Morto




Elisa Vrastani – Magia, Poder e Destino II



 


Ergueu o pequeno corpo, o casaco escorregou dos braços que pendiam inertes. Subiu passando pela abertura feita no telhado, um pássaro levantou voo e desapareceu na noite. Abaixo seus comensais lutavam, alguns jaziam imobilizados, Dumbledore se ocupara em deter cinco dos seus melhores, teria que tentar reavê-los depois. Mais aurores haviam aparecido, mesmo assim, estavam em maior número.


Convocou-os descendo o suficiente para que todos o vissem e ao que carregava. Apreciou satisfeito a expressão de espanto no rosto daquele homem que há tanto tempo se dedicava a atrapalhar seus planos. Poderia se vangloriar perante seu olhar assombrado, mas estava sem tempo.


Lançou um rápido olhar para o corpo ensanguentado em seus braços e após uma última convocação aparatou.


A floresta estava escura, a lua estava escondida entre as nuvens. Avançou rapidamente, seus seguidores o acompanhavam. Uma criatura grande e corpulenta emparelhou com ele farejando avidamente o ar.


– Agora não Fenrir!


Percebia-o cada vez mais distante, estava perdendo muito sangue, a conexão entre eles estava falha, estava se concentrando ao máximo para mantê-la.


Entrou na gruta e percorreu apressadamente o caminho estreito, atravessou o arco. O cheiro da maresia chegou com a brisa fria, um leve estremecimento, quase imperceptível percorreu o corpo em seus braços.


Sobrevoou o caminho que o separava do castelo e entrou por uma das janelas do lado norte, cruzou o Grande Salão e subiu para a torre, onde ficavam seus aposentos.


– Milorde... – Bellatrix o recepcionou assim que entrou na sala, os olhos fixos no corpo em seus braços. – O que aconteceu?


Ela o seguiu quando se encaminhou ao cômodo que tinha montado para seus estudos, pousou-o sobre uma das bancadas e rasgou a blusa, expondo o ferimento. Bellatrix, eficientemente, começou a limpá-lo. Catou na estante o que precisava, misturou rapidamente os ingredientes e despejou o líquido escuro sobre o machucado.


Um gemido escapou dos lábios pálidos, sorriu satisfeito. Sabia que a sensação era desagradável, mas necessária, era preciso eliminar todas as impurezas para não haver infecções. A ferida foi se fechando aos poucos enquanto a tocava.


Acendeu o caldeirão e escolheu mais alguns frascos enquanto Bellatrix o fazia engolir a Poção para Repor o Sangue que havia prontamente providenciado. Iniciou os preparativos, não dispunha de muito tempo.


– Milorde... – Narcisa parou, chocada, diante daquela visão – É que...


– Severo está aqui – ele concluiu.


– Sim... – disse condoidamente, o olhar ainda preso à bancada. – Ele disse que é urgente.


– Peça que espere lá embaixo. – Não desviou a atenção de seu preparo por nem um segundo.


Interrompeu-o apenas por breves instantes para fazer com que ele engolisse um pouco da substância pastosa que tinha misturado.


Voltou rapidamente ao caldeirão lançando de vez em quando olhares para o corpo imóvel que era inspecionado pela sua fiel Comensal.


– Milorde, ele não parece estar melhorando... – ela disse sem rodeios. – Acho que está morrendo...


– Não... não está... – murmurou as palavras lentamente. Afastou-se do caldeirão onde os ingredientes seriam cozidos até atingirem o ponto desejado. Aproximou-se dele e pousou a mão sobre sua garganta.


– Lamento... – ela pronunciou estudando suas feições. – O senhor esperou tanto...


– Pode ir Bella, peça a Snape que venha dizer o que é tão urgente...


Pronunciou as palavras desprovido de emoção. Ela pareceu hesitar um pouco, mas atendeu à sua ordem. Saiu.


Olhou para o caldeirão, a poção borbulhava. Pegou novamente o corpo nos braços e voltou para a sala. Nagini agitou-se no chão, estirou a língua para sentir o cheiro do recém chegado.


Colocou-o sobre a mesa e estudou suas feições pálidas. Percorreu com o dedo a cicatriz em sua testa. Deteve-se examinando atentamente o anel em sua mão, pegou-o, surpreso. Revirou-o entre os dedos enquanto se dirigia à poltrona e sentou-se admirando-o.


Deixou-se tomar pela raiva e frustração. Olhou para o corpo do garoto e procurou se acalmar. Colou o anel no indicador da mão direita, era seu novamente.


– Milorde... – Snape entrou cautelosamente. – Perdoe-me Milorde...


– O que veio fazer aqui? – o cortou friamente.


