CAPÍTULO VINTE



CAPÍTULO VINTE


 


Paciente com desilusão, sofrendo de sociopatia, com uma personalidade facilmente influenciável e facilidade para adquirir vícios. Gina jogou o relatório de Minerva para o lado. Não precisava de uma psiquiatra para lhe confirmar que Mirium era uma lunática de carteirinha, sem consciência alguma. Ela já descobrira isso por si mesma.


Também não precisava que lhe dissessem que a jovem demonstrava tendência para as ciências ocultas, baixo quociente de inteligência e possibilidade de se tornar violenta.


A recomendação final de Minerva, para que a paciente se submetesse a testes mais minuciosos e recebesse tratamento como mentalmente incapaz, podia ser sensata, mas não mudava em nada os fatos.


Mirium retalhara um homem a sangue-frio, e provavelmente iria cumprir a sua sentença nos sossegados quartos de uma instituição para doentes mentais.


O detector de mentiras também não servira para muita coisa. Indicou que a acusada estava dizendo a verdade, a verdade como ela a via. Apareceram falhas, pontos em branco, lapsos de memória e idéias confusas.


Tudo isso também se justificava, notou Gina, olhando para os testes de ingestão de drogas, que provava que havia meia dúzia de substâncias ilegais passeando pela sua corrente sangüínea.


- Tenente? - Hermione entrou e esperou até que Gina levantasse a cabeça. - Schultz, da promotoria, acaba de me colocar a par da situação.


- E como estão as coisas?


- A advogada está irredutível. Quer solicitar um teste com o detector de mentiras, mas Forte continua recusando. Schultz acha que ela está querendo atrasar o processo, diz que ela quer quarenta e oito horas para estudar todos os relatórios e provas. Vamos manter Forte preso, já que a fiança foi negada, mas ela continua insistindo. Schultz acha que Forte está pronto para entregar o ouro, mas a advogada o está mantendo sob rédeas curtas.


- Foi Schultz quem lhe passou todas essas informações?


- Sim... bem, acho que ele está tentando ser gentil. Divorciou-se há pouco tempo.


- Ah... - Gina levantou uma sobrancelha -... e aprecia mulheres que usam farda.


- Bem, nesse momento em especial, acho que ele aprecia qualquer ser humano que tenha seios. Enfim, o fato é que Schultz acha que não vamos conseguir mais nada por hoje. A advogada exigiu os direitos que seu cliente tem para um pequeno intervalo de tempo, antes de o processo seguir em frente. Schultz concordou em conversar mais sobre esse assunto amanhã de manhã e foi embora.


- Certo. Talvez seja mesmo uma boa idéia dar-lhes um pouco mais de tempo, para a poeira assentar. Vamos até a casa de Isis. Talvez consigamos sacudi-la um pouco.


- Você amarrou bem o caso por todos os lados. - comentou Hermione, acompanhando o passo de Gina. - Talvez agora consiga relaxar um pouco na festa de logo mais.


- Festa? - Gina parou na mesma hora. - A festa de Luna? É hoje à noite? Ai, que inferno!


- Reação típica de uma mulher louca por festas... - comentou Hermione secamente. - Por mim, mal posso esperar. Os últimos dias têm sido podres...


- Essa história de Halloween é para crianças, coisa inventada para os filhos fazerem chantagem com os pais, a fim de se entupirem de balas e lixo. Um monte de homens e mulheres adultos andando de um lado para outro fantasiados... é embaraçoso.


- Na verdade é uma tradição antiga e muito reverenciada, que tem raízes nas religiões ligadas à terra.


- Não comece!... - avisou Gina, enquanto elas se dirigiam à garagem, lançando um olhar desconfiado para Hermione. - Você não vai realmente vestir uma fantasia, vai?


- De que outra forma posso garantir a minha porção de doces? - disse Hermione tirando um fiapo da parte da frente de seu uniforme.


 


A loja estava às escuras, e o apartamento também. Ninguém atendeu às batidas na porta. Gina avaliou a situação e olhou o relógio.


