Sorrisos

Acordou, mas preferia continuar dormindo. O frio cortante a amaldiçoou logo no primeiro piscar de olhos e ela desejou poder ser outra pessoa. Voltou a deitar, mas desta vez de bruços, enterrando a face no travesseiro, na tentativa de suprimir as lembranças da noite anterior.

Deveria ter esperado menos por ela. Nunca atingiria ao auge da perfeição, visto que sua companhia não era o seu real desejo, mas acreditava que chegaria perto. Prendeu-se nessa crença por achar que poderia despertar alguma coisa por seu companheiro de baile... alguma coisa parecida com a que já despertara por uma outra pessoa. Fracassou, e por isso desejava poder enterrar-se em suas cobertas por um bom tempo.

Tirou forças de alguma parte desconhecida de seu corpo para levantar e encarar a mais um dia de inverno. Vestiu-se com agasalhos pesados, e desceu, agradecendo por ser um dia de folga aos alunos. Seus pés ainda doíam como prova de que dançara na noite anterior, mas seus olhos doíam ainda mais pelas lágrimas agressivas que escorreram um pouco antes de adormecer.

E lá estava ele. Sua aparência não estava muito melhor que a dela. Os cabelos estavam desgrenhados e olheiras profundas encontravam-se abaixo de seus olhos que miravam atentamente sua tijela de cereais. Sua atenção foi desviada ao ouvir o barulho dos passos dela. Automaticamente, sem pensar no que fazia, fixou-se a admirar os olhos vermelhos da garota. Demorou-se um pouco neles, e depois notou o resto. Seus cabelos haviam voltado a cachear, estavam armados e soltos, balançando nas costas. Ele gostava mais deles assim, naturais, do jeito que sempre foram, ou talvez fosse porque lisos o fazia lembrar da noite passada.

Não soube o que fazer de início, ela estava parada inconsciente, encarando-o. Passar reto fora o que decidira antes de descer, mas agora que o encarava tão de perto, e via o nele um igual sofrimento ao dela, parecia uma opção tão remota. Permaneceu parada, esperando alguma reação dele.

E ela veio.

- Eu realmente odeio tudo o que te disse ontem - Ronald murmurou as palavras baixo e lentamente, mas mesmo assim, Hermione conseguiu compreende-las.

- É, eu também as odeio - Ele não conseguiu encará-la depois dessa resposta - Mas acho que gosto muito de você pra deixar que elas afetem em alguma coisa.

As palavras escaparam confiantes. Fora automático, completamente espontâneo. Percebeu que talvez aquela era uma das primeiras vezes em que conseguira falar o que realmente queria. Costumava medir muito suas palavras, mas aquele momento com Ronald pareceu fluir tão naturalmente que esquecera dos cálculos e do raciocino lógico. Era só ela e a sua vontade batendo em seu peito agora.

Sorriu. Com os olhos fechados e cabeça pouco inclinada para baixo, até deixou escapar uma risadinha abafada. Sorriu, e foi o mais sincero sorriso que conseguiu expor. Foi uma mistura de todo o peso e sentimento que carregou naquela noite, agora eles já pareciam tão tolos em comparação ao alívio que sentia ao estar junto dele.

E ele sorriu também. Sentiu que compreendia o gesto da garota, não por ser facilmente de se decifrar, mas porque sentia uma reação recíproca.

E sorriram juntos. Ela abriu os olhos e viu como tudo era fácil quando estava com Ronald Weasley, e como poderia ser ela mesma ao mostrar os dentes com tanta sinceridade, e vê-lo retribuir com a mesma intensidade e significação.

E o sorriso dela foi a melhor coisa que Ronald poderia esperar. Vê-la parada de pé, em frente a ele, com o semblante livre de toda aquela máscara que envolvia Hermione Granger. Sentiu que a conhecia mais do que qualquer um naquele momento, e algo em seu peito afundou, mas não tirou-lhe a vontade de sorrir. Ao contrário, queria rir e gritar, e mostrar a ela todo o alivio que sentia.

Hermione decidiu finalmente sentar-se com ele, com a alegria ainda brincando em seus lábios. E terminaram assim, ou melhor, começaram assim: tomando o café da manhã rindo e agindo como se a melhor coisa tivesse acontecido com eles. A sensação boa roubou a cena das olheiras e da vermelhidão. Ninguém se importa com elas quando um único gesto já demonstra tudo o que é necessário. Pelo menos para Ron e Hermione, nada mais precisou ser dito.

 

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