– Alvo Dumbledore mandou que eu viesse... – aproximou-se devagar, os olhos fixos no corpo sobre a mesa. – Ele pediu que fizesse seu preço, está disposto a pagar qualquer coisa...


– Por um cadáver? – Voldemort desdenhou.


Snape se acercou da mesa e tomou-lhe a pulsação, percorreu o olhar lentamente pelo corpo e tocou onde antes estivera o ferimento, a pele ainda se encontrava irritada.


– Deixe-o Severo – ordenou. – O que foi? Você não parece feliz...


– Alegro-me em ver que conseguiu o que tanto queria, Milorde.


– Mas não era isso o que eu queria. Não o queria morto.


– Permita-me levar o corpo de volta...


– Não. Eu tenho outros planos para ele. – desviou o olhar para Nagini que os observava com curiosidade, ela gostava de estar sempre por perto.


– Mas... Poderá negociar com o Diretor, poderá pedir o que quiser...


– Se ele o quer tanto assim, muito me satisfaz negá-lo. O que ele pensa que ainda quero daquele castelo? – perguntou em desafio acompanhando o gesto de Snape a passar a mão pelo sangue que manchava o rosto pálido, analisando-o. – Agora saia daqui Severo, sua presença está me irritando profundamente!


– Milorde...?! Eu...


– Saia! – ordenou asperamente.


Snape pareceu chocado por breves segundos, depois reassumiu seu autocontrole, fez uma reverência e saiu. Voldemort sorriu, adoraria estar presente quando o Diretor recebesse a notícia. Foi até seu escritório e retornou com a poção.


– Você não gosta dele... – comentou fazendo um corte na palma da mão com a varinha, apertou-a com força deixando que o sangue pingasse dentro da taça, transformando o tom mostarda da poção em branco-gelo. Fechou o corte e pegou o cálice, encostou-o em seus lábios e fez com que bebesse. – Um veneno leve, se sentirá melhor em poucas horas...


Olhou na direção da porta, para a figura que entrava furtivamente, os olhos brilhando diante da visão do corpo coberto de sangue.


– O que quer Fenrir? Por que não está em seu posto? – perguntou com indiferença.


– Vim me oferecer para ajudá-lo... a se livrar do morto... – relatou ansiosamente.


– Está com fome... – deduziu. – Vá caçar, tire o resto da noite se quiser, mas suma daqui.


– Mas eu não mereço uma recompensa, ainda que uma pequena parte?


– Não tenho nada aqui pra você – o olhou friamente. – Saia e não volte até ser chamado! Peça que Bellatrix entre e parta!


Percebeu os lábios dele se retesando num esgar rancoroso. Ele era um incômodo com o qual tinha que conviver. Bellatrix chegou logo depois, acompanhada por Narcisa.


– O que pretende fazer, Milorde? Cremá-lo? – Bellatrix propôs, sua irmã olhava pesarosa para a expressão tranquila em seu rosto jovem.


– Não será necessário. Quero que cuidem dele enquanto providencio para que ninguém mais entre nesta torre sem minha autorização. Verifiquem se há fraturas – pediu seguindo em direção à saída. – Ninguém deve saber que ele ainda vive. Ninguém mesmo, Narcisa.





Aos poucos foi recuperando os sentidos, mexeu-se devagar tomando consciência de cada parte dolorida de seu corpo. Levou a mão automaticamente ao estômago, encolheu-se, aquela parte estava particularmente sensível e dolorida. Tentou se levantar mas estava se sentindo muito fraco.


Ergueu os olhos do livro, no qual procurava informações, e olhou para a porta. Deixou o livro de lado e foi para o outro cômodo, encheu uma taça e subiu.


A claridade entrava por uma janela iluminando todo o cômodo. A princípio não soube de quem era o corpo sobre a cama, não reconheceu as roupas, o rosto pálido e com olheiras. Quando a imagem se tornou mais próxima e nítida surpreendeu-se com a própria aparência. As lembranças ainda estavam confusas em sua mente. Abriu os olhos, suas pálpebras estavam pesadas.


– Finalmente voltou, cheguei a pensar que o veneno o tinha afetado...


– O que aconteceu? – Harry sussurrou roucamente.


– Você caiu do telhado e se feriu.


Voldemort encostou a taça fria em seus lábios enquanto erguia sua cabeça. O gosto era horrível, foi obrigado a beber até a última gota.


– E os outros? Alguém se machucou? – indagou Harry.


– Preocupe-se em sobreviver – Voldemort respondeu rispidamente. – Não houve baixas em nenhum dos lados. – comentou antes de sair.


Continuou sobre a cama, de olhos fechados. Um som distante e ritmado chegava aos seus ouvidos. Ficou observando ele revirar as páginas dos livros e fazer anotações.


