destaque que recebiam em sua pele bronzeada. – Aconteceu alguma coisa? – perguntou com urgência.
– Você disse que tinha apenas encontrado o anel, nada mais, você mentiu! – Voldemort se levantou e desceu, indo pousar à sua frente.
– Eu nunca disse isso! – respondeu no mesmo tom. – Disse que tinha entregado a Dumbledore apenas o anel. As outras horcruxes estão comigo, estavam...
– Idiota! As deixou por aí, desprotegidas?! Quais?
– Todas as que você deixou em Hogwarts – respondeu sem se importar com sua ira.
Voldemort se ergueu no ar e fez a mesa e as cadeiras se chocarem contra a parede oposta. Harry observou sem se mexer, sentia a mesma revolta, mas ao mesmo tempo, isso lhe era insignificante comparado ao seu objetivo.
– Deixou que ele tivesse acesso a elas – Voldemort passou a andar lentamente pela sala enquanto falava consigo mesmo – É só uma questão de tempo para que destrua a outra também. Serão cinco... terei perdido cinco... – sussurrou assustado.
Harry se aproximou dele tentando se manter calmo e racional, percebeu que receber partes de sua alma fracionada o tornava mais humano, mais suscetível aos sentimentos que tanto desprezava.
– Você ainda tem outras...
– Duas! Duas apenas! Você sabe o quanto me custou cada uma delas?! Tudo que eu tive que perder?! – berrou encolerizado.
– Você poderá ter tudo de volta, assim que forem todas destruídas...
O impacto do golpe fez seu pescoço virar dolorosamente, sentiu o sangue quente brotando do corte, feito pelo anel, em seus lábios.
– Não sou só eu que estou desejando isso. – Harry murmurou friamente.
Voldemort o encarou surpreso e levou a mão ao próprio rosto sentindo a lágrima que escorria por sua face. Observou chocado os dedos úmidos como se nunca os tivesse visto antes.
Harry se afastou revoltado e cruzou o Grande Salão até a saída. Quase se chocou com a figura alta e corpulenta que surgiu na entrada barrando o seu caminho, os pêlos de seu corpo se arrepiaram.
– Com licença! – pediu com urgência se concentrando para localizar a posição deles, do lado de fora do castelo, precisava tentar alcançar Eddie ou segui-lo, então percebeu que a pessoa à sua frente não tinha a marca.
Olhou para cima, para ver seu rosto, ele aspirava profundamente o ar enquanto se inclinava em sua direção. Harry não o reconheceu, não lhe era familiar.
– Não pensei em reencontrá-lo assim – o desconhecido levou a mão ao seu lábio ferido fazendo com que se afastasse ao toque – Tão vivo... – levou o dedo à boca chupando seu sangue.
– Isso é nojento – Harry reclamou.
– Nunca esqueci o gosto – disse com satisfação – desde o dia em que o senti em minhas garras...
– Fenrir! – Noah se aproximou visivelmente irritado. – O que veio fazer aqui?!
Harry aproveitou para se esgueirar pela porta. Correu o mais rápido que pôde, cortando caminho por dentro da mata, eles seguiam pela trilha mais à frente, dois deles. De repente parou de senti-los. Seguiu até o ponto onde haviam sumido, indo em direção ao mar.
Caminhou devagar por ali, não havia nada além das rochas, foi até a beirada do penhasco e olhou para as ondas se chocando contra as pedras abaixo, tinha certeza de que tinham ido naquela direção.
O corte em sua boca latejava dolorosamente, limpou o sangue com as costas da mão. Pensou na horcrux destruída, talvez os gêmeos tivessem conseguido, encontrado um meio, ou poderia ter sido apenas uma tentativa, tentou não se entusiasmar muito com aquilo para não se decepcionar depois.
Reparou na parede rochosa ao lado, era lisa e muito alta para que pudesse escalar. Olhou desanimado à sua volta, a não ser que tivessem se jogado lá embaixo, não via por onde pudessem ter passado. Levou um tempo para que seus olhos se acostumassem com a formação rochosa à sua volta, logo localizou uma reentrância na parede, em forma de arco, que lhe chamou a atenção.
Aproximou-se desconfiado de seu formato tão perfeito. Ao tocá-la sentiu algo mais além da pedra quente. Encostou a testa na rocha e suspirou aliviado, tinha encontrado a saída. Passou a mão pela passagem lacrada e se afastou, não sabia como abri-la, mesmo se pudesse usar magia. Fechou os olhos e tocou o cordão.