- Vou ficar aqui de vigia por umas duas horas. Quero falar com ela ainda hoje.


- Provavelmente ela está na cerimônia do sabá.


- Não creio que ela esteja com astral muito bom para dançar pelada, devido às circunstâncias. Vou ficar na área. Pode arrumar condução daqui e ir embora, se você quiser.


- Também posso ficar.


- Não é necessário, Se ela não aparecer em uma ou duas horas, vou direto para a festa de Luna.


- Vestida assim? - Hermione olhou para Gina de cima a baixo, analisando seus jeans desbotados, as botas muito gastas e o casaco surrado. - Não pretende vestir algo mais... festivo?


- Não. A gente se vê lá. - Gina entrou no carro e abaixou o vidro da janela. - E você, que roupa vai usar?


- É segredo. - afirmou Hermione com um sorriso, e foi embora pensando em ir para casa de bonde elétrico.


- Embaraçoso isso... - decidiu Gina, recostando-se no banco e ligando o tele-link. O sistema a conectou automaticamente com Harry, que estava em seu escritório no centro.


- Por pouco você não me pega mais aqui. - disse-lhe ele, reparando no pedaço do volante que aparecia em seu monitor. - Obviamente você não está em casa se aprontando para as festividades desta noite.


- Obviamente não... vou ficar mais umas duas horas por aqui, e depois me encontro com você no apartamento de Luna. Podemos sair de mansinho da festa, mais cedo?


- Dá para ver que você está ansiosa por uma noite empolgante.


- Halloween... - Olhou para um fantasma, um coelho rosa com dois metros de altura e um transexual mutante que naquele momento atravessavam a rua na frente do seu carro. - Não consigo entrar no clima.


- Querida Gina... para algumas pessoas, esta noite é apenas um pretexto para se comportarem de forma tola. Para outras, porém, é um dia muito importante e sagrado. Samhain, o início do inverno celta... o início do ano, a transmutação, com tudo o que é velho morrendo e o novo ainda por nascer. Nesta noite, o véu entre os dois mundos é muito tênue.


- Puxa... - Fingiu um calafrio. - Agora fiquei assustada!


- Esta noite, nós vamos usar a data como desculpa para sermos tolos. Quer ficar bêbada e se entregar a uma sessão de sexo selvagem?


- Sim. - respondeu ela, sorrindo de leve. - Isso me parece muito bom...


- Podíamos começar agora. Que tal um pouco de sexo via tele-link?


- Isso seria ilegal, pois esta aqui é uma linha exclusiva da polícia. Além do mais, nunca se sabe quando o setor de emergências vai entrar na ligação, comunicando algo urgente.


- Então pode deixar que eu não vou descrever o quanto queria passar as mãos em você... ou passear com a minha boca sobre o seu corpo. Nem vou falar no quanto me excita sentir você por baixo de mim, nem na emoção que sinto quando estou dentro de você, que arqueia as costas para trás tentando respirar, ofegante, e puxa meus cabelos com as mãos.


- Não, nem mencione nada disso... - disse-lhe ela, sentindo os músculos das coxas se retesarem e depois relaxarem. - Vou estar com você em menos de duas horas. Nós... ahn... podemos realmente ir mais cedo para casa. Então você vai poder me falar de todas essas coisas.


- Gina...


- Sim?


- Eu adoro você! - Com um sorriso satisfeito e carinhoso, ele desligou.


- Quando será que vou me acostumar com isso? - murmurou ela, soltando um suspiro longo, bem devagar.


O sexo mexia muito com a sua cabeça. Gina jamais encarara o ato como alguma coisa além de uma liberação física necessária e ligeiramente agradável... até conhecer Harry. Ele conseguia deixá-la com a boca seca e carente só com o olhar. Pior ainda era a força que exercia em seu coração, uma garra firme e possessiva que às vezes era reconfortante e outras vezes aterradora.


Ela jamais compreenderia o nível de exigência do amor.