Quando tornou a abri-los não soube precisar quanto tempo havia se passado, apoiou-se sobre os cotovelos e buscou mecanicamente os óculos sob a mesa de cabeceira, encontrou-os com facilidade. Passou os olhos pelo local, havia uma porta fechada e outra entreaberta próxima à cama. Reparou nas janelas, no alto, não tinham grades.

Ergueu a blusa e olhou para o próprio abdômen, não continha nenhuma marca, ficou grato por isso. Voltou a repousar a cabeça sobre o travesseiro e levou a mão ao peito, não sentiu o cordão, ele tinha sumido assim como o anel. Algum tempo depois Narcisa entrou carregando uma bandeja com uma tigela cheia com um líquido quente e de cheiro agradável.


– Como está se sentindo? – ela perguntou.


– Fraco... – sussurrou com a voz rouca e cansada.


– Perdeu muito sangue – ela explicou. – Com o tempo vai se sentir melhor, para isso precisa se alimentar.


Sentou-se lentamente e recebeu a bandeja. Tomou todo o caldo desejoso de se livrar daquela sensação de fraqueza.


– Ele pediu que eu providenciasse os seus pertences, não sei se estarão a seu gosto, você e Draco são tão diferentes...


– Ele espera que eu fique aqui por quanto tempo?


– Não sei... – ela examinou seu rosto, estudando-o. – Mas não se preocupe, ele não irá te fazer mal. Passou os últimos meses repassando os detalhes para a sua chegada. A princípio eu não sabia que era pra você, ele não costuma comentar seus planos... nem os motivos...


– Alguma notícia de Hogwarts? – pediu esperançoso.


Narcisa olhou rapidamente para a porta assustada.


– Ele ainda está lá em baixo, preparando alguma coisa... – explicou devolvendo a tigela vazia.


– Como pode saber? Não o subestime, e não faça nada para irritá-lo, ele não é piedoso – comentou com amargura levantando-se. – Não tenho mais permissão para me comunicar com ninguém fora deste castelo.


Ela saiu levando a bandeja. Harry olhou novamente ao redor, tinha achado o corredor e as escadas que subiam para o quarto em que estava parecidos com os de Hogwarts, mas não tinha lhe ocorrido a possibilidade de estar em um castelo.


Levantou-se, as roupas que estava usando lhe caíam sob medida. Abriu o guarda-roupa e encontrou muitas outras, roupas normais, que qualquer adolescente usaria, todas cuidadosamente dobradas e arrumadas. Olhou-o todo à procura de sua varinha, também não estava na mesa de cabeceira, tentou se impulsionar para examinar a parte de cima, mas ainda estava fraco.


Parou em frente à porta semi-aberta, as paredes do banheiro eram rochosas, se contrastando harmoniosamente com o chão de mármore branco, entrou sentindo a pedra fria sob seus pés descalços, examinou o armário, encontrou muitas coisas, mas não o que estava procurando. Depois de um tempo saiu novamente para o quarto e voltou para a cama.


Ficou deitado observando enquanto Voldemort se ocupava com sua poção e anotações. Fechou os olhos, ainda cansado, mas não conseguia dormir enquanto ele se mantinha tão agitado e concentrado no que estava fazendo. Depois de um tempo, Voldemort saiu com outra taça nas mãos. Prestou atenção ao caminho que ele percorria ao se dirigir para o quarto em que estava. Sentou-se observando-o se aproximar.


– Beba, irá se sentir melhor – disse oferecendo-lhe a taça. Harry a olhou desconfiado.


– Você acabou de inventar isso, como pode saber?


– Justamente porque fui eu que a fiz. – disse friamente. Inspirou devagar se controlando, tomou um gole para convencê-lo e voltou a lhe estender a taça.


Harry levou-a aos lábios e bebeu. Seu gosto não era tão ruim quanto ao da anterior.


– Por que se deixou ficar nesse estado de fraqueza? Você não tem se alimentado como deveria, está desnutrido, isso está tornando a sua recuperação mais lenta – reclamou.


– Claro que tenho, eu não quis isso...


– Não tem sentido fome ultimamente, não é? – perguntou interessado.


– Como sabe?


– Eu imaginei que algumas destas coisas pudessem ocorrer, já que nossa ligação está se fortalecendo. Eu não sinto fome nunca, troquei algumas percepções dispensáveis por outras mais úteis...


– Trocou? – perguntou espantado. – Como?


– Quer mesmo saber isso? Agora?


Harry o olhou nos olhos reparando o quanto ainda estava abatido, não conseguiu definir o que estava sentindo, não sabia que diferença teria saber naquele momento ou mais tarde, na dúvida, recusou.