Ficou um tempo ali tentando pensar em alguma coisa. Fez o caminho de volta ao castelo e guiou-se pelo som da água até chegar ao rio, era incomparavelmente maior que o de St. Catchpole. Andou pela margem até localizar uma pedra que fosse lisa e achatada o suficiente.
Apoiou o braço sobre uma das rochas que beiravam o leito e respirou fundo, o primeiro golpe o fez se dobrar arquejando sobre o pulso ferido. A cada golpe parava para conferir o estado do bracelete, o impacto afetava apenas a si mesmo, parou de se torturar em vão.
– Então, vai tentar fugir...
Harry se levantou num salto quando o ouviu, ele estava agachado próximo à trilha.
– O que você quer aqui? – perguntou de mal humor.
– Já descobriu a saída – comentou – Muito bem, mas não é o suficiente...
– Não sei do que está falando – atirou a pedra para longe.
– Eu senti o seu cheiro – farejou o ar depois sorriu mostrando a fileira de dentes pontiagudos.
Harry olhou para o céu se perguntando em que lua estariam, depois se lembrou do episódio no Ministério, as fases da lua não tinha importância para ele.
– Tenho que ir – começou a caminhar para dentro da mata, tencionando contorná-lo até voltar à trilha mais à frente.
– Vim te oferecer ajuda – ergueu-se e se encostou em uma árvore. Também estava descalço, seu jeans estava faltando abaixo dos joelhos e se encontrava rasgado em algumas partes, de maneira a facilitar seus movimentos, a camisa aberta sobre o peito nu. – Não vai conseguir sozinho.
– Quer me ajudar a fugir? – olhou-o desconfiado.
– Eu ainda não o agradeci por aquele dia, no Ministério... – comentou com um sorriso nos lábios.
Harry o olhou avaliando-o, deu alguns passos em sua direção, seu olhar era intenso, sua expressão, selvagem. A presença dele o incomodava.
– E Voldemort?
– Não se preocupe com o Lorde, nosso relacionamento é um tanto... fraterno...
– Hum... não... – A ideia de aceitar ajuda era tentadora, mas ele deixava seus instintos em alerta não o achava confiável. – O que você pode fazer? – perguntou indeciso.
– Posso atravessá-lo pelo portal, te levo para fora daqui, depois estará por sua própria conta...
– Há mais de vocês do outro lado, não há? – sondou após algum tempo pensativo.
– Sim – admitiu a contragosto. – Mas farão o que eu mandar.
Harry se perguntou se a ordem não seria atacá-lo assim que saísse, ficou em silêncio considerando. Fenrir se agitou impacientemente.
– Por um pequeno pagamento, obviamente, assim que eu cumprir com a minha parte... não precisa ser antes.
– Pagamento?! – deixou escapar se aborrecendo. – Pensei que estivesse querendo me agradecer! E qual será esse pagamento? Não tenho acesso a nada de valor do castelo – adiantou.
– Não preciso de ouro pra matar a minha fome, mas também tenho sede... só vou querer uma taça com o seu sangue. Um baixo preço pela liberdade – acrescentou ao receber seu olhar chocado. – Não vai te fazer falta...
Harry bufou, se cortar para oferecer seu sangue, depois que saíssem, em meio a um bando de lobisomens e sem poder se defender com magia, lhe pareceu mais uma sacrifício do que um pagamento.
– Obrigado, acho que vou ficar mais um tempo por aqui.
– Minha oferta é irrecusável – rosnou para ele. – Acho que você não tem outras opções.
– Não se preocupe com isso, dispenso seu “agradecimento” – proferiu com raiva e voltou a seguir seu caminho.
– Eu insisto! – Greyback saltou em sua direção tencionando barrar seu caminho.
– Eu não tenho medo de você – percebeu seu olhar percorrendo as árvores ao redor e se deu conta de que estavam longe do castelo, não haveria testemunhas, e ele era um lobisomem adulto com o dobro do seu tamanho. Deu alguns passos para trás.
– Não tenho permissão pra te morder, muito menos te matar … Mas não sou muito obediente a regras...
Encararam-se com ferocidade, Harry sabia que não teria chance em um confronto direto, continuou se afastando lentamente, de costas.
– Desculpe, mas não vou poder ajudá-lo nisso, não sou adestrador... – afastou-se até a margem vendo-o mostrar os dentes furioso, seu corpo se transformando. Atirou-se no rio.