Franzindo o cenho, olhou para trás, para o apartamento que ficava do outro lado da rua. Não fora isso o que ela vira ali? Poder e amor? Isis era uma mulher forte e poderosa. Será que o amor a deixara completamente cega?


Não era impossível, refletiu Gina. Mas era... desapontador, admitiu. Por experiência própria, ela sabia que Harry já passara muito tempo de sua vida quase ultrapassando os limites da lei. Ora, reconheceu, ele na verdade arrombara as portas da lei, diversas vezes.


Sabia que ele havia roubado, sonegado e trapaceado. Sabia que ele já matara... o menino que sofrera abusos nas ruas cruéis de Dublin fizera o que fora necessário para sobreviver e, a partir daí, passara a fazer o que bem queria para lucrar. Ela não podia culpá-lo por nenhuma das duas coisas.


No entanto, se ele aproveitasse hoje em dia o enorme poder que tinha nas mãos e o usasse para matar, o que ela faria? Deixaria de amá-lo? Não estava certa, mas tinha certeza de que reconheceria seus sentimentos. E o código sob o qual vivera até ali não permitiria que ela fizesse vista grossa para um assassinato.


Talvez o código pelo qual Isis pautava sua vida não fosse tão rígido.


No entanto, sentada ali no escuro, sentindo os dentinhos afiados do vento mordiscando as frestas da janela do carro, Gina reparou que não conseguia equilibrar os fatos.


Forte praticamente confessara tudo, lembrava a si mesma. No momento em que se viu confrontado com o manto, com a prova palpável, dera sinais de que ia se render às evidências.


Na verdade, isso não era inteiramente verdadeiro, pensou. Foi quando ela trouxe Isis para o cenário que ele mudara de direção.


Protegendo-a. Servindo de escudo para ela. Sacrificando-se por ela.


Com uma idéia nova dançando em sua cabeça, saiu do carro e atravessou a rua.


Um grande número de pessoas circulava pela calçada, muitas delas usando fantasias. Ao chegar ao outro lado, viu passar um bando de adolescentes ruidosos que emitiam gritos capazes de acordar os mortos. Ninguém prestou atenção a uma mulher sozinha, usando um casaco de couro, que subia as escadas para chegar a um apartamento às escuras.


Parou no alto da escada por um momento, olhando a rua em volta e os edifícios próximos. Aquela era uma região em que as pessoas cuidavam apenas de sua própria vida, decidiu. Além do mais, talvez os vizinhos já estivessem acostumados a ver pessoas, e pessoas muito fora do comum, subindo aquelas escadas e entrando no apartamento.


Para testar sua teoria, Gina tentou abrir a porta. Encontrando-a fechada, simplesmente pegou no fundo do bolso um cartão mestre. Conseguiu abrir a porta em questão de segundos, mas esperou um pouco antes de entrar, preparada para ouvir o disparo de um possível alarme.


Havia, porém, apenas silêncio lá dentro.


Não havia sistema de segurança algum, avaliou, resistindo à tentação de entrar no domicílio. Uma pessoa comum não teria acesso a um cartão mestre, mas havia outras formas de abrir fechaduras não protegidas por sistemas de segurança.


E o apartamento não estivera vazio na véspera? Com Forte e Isis na Central de Polícia, não seria fácil alguém entrar e plantar um manto sujo de sangue em um local bem óbvio?


Gina tornou a trancar a porta e ficou ali em pé, argumentando sozinha. Mirium o acusara. Dissera o nome de Forte ao se ajoelhar no chão, com sangue ainda escorrendo pelas mãos.


Tinha desilusões, era sociopata e facilmente influenciável.


Droga. Gina tornou a descer as escadas, caminhando de volta para o carro. A prova era essa, afinal, não é mesmo? Havia também o motivo e a oportunidade. Tudo conforme ensinava o manual. Ela já estava até com o alegado cúmplice em custódia.


Um cúmplice com o qual Mirium andava dormindo escondido, transando com ele em pleno Central Park e usando sua influência para levá-la à convenção, bem debaixo do nariz de sua rival.