– Mesmo assim tenho que me alimentar se eu quiser continuar mantendo este corpo, e você também.


Passou o resto do dia no quarto, em estado de semi-consciência. Várias vezes mais Voldemort o fez beber da poção, estava tão cansado que acabou adormecendo, nem percebeu o momento que a conexão entre eles se rompeu.





Despertou se sentindo melhor. O dia estava claro, não soube precisar que horas eram, tinha perdido a noção do tempo. Havia uma bandeja na mesa ao lado, comeu o desjejum.

Pegou roupas limpas no armário e se distraiu verificando as coisas que Narcisa havia providenciado, reparou no filtro solar e na loção pós-barba com estranheza. Retirou a blusa e viu uma marca, levemente avermelhada, em seu peito, feita pelo pingente do seu cordão, tentou imaginar o que os amigos estariam fazendo naquele momento, e Sirius, Raven, Dumbledore... tentou não se  atormentar com esses pensamentos.


Saiu do banho e se dirigiu para fora do quarto. Havia apenas mais uma porta no hall, protegida por magia. Desceu as escadas e parou em frente a uma das três outras que havia no corredor, era a única, entre as três portas, que estava aberta, não sentiu a presença de ninguém, entrou.


Lançou um breve olhar para as bancadas e estantes com frascos que lhe faziam lembrar os do aposento do Professor de Poções. Ele tinha estado ali a maior parte do dia anterior, com seus preparos. Foi até o final do aposento e afastou mais a porta corrediça que separava o outro cômodo. Era enorme. Dois corredores formados por estantes repletas de livros conduziam até uma área que continha mesa e cadeiras. Tinha achado o local interessante, agora, vendo-o pessoalmente, achou-o ainda mais.


Voltou para o corredor e o percorreu até o final, atravessou o portal à esquerda e parou observando as luzes coloridas no alto, os raios solares passavam pelo teto de vidro e se refletiam na parede, coloridos como um arco-íris, o vidro era pintado com o pôr-do-sol se refletido no oceano, assim como o teto em Hogwarts. Percebeu então, a origem do som que ouvia, estava próximo ao mar, aquela era a propriedade de Slytherin.


Viu uma mesa comprida em um canto, sofás do outro, tapetes e algumas peças ornamentais, a decoração lhe pareceu familiar. Algo se agitou no chão, próximo a uma poltrona. Nagini estirou a língua em sua direção, afastou-se contornando a mesa.


– Não precisa ter medo dela. Ela não ataca ninguém do castelo.


Assustou-se com o comentário, não havia percebido a aproximação de alguém. Ela carregava a bandeja vazia.


– Sra. Malfoy... Pra onde ele foi?


– O Lorde das Trevas? Quem te disse que ele saiu?


– Se ele não está aqui... Este castelo...?


– Desculpe – ela o interrompeu. – Tenho muitos afazeres lá embaixo, e não tenho permissão para lhe passar informações...


Harry observou ela se afastar admirado, tinham-no deixado sozinho. Olhou em volta ansioso para testar a segurança do local, foi em direção à passagem por onde Narcisa havia saído. Chegou a um hall onde, à direita, uma escadaria larga descia e à esquerda havia um curto corredor. Foi para a escada.


Depois do quinto degrau se chocou contra uma barreira invisível, a analisou por alguns instantes e voltou a subir. Nagini estava parada no topo da escada observando, lançou a ela um breve olhar e seguiu em direção ao corredor mal iluminado. A pouca claridade entrava por uma pequena abertura, no alto, não havia nenhuma porta ali, foi até lá e escalou a parede até a janela, ainda não estava confiante.


Também havia uma barreira ali, imaginou que todas deveriam estar lacradas, ficou um tempo observando o céu azul e as copas das árvores se agitando com o vento mais abaixo. Saltou para o chão reparando em Nagini, agora parada no corredor, o pouso não foi tão suave, ainda estava se sentindo indisposto. Voltou para o hall.


“O que você quer?” – silvou para Nagini que ainda o seguia.


“O que está fazendo?”


“Nada...”


Deu-lhe as costas, voltando para a sala e sentou-se no sofá. Nagini se aproximou e se enroscou no chão ao lado, Harry ficou olhando enquanto ela subia pelo encosto.


“O que você está fazendo?”


“Estou fazendo nada, como você”


“Eu quero fazer nada sozinho!”


Levantou-se e voltou para o corredor, entrou no cômodo que levava à biblioteca e vasculhou as estantes e bancadas em busca de seu cordão, sua varinha ou outra coisa que pudesse ser útil, não tinha visto nenhuma lareira ainda, imaginou que não fosse necessária ali, parecia ser bem quente lá fora, apesar da temperatura interna ser agradável, percebeu que deveria estar muito longe de casa.