Mergulhou na água gelada e deixou que a correnteza o levasse até que conseguiu chegar à margem oposta, não ouviu o som de nada perseguindo-o pela água. Correu de volta ao castelo.
Voldemort ainda estava na sala de reuniões, os destroços da mesa ainda jogados a um canto, reconheceu Dolohov entre os presentes, tinha lutado contra ele no Ministério.
Voldemort ergueu a mão pedindo que se calassem. Harry foi direto para as escadas e subiu às pressas se esforçando para interromper a conexão. Ela se estabelecia automaticamente quando se aproximavam, mas interrompe-la, percebeu, estava se tornando cada vez mais custoso.
Olhou-se no espelho e passou o dedo pelo cordão em seu peito, trazia-o como um amuleto para quando de sentisse desanimado, ele fazia com que se lembrasse dos seus amigos lá fora, esperando-o, isso o impulsionava a continuar tentando.
Despiu-se de seus jeans molhados e ficou imerso na banheira por um bom tempo. Sua mente estava vazia, não tinha mais ideias ou planos. A imagem da sala abaixo surgiu de repente, apressou-se e desceu, curioso para saber o que ele estava fazendo com aquilo.
Voldemort estava parado olhando fixamente para a mesa à sua frente onde estava depositada a coroa que Harry vira entre seus tesouros. Entrou na sala em silêncio, ele estava perfeitamente controlado agora, mas se manteve longe o suficiente. Voldemort cruzou a distância que os separava e ergueu a mão em sua direção. Harry encolheu-se se afastando.
– Deixe-me curar isso – indicou seu lábio cortado.
– Não preciso da sua piedade – proferiu com raiva.
Voldemort lhe lançou um olhar aborrecido e contrariado depois voltou a atenção ao objeto sobre a mesa.
– Como queira... Trouxe isso pra você.
Harry franziu a testa observando o objeto, aproximou-se e ergueu a mão para pegá-lo mas logo a recolheu mudando de ideia.
– Enfeitiçou isso? – perguntou desconfiado levando o braço às costas para esconder os hematomas.
– Não... você é quem irá. Irei lhe ensinar algo que nunca aprenderia em Hogwarts – pegou a coroa sobre a mesa e lhe estendeu. – Você gostou desta, não?
Harry a tocou com a outra mão e pegou, perguntou-se se ele estaria tentando se desculpar. Bellatrix entrou carregando seus tênis e blusa.
– Fenrir veio trazer isso pra você – disse a Harry enquanto se aproximava de Voldemort.
Harry fez uma careta de desagrado tencionando se livrar deles, não iria usar nada que ele tivesse tocado. Como se compartilhasse de seus pensamentos, Voldemort deu um fim às peças assim que as recebeu de Bellatrix.
– Não é bom que deixe seu cheiro por aí, não tão próximo à lua cheia. Já te disse que eles caçam aqui à noite.
– E Greyback? – Harry sondou – Ele não precisa vir aqui durante o dia, não é?
– Eu não me incomodaria em me livrar dele por definitivo – Bellatrix se ofereceu. – Compaixão por lobisomens não é algo hereditário na minha família – comentou olhando para Harry.
– Obrigado, Bella – Voldemort acariciou levemente seu rosto com as costas da mão apreciando seus olhos surpresos se umedecerem em deleite. Harry desviou os olhos em vão e suspirou. – Harry vai cuidar disso para mim...
– O quê?!
– Fenrir também é um dos Antigos, embora tenha sido banido por seu comportamento – voltou sua atenção a Harry. – Não posso fazer nada contra ele, mas você pode, ainda não é um de nós...
– Posso fazer o quê?! – perguntou espantado.
– Sua primeira horcrux Harry... – disse indicando a coroa em suas mãos. – Pensei em lhe dar Snape, mas devido às atuais circunstâncias ele pode ficar para depois.
Harry olhou para o objeto em suas mãos e o devolveu rapidamente à mesa.
– Eu não vou fazer isso, não vou matar ninguém! – afirmou assustado por aquele pensamento já lhe ter ocorrido antes, tinha chegado a considerar a morte de Snape.
– Você não tem escolha! Foi suficientemente tolo para permitir que ele provasse de seu sangue. Ele é um predador, movido puramente por instintos, e não irá parar até conseguir o que quer – Voldemort afirmou convicto. – Há muito, Fenrir perdeu a sua capacidade de agir pela razão em troca de controle sobre seu estado animal.
