A Revelação da Túnica
- CAPÍTULO 13 -
A Revelação da Túnica
N |
aquela noite após o jantar, os três garotos subiram novamente apressados para o dormitório da Grifinória, parando apenas quando James notou uma mulher de olhar fixo do fundo da paisagem de um quadro onde algumas donzelas ordenhavam um par de vacas ridiculamente gorduchas. Ele repreendeu a mulher alta e feia, que estava vestida como uma freira, perguntando para o que ela estava olhando. Após um minuto, Zane e Ralf ficaram impacientes e cada um agarrou um dos cotovelos de James e arrastando-o para longe. No dormitório, agruparam-se em torno do malão de James enquanto este o destrancava e retirava a maleta de Jackson. Ele sentou-se à beira de sua cama e os três fitaram o objeto.
- Devemos abrir? - perguntou Ralf.
James assentiu.
- Temos de saber se temos a túnica, não é? Isso me deixou louco o dia inteiro. E se eu estivesse errado e a coisa que estiver dentro for apenas uma das roupas de Jackson? Não consigo evitar pensar que ele seja o tipo de pessoa que carrega uma maleta totalmente sem significado algum por aí apenas para fazer as pessoas ficarem falando sobre isso. Você deveria ter visto como ele estava esta manhã quando ele pensou que tinha pegado eu e Zane. Um louco!
Zane caiu sobre a cama;
- E se não pudermos nem mesmo abri-la?
- Não acho que deva ser assim já que caiu e abriu tão facilmente na aula de D.C.A.T outro dia. - justificou James.
Ralf levantou-se, dando espaço a James.
- Vamos em frente com isso, então. Tente abri-la.
James aproximou-se da maleta e experimentou abrir o fecho. Esperava que isso não funcionasse e estava preparado para tentar toda a gama de Feitiços de Destrancamento e Trancamento que os três conheciam. Ao invés disso, o fecho metálico na parte superior da maleta abriu-se facilmente. De fato, tão facilmente que James estava momentaneamente certo de que se abrira uma fração de segundo ante que ele o tivesse realmente tocado. Ele congelou, mas nenhum dos outros dois garotos pareceu perceber.
- Certo? - suspirou Ralf. Zane inclinou-se sobre a maleta. A boca da mesma abriu ligeiramente.
- Não consigo ver nada dentro. - disse Zane. - Está escuro demais. Abra logo essa coisa, James. É mais sua do que qualquer um de nós.
James tocou a maleta, agarrou as alças, e as usou para abri-la. Ele conseguia ver as dobras da roupa escura. Um cheiro vagamente mofado ficou suspenso no ar. James imaginou que cheirava como o interior de uma abóbora uma semana após o Dia das Bruxas. Então estremeceu quando se lembrou que Luna dissera que a túnica uma vez fora usada para cobrir o corpo de um rei falecido.
A voz de Zane soou baixa e rouca.
- É isso? Não consigo ver o que é.
- Não faça isso. - advertiu Ralf, mas James já havia posto a mão dentro da maleta. Ele puxou a túnica para fora. O tecido se desdobrou facilmente, perfeitamente negra e limpa. Parecia ser enorme. Ralf se afastou quando James deixou a túnica espalhar-se no chão aos seus pés. A última parte saiu da maleta e James percebeu que estava segurando o capuz. Era um capuz enorme, com tranças douradas no colarinho.
Zane cabeceou, o rosto pálido e sério.
- É ela, sem dúvida. O que faremos com isso?
- Nada. - respondeu Ralf firmemente. - Ponha de volta na maleta, James. Essa coisa é assustadora. Consegue sentir a magia que ela contém, não consegue? Aposto que James lançou algum tipo de Feitiço Escudo ou algo do tipo na maleta para contê-la. Se não, alguém teria sentido. Vamos, guarde. Não quero tocá-la.
- Espere. - disse James vagamente. Ele conseguia sim sentir a magia da capa, exatamente como Ralf dissera, mas não parecia assustadora. Era poderosa, mas estranho. O cheiro da túnica mudara assim que James a puxou para fora. O que a princípio cheirava a algo estragado agora simplesmente cheirava a terra, como folhas caídas e musgo úmido, selvagem, até mesmo excitante. James tinha a mais incomum sensação segurando a túnica. Era como se pudesse sentir, nas profundezas de seu ser, o próprio ar no aposento, preenchendo o local como água, jorrando através das fendas na moldura da janela, frio, como um nevoeiro celeste. A sensação se expandiu e sentiu o vento movendo-se em torno da torre pequena onde residiam os dormitórios. Estava vivo, serpeando sobre o teto cônico, canalizando-se nas telhas faltantes e vigas expostas. James lembrou ligeiramente de historias infantis onde Merlin era o mestre da natureza, como ele a sentia e a usava, e como a natureza obedecia a seus caprichos. James sabia que estava experimentando aquele poder de alguma forma, como se estivesse embutido no próprio tecido da túnica. A sensação cresceu e subiu em espiral. Agora James sentia as criaturas do anoitecer: os batimentos cardíacos tamborilantes dos ratos no sótão, mundo púrpuro como sangue dos morcegos na floresta, o sonho indistinto de um urso hibernando, e até mesmo a vida adormecida das árvores e da grama, suas raízes como mãos firmes na terra, unindo-se à vida ante a morte do inverno.
James sabia o que estava fazendo, mas não parecia estar controlando os próprios braços. Ergueu o capuz, colocando-o. A túnica deslizou sobre seus ombros, e no momento em que o capuz se assentou sobre sua cabeça, escondendo seus olhos, James ouviu os gritos amedrontados de advertência de Zane e Ralf. Eles estavam esvaindo, como se estivessem descendo por um túnel longo e silencioso. Sumiram.
Ele estava caminhando. Folhas rangiam sob seus pés, os quais estavam grandes e descalços, cheios de calos. Ele inspirou, preenchendo os pulmões, e seu peito se expandiu como um barril. Estava grande. Alto, com braços musculosos que sentia como jibóias enroscadas e suas pernas estavam tão grossas e robustas como troncos de árvores. A terra em volta estava silenciosa, mas viva. Ele sentia isso através das solas dos pés enquanto andava. A vitalidade da floresta corria dentro dele, fortalecendo-o. Mas havia menos vitalidade do que deveria ter. O mundo mudara, e ainda estava mudando. Estava sendo domado, perdendo sua imensidão e força feroz. Do mesmo modo, seu poder diminuía. Ainda era inigualável, mas havia pontos cegos em sua comunhão com a terra, e estes pontos cegos estavam crescendo, desligando-o pouco a pouco, reduzindo-o. O mundo dos homens estava se expandindo, varrendo a terra, fracionando-a em parcelas e campos insignificantes, rompendo a polaridade mágica da terra selvagem. Isso o enfureceu. Movera-se entre os crescentes reinos dos homens, aconselhando e ajudando, sempre por um preço, mas não previra esse resultado. Seus irmãos e irmãs mágicos não eram de ajuda. Sua mágica era diferente da sua. Aquela que o fazia tão poderoso, que o conectava a terra, também estava se tornando sua única fraqueza. Enfurecido, ele caminhou. Enquanto passava, as árvores falavam com ele, mas até mesmo as vozes florestais das náiades e dríades se turvando. O eco era confuso e fraco, dividido.