Tudo combinava, disse a si mesma... e era esse o problema. Todas as peças se encaixavam tão bem em seus lugares que até parecia que alguém preparara as arestas para isso. Mas o amor precisava ser deixado de fora da equação... um amor altruísta, devotado e incondicional. Acrescentando esse elemento, as peças começavam a raspar nas bordas e já não se encaixavam mais.


Se havia uma possibilidade mínima que fosse de tudo aquilo ser uma grande armação e Gina estar sendo usada para fazer as contas baterem no final, ela ia descobrir, ah, mas com certeza!... Pensou em ligar para Hermione, e chegou a esticar o braço pela janela do carro para alcançar o tele-link, quando ouviu o grito. Na mesma hora, pulou com a arma na mão e avistou uma figura com manto preto arrastando uma mulher para dentro das sombras de um beco.


- Polícia! - Ela correu para salvar a mulher, gritando: - Para trás!


Ele fez mais do que isso... fugiu. Quando Gina alcançou a mulher, ela estava de bruços, com o rosto no chão e gemendo muito. Colocando a arma no coldre, ela se agachou, perguntando:


- Ele a machucou muito? - Ao virar a mulher de barriga para cima, viu o brilho de uma lâmina. Ela estava pressionando sua barriga e parecia bem amolada e pontiaguda. Ao levantar os olhos, viu o rosto de Selina.


- Tudo o que tenho a fazer é empurrar um pouquinho. - Sorriu Selina. - Bem que eu gostaria de fazer isso, mas por ora... - Sua mão atingiu a garganta de Gina. Ela sentiu a pressão e a pontada um segundo antes de sua visão tornar-se embaçada.


- Agora você vai me ajudar a chegar ao carro. Pelo menos vai parecer isso, se alguém reparar em nós. - Sorrindo, Selina colocou os braços em volta de Gina, mantendo-a tão junto do corpo que parecia que era ela que estava sendo carregada. - Se não fizer exatamente o que eu mandar, suas tripas vão se espalhar por toda a calçada e vou estar longe antes mesmo de você compreender que morreu.


A cabeça de Gina estava zonza e suas pernas pareciam feitas de borracha enquanto Selina a carregava pela calçada em direção ao carro.


- Entre - ordenou Selina - e vá para o lado do passageiro.


Gina se viu obedecendo mansamente, enquanto uma parte de sua mente gritava em protesto.


- Você não é tão esperta, afinal de contas, não é verdade, tenente Weasley? Nem tão cabeça-fria... nós a trouxemos exatamente para onde a queríamos. Sua idiota! Como se coloca essa droga de carro no piloto automático?


- Eu... - Gina não conseguia nem pensar. O medo não conseguia ultrapassar a barreira de névoa que havia em sua cabeça, e o mesmo acontecia com a raiva e com tudo o que aprendera nos treinamentos. Olhou sem expressão para os controles e repetiu: - Automático?


Sua voz foi o suficiente. O veículo estremeceu, o motor entrou em movimento e zumbiu de leve.


- Acho que você não está em condições de guiar, tenente. - Selina lançou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. - Informe o endereço. Vamos para o meu apartamento. Temos uma cerimônia muito especial preparada para você.


Mecanicamente, Gina repetiu o endereço e olhou para a frente, enquanto o veículo entrava em movimento, lentamente.


- Não foi Forte. - conseguiu balbuciar, lutando para voltar ao normal. - Não foi ele!


- Aquele arremedo patético de homem? Ele não conseguiria nem mesmo matar uma mosca pousada em seu pinto... se é que ele tem um... mas ele e aquela bruxa Wicca de araque vão pagar caro. Você já preparou tudo para isso, não?... Eles achavam que podiam salvar a pobrezinha da Alice. Seu vovozinho burro também pensou assim. Veja só onde foram parar... ninguém me desafia e vive para contar a história! Você vai descobrir a dimensão do meu poder em pouco tempo. E vai implorar para que eu a mate logo, para acabar com a agonia.