Harry olhou dele para o objeto sobre a mesa. Bellatrix somente os observava, visivelmente encantada com o rumo pelo qual as coisas seguiam.
– Você fará isso para compensar as horcruxes que me fez perder... Irá prender a minha imortalidade à sua – Voldemort aproximou-se dele. – Isso é poder, Harry. Controlar a própria morte... Não importa os sacrifícios que tenham de ser feitos.
– Não pode me obrigar... – murmurou.
– Sim, posso. Não tencionava usar o meu poder de persuasão com você... mas se for necessário... – ameaçou.
Ficou cabisbaixo, num silêncio indignado, enquanto considerava sua ameaça.
– Vai tirar isso? – girou lentamente o bracelete em seu pulso.
– Não se preocupe, ele não possui poderes mágicos – se encaminhou para as escadas satisfeito. – E eu estarei ao seu lado, orientando-o.
Harry voltou para o quarto, ficou deitado na cama olhando para o teto, se recusando a pensar ou lembrar de tudo aquilo. Estava se sentindo vazio, completamente anestesiado, desprovido de sentimentos. Quando começou a escurecer, saltou da cama e caminhou pelo quarto tentando recolocar os pensamentos em ordem e encontrar uma forma de sair daquela situação.
Desceu. Parou no final da escada e olhou para o corredor vazio à sua frente. Aspirou profundamente sentindo o ar a sua volta, seguiu silenciosamente pelo corredor até chegar na sala, seus instintos em alerta, não tinha nada ali, não sentiu a presença de ninguém, mas continuou inquieto.
Sua expressão se suavizou quando viu Nagini chegando, ela parou de repente e se ergueu à sua frente, olhando fixamente e estirando a língua em sua direção.
“O que aconteceu... Nagini?” – perguntou assustado com o seu comportamento.
Ela começou a produzir uns sons estranhos, abriu a boca e regurgitou aos seus pés. Harry olhou enojado os restos do animal que ela estivera digerindo, sentiu-se nauseado, ficou agradecido por estar de estômago vazio.
“Deixa ele pra mim” – pediu ansiosamente.
“O que...?”
Não precisou continuar, os pêlos de sua nuca se arrepiaram. Lentamente começou a se virar para olhar a passagem às suas costas. Foi lançado metros à frente quando o animal se jogou sobre ele. Com os dois braços esticados, tentava pôr distância entre as mandíbulas dele e o seu rosto.
Ele urrou e se ergueu o suficiente para que conseguisse se arrastar para longe, sentiu as garras dele se fincarem no seu peito quando tentou puxá-lo de volta, chutou-o fazendo com que se afastasse, ele se debateu derrubando os móveis em volta, tentando se soltar enquanto Nagini se enrolava em seu corpo, as presas fincadas em sua coxa.
Seu peito sangrava, ele tentou desesperadamente alcançá-lo. Harry arrastou-se para a saída, uma poltrona passou zunindo sobre sua cabeça antes de se chocar com a parede do hall e rolar escada abaixo. Esgueirou-se pelo corredor e entrou no túnel pelo qual passara tantas vezes antes com Nagini.
Chegou ao salão, mas não saiu, seguiu pela rampa e em vez de virar para o caminho que o levaria de volta à sala, pegou um dos outros dois caminhos escuros que o conduziria para baixo. Continuou atravessando pelas passagens, não sentia a presença de ninguém por perto, nem teria como ouvirem nada àquela distância. Desejou sinceramente que quando voltasse com ajuda já o encontrasse morto.
Saiu no andar de baixo e correu em direção à escada. Parou de chofre quando ouviu algo pesado saltando para o patamar acima, recuou lentamente, achou improvável que ele tivesse conseguido se livrar, mas seja o que for que estivesse se aproximando não tinha a marca tatuada. Ficou na esquina observando o corredor principal que dava para escada. Ele surgiu lentamente farejando cada centímetro do caminho, procurando seu rastro. Recuou, era só uma questão de tempo para que conseguisse senti-lo.
Alcançou outra passagem secundária e continuou avançando. Ouviu um som às suas costas e virou-se assustado, teve certeza que algo tentava rastejar pela passagem pela qual tinha vindo, além da curva, ele era grande demais para conseguir passar por elas. Continuou avançando, o corpo doendo pela tensão, pelo ataque sofrido e pela posição incômoda.