À frente dele, revelada apenas à luz da lua, uma clareira se abriu, rodeada por uma depressão rochosa na terra. Desceu até o centro da depressão e ergueu os olhos. O céu cintilante da noite derramou-se sobre a clareira em forma de tigela, pintando tudo de branco-osso. Sua sombra uniu-se a ele, como se fosse meio-dia. Não havia mais lugar para ele nesse mundo. Deixaria a sociedade dos homens. Mas retornaria quando as coisas estivessem diferentes, quando as circunstâncias mudassem, quando mundo estivesse novamente maduro para seu poder. Então redespertaria a terra, reviveria as árvores e seus espíritos, renovaria seus poderes, e com o delas o seu próprio. Não importava. Não podia permanecer mais nessa época.
Houve um ruído, um roçar de passos desajeitados nas proximidades. Havia alguém mais ali, na clareira: alguém que odiava, mas do qual precisava. Ele falou a esta pessoa, e quando o fez, o mundo começou a escurecer, a se esvair.
- Oriente aqueles que sucedem. Mantenha minhas vestimentas, meu trono e meu talismã prontos. Esperarei. Reúna-as novamente no Vestíbulo da Travessia dos Titãs quando o tempo de meu retorno chegar, e eu saberei. Escolhi você para salvaguardar esta missão, Austramaddux, já que como meu último aprendiz, sua alma está em minhas mãos. Você está amarrado a esta tarefa até que ela se complete. Prometa a mim seu juramento.
Fora da escuridão decrescente, a voz falou apenas uma vez.
- É minha vontade e minha honra, Mestre.
Não houve resposta. Ele se fora. Suas vestes cairão ao chão, vazias. Seu báculo oscilou durante um momento, então caiu para frente e, antes que pudesse atingir o solo rochoso, foi pego por uma mão assustadoramente branca, a mão de Austramaddux. Então inclusive a cena desapareceu. A escuridão se comprimiu até definhar. O universo saltou, monstruoso e girando, e restou apenas esquecimento.
James forçou os olhos para abri-los e arfou. Seus pulmões pareciam esmagados como se tivesse passado vários minutos sem respirar. Mãos o agarraram, arrancando-lhe o capuz e tirando-lhe a túnica. A fraqueza caiu sobre James e ele começou a desmoronar. Zane e Ralf o pegaram desastradamente e arremessaram-no em sua cama.
- O que aconteceu? - perguntou James, ainda engolindo grandes quantidades de ar.
- Diga você! - disse Ralf, em tom alto e assustado.
Zane estava rudemente entulhando a túnica de volta na maleta.
- Você colocou essa coisa maluca e puff! Desapareceu. Não é o que eu chamaria de uma escolha sensata, sabe.
- Eu apaguei? - perguntou James, recuperando-se o bastante para se apoiar nos cotovelos.
Ralf se manifestou.
- Apagou nada! Você se levantou e desapareceu! Puff!
- Verdade. - assentiu Zane, vendo James com uma expressão surpresa. - Você sumiu durante três ou quatro minutos. Então ele apareceu. – Zane apontou para o canto atrás da cama de James com um aceno preocupante. James se virou e ali estava a forma semitransparente de Cedrico Diggory. O fantasma olhou para ele, então sorriu e encolheu os ombros. Cedrico parecia um pouco mais sólido das últimas vezes que James o vira.
Zane continuou.
- Ele simplesmente atravessou a parede, como se tivesse vindo procurar você. O Ralf aqui gritou como... bem, eu iria dizer como se ele tivesse visto um fantasma, mas considerando que temos café da manhã com fantasmas na maioria das vezes e aula de História com um todas as terças, a expressão já não parece tão impressionante.
Ralf se pronunciou.
- Ele olhou para nós, e então para a maleta, e então ele, tipo, perdeu a densidade. A outra coisa que sabemos, é que você voltou, exatamente onde estava, parecendo tão branco quanto uma estátua.
James se virou de volta para o fantasma de Cedrico.
- O que você fez?
Cedrico abriu a boca para falar, tentativa e cuidadosamente. Sua voz infiltrou-se no aposento, como se proveniente de uma longa distancia. James não conseguia dizer se estava escutando com os ouvidos ou com a mente.
Você está em perigo. Fui enviado. Eu vi o que estava acontecendo quando cheguei aqui.
- O que foi aquilo? - perguntou James. Tinha uma lembrança turva da experiência em sua memória, mas sentia que relembraria mais quando a magia desaparecesse.
Um Delimitador de Umbrais. Uma magia muito poderosa. Abre um portal dimensional, designado para transmitir uma mensagem ou segredo através de uma grande distância ou tempo. Porém sua força é negligente. Você foi quase engolido.
James sabia que era verdade. Sabia que era. No fim, a escuridão tornara-se extremamente intensa a ponto de consumir, contínua. Ele engoliu o nodo que possuía na garganta e perguntou:
- Como eu voltei?
Eu encontrei você, disse Cedrico simplesmente. Mergulhei no celestial, onde tenho passado bastante tempo desde minha morte. Você estava lá, mas estava distante. Estava partindo. Eu o segui e retornei com você.
- Cedrico, - disse James, sentindo estúpido por ter colocado a túnica, e horrorizado pelo o que quase acontecera. - obrigado por me trazer de volta.
Eu devo isso a você. Devo isso ao seu pai. Ele me trouxe de volta uma vez.
- Ei! - disse James repentinamente, animando-se. - Você pode conversar agora!
Cedrico sorriu, e este foi o primeiro sorriso genuíno que James via no rosto fantasmagórico.
Eu me sinto... diferente. Mais forte. Mais aqui... de alguma forma.
- Espere. – disse Ralf, erguendo uma mão. – este é o fantasma de quem você nos falou, não é? Aquele que seguiu o intruso há alguns meses atrás?
- Ah, sim. - disse James. - Zane e Ralf, este é Cedrico Diggory; Cedrico, estes são meus amigos. Então o que acha que está acontecendo com você? O que está fazendo você se sentir mais aqui.
Cedrico encolheu os ombros novamente.
Pelo que parecia um longo tempo, sentia como se estivesse em algum tipo de sonho. Eu me movia pelo castelo, mas este estava vazio. Nunca tinha fome, sede ou frio e nunca precisava descansar. Sabia que estava morto, mas isso era tudo. Tudo era escuro e silencioso, e não parecia passar dias ou estações. Absolutamente nenhuma passagem do tempo. Então coisas começaram a acontecer.
Cedrico virou-se e sentou sobre a cama, sem deixar marcas no coberto. James, que estava mais próximo, poderia sentir um calafrio distinto emanando da forma de Cedrico. O fantasma continuou.