- Você matou todos eles.


- Todos! Cada um deles... - Selina se inclinou mais para perto de Gina. - E outros... muitos outros. Os que eu gosto mais de matar são as crianças. Elas são tão... macias. Ataquei primeiro o avô, e usei sua maior fraqueza, que era defender as mulheres. Solucei muito, disse-lhe que temia por minha vida... disse-lhe que achava que Alban ia me matar. Então, despejei um pouco das minhas drogas especiais em seu drinque e o matei. Eu queria ver sangue, mas enfim... ver seus olhos no momento em que compreendeu que estava morrendo foi quase tão satisfatório quanto isso. Você já reparou como os olhos morrem primeiro, Weasley? Pois é... eles morrem antes do resto.


- Sim. - A névoa estava se movendo para os cantos de sua mente. Começava a sentir as pernas e os braços formigando enquanto os nervos voltavam lentamente à atividade. - Sim, eles morrem antes...


- E Alice... quase fiquei com pena quando fomos obrigados a acabar com aquilo. Atormentá-la dia após dia era tão excitante! E os pulos de susto que ela dava diante de um gato ou de um pássaro... andróides. Facilmente programáveis. Usamos o gato naquela noite, fizemos com que ele falasse com a minha voz. Estávamos esperando por ela, tínhamos planos para quando ela chegasse, mas a tola saiu correndo para o meio da rua e se matou... bem, agora vamos fazer com você o que havíamos planejado para ela. Veja, já chegamos...


Quando o carro se aproximou do meio-fio, Gina testou a mão, formando um punho com ela. Em seguida, empurrou-a para a frente com força e sentiu o agradável contato com carne e osso. Então a porta se escancarou por trás dela e mãos poderosas apertaram-lhe a garganta.


E o mundo escureceu de repente...


 


- Ela já devia ter chegado... - Embora seu apartamento estivesse cheio de gente, barulho e luzes que giravam loucamente, Luna fez um biquinho com os lábios. - Ela prometeu!


- Ela já deve estar chegando. - disse Harry, conseguindo escapar de ser espetado no traseiro por um touro de roupa vermelha; levantou uma sobrancelha ao ouvir o grito maníaco que avisava: “Toro!” Um anjo passou diante dele em seguida, dançando de forma agitada com um cadáver sem cabeça.


- Estou louca para ver a reação dela diante da nova decoração que Leonardo e eu fizemos aqui no nosso ninho. - Orgulhosa, Luna girou o corpo formando um círculo completo. - Aposto que Gina não vai nem reconhecer seu antigo apartamento, você não acha?


Harry olhou em torno para as paredes pintadas em magenta e complementadas por desinibidas listras cor de cereja e azul forte. A mobília consistia em pilhas de almofadões de tecidos metálicos e cilindros de vidro. Para combinar com o evento, detalhes em laranja e preto estavam espalhados por toda parte. Esqueletos dançavam, bruxas voavam e gatos pretos arqueavam as costas, arrepiando os pêlos.


- Não. - Harry foi capaz de concordar com toda a honestidade. - Gina jamais reconheceria o seu velho apartamento. Vocês fizeram... maravilhas.


- É que adoramos este lugar. Além disso, temos o melhor senhorio do planeta. - Ela o beijou de forma entusiasmada.


- E você é a minha inquilina predileta. - Sorriu ele, torcendo para que o batom roxo que Luna usava não tivesse sido transferido para o seu rosto.


- Você não quer ligar para Gina, Harry? - Com as unhas pintadas no mesmo tom, Luna cutucou o braço dele. - Ponha um pouco de pilha para animá-la.


- Claro. Vá bancar a anfitriã e não se preocupe que eu a trago até aqui.


- Obrigada, então. - Saiu espargindo brilhos pelo ambiente, em seus sapatos vermelhos de salto alto.


Harry se virou para o outro lado, pensando em procurar um lugar calmo para fazer a ligação, e então piscou surpreso diante de uma aparição.


- Hermione? - perguntou.