Ficou horas examinando os títulos dos livros, parecia ter muita coisa interessante, voltou sua atenção para a janela, também lacrada. Pegou um livro qualquer quando sentiu que alguém se aproximava, ficou fingindo que lia e acompanhando seus movimentos enquanto subia até o alto da torre e descia logo depois.


– Já está bem melhor, pelo o que vejo... – Bellatrix entrou pela porta e foi em sua direção.


– Claro, estar preso aqui me faz muito bem... – ergueu os olhos do livro. Ao contrário da irmã, que preferia roupas claras, ela estava vestindo um longo vestido preto.


Harry reparou no cordão que ela usava.


– Hum... irônico... – disse com um olhar divertido.


– Isso é meu – levantou-se e foi em sua direção. – Pode me devolver?


– Tive que tirar de você, estava queimando a sua pele... – passou os dedos pelo cordão mas não pareceu interessada em lhe entregar. – Qual é a mágica dele? Ainda esquenta de vez em quando...


– É um presente, pode me devolver? – repetiu ansioso.


Narcisa entrou silenciosamente no cômodo, reparou o quanto eram diferentes.


– Presente da namorada? – sondou. – Por que esquenta, o que significa?


– Que... ela está pensando em mim...


– Que gracinha... vai ficar comigo então, não é bom que ela sinta que está pensando nela, já que está morto...


– Trouxe algo para você – Narcisa o avisou.


– Como assim, morto?


Narcisa se encaminhou para a porta e Bellatrix a acompanhou, seguiu as duas de volta à sala. Repetiu a pergunta.


– Foi a mensagem que Severo levou para Hogwarts.


– Snape... – Harry se lembrava vagamente de tê-lo visto ali, mas pensou que tinha sido um pesadelo.


– Coma, nós voltaremos mais tarde.


Ambas saíram deixando-o novamente sozinho. Foi até o hall, Nagini não estava mais por ali. Voltou e sentou-se à mesa ouvindo o som vindo de fora. Comeu o quanto conseguiu, depois tornou a testar a escadaria em busca de alguma falha no escudo, não encontrou nenhuma.


Olhou para o teto perguntando-se se conseguiria sair se quebrasse o vidro, mas não se sentiu disposto a tentar, teve receio de ficar sem forças quando chegasse lá no alto, ainda estava um pouco traumatizado com a última queda, tinha sido muito dolorosa. Voltou para o quarto.


A dor em sua cicatriz o acordou, viu o corredor enquanto o atravessava em direção ao escritório. Desceu algum tempo depois. O castelo estava iluminado por uma luz branca que se desprendia de um fino cabo que percorria por toda a parede na altura do teto. Só então reparou que não tinha encontrado nenhum archote ainda. Entrou no aposento.


– Você tem energia elétrica, como? – pensou que talvez estivessem perto de alguma civilização, mas era improvável.


– Utilizamos a energia solar para gerar eletricidade... – estava estudando os mapas que tinha espalhado pela mesa.


– Como fez isso? Não foi com magia...


– Magia nem sempre é a resposta para tudo.


– Contratou os serviços de uma companhia trouxa... assim, tão simples?


– Simples – Voldemort concordou.


– Pensei que os odiasse...


– Foram muito úteis... Estão lá fora neste momento – comentou.


– Lá fora...moram aqui? – perguntou sem entender.


– Não. Estão em alto mar.


– Hum... – Harry se perguntou o motivo de estarem vivendo em um barco e o que estariam fazendo, reparou o anel em sua mão. – Esta é a propriedade secreta de Salazar Slytherin, não é? – interpretou seu silêncio e sua surpresa como uma afirmação – Durante todos esses anos ninguém descobriu um castelo próximo ao litoral?


– Um litoral não, uma ilha... Quem te falou sobre a propriedade? Dumbledore...? – sugeriu com curiosidade e preocupação.


– Seu avô, Servolo Gaunt...


– Como soube do velho Gaunt? Dumbledore o levou até Little Hangleton?


– Não, eu fui sozinho, quando achei suas anotações com o anel. O Diretor não permitiria... – Harry se esforçou para afastar o sentimento desagradável que surgiu à menção de Dumbledore. – Então, você encontrou o cetro? – tentou dar um ar casual à sua pergunta.


– O que sabe sobre isso? – perguntou com irritação.


Harry lhe falou sobre o que o Sr. Gaunt lhe contara. 


– O cetro era a chave para chegar até aqui?


– Não, não o encontrei ainda. Usei outros meios... – comentou. – Depois de encontrar o anel, logicamente, você o entregou a Dumbledore... – sondou. – E o que mais?


– Nada... – pronunciou atento a qualquer informação que ele deixasse passar.