Houve períodos em que eu me sentia mais ciente. Comecei a ver as pessoas nos corredores, mas eram como fumaça. Não conseguia ouvi-las. Percebi que esses períodos de atividade aconteciam nas horas do dia posteriores à hora da minha morte. A cada noite, sentia-me mais ciente. Notava o passar do tempo, pois isso era o que mais significava para mim, a sensação de transcurso de minutos e horas. Procurei por um relógio, o único que ficava exatamente do lado de fora do Salão Principal, e observei o tempo passar. Ficava mais ciente durante a noite, mas a cada manhã, começava a sumir. Então, certa manhã, exatamente quando eu estava evaporando, perdendo o contato, eu o vi.
James endireitou-se.
- O intruso?
Cedrico assentiu.
Eu sabia que ele não deveria estar ali, e de alguma forma eu sabia que seu tentasse, poderia fazê-lo me ver. Eu o assustei.
Cedrico sorriu novamente, e James pensou que podia ver naquele sorriso o garoto forte e amigável que seu pai conhecera.
- Mas ele voltou. - disse James. O sorriso de Cedrico entristeceu-se em frustração.
Sim, ele voltou. Eu o vi, e assustei-o novamente. Comecei a vigiá-lo nas manhãs. E então, certa noite, ele irrompeu por uma janela. Eu estava mais forte então, mas precisava que alguém mais soubesse que ele estava dentro do castelo. Então vim até você, James. Você tinha me visto, e eu sabia quem você era. Sabia que iria me ajudar.
- Foi na noite que você quebrou a janela o vitral da janela. - disse Zane, sorrindo. - Chutou o cara pela janela como se fosse Bruce Lee. Boa!
- Quem era ele? - perguntou James, mas Cedrico simplesmente sacudiu a cabeça. Ele não sabia.
- Então, são quase sete horas da noite agora. - assinalou Ralf. - Como você está fazendo para vermos você? Não é a hora que você fica mais fraco?
Cedrico pareceu pensar a respeito.
Estou me tornando mais sólido. Ainda sou simplesmente um fantasma, mas pareço estar me tornando meio que mais que um fantasma. Posso falar mais agora. E aquele tempo estranho em que não há nada está menos freqüente. Acho que é como os fantasmas são feitos.
- Mas por quê? - James não pode evitar perguntar. - O que desencadeia a formação de um fantasma? Por que você simplesmente não, sabe, seguiu em frente?
Cedrico olhou atentamente para ele, e James sentiu que próprio Cedrico não sabia a resposta para aquela pergunta, ou ao menos, não tão claramente. Ele sacudiu a cabeça ligeiramente.
Eu ainda não tinha acabado. Tinha tanto para viver. Aconteceu tão rápido e tão de repente... Apenas... não tinha acabado.
Ralf pegou a maleta do Professor Jackson e atirou-a de volta no malão de James.
- Então onde você esteve quando sumiu, James? - disse ele, empoleirando-se ao fim da cama.
James respirou fundo, reunindo as memórias da estranha viagem. Descreveu o sentimento inicial de segurar a capa, como parecia permitir que ele sentisse o ar e o vento, e então os animais e as árvores. Então contou a eles sobre a visão que tivera, de estar dentro do corpo de Merlin, em seus próprios pensamentos. Ele estremeceu, lembrando-se da fúria e amargura, e a voz do servo, Austramaddux, que fez seu juramento para servir até a hora do acerto de contas. Ele recordava vividamente enquanto falava, finalizando ao descrever como a escuridão da noite e envolveu como um casulo, convertendo-se no nada.
Zane ouvia com intenso interesse.
- Faz sentido. - ele finalmente disse em uma voz baixa e temerosa.
- O quê? - perguntou James.
- Como Merlin fez isso. Não percebe? O próprio Professor Jackson falou sobre isso em nosso primeiro dia de aula! - disse excitado. Seus olhos se arregalaram, movendo-se rapidamente de James para Ralf ao fantasma de Cedrico, que ainda estava sentado à beira da cama.
Ralf sacudiu a cabeça.
- Não entendo. Não tenho Tecnomancia esse ano.
- Merlin não morreu. - disse Zane enfaticamente. - Ele desaparatou!
James ficou confuso.
- Não faz sentido. Qualquer bruxo pode aparatar. O que há de tão especial nisso?
- Lembra do que Jackson nos disse no primeiro dia? Aparatação é instantânea para o bruxo que a faz, mesmo que leve pouco tempo para as partes do bruxo se quebrar e se reunirem novamente em um novo lugar. Se um bruxo desaparatar sem determinar seu ponto central, ele nunca vai reaparatar de maneira alguma, certo? Ele simplesmente fica preso no nada para sempre!
- Bem, claro. - concordou James, lembrando da aula, mas sem compreender.
Zane estava quase vibrando de excitação.
- Merlin não desaparatou para um lugar. - disse ele de forma significativa. - Ele desaparatou para uma época e um conjunto de circunstancias!
Ralf e James estremeceram, considerando as implicações. Zane continuou.
- Ao final de sua visão, você disse que Merlin disse para Austramaddux manter as relíquias e observasse o tempo certo. Então quando o tempo chegasse, as relíquias seriam reunidas novamente no Vestíbulo da Travessia dos Titãs. Percebem? Merlin estava estipulando o momento e as circunstâncias para seu reaparecimento. O que você descreveu ao final, James, era Merlin desaparatando no esquecimento. - Zane pausou, pensando duramente. - Todos esses séculos, ele simplesmente esteve suspenso no tempo, aprisionado em qualquer lugar, esperando pelas circunstâncias adequadas para sua reaparatação. Para ele, o tempo não passou absolutamente nada!
Ralf olhou para o malão ao fim da cama de James.
- Então é verdade. - disse ele. - Eles realmente poderiam trazê-lo de volta.
- Não mais. - disse James, sorrindo melancolicamente. - Temos a túnica. Sem todas as relíquias, as circunstâncias não serão adequadas. Eles não podem fazer nada.
Assim que James ouviu a explicação de Zane, fez sentido, especialmente no contexto da visão do Delimitador de Umbrais. Repentinamente, a posse da túnica tornara-se ainda mais importante, e não pode evitar se maravilhar pela extraordinária série de circunstâncias afortunadas que tinham levado eles a obtê-la. Desde a maleta descoberta a tempo por Ralf, à notável efetividade do Visum-ineptio de Zane, James tinha a forte impressão de que ele, Zane e Ralf estavam sendo guiados em sua meta de frustrar a conspiração de Merlin. Mas quem estava ajudando-os?
- A propósito, - disse James ao fantasma de Cedrico, uma vez que Ralf e Zane haviam mergulhado em uma animada discussão sobre a desaparatação de Merlin. - você disse que foi enviado para me ajudar. Quem enviou você?
Cedrico se colocou de pé e começava a desvanecer, mas não muito. Ele sorriu para James e disse:
Alguém que não devo mencionar, embora eu ache que você provavelmente possa adivinhar. Alguém anda vigiando.
Snape, pensou James. O retrato de Snape enviara Cedrico para ajudá-lo quando fora sugado para dentro do Delimitador de Umbrais. Mas como ele soube? James pensou a respeito durante um longo tempo após Zane e Ralf retornarem aos seus próprios aposentos, e o resto dos grifinórios subir as escadas e caírem em suas camas. Contudo, nenhuma resposta veio naquela noite, e finalmente James adormeceu.