Após um tempo não conseguiu ouvir mais nada, mas não sabia se ele tinha desistido ou se apenas estava muito distante. Parou por um tempo, havia outra saída à sua frente, eram mais dois andares até chegar ao térreo. Perguntou-se o que tinha acontecido a Nagini e o que aconteceria se Bellatrix resolvesse subir desacompanhada, se poderia com ele, fechou os olhos e se concentrou.
O vento frio entrava pela janela aberta, as luzes dos prédios ao longo da avenida iluminavam a noite, porém a única luz na sala vinha do terminal do computador. Ouviu passos apressados se aproximando, alguém abriu a porta e parou repentinamente.
– Você voltou! Não sabia que viria hoje... – alguém disse às suas costas feliz por vê-lo.
– Vim ver se está tudo correndo bem – disse por baixo do capuz do longo manto negro que o cobria.
– Melhor impossível! Nossas ações não param de subir, já comprei as duas instituições que você sugeriu e...
– Não – ergueu a mão interrompendo-o bruscamente. – Não vamos falar de negócios agora, não estamos sozinhos...
– Não?! – perguntou espantado enquanto olhava ao redor.
“Seja o que for procure por Bellatrix ou Noah para ajudá-lo até eu chegar” – sibilou.
Harry abriu os olhos a tempo de ver algo bloqueando o caminho a sua frente, recuou se afastando do braço peludo que tentava alcançá-lo, não teve escolha senão seguir pela passagem desconhecida que sempre estivera bloqueada, uma descida quase vertical para alguma parte desconhecida do castelo.
– Desculpe, o que disse? – ele perguntou confuso.
– Tem algo que esteja precisando? – Voldemort perguntou com urgência.
– Tem... tem uma nova ameaça surgindo na zona leste...
Uma longa queda que o levou até um cômodo pequeno entulhado de prateleiras e sacas de mantimentos. Tentou a porta mas estava trancada, a esmurrou e chamou por Noah porém sabia que seria inútil, se estivesse certo em seus cálculos aquela despensa ficaria dentro da cozinha e não haveria ninguém lá para ouvir.
Podia senti-los mas não tinha como chamar a atenção deles. Procurou nas prateleiras alguma coisa que pudesse usar para abrir a porta.
– Tudo bem – interrompeu-o novamente. – Mande-me os nomes como sempre, e eu cuidarei de tudo. Voltarei em breve com mais calma – caminhou até a parte mais escura da sala. – Até mais, Adam – despediu-se antes de desaparecer silenciosamente.
Harry sentiu quando eles começaram a se aproximar, depois vozes gritando alteradas. Parou aguardando. Pouco tempo depois algo pesado colidiu com a porta. Arfou desanimado, estava ficando cansado de fugir, escalou a prateleira até alcançar a janela e pulou.
A floresta a sua volta era densa e escura ouviu um animal correndo não muito longe, sobrevoou o caminho que o separava da gruta e entrou.
Harry parou observando-o atravessar a passagem, depois correu rodeando o castelo. Era difícil se orientar no escuro, seguiu pela primeira trilha que encontrou. Logo depois viu as casas à sua frente, não era a direção que pretendia tomar mas continuou mesmo assim.
Parou derrapando quando sentiu o chamado, Voldemort já avistava o castelo agora, começou a voltar, mas logo se controlou obrigando-se a parar, o chamado não era para ele mas mesmo assim se sentia impulsionado a atender. Viu algo monstruoso correndo pela trilha em sua direção. Se esforçou para romper a ligação e fugiu em direção à vila.
Não sentiu a presença de ninguém ali. As casas estavam escuras e silenciosas. Olhou para trás quando percebeu que ele não mais o seguia. O lobisomem estava parado no início da rua andando nervosamente de um lado para o outro como se houvesse uma barreira impedindo seu avanço.
Parou para descansar um pouco enquanto o vigiava. Bateu na casa mais próxima e na seguinte, ninguém atendeu, não tinha movimento em lugar algum, começou a ficar assustado. Precisaria apenas de alguém com uma varinha e algum conhecimento de magia.
Olhou ao redor, para o local deserto, como acontecera anteriormente se sentiu impelido a se afastar, aquele lugar nunca o agradara. Olhou novamente para o início da rua, ele não estava mais lá. Colocou-se em alerta, agora não sabia em qual direção seguir, ele poderia estar rodeando o lugar ou escondido esperando que tentasse voltar ao castelo.