– E o outro? Como ele conseguiu? – perguntou tentando manter o controle.


– Que outro? – Harry fingiu interesse por um dos livros e o retirou da estante.


– O que não estava no castelo, eu verifiquei que todos os demais estavam em segurança, menos um, como encontraram?


– O medalhão de Slytherin... Eu o encontrei por acaso... – Harry começou a se preocupar com o que estava sentindo. – Pensei que tivesse maior controle sobre seus sentimentos...


Voldemort fechou os olhos e respirou fundo.


– Humanos se deixam conduzir por essas fraquezas tolas, por isso optei por abrir mão delas... – iniciou uma caminhada pelo aposento enquanto retomava o auto-controle e meditava. – Onde Dumbledore te levou? O que acharam?


Harry lentamente balançou a cabeça, informando que não iria falar a respeito. Bellatrix entrou e avisou que a refeição estava servida.


– Obrigado Bella... – observou, em silêncio, ela sair depois se virou para ele. – Vamos.


– Não, não estou... – começou a objetar mas mudou de ideia, o seguiu. – Snape esteve aqui, não é? – perguntou assim que entraram na sala tentando desviar sua atenção para outro assunto.


– Snape... Veio tentar descobrir o que estava acontecendo para contar ao Diretor de Hogwarts...


Voldemort sentou-se à mesa. Só havia dois pratos, Narcisa e Bellatrix tinham deixado o local. Harry se sentou também.


– Você não confia nele... – Harry se surpreendeu com o sentimento de desconfiança que o tomou quando revelou aquilo.


– Não confio em ninguém – disse enquanto se servia. – Snape é uma criatura esquiva e indecifrável, não é de confiança...


– Com certeza não – Harry concordou.


– Dumbledore é um tolo por confiar nele, não consegue enxergar o que ele realmente quer.


– O quê? O cargo de Professor de DCAT? – perguntou olhando-o comer mecanicamente sem apreciar realmente a comida.


– Coma. Deve se alimentar se quiser se recuperar.


Harry se serviu também, era como se tivessem feito isso várias outras vezes, algumas imagens nas quais compartilhava suas refeições com Bellatrix lhe surgiram juntamente com outras de suas refeições na Casa Verde, com Sirius.


– Está tentando acessar minhas lembranças? – perguntou com indiferença.


– Não! Estou...?


– Apenas coma.


– Mas o que o Snape quer é o cargo de Professor de DCAT, não é? – perguntou ansioso por saber mais.


– Ele realmente já quis o cargo, por isso deve tê-lo enfeitiçado, mas agora o que ele mais quer e tem me pedido, na esperança de que eu a qualquer momento me aposse de Hogwarts, é a posição de Diretor.


– Ele quer o lugar de Dumbledore?! – perguntou surpreso.


– Claro que quer, ele gosta de poder e sabe jogar para conquistar isso, agora mesmo, possui uma posição privilegiada entre nós, um elo entre dois inimigos.


– Então ele está mesmo traindo Dumbledore. – Harry afirmou convicto.


– Ele só não está traindo aos seus próprios interesses... Às vezes me pergunto sobre seus reais motivos quando me convenceu de que aquela profecia falava sobre nós dois...


– Do que você está falando? – Harry alarmou-se com a revelação.


– Foi Snape quem me falou da profecia, eu nunca a ouvi, como bem sabe, ela se quebrou quando tentei adquiri-la. Ele me “ajudou” a chegar à conclusão de que era a você que ela se referia – revelou despreocupadamente. – Mas agora, pensando bem, ele pode ter tido motivos pessoais para sugerir isso. Ele odiava seu pai...


– Foi Snape que... – não conseguiu completar, estava chocado, isso significava que Snape o odiava desde que nascera e sempre o quisera morto.


– Só mesmo o velho sentimental do Dumbledore para acreditar que ele estava arrependido por me sugerir isso. Eu não deveria tê-lo ouvido, não deveria ter acreditado no que dizia a profecia...


– Profecias são bobagens! Ele não parece ser do tipo que acredita... – Harry disse observando o próprio rosto se transformar com a raiva que estava sentindo.


– Ele é traiçoeiro, Harry, uma criatura desprezível... – ficou satisfeito sentindo o ódio se solidificando.


– Ele queria a minha morte, a de meus pais...


– Sim, ele é que merecia estar morto agora. Provavelmente deve estar, neste momento, arquitetando sua traição a Dumbledore, a todos que confiam nele!


– Não vou deixar que isso aconteça – declarou enfurecido.


– A única maneira de impedi-lo é matando-o, Harry! Você deveria fazer isso...Pará-lo, de uma vez!