Nos dias seguintes, os três garotos retornaram as suas atividades escolares habituais em uma espécie de névoa triunfante. James deixou a maleta de Jackson, com a túnica dentro, trancada em seu malão e protegida com o Feitiço de Trancamento de Zane. Considerando a efetividade do Visum-ineptio na maleta falsa, não tinham sérias preocupações de que alguém estaria procurando pela verdadeira. Jackson continuava a carregar a velha maleta porta-rochas com o rótulo Hiram & Blattwott’s para as aulas e refeições, sem indicação de que imaginava que qualquer coisa estava fora do normal. Além disso, ninguém lançava um segundo olhar ao objeto, já que haviam visto Jackson carregando a maleta com seu nome durante meses. Finalmente, no sábado à tarde, James, Ralf e Zane reuniram-se na sala comunal da Grifinória para discutir os próximos passos.
- Há somente duas perguntas, agora. - disse Zane, inclinando-se na mesa sobre a qual aparentemente faziam suas tarefas escolares. - Onde fica o Vestíbulo da Travessia dos Titãs? E onde está a terceira relíquia, o báculo de Merlin?
James assentiu.
- Estive pensando sobre a última. O trono está sob a guarda de Madame Delacroix. A túnica estava sob a guarda do Professor Jackson. A terceira relíquia deve estar com um terceiro conspirador. Meu palpite é que seja alguém que esteja aqui nos terrenos, uma pessoa interna. E se fosse o sonserino que usou o nome de Austramaddux no videogame portátil de Ralf? Eles deviam estar cientes da trama se usaram o nome, e se estão cientes disso, estão envolvidos.
- Mas quem? - perguntou Ralf. Não vi quem o pegou. Simplesmente sumiu. Além disso, o báculo de Merlin deveria ser bastante difícil de esconder, não? Se for tão grande quanto em sua visão, James, deve ter mais de um metro e meio de altura. Como se esconde algo desse tamanho?
James balançou a cabeça.
- Não faço a menor idéia. Mas ainda assim, cabe a você manter os olhos abertos, Ralf. Como Ted disse, você é nosso infiltrado.
Ralf desmoronou. Zane rabiscou em um pedaço de pergaminho.
- E sobre a primeira pergunta? - disse ele sem erguer os olhos. - Onde fica o Vestíbulo da Travessia dos Titãs?
James e Ralf trocaram olhares inexpressivos.
- Mais uma vez, não tenho idéia. Mas acho que há uma terceira pergunta sobre a qual precisamos pensar a respeito, também.
- Como se as duas primeiras não fossem suficientemente difíceis. - murmurou Ralf.
Zane ergueu os olhos e James viu que ele estava rabiscando o desenho do portal para a Fortaleza da Gruta.
- Qual é a terceira pergunta?
- Por que eles não fizeram nada ainda? - sussurrou James. - Se acreditam que tem todas as três relíquias, por que ainda não foram nesse Vestíbulo, seja lá onde for, para chamar Merlin de volta de seus mil anos de aparatação?
Nenhum deles possuía qualquer resposta, mas concordavam que se tratava de uma questão importante. Zane mostrou seu rabisco, revelando um borrão de notas e diagramas da aula de Aritmancia.
- Andei verificando a biblioteca da Corvinal, mas entre tarefas escolares, aulas, Quadribol, debate e Clube de Constelações, dificilmente eu consigo dois minutos para outras coisas.
Ralf deixou cair a pena sobre mesa e se reclinou para trás, esticando-se.
- A propósito, como é? Você é o único que tem contato com a Madame Delacroix. Como ela é?
- Como uma múmia cigana com pulso. - respondeu Zane. - Ela e Trelawney deviam compartilhar o Clube de Constelações, assim como a aula de Adivinhação, mas optaram por ficar uma com cada ao invés de ensinarem juntas. De qualquer forma, é melhor já que meio que neutralizam uma a outra. Trelawney só nos faz desenhar símbolos astrológicos e olhar os planetas pelo telescópio para ‘averiguar o temperamento e comportamento dos irmãos planetários’.
James, que conhecia Sibila Trelawney como uma amiga de família distante, sorriu pela afetuosa impressão de Zane por ela. Zane continuou.
- Por outro lado, Delacroix nos faz esboçar mapas estelares e medir a cor da longitude de onda da luz das estrelas, calculando o exato momento de algum grande evento astronômico.
- Ah, sim. - lembrou James. - O alinhamento dos planetas. Petra e Ted me falaram sobre isso. Eles têm Adivinhação com ela. Parece que a rainha do vodu é realmente fascinada nesse tipo de coisa.
- Ela é a anti-Trelawney, com certeza. Com ela, isso tudo é matemática e cálculos. Sabemos a data que acontecerá, mas ela quer para calcular o tempo exato até o último minuto. Um trabalho inútil, se quer saber minha opinião. Ela é um pouco excêntrica com isso.
- Ela é completamente excêntrica, se quer saber minha opinião. - declarou Ralf.
- Acho que ela pode estar nos observando. - disse James calmamente. - Às vezes a vejo olhando para mim.
Zane ergueu as sobrancelhas e indicou com os olhos.
- Ela é cega, se você se lembra. Ela não olha para nada, companheiro.
- Eu sei. - disse James, sem recuar. - Mas juro que ela sabe alguma coisa. Acho que ela possui maneiras de ver que não tem nada a ver com seus olhos.
- Não vamos nos assustar. - disse Ralf rapidamente. - Isso já é bastante enlouquecedor. Ela não pode saber de nada. Se ela soubesse, agiria, não é? Então a esqueçam.
No dia seguinte, James, Ralf e Zane foram visitar Hagrid em sua cabana, aparentemente para perguntarem sobre Grope e Prechka. Hagrid estava reconstruindo a carroça que Prechka acidentalmente destruira e estava feliz por uma pausa no serviço. Ele os convidou a entrar e serviu chá e biscoitos enquanto se aquecia próximo ao fogo, Trifino descansando sobre seus pés lambendo de vez em quando a mão abaixada de Hagrid.
- Ah, eles passam por altos e baixos. - disse Hagrid, como se o namoro entre gigantes fosse um curioso mistério. - Durante as férias ficaram brigados por um tempo. Uma discussão de namorados pela carcaça de um alce. Grope queria a cabeça, mas Prechka queria os chifres para fazer jóias.
Ralf parou de soprar o vapor que desprendia de seu chá.
- Ela queria fazer jóias dos chifres do alce?
- Bem, jóias digo eu. - disse Hagrid, erguendo suas palmas enormes. - É uma idéia complicada. Os gigantes usam o mesmo termo para jóias e armas. Acho que é a mesma coisa quando você mede vinte pés de altura. De qualquer forma, eles resolveram esse assunto e agora estão felizes novamente como deve ser.
- Ela está vivendo nas montanhas, Hagrid?