- Ah... você me reconheceu... - A elaborada maquiagem que aplicara no rosto formou uma expressão triste.


- Mas quase não percebi que era você. - Com um leve sorriso, deu um passo para trás, para poder analisá-la de corpo inteiro.


Cabelos louros e compridos caíam em cascatas por sobre os ombros até o meio das costas e sobre o pequeno sutiã formado por duas formas côncavas representando conchas. Da cintura para baixo, a cor da roupa era verde-água cintilante, e não se via seus pés dentro da cauda.


- Você está adorável, parecendo uma sereia.


- Obrigada. - Voltou a se animar. - Levei séculos para conseguir me aprontar.


- Como consegue andar com os pés presos nessa roupa?


- Há um corte pequeno para os pés saírem, e as dobras da cauda cobrem essa fenda. - Deu uma risadinha. - Isso restringe muito os movimentos. Onde está Weasley? - Esticou o pescoço para procurar em volta. - Quero ver sua reação ao olhar para essa roupa.


- Ela ainda não chegou.


- Não?!... - Como não levara relógio para a festa, deu uma olhada no relógio de Harry. - Já são quase dez horas. Ela ia ficar de vigia em frente à casa de Isis por umas duas horas e depois vinha direto para cá.


- Eu ia ligar nesse instante para ela.


- Boa idéia. - Hermione tentou ignorar a fisgada de nervoso que sentiu. - Provavelmente, está fazendo hora... ela detesta eventos como este.


- Sim, tem razão... - Mas ela não deixaria de aparecer, por causa de Luna, pensou Harry, encontrando um canto um pouco mais calmo. E por causa dele também.


Quando ninguém atendeu ao tele-link, ele invadiu a freqüência exclusiva da polícia e tentou entrar em contato com ela através do comunicador. Ouviu um zumbido leve que indicava que o aparelho estava ligado, mas continuou sem resposta.


- Há algo errado... - comentou ele ao voltar para o lugar onde Hermione estava. - Ela não está atendendo.


- Deixe-me pegar a minha bolsa para tentar falar com ela pelo comunicador.


- Já tentei isso também... - disse ele já com pressa -... e ela também não responde. Ela estava de vigia em frente à Busca Espiritual?


- Sim, estava querendo conversar novamente com Isis... deixe-me sair dessa fantasia que vou procurá-la com você.


- Não vai dar para esperar por você não. - Foi abrindo caminho por entre a multidão, enquanto Hermione se movia com dificuldade a passos curtos, procurando por Neville.


 


A princípio, Gina achou que fora um sonho, quando acordou meio grogue e com calor. Virou a cabeça para o lado e, ao tentar levantar a mão, viu que não conseguia movê-la.


Entrou em pânico. Estava com as mãos amarradas. Ele muitas vezes amarrava as mãos dela em criança. Prendia-a na cama e tapava-lhe a boca com a mão para abafar seus gritos quando a estuprava.


Ela experimentou puxá-las e sentiu a dor vaga e distante das tiras que cortavam seus pulsos. Sua respiração ficou entrecortada quando lutou para se soltar. Suas pernas também estavam presas, amarradas pelos tornozelos, e suas coxas estavam afastadas uma da outra.


Girou a cabeça para trás, tentando enxergar. Sombras enchiam o cômodo, perseguidas pelas chamas bruxuleantes de dezenas de velas. Conseguiu ver o próprio reflexo na parede espelhada, uma imensa superfície de vidro escuro que duplicava as imagens e luzes à sua volta.


Ela não era mais uma criança, e não fora o seu pai que a amarrara.


Tentou fazer o pânico diminuir, mas não adiantou. Nunca adiantava. Ela fora drogada, disse a si mesma. Alguém a levara para ali, tirara todas as suas roupas e a amarrara, completamente nua, sobre uma placa de mármore, como um pedaço de carne.


Selina Cross pretendia matá-la, e talvez fazer coisas piores com ela, a não ser que ela conseguisse manter a mente calma para reagir. Continuