Capítulo Único



-Eu o amava, ainda amo.


-Mas, ele... Ele nunca te amou! 


-É. Eu sempre soube disso, mas... Agora não adianta mais nada, não é?


 


 


Harry levantou-se assustado, o coração acelerado e suando horrores. Fitou seu relógio digital que marcava três horas da manhã. Ele suspirou, colocando a mão sobre a testa. Havia sonhado com aquilo de novo, aquele mesmo sonho que o atormentava todas as noites. Olhou para o lado e Gina dormia tranquilamente, suas costas sumindo e descendo de leve enquanto seus cabelos avermelhados se espalhavam pelos ombros. Sorriu, tentando espantar as lembranças do sonho.


Aquilo acontecera há tanto tempo, era chocante o quanto isso ainda o afetava. Mas a lembrança era tão vívida que ainda marcava a sua mente a ferro. Aquela era de longe a sua pior lembrança. E nos sonhos, ela ficava ainda mais vivida, como se ele estivesse revivendo tudo aquilo novamente.


Sentou-se na cama e passou as mãos pelos cabelos. Tinha ficado agitado, aquela noite tinha sido pior do que muitas outras, talvez porque o sonho nunca apareceu tão longo, tão cheio de detalhes, tão real. Procurou seus óculos no escuro, e os encontrou ao lado da varinha. Colocou-o, sua vista entrando em foco, mesmo não fazendo muita diferença já que estavam na escuridão. Esticou o braço, apanhando a sua varinha.


-Lumus. – sussurrou. Uma pequena luz surgindo da ponta, iluminando fracamente o quarto com um tom dourado.


Levantou-se, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho, com medo de acordar a esposa. Calçou seus chinelos e o roupão, caminhando para a sala. A casa parecia estar deserta e o silêncio o sufocava enquanto caminhava pelo corredor. Entrou dentro da sala e tirou os chinelos, enquanto sentia o carpete felpudo sobre seus pés, os esfregou de leve, tentando aquecê-los.


Fitou a porta de vidro que levava para a varanda, com cortinas creme, que deixavam uma pequena fresta por onde entrava a luz da sinaleira da rua. Caminhou até ela e afastou totalmente as cortinas. Na rua nenhum carro passava, o tempo estava fechado e um cobertor de neve se estendia por toda Londres. O inverno dominava completamente a cidade, assim como naquele dia.


Tocou com a ponta dos dedos o vidro gelado, e sua respiração quente contra o plano frio fez a porta ficar embaçada. Limpou-a com a mão, deixando a marca dos dedos que depois de alguns segundos desapareceram. Ele se encarou no reflexo, se lembrando daquele adolescente que era antes de virar um homem. Fitou sua cicatriz, que já não doía mais, e foi impossível não reviver as suas lembranças. 


 


 


Estava feito. Harry sentia que seus joelhos iriam falhar, mas nunca havia se sentindo tão feliz na sua vida. A sua volta tudo se passava em câmera lenta. Os dois feitiços voaram, um na direção do outro, como se competissem qual iria chegar ao seu alvo primeiro. O silêncio dominava o aposento. Todos ofegaram juntos, enquanto Voldemort caia para trás, suas vestes negras balançando e os olhos, vazios e sem vida, focados em algo que ninguém conseguia ver. O corpo caiu no chão de mármore, os braços e pernas estendidos. Um segundo de silêncio, antes dos gritos de vitória começar.


Segundos antes de Harry cair de fraqueza milhares de mãos foram lhe socorrer, choros, gritos, abraços, apertos, a felicidade brotando de cada um deles. Havia vencido, o temível Lord das Trevas havia sido derrotado. Harry viu todos os seus amigos ali, reunidos, toda a esperança havia valido apena, lutar até o último momento. Então Harry percebeu que no meio de todos aqueles rostos felizes, estava faltando um. Esquivou-se dos abraços, alertando a Rony e Hermione que estava cansado e precisava dormir.