- Claro que está. - disse Hagrid, um pouco repreendedor. - Ela é uma garota nobre, é Prechka. E Grope passa seu tempo em sua cabana na maior parte do dia. Ele fez um ótimo lugar para pôr o fogão e um galpão com bétulas. Estas coisas levam tempo. O amor dos gigantes é... Bem, é uma coisa delicada, sabe.
Ralf meio que tossiu em seu chá.
- Ei, Hagrid. - disse James, mudando o assunto. - Você está em Hogwarts por um bom tempo. Provavelmente, você conhece muitos segredos da escola e do castelo, não?
Hagrid acomodou-se em sua cadeira.
- Bem, claro. Ninguém conhece os terrenos como eu. Exceto, talvez, Argo Filch. Comecei como estudante, sim, muito antes de seu pai ter nascido.
James sabia que teria de ser muito cuidadoso.
- Sim, foi o que pensei. Diga-me, Hagrid, se alguém possui algo realmente mágico e quer esconder em algum lugar do castelo...
Hagrid parou de acariciar Trifino. Lentamente, ele virou sua cabeça de cabelos despenteados em direção a James.
- E posso perguntar o que um aluno primeiranista como você precisa esconder?
- Ah, não eu, Hagrid. - disse James rapidamente. - Outra pessoa. Só estou curioso.
Os olhos negros como besouros de Hagrid cintilaram.
- Sei. E essa outra pessoa, pergunto-me o que deve está tramando escondendo itens sigilosos mágicos aqui e ali...
Ralf tomou um grande e deliberado gole de seu chá. James olhou para a janela, evitando o olhar repentinamente penetrante de Hagrid.
- Ah, você sabe, nada em particular. Só estava curioso...
- Ah, - disse Hagrid, sorrindo ligeiramente e assentindo. - Acho que seu pai, tia Hermione e tio Rony contaram muitas histórias sobre o velho Hagrid. Hagrid costumava deixar escapar alguns detalhes que talvez ele deveria manter em segredo. E são histórias verdadeiras. Posso ser um pouco estúpido, esquecendo o que eu deveria ou não dizer. Talvez você lembre de histórias sobre certo cão chamado Fofo, entre outros, sim? - Hagrid estudou James intencionalmente durante alguns momentos, e então soltou um grande suspiro. - James, meu garoto, eu sou um pouco mais velho do que era. Velhos Guardiões das Chaves não aprendem muito, mas aprendem. Além disso, seu pai insinuou que você poderia se meter em problemas e me pediu para vigiá-lo, assim que ele percebeu que você, eh, pegou emprestada a Capa da Invisibilidade e o Mapa do Maroto.
- O quê? - disse James, atônito, virando-se tão rápido que quase acertava seu chá.
Hagrid ergueu as sobrancelhas espessas.
- Oh. Bem, aí tem. Acho que eu não devia ter dito isso a você. - ele franziu o cenho, pensativo, depois pareceu descartar. - Ah, bem, na verdade ele não me disse para não mencionar.
- Ele sabe? Já?
- James, - sorriu Hagrid. - seu pai é o chefe do Departamento de Aurores, caso tenha esquecido. Falei sobre isso semana passada aqui mesmo, em frente ao fogo. O fato que o deixou mais curioso foi saber se você conseguiu fazer o mapa funcionar, já que grande parte do castelo foi reconstruída. Ele esqueceu de testar quando estava aqui. E então?
Na aventura de capturar a túnica de Merlin, James havia esquecido completamente o Mapa do Maroto. Mal-humorado, ele contou a Hagrid que já havia tentado.
- É para o seu bem, sabe. - disse Hagrid. - Só porque seu pai sabe o pegou, não significa que ele esteja feliz por isso. E pelo que eu pude entender, sua mãe sequer sabe sobre isso. Se tiver sorte, ela não saberá, embora eu não consiga imaginar que seu pai manterá isso em segredo dela por muito tempo. É melhor você manter seu contrabando longe do que escondê-lo nos terrenos. Acredite em mim, James. Itens mágicos suspeitos pela escola podem causar mais problema do que vale a pena causar.
No caminho de volta ao castelo, agasalhado contra o frio tempestuoso, Ralf perguntou a James:
- O que ele quis dizer com fazer o mapa funcionar? O que ele faz?
James explicou sobre o Mapa do Maroto a Ralf, sentindo-se vagamente preocupado e nervoso por seu pai já saber sobre ele ter pegado o mapa e a Capa da Invisibilidade. Sabia que seria descoberto certo ou tarde, mas presumia que receberia um berrador ao invés de uma gozação por parte de Hagrid.
Ralf estava interessado no mapa.
- Realmente mostra todos que estão no castelo e onde estão? Isso é extremamente útil! Então, como funciona?
- Você tem de dizer uma frase especial. Papai me contou bastante tempo atrás, mas não consigo lembra de jeito algum. Vamos tentar uma noite dessas. Agora, não quero pensar nisso.
Ralf assentiu e deixou o assunto. Entraram no castelo pela entrada principal e separaram-se entre escadas que levavam para os sótãos e para os aposentos da Sonserina.
Estava ficando tarde e James achava-se sozinho nos corredores. Era uma noite invernal nublada e sem estrelas. A escuridão se comprimia contra as janelas e sugava a luz das tochas dos corredores. James estremeceu, em parte pelo frio e em parte pela sensação de medo glacial que parecia estar se infiltrando no corredor, preenchendo-o como um espesso nevoeiro que se erguia desde o chão. Apressou o passo, perguntando-se como os corredores estavam tão escuros e vazios. Não estava particularmente tarde e, ainda assim, o ar passava a sensação de silêncio forte como a madrugada, ou ar de uma cripta fechada. Percebeu que estava andando por mais tempo do que o corredor teria permitido. Certamente já deveria ter chegado à passagem com a estátua da bruxa de um olho só naquele instante, de onde ele dobraria à esquerda para a área de recepção que levava às escadas. James se deteve e lançou um olhar de volta ao caminho pelo qual viera. O corredor tinha a mesma aparência de sempre, mas estava, de alguma forma, incorreto. Parecia longo demais. As sombras pareciam estar deslocadas, de alguma forma irritando seus olhos. E então, notou que não havia tochas nas paredes. As luzes estavam penduradas no vazio, fantasmagoricamente, perdendo sua cor do amarelo vacilante para o prateado tremeluzente, o brilho esvaindo enquanto ele observava.
O medo percorreu as costas de James, um frio gelado e inegável. Virou-se tencionando correr, mas seus pés falharam quando viu o que estava à frente. O corredor ainda estava ali, mas os pilares transformaram-se em troncos de árvores. As vigas dos tetos abobadados converteram-se em ramos e videiras, com nada depois além do vasto rosto do céu noturno. Até mesmo o padrão do chão de azulejos fundiu-se formando uma rede de raízes e folhas mortas. E então, diante dos olhos de James, a ilusão do corredor escolar evaporou completamente, deixando apenas floresta.
