Capítulo Único.

Capítulo Único.



O sol incide indelicadamente por seu corpo lânguido que repousa por entre os meus lençóis, sobre os espessos fios ruivos manchados de ouro de seu cabelo e reluz em seus olhos, dando-lhes um leque de infinitos matizes de verde. Seus lábios esticam num sorriso cínico, atípico de você.


A lua perolada é tão mais suave.


Contudo, você sempre preferiu o sol, em toda sua magnífica crueza. Costuma me dizer que ele nos expõe. Nus em imperfeição, pecado e fraqueza.


Que é genuíno.


Eu apenas solto uma risada sem humor e concordo, pois seus argumentos são completamente válidos.


Mas essa é uma razão para que eu odeie o astro reluzente invés de amá-lo. E ao meditar por alguns segundos, posso até mesmo chegar à conclusão de que tais características podem ser atribuídas a você, igualmente. Sua presença evidencia minhas irregularidades.


Poderia usá-los para justificar a aversão, conspurcada pelo desejo que toma meus olhos ao fitar seu rosto tão similar ao meu, querido irmão. Não é uma aversão comum – o objeto dela não é você. É o que você provoca. Entretanto, culpá-lo por meus pecados seria mentiroso, errôneo e – francamente – desagradável. Orgulho-me deles e alimento-os a cada noite, sob o luar lascivo, ao suspirar contra seus lábios.


Eles têm um gosto peculiar e vívido de sangue, mas desconfio que seja apenas o senso de ironia apurado de minha imaginação, em sutil referência ao nosso laço sangüíneo. Não apenas sangüíneo – ao menos não agora.


Imagino que haja alguma poesia doentia nisso, porém só a encontro escrita, em uma caligrafia confusa, em seus olhos.


Não é uma poesia bonita. Não soa bem.


O sol sussurra seus defeitos a nós dois.


No entanto, agarro as palavras e tento prendê-las a mim. São tudo que eu tenho.


Uma poesia malfeita, minhas desgraças e o sol.


Ah, também há o desespero.


Gritando.


Sufocando.


Ignoro-o. Está escondido nas pontas de meus dedos que rabiscam algo qualquer em sua pele pálida. Elas formigam.


Não posso me livrar deles – nem de você. E não quero.


A sanidade me escapa. A luz ofuscante do sol me irrita.


Esperarei o anoitecer, para a lua nos mascarar com suas sombras, e mais uma vez a poesia será reescrita, numa busca inútil pela perfeição inexistente.


Até que o sol retorne e mostre a repulsa em nossos atos, apenas sinta.

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