Harry olhou para ele seus olhos vermelhos brilhando intensos, havia ansiedade por baixo de todo o ódio. Balançou a cabeça despertando, levantou-se e massageou a nuca, não estava se sentindo bem.


– Não quero comer mais, não consigo... – afastou-se e sentou-se na poltrona observando o teto e se concentrando no som do mar para se acalmar.


– Tudo bem – Voldemort concordou decepcionado. – Teremos tempo pra isso... – disse afastando o prato com sua refeição, também desistindo.


 


Harry ficou ali até bem depois de Voldemort ter se retirado, voltando para suas pesquisas. Fechou os olhos e permaneceu quieto pensando no que tinha acabado de descobrir. Sentiu sua aproximação hesitante, abriu os olhos reparando que ela o observava.


– Não quer ir dormir no seu quarto? – Bellatrix se aproximou.


– Quero... vai me levar pra casa?


Ela lhe lançou um meio sorriso zombeteiro e se afastou. Não demorou para que a visse entrar na Biblioteca. Subiu para o quarto e desfez a conexão entre suas mentes, recebeu com irritação a dor em sua cicatriz, agora teria que se habituar a isso. Foi até o banheiro molhar uma toalha para por sobre a testa, mas a dor foi aumentando. Sentou-se ao lado da banheira e encostou a testa em seu mármore frio.


– O que está fazendo?


Parou de tentar bloquear sua mente e deixou que a conexão se restabelecesse com alívio.


– O que faz aqui? – reclamou. – Não dá pra ficar tão perto sem estar na sua mente, minha cicatriz...


– Então por que saiu?


– Eu preciso dormir... Você também não sente sono?


– Eu... paro às vezes... – pronunciou após alguns segundos.


Harry o olhou impressionado.


– Enquanto eu estiver aqui prefiro sentir sua presença – Voldemort informou, sua expressão inescrutável. – Não vou me demorar, vai poder dormir assim que eu me for.

– Vai sair de novo? Para onde?


Voldemort ignorou sua pergunta e foi em direção à saída. Harry o seguiu até o quarto.


– Está tentando achar um meio de resolver nosso problema, desfazer essa ligação?


– Estou fazendo tudo o que é necessário. – anunciou antes de se retirar.


Harry suspirou e se arrumou para dormir, depois deitou na cama tentando não prestar atenção ao que ele fazia, em algum momento da noite, por fim, conseguiu adormecer.


Despertou ouvindo o som distante do mar, gostava disso. Comeu o que estava na bandeja ao seu lado e se preparou para descer. Estava novamente sozinho. Passou pelas portas do corredor, os aposentos de Bellatrix e Narcisa, como sempre, lacrados. Depositou a bandeja sobre a mesa da sala e sentou-se entediado. Nagini apareceu vindo da entrada e se aproximou.


“Ainda está fazendo nada?”


“Não... e você? O que estava fazendo?”


“Caçando”


Harry ficou olhando enquanto ela se erguia à sua frente.


“Onde?” – imaginou que ela deveria ter livre acesso a outros cômodos.


Nagini olhou em direção à entrada, levantou-se e foi até lá. Não viu nada diferente, ela se aproximou e virou no pequeno corredor, a seguiu reparando agora a parte inferior da parede de pedra, que era ornamentada com figuras sequencias de serpentes em posições diversas. Abaixou-se ao seu lado examinando a pequena passagem, que antes não notara.


“O que tem aí dentro?”


“Ratos”


Deitou no chão e olhou pela abertura, viu uma fraca claridade ao fundo.


“É maior do outro lado”


Olhou para a parede em busca de um archote, então se lembrou que não existia nenhum.


“Vem, me segue”


Harry hesitou vendo-a sumir pela passagem, mas imaginou que se estivera caçando, não devia estar com fome, entrou. Depois da apertada abertura havia um corredor largo o suficiente para uma pessoa e alto o bastante para se ficar agachado, engatinhou pelo corredor até chegar a um local de aparência abandonada. Flutuou até a janela mais próxima, também estava lacrada.


“Vem aqui”


Harry foi até ela, que estava parada em frente a uma porta fechada observando pela estreita fenda lateral.


“Abre pra mim”


Harry pousou ao seu lado curioso, parecia uma porta corrediça como a da biblioteca, puxou-a mas estava emperrada limpou a sujeira do caminho que ela percorria e puxou novamente até conseguir uma abertura.


“Mais” – reclamou.


“Você quis que eu viesse aqui só pra abrir isso pra você?”


“Sim”


Harry bufou, empurrou com as pernas até conseguir uma abertura decente. Nagini se esgueirou pela estreita passagem que subia fazendo curva.


“De nada” – Harry murmurou vendo-a sumir.