O vento frio passava rapidamente por ele, açoitando sua capa e lançando seus cabelos para trás de suas têmporas como dedos fantasmagóricos. James reconheceu onde estava, embora da última vez que estivera ali, as folhas ainda estivessem nas árvores e os grilos estivessem cantando em coro. Era o bosque que rodeava o lago, próximo à ilha da Fortaleza da Gruta. As árvores gemiam, friccionando seus galhos ao ritmo do vento, e som era como vozes baixas suspirando enquanto dormiam, envoltas em sonhos febris. James percebeu que estava andando novamente, em direção à orla das árvores, onde os juncos rangiam e golpeavam-se à beira do lago. Um grande bloco escuro erguia-se além, tapando a visão. Quando James se aproximou, aparentemente incapaz de deter seus passos fatigantes, a lua desvelou de um aglomerado de densas nuvens. A ilha da Fortaleza da Gruta revelou-se à luz da lua, e James conteve a respiração no peito. A ilha cresceu. A impressão de uma fortaleza secreta estava mais forte que nunca. Era uma monstruosidade gótica adornada com estátuas sinistras e gárgulas de olhar atravessado, tudo brotado, de alguma forma, das vinhas e árvores da ilha. A garganta do dragão da ponte repousava diante dele, e James se forçou a parar ali antes de pôr um pé sobre ela. Lembrou-se dos dentes rangentes de madeira quando tentaram devorar a ele e Zane. À luz prateada do luar, os portões da outra extremidade da ponte estavam bastante visíveis, assim como as palavras do poema. Quando pela luz da Sulva resplandecer, encontrei a Fortaleza da Gruta. Os portões estremeceram repentinamente e escancararam-se, revelando escuridão como a contida em uma garganta. Uma voz saiu daquele negrume, clara e bela, pura como uma campainha ressonante.
- Guardião da relíquia, - disse a voz. - seu dever foi satisfeito.
Enquanto James permanecia ali observando, olhando para dentro da escuridão da entrada no outro lado da ponte, uma luz se formou ali. Ela se condensou, solidificou-se, e assumiu uma forma. Era, James reconheceu, a forma suave e brilhante de uma dríade, uma mulher da selva, um espírito de árvore. Contudo, não era o mesmo que James conhecera. Aquele possuía um brilho esverdeado. Este possuía um brilho azul celeste. Ela palpitava levemente. Seus cabelos escorriam em torno de sua cabeça como se estivessem em uma correnteza de água. Tinha um tranqüilo e quase amoroso sorriso nos lábios e seus olhos enormes e líquidos cintilavam ligeiramente.
- Você cumpriu sua parte. - disse a dríade, sua voz tão sonhadora e hipnótica quanto a voz da outra dríade, senão mais. - Não precisa mais guardar a relíquia. Esse não é o seu fardo. Traga-a para nós. Somos seus guardiões. Nossa é a tarefa, concedida desde o princípio. Alivie-se deste fardo. Traga-nos a relíquia.
James olhou para baixo e viu que, sem perceber, dera um passo sobre a ponte. A garganta do dragão não se fechara sobre ele. Ergueu os olhos e viu que, na verdade, ela havia se erguido um pouco, dando-lhe as boas-vindas. A junção de árvores caídas que formava a mandíbula rangeu levemente.
- Traga-nos a relíquias. - disse a dríade novamente, e ela ergueu seus braços em direção a James como se tencionasse saudá-lo com um abraço. Seus braços eram desumanamente longos, e quase pareciam se esticar até ele pela ponte. Os dedos eram de um azul tão profundo que quase eram púrpuros. Eram longos e surpreendentemente irregulares. James retrocedeu um passo, afastando-se da ponte. Os olhos da dríade mudaram. Brilharam e enrijeceram-se.
- Traga-nos a relíquia. - disse ela mais uma vez, e sua voz mudou também. O tom melodioso desaparecera. - Não lhe pertence. O poder que ela contém é maior que você, maior do que todos vocês. Traga-nos antes que ela o destrua. A relíquia destrói aqueles os quais não precisa, e não precisa mais de você. Traga-nos antes que ela decida usar alguém mais. Traga-nos a relíquias enquanto pode.
Seus braços longos braços estenderam-se ao longo da ponte e James estava certo de que poderia tocá-los se esticasse suas mãos. Retrocedeu ainda mais, enganchando o tornozelo em uma raiz e tropeçando. Ele virou-se, girando os braços para se apoiar, e caiu contra algo lardo e duro. Pressionou as mãos contra essa superfície e empurrou, endireitando-se. Era uma parede. A poucos metros, uma tocha crepitava em seu suporte. James olhou em volta. O corredor de Hogwarts estendia-se diante dele, aquecido e mundano, como se nunca tivesse sumido. Talvez nunca tivesse. Olhou em outra direção. Ali estava a estátua com a bruxa de um olho só. A sensação de medo sumiu, mas James estava certo de que o que acontecera não fora uma visão qualquer. Ainda podia sentir o frio do vento noturno nas dobras de sua capa. Quando baixou os olhos, havia um pouco de lama seca na ponta dos sapatos. Estremeceu, então se recompôs e correu o restante do caminho que levava às escadas, a qual subiu de dois em dois degraus até a sala comunal.
A única coisa da qual James tinha certeza era que algo queria que ele desistisse da túnica de Merlin. Só não estava certo de que era algo bom. Felizmente, a túnica ainda estava guardada na maleta de Jackson no malão de James. Após a experiência de tocar a túnica, James não tinha planos de retirá-la dali novamente até entregá-la ao seu pai e ao Departamento de Aurores quando chegasse o momento oportuno. O momento ainda não era oportuno, mas seria. Em breve. Por outro lado, não estava pretendia entregá-la a qualquer coisa misteriosa, sendo espírito da árvore ou não. Seguro disso, James alcançou a sala comunal da Grifinória e preparou-se para dormir. Mas, muito tempo depois de se acomodar debaixo de seus cobertores, pensou que poderia no vento que soprava de sua janela, a voz sussurrada, implorando interminável e monotonamente: Traga-nos a relíquia... Traga-nos a relíquia enquanto pode... Isso lhe dava calafrios, e quando dormiu, sonhou com aqueles olhos assombrosos e belos e aqueles braços longos com mãos finas e dedos púrpuros irregulares.
Na sexta-feira seguinte, na aula de Herbologia, James divertiu-se em ver que Neville Longbotton retirara o pessegueiro transfigurado da sala de Transfiguração, onde ficara um tanto incômodo, para por em uma das estufas.
- Tudo isso de uma banana. - confirmou Neville com James após a aula.
- Sim. Aposto que Ralf estava mais surpreso que qualquer um. Ele estava impressionado, mas, na verdade, não acho que ele conheça seu próprio poder. Alguns sonserinos acham que ele é descendente de alguma antiga família bruxa poderosa. Poderia ser, suponho, já que ele nunca conheceu a mãe.
- Trata-se do tipo de coisa que eles pensariam. - disse Neville com uma sinceridade incomum. - Nascidos trouxa simplesmente podem ser tão poderosos quanto qualquer um de uma velha família puro-sangue. Contudo, alguns preconceitos nunca mudam.