Sentiu a presença de um deles e acompanhou urgentemente, com o olhar, o caminho que parecia percorrer atravessando pelas casas, levou um tempo até perceber que ele estava andando por baixo da vila. Aproximou-se de um dos bueiros que estavam em seu trajeto.
Algo saltou de um telhado caindo ao seu lado, no instante seguinte se viu derrubado no chão.
– Foi uma caçada interessante – Greyback comentou como se tivessem acabado de sair de um jogo divertido. Tinha voltado a assumir sua forma humana para conseguir entrar, a vila era protegida contra predadores. – A maioria desiste logo, ficam apavorados demais... Mas você não tem medo, não é mesmo? – escarneceu. – Não pense que somos todos como aquela vergonha que dizem ser um lobisomem, Remo Lupin...
– Você é que é uma vergonha pra ser chamado de homem – pronunciou com dificuldade, tendo o peso de quase cem quilos sobre seu peito.
– Podemos deixar este assunto para depois, Harry, não temos muito tempo.
– Voldemort já está na ilha, você não terá tempo de fugir, é melhor que desista.
– Você acha que me dei a todo esse trabalho para desistir agora? – perguntou despreocupado reparando sua camiseta manchada, começou a tremer mas não conseguia se transformar ali. – Primeiro vamos sair desta ilha, obviamente não poderei mais voltar aqui. – levantou-se puxando-o consigo.
– O que vai fazer? – tentou se libertar enquanto ele o arrastava pela rua, mesmo mancando de uma perna ele era ágil, usou todo o peso de seu corpo para tentar pará-lo.
– Ora, até parece que você não quer sair daqui, esse mundo de fantasia que o Lorde está criando para acariciar o próprio ego... Ouviu isso? – virou-se para ele e apontou para as casas girando o dedo em círculo. – O silêncio dos mortos, presos em seus sonhos encantados – comentou debochado.
– Eles parecem felizes... – tentou distraí-lo, olhou para o céu quando viu as árvores passando abaixo.
– São marionetes agindo por feitiço! Achou mesmo que esse bando de pobres coitados poderiam estar tão felizes confinados aqui? Porém, um destino melhor do que daqueles que são jogados ao mar, sem dúvida...
– Como assim jogados ao mar? – tentou empurrar o mão que estava cerrada sobre seu pulso já dolorido.
– O que você acha que acontece com os trouxas que são “sugados” durante o banquete dos dementadores? – perguntou com um sorriso. – Claro que pra eles não faz mais diferença virar um inferius se já estão mortos...
Harry fincou os pés no chão quando alcançaram as árvores, se entrassem na floresta ele nunca os localizaria lá de cima. O tranco que levou o derrubou no chão. Fenrir praguejou e o ergueu no ar tencionando carregá-lo.
Jogou um punhado de terra contra o seu rosto, libertou-se e correu de volta para a rua, seguiu em direção à trilha que o levaria de volta ao castelo tentando se localizar em relação à imagem que tinha lá de cima. Quando ele surgiu na trilha à sua frente, voltando a bloquear o seu caminho, parou aliviado e ofegante.
– Não me faça perder mais tempo! – rosnou enfurecido. – Poderemos continuar a brincadeira quando sairmos, pelo tempo que você quiser, ou que você tiver, prometo que sua morte não será rápida...
– Espere só um pouquinho – Harry pediu erguendo as mãos enquanto dava alguns passos para trás, se afastando.
– O que você quer? – perguntou espantado enquanto avançava em sua direção.
Harry se jogou no chão e cobriu instintivamente a cabeça. Ouviu apenas o baque surdo e o som de asas cortando o vento. Ergueu-se lentamente e olhou ao redor, estava levando-o em direção ao litoral, deixou que fosse sozinho, não queria ver o que iria acontecer.
Continuou sentado no chão enquanto sentia sua aproximação. Esperou curioso vendo o rato se aproximando, uma das patas se destacava na escuridão com seu brilho prateado. Ele parou à sua frente se erguendo nas patas traseiras. Harry estendeu a mão em sua direção esperançoso, olhou ao redor ansioso enquanto ele roía o bracelete.
Sentiu-se como se tivesse acabado de despertar. Quando se ergueu Rabicho já havia desaparecido, ficou feliz por ele ser como um rato, melhor do que era como homem. Recolheu o bracelete do chão e guardou-o no bolso dos jeans. Correu para floresta e se impulsionou para o alto da copa de uma árvore, sentiu-se vivo novamente. Não demorou a chegar na beira do precipício, agora sabia exatamente o que precisava fazer.
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