Com dificuldade saiu do salão principal, mas em vez de seguir para o dormitório foi procurá-la. Gina... Onde ela poderia estar? Quando mais se afastava do salão o castelo mais silêncioso ficava. Tinha a estranha sensação de que ela não estava lá dentro. Caminhou até a grande porta, e foi para fora do castelo. O silêncio também dominava, mas ele pode ver à margem do lago cabelos longos ondulando contra o vento. Era ela, ele sabia.


Correu até Gina, mas ele estava com uma sensação terrível, sabia que não era um bom sinal. Quando chegou perto da margem parou, com medo de se aproximar. O vento sacudiu as copas das árvores e Gina tremeu no chão, abraçando os próprios joelhos. Uma das mãos da garota brincava na superfície agitada da água, e então uma lágrima caiu no lago 


-Gina...? 


A garota pulou de susto, virando o rosto para trás. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. O rosto dela estava sujo de fuligem, manchado por lágrimas, com profundos arranhões nas maçãs rosadas. 


-Ahh... Olá Harry. 


Harry se aproximou dela e, mesmo inseguro, sentou-se ao seu lado. 


-Ganhamos... Não é? 


-É... – Gina sorriu falsamente. Ele sentiu-se completamente insensível. Gina havia perdido o irmão, e Harry estava tratando o seu luto como se fosse lixo.
-Desculpe-me. – murmurou, fitando o seu reflexo distorcido no lago. – Havia me esquecido... Você deve estar arrasada com o que aconteceu com Fred. 


Os olhos de Gina se encheram de lágrimas novamente e ela abraçou Harry.
-Harry, Harry... – ela sussurrava entre os soluços, o rosto abafado no ombro do amigo. - Como eu consigo ser tão fria?


 Ele não entendeu o que ela quis dizer com aquilo. 


-Como eu consigo só pensar nele, e esquecer completamente do meu irmão? Que eu amava desde que me conheço por gente? Sou uma imprestável.


 Mais choro, e então Harry a afastou dele.


 -Do que você está falando Gina?


 Gina o encarou, engolindo em seco. Ela iria explodir se não contasse para alguém, e Harry seria a melhor pessoa, a pessoa com ela poderia contar, sempre.


 -Você tem que entender Harry, eu o amava.


-Quem?


-Apenas diga que entende. Se fosse possível, eu teria impedido esse sentimento. Mas não consegui, e você não sabe o quanto me arrependo disso.


-Se arrepender de que? Gina, o que está havendo?


 Ela suspirou e enterrou o rosto entre os joelhos.


 -Eu amo ele, amo como a minha vida. Eu não queria esconder isso, mas foi preciso. Eu ia contar... Juro. Mas aconteceram tantas coisas, e vocês não iriam entender.


 Harry segurou Gina pelos ombros e levantou o seu rosto para poder encará-la nos olhos. O arrependimento e a dor da garota transbordavam pelos seus olhos. 


 -Eu o amo. Eu amo Draco Malfoy, Harry...


 Era como se a lâmina gelada de uma faca estivesse atravessando o corpo de Harry.


 -O que...? – sussurrou sem voz, completamente chocado.


-Apenas aconteceu. – Gina fitou o lago, uma lágrima escorrendo pela sua face. – Tentei evitar, mas já era tarde. Eu estava completamente entregue, e ele me dominava... Eu o amava, ainda amo.


-Mas, ele... Ele nunca te amou! – Harry estava completamente chocado, e enfurecido.


Gina encarou-o com repulsa. Queria cuspir palavras de desaforo, mas se controlou. Teria a mesma reação se estivesse no lugar do Harry. Ele nunca entenderia.
-Gina... Como você pode?!


-Não e possível controlar os sentimentos. Se isso fosse possível, eu ainda te amaria.


 Harry sentiu seu coração despedaçar.


 -Eu faria tudo para que isso fosse real. – Harry fitou a mão de Gina apoiada na grama. – Onde ele está?


-Morto.


 Harry a fitou, pasmo.


 -Como você sabe?


 Gina virou seu rosto para Harry. As lágrimas escorriam até o seu sorriso triste.


 -Se não fosse ele, eu que estaria morta.


 Harry sentiu uma ponta de gratidão por Draco, e se odiou por isso. Em um segundo de desespero, Harry segurou a mão de Gina.