James ergueu os olhos para o pessegueiro, que se tornara um tanto enorme apesar do fato de suas raízes ainda estarem retorcidas sem esperança em torno de uma das mesas da sala de Transfiguração. Ele sabia que Neville estava certo, mas não poderia evitar pensar no olhar estampado no rosto de Ralf no dia que este transfigurou a banana. Ralf nunca mencionar, mas James sentia que o poder de Ralf lhe assustava um pouco.
No dia seguinte, o time de Quadribol da Grifinória havia programado uma partida contra os sonserinos. James se sentou na arquibancada da Grifinória com Zane e Sabrina Hildegard. Ralf, com o propósito de manter seus poucos amigos sonserinos, sentou-se na platéia adornada de verde do outro lado do campo. James fez contato visual com Ralf uma vez e acenou. Ralf acenou de volta, mas cuidadosamente, tendo certeza de que não estava sendo visto por seus colegas de casa veteranos.
Abaixo, no campo, os capitães dos times caminharam até a linha central para encontrarem Cabe Ridcully para ouvirem as regras e apertarem as mãos, uma tradição para a qual ninguém mais prestava atenção. James observou Justino Kennely apertar a mão de Tabita Corsica superficialmente. Mesmo de sua posição vantajosa no alto da arquibancada, James conseguiu ver o sorriso adulador e educado no rosto reconhecidamente belo de Tabita. Então ambos viraram-se e caminharam em direções opostas retornando aos seus lugares abaixo das arquibancadas, deixando Ridcully sozinho com o baú de Quadribol.
Zane mastigava alegremente um saco de pipocas que trouxera com ela, tendo convencido de alguma forma um dos elfos domésticos da cozinha prepará-los.
- Será uma excelente partida. - observou ele, olhando a multidão entusiasmada.
- Grifinória contra Sonserina sempre arrasta multidões. - disse Sabrina, alteando a voz acima do barulho. - Nos tempo de minha mãe, todos odiavam a Sonserina porque jogavam sujo. Um cara chamado Miles Bleytchley era o capitão do time, e ele foi jogador do Thundelarra Thunderers por alguns anos até ser demitido da liga por usar uma vassoura trucada.
- Uma o quê? - intrometeu-se Zane. - O que é uma vassoura trucada?
James explicou.
- É uma espécie de trapaça onde um buraco é perfurado no centro da vassoura e algo mágico é enroscado dentro, como a costela de um dragão ou um dente de basilisco. Basicamente, transforma a vassoura em uma varinha mágica. Ele estava usado sua vassoura para lançar Feitios Repelentes e Expelliarmus modificado, fazendo com que o time oponente errasse a goles. Era um trapaceiro astuto.
Enquanto falava, o time da Sonserina saia de seu assento aclamado por sua arquibancada. Damien, sentando na cabine de transmissão com sua na garganta, anunciou o time, sua voz ecoando no ar fresco de janeiro.
- Então, - gritou Zane acima das aclamações. - não parece mais que todos odeiam os sonserinos.
Como previsto, houve aplausos dispersos por todas as arquibancadas. Apenas a arquibancada da Grifinória vaiava e assobiava. James deu de ombros.
- Eles não parecem jogar tão sujo quanto costumavam. Mas ainda botam em campo times extremamente fortes. Existe algo enganador neles que não é tão óbvio quanto costumava ser.
- Eu diria o mesmo. - concordou Zane. - Quando jogamos com os sonserinos antes do feriado, foi a partida mais limpa que joguei em todo o ano. Ridcully mal aplicou uma única falta neles. Ainda assim, havia algo um pouco astuto demais da parte deles. Ou eles são o grupo desprezível mais sortudo que já montou uma vassoura ou fizeram um pacto com o próprio diabo.
James cerrou os dentes.
Do outro lado do campo, Horácio Slughorn, com as bochechas rosadas e agasalhado numa capa de colarinho de couro e chapéu combinando, acenava uma pequena bandeira da Sonserina em uma vareta e gritava encorajamentos para o time de sua casa. Ralf, sentado duas fileiras abaixo dele, aplaudia obedientemente. James sabia que Ralf não gostava muito de Quadribol, apesar da quase estudada atenção que prestava às partidas, e James achava que era porque Ralf, na verdade, nunca poderia escolher um time pelo qual fosse leal. Seus amigos, incluindo Rufo Burton, torciam e assobiavam loucamente.
O time da Grifinória foi o próximo a tomar o campo, emergindo do local abaixo de sua arquibancada, e os espectadores em torno de James irromperam, pondo-se de pé com um salto como uma só pessoa. James gritou junto a eles, sorrindo empolgado, certo de que os grifinórios venceriam. Ele sapateou e gritou até ficar rouco quando o time circulou o campo, acenando e sorrindo.
Os times voaram, entrando em posição. Após instruir os times a jogarem uma parida limpa e assegurar que todos estavam em posição, Ridcully liberou os balaços e o pomo de ouro e atirou a goles no ar. Os jogadores desmoronaram em um enxame, perseguindo os balaços e brigando pela goles. Noé e Tom Squallus, os dois apanhadores, saíram velozmente atrás do pomo, o qual disparou pelos estandartes da Corvinal e sumiu.
Quase que imediatamente, a diferença entre os dois times se tornou evidente. A Grifinória disputava uma partida resumida, baseando-se inteiramente em movimentos cuidadosamente praticados. Justino Kennely podia ser ouvido gritando jogadas e formações sobre a multidão animada, apontando e fazendo sinais. Os sonserinos, por outro lado, parecia possuir um estilo de jogo agradável, quase misterioso que os levava pelo campo como um cardume. Tabita Corsica não gritava instruções de sua vassoura, e, apesar disso, seus jogadores partiam e reagrupavam-se com a precisão de bailarinos.
Por um momento, enquanto em posse da goles, Tabita mergulhou evitando um balaço e simultaneamente atirou a goles sobre o ombro. A bola formou um arco no ar e foi habilmente capturada por um colega de time que estava voando diretamente abaixo dela em uma direção perpendicular. O mesmo jogador passou a goles através do arco central de gol antes mesmo que o goleiro da Grifinória percebesse que Tabita não estava mais com a bola. James suspirou enquanto os sonserinos se colocavam de pé e gritavam vivas. Justino Kennely pareceu querer saltar da vassoura para aliviar a frustração. Ainda assim, após uma hora decorrida da partida, o placar marcava cento e trinta a cento e quarenta em favor da Grifinória, tão suficientemente próximos que a liderança mudara cinco vezes.
- Em uma partida como essa tudo depende dos apanhadores. - gritou Sabrina de forma exuberante, sem tirar os olhos dos jogadores. - E Squallus é novo nessa posição desde que Gnoffton terminou ano passado. Noé seria capaz de apertá-lo contra a parede com a própria vassoura.
Com efeito, a multidão emitiu rugido repentino e James viu que Noé estava ao alcance do pomo. Do outro lado do campo, Tom Squallus se curvava em sua vassoura, expondo os dentes no vento frio e apressando-se para deter Noé. Ele lançou-se entre o amontoado de jogadores, mal evitando o balaço golpeado por Justino Kennely. Apesar da velocidade, James estava confiante de que não havia como Squallus superar Noé. Uma linha dourada e um zumbido de pequenas asas estavam próximos da arquibancada da Grifinória, seguido de Noé por uma fração de segundo. Os ocupantes das fileiras dianteiras inclinaram as cabeças, e logo gritaram animados enquanto Noé executava um vôo difícil, mal esquivando a arquibancada e esticando-se sobre sua vassoura, os braços estendidos. Houve um longo momento onde todos prenderam a respiração, quando Noé pareceu estar muito próximo da pequena bola dourada, a distância diminuindo cada vez mais, a mão de Noé tremendo enquanto a esticava. Então, num alvoroço de capas e vassouras, algo mudou. Noé viu-se forçado erguer subitamente sua vassoura, detendo-se em um giro brusco que o fez perder o controle. Uma nuvem de sonserinos, liderados por Tabita Corsica, deslizava em frente a ele, provenientes de todas as direções, formando uma parede virtual no ar. Noé deparou-se com um sonserino corpulento e saltou, perdendo o controle sobre sua vassoura. Ele caiu para o lado, agarrando o cabo da vassoura com uma mão e permanecendo pendurado abaixo dela. A multidão urrou.
Tabita Corsica lançou-se em disparada pela parede de sonserinos, a qual se abriu para ela como um lírio. Sua capa chicoteava atrás dela e James ficou impressionado ao ver que o pomo voava atrás dela, à sombra de sua capa. O pomo voava para cima e Tabita o seguia quase instantaneamente, inclinada sobre sua vassoura. De alguma forma, sem sequer olhar, estava sombreando o pomo, marcando-o para Tom Squallus. Ele a viu, inclinou-se, e lançou-se atrás dela. Quando ele apareceu do outro lado, sua mão estava erguida e o pomo brilhava dentro dela. A arquibancada da Sonserina urrou barulhentamente. O jogo estava terminado.
Noé balançava abaixo de sua vassoura, atando um pé sobre o cabo. Esforçava-se para se endireitar exatamente quando Ted e Justino Kennely desceram ao seu lado, conversando e gesticulando. James entendia o sentido do que estavam dizendo mesmo que não pudesse ouvir as palavras através das aclamações e vaias. Algo extremamente estranho acontecera, apesar de, na verdade, os sonserinos não terem cometido nenhuma infração. Na grama do campo, Petra Morganstern, que jogava como artilheira, encurralou Cabe Ridcully e apontava energicamente para Tabita Corsica, que ainda estava sobre sua vassoura, sendo parabenizada por seus colegas de time ao lado de Tom Squallus. Ridcully sacudia a cabeça, incapaz de ou relutante em concordar com as alegações de Petra. Não parecia haver recurso algum para os grifinórios, dado que não poderiam provar que algo ilegal acontecera.
- O que em nome do traseiro branco de Voldy foi aquilo? - disse Damien Damasco, abandonando a cabine de transmissão e unindo-se a James, Zane e Sabrina.
Sabrina balançou a cabeça.
- Foi horripilante! Você viu o que eu vi? Corsica bloqueou o pomo! Ela nem o tocava, mas voava exatamente ao lado dele, marcando-o até que Squallus pudesse regular sua vassoura.
- Não há regra contra isso? - perguntou Zane enquanto uniam-se à multidão que deixava as arquibancadas.
- Não faz sentido fazer regras contra coisas que são impossíveis. - disse Damien de mal-humor. - Contanto que ela não o tenha tocado, ela é inocente. Ela nem mesmo estava olhando o pomo. Eu poderia jurar.
Ralf trotava pelo campo quando James e Zane desciam os últimos degraus. Ofegante, ele evitou Sabrina e Damien, cujos estados de ânimo estavam piorando.
- Vocês viram aquilo? - perguntou Ralf, esforçando-se para recobrar a respiração. Parecia extremamente agitado.
- Nós vimos algo, - disse James. - embora eu não tenha certeza se acredito em meus olhos.
Zane foi menos diplomático.
- Os grifinórios acham que seus camaradas trapacearam de alguma forma. Isso vai afetar as finais também. Parece que agora a Corvinal disputará o torneio contra a Sonserina. Esperava que fosse uma partida entre Grifinória e Corvinal.
- Vocês podem esquecer o maldito torneio de Quadribol por um minuto? - disse Ralf, virando-se para encarar os dois à base das arquibancadas. - No caso de terem esquecido, temos coisas mais importantes a pensar.
- Tudo bem, então conte, Ralf. - disse James, tentando não ficar nervoso.
Ralf respirou fundo.
- Você me disse que sou o cara infiltrado, não foi? Então estive vigiando atentamente, procurando por indícios e pistas sobre quem pudesse estar envolvido em toda a conspiração de Merlin, certo?
- E você acha que é hora para discutir isso? - disse Zane, erguendo as sobrancelhas.
- Não, não, está tudo bem. - interrompeu James. - O que você viu, Ralf? Alguma coisa aconteceu na Central Sonserina?
- Não! - disse Ralf com impaciência. - Não na sala comunal ou algo do tipo. Foi exatamente aqui, há poucos minutos atrás! Lembram-se daquilo que deveríamos estar procurando?
- Sim, - disse Zane, ficando interessado. - o báculo de Merlin.
Ralf assentiu de forma significativa. Houve uma aclamação por perto. Os três garotos viraram-se quando os sonserinos deixavam o campo, rodeados por uma multidão de estudantes com cachecóis verdes. Tabita caminhava à frente do grupo, segurando com triunfo a vassoura sobre o ombro.
- Um metro e oitenta ou mais de madeira mágica incomum. - disse Ralf em voz baixa, ainda observando Tabita deixar o campo. - Origens desconhecidas.
- É verdade! - disse James, a compreensão descendo sobre ele. - Tabita disse que sua vassoura era um modelo encomendado, fabricado por um artista trouxa ou algo do tipo! Ela a registrou como artefato trouxa, já que não era um modelo padrão!
- E não há dúvida de que existe algo mágico bastante incomum sobre isso. - adicionou Ralf.
James assentiu.
- Está dizendo o que penso que está dizendo? - perguntou Zane, incrédulo.
Ralf olhou para ele.
- Faz sentido, não faz? É o esconderijo perfeito! Por isso vim correndo quando o jogo terminou. Queria que vocês dois vissem também, e ver se encaixava.
Zane assobiou assombrado.
- E falávamos de vassouras trucadas! Aqui, todo esse tempo, Corsica esteve voando por aí sobre o báculo de Merlin!
James não conseguia tirar os olhos de Tabita enquanto esta chegava ao alto da colina que levava de volta ao castelo. A luz solar invernosa brilhava sobre a extremidade emaranhada da vassoura. Era exatamente o disfarce perfeito para um cabo de madeira altamente mágico de um metro e oitenta. E agora eles sabiam com certeza quem era o terceiro co-conspirador da trama de Merlin, o sonserino fizera o perfil com o nome Austramaddux. O coração de James palpitava com excitação e expectativa.
- Então, - disse ele enquanto os três começavam a seguir os sonserinos a uma distância cuidadosa, retornando ao castelo. - como tiraremos o báculo de Merlin de Tabita Corsica?
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