Voltou a atenção ao cômodo e testou cada uma das janelas. Achou a porta de entrada mas não conseguiu abrir, voltou até a rampa por onde Nagini tinha subido, era própria para um réptil assim como o corredor pelo qual tinha chegado, apesar de menor que as passagens da Câmara Secreta se perguntou se não teriam sido construídas para uso de algum monstro de menor porte.


“Nagini!”


Harry a chamou e esperou, mas ela não apareceu, sequer respondeu. Resolveu subir. Após a curva uma fraca luminosidade aparecia no alto, vinda de uma das três passagens que havia ali. Chamou-a novamente e seguiu em direção à claridade.


A luz entrava pelo teto de vidro, seguiu até a pequena mureta e olhou para baixo, a bandeja ainda estava sobre a mesa. O estreito caminho continuava rodeando o cômodo. Foi até onde o teto se curvava para o exterior da torre, ficou maravilhado com o que viu, havia um caminho de pedra que descia em direção ao mar, se perdendo no meio das árvores. Ficou observando as ondas se desmanchando na areia da praia, o som chegava abafado e distante.


Encostou o rosto no vidro tentando ver mais do castelo ao redor, mas não conseguiu ver muita coisa. Era quente ali.


“Você já tinha visto isso?” – perguntou quando Nagini se aproximou.


“Não. Quente...”


Ela se esticou contra o vidro aproveitando a temperatura, fez o mesmo. Ficou deitado observando a praia, os pássaros voando, de vez em quando avistava alguma coisa se mexendo entre as árvores lá embaixo.


Acordou com a cicatriz latejando dolorosamente. O sol estava alto agora, o brilho refletindo no espelho d'água. Contemplou por alguns instantes aquela paisagem e se levantou. Nagini se agitou ao seu lado. Voltou para a passagem por onde tinham vindo.


Parou quando chegou no salão de baixo e observou Nagini passar. Estava subindo a escadaria, se deparou com Bellatrix e Narcisa aguardando-o.


– Ele está aqui – disse a elas. – Em algum lugar ...


– Olha ela aí – Bellatrix apontou quando Nagini surgiu na sala.


– Ela não parece ter atacado alguém – Narcisa observou.


Harry entrou a seguir. Parou por alguns segundos surpreso com sua própria imagem.


– Olhe só pra você! – Narcisa reclamou reparando suas roupas empoeiradas e amarrotadas.


– Onde esteve? – Voldemort perguntou despreocupado.


– Eu estava caçando, com a Nagini... – respondeu com naturalidade ignorando o olhar intrigado de Bellatrix. – E você? Achou alguma coisa?


Voldemort olhou-o de cima a baixo avaliando-o.


– Vai se limpar, você está imundo.


Harry observou frustrado ele voltar ao hall e sair novamente, seguido por Bellatrix. Deixou que a conexão se rompesse enquanto ele se afastava. Narcisa o acompanhou até o quarto e escolheu algumas peças de roupa para ele.


– Cuidado com o que diz. Não faça tantas perguntas, ele não gosta de responder. – Narcisa o alertou lhe passando as roupas limpas.


Harry as recebeu sem dizer nada, não lhe parecia isso, tinha a impressão de que ele gostava de conversar, embora às vezes não respondesse suas perguntas.


Não conseguiu extrair nenhuma informação sobre o que ele estava fazendo.


– E eu? O que vou fazer? – Harry perguntou.


– Nada... – Voldemort mantinha os olhos fixos no pergaminho que estava escrevendo, num idioma que Harry não conhecia. – Só não me atrapalhe. – riscou algumas frases e escreveu outras. – Sabe o que estou fazendo?


– Não, o quê?


– Ótimo...


– Pra quê me trouxe, então? – indagou irritado – Vou ficar preso aqui por quanto tempo?


– Tenho livros suficientes aqui, por que não os estuda, achará muitas coisas interessantes.


Harry olhou para as estantes ao redor sem nenhum entusiasmo.


– Estou cansado de ficar preso e ficar estudando...


– Ora, você não está confinado a um aposento no alto de uma torre, não sei do que está reclamando... – pronunciou sem erguer os olhos.


– Se queria que eu estudasse deveria ter me deixado em Hogwarts! – revoltou-se e se dirigiu para a saída.


Nagini, que estivera deitada aos pés de Voldemort, ergueu a cabeça quando o viu sair e o seguiu.


“Não precisa vir atrás de mim, pode ficar com o seu dono”


“Ele fica muito tempo ali, eu prefiro fazer nada com você”


Harry lhe lançou um olhar desconfiado parando na entrada para a sala, ela parou ao seu lado se erguendo enquanto o fitava nos olhos.


“Tudo bem, vamos...”


 

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