 -Me deixe te fazer feliz... – ela o fitou, chocada.


-Eu não te amo Harry, não mais.


-Eu espero.


-Seria errado comigo e com você.


-Não ligo. Quero te ter novamente. Quero que seja feliz mais uma vez.


-Não sei se isso ainda é possível, Harry.


-Apenas uma chance...


 Gina o fitou.


 -Acho melhor não, sinto muito.


 Ela ia afastar a sua mão, mas Harry a segurou com mais força.


 -Seremos amigos, então. Mas saiba, eu sempre estarei ao seu lado, quando você precisar. Quando você quiser voltar para mim.


 Gina encostou sua cabeça no ombro do amigo, que tremeu com o contato.


 -Cada vez me sinto mais suja, principalmente deixando você fazer isso. Mas sou uma pessoa extremamente egoísta, não vou conseguir sobreviver sem você. – eles fitaram suas mãos entrelaçadas por alguns segundos. -Você não irá contar para ninguém, não é? Sobre eu e... Ele.


-Não, será nosso segredo.


-Obrigada. – ela murmurou.


 Ocorreram milhares de minutos de silêncio. As nuvens ficavam cada vez mais negras, ameaçando a chover.


 -Eu te amo. – Harry murmurou, mas Gina nada disse. – Mas você não. – ele sorriu triste.


 Gina soltou-se da mão de Harry se levantando. O fitou de cima, começando a se afastar. Seus longos cabelos ruivos balançavam raivosamente com o vento, escondendo seu rosto infeliz.


 -Sinto muito. – e então ela começou a se afastar.  


 


 


-Pai?


Harry foi retirado de suas lembranças e fitou a porta da sala, chocado. Uma garotinha de cabelos lisos e ruivos o fitava. Ela usava um macacão grosso, de um rosa claro, e de seus olhos cinzas se derramavam lágrimas silenciosas. A criança correu em direção ao pai e se agarrou em suas pernas, quase derrubando Harry.


-Lily, o que houve? – Harry perguntou, preocupado, enquanto acariciava os cabelos da filha.


 Ela não respondeu, apenas enterrava seu rosto nas calças do pai, soluçando violentamente e as molhando. Segurou a criança de seis anos no colo e segurou seu queixo, querendo fitar seus olhos claros.


 -Lily?


-Você promete viver para sempre? – a garota perguntou de súbito, entre os soluços. Harry a encarou chocado.


-Querida, todo mundo morre um dia... – mais lágrimas rolaram e Harry sorriu. – Mas prometo viver mais de cem anos.


-Cem anos é muito pouco. – ela sussurrou abraçando Harry. – Quero que você viva até os mil.


Harry riu acolhendo a filha em um abraço caloroso e fazendo Lily aos poucos se acalmar.


-Mas, porque essa pergunta?


-Tive um pesadelo. – a garota afastou o rosto apenas o suficiente para fitá-lo. – Você tinha morrido, e eu fiquei sozinha.


-Calma. Isso não vai acontecer. – Harry disse tranquilo a abraçando mais uma vez.


-Promete?


-Mas é claro.


 Lily suspirou e fechou os olhos. Harry caminhou até o sofá e se sentou nele, com a filha ainda no colo.


 -Deita. – ele disse e Lily seguiu o seu conselho, colocando a cabeça sobre o seu colo e suas pernas ocupando o resto do sofá.


 Com a varinha ainda em mãos, Harry murmurou um feitiço ligando à lareira. O fogo logo os aqueceu e ele sentiu suas pálpebras começarem a fechar, o sono o chamando. Lily já respirava profundamente, os olhos fechados, quase caindo no sono.


 -Eu te amo. – ela suspirou e Harry acordou de súbito.


 Aquela simples frase o marcou, Lily nunca tinha lhe dito isso, nem algo do gênero. Lágrimas teimosas lhe invadiram os olhos e Harry as enxugou enquanto fitava a filha. Seu melhor presente.


O presente que no começo pareceu sua discórdia, logo virou a sua felicidade. O presente que fora destinado a cuidar. O presente que, ironicamente, foi dado por Draco Malfoy.


  


Fim


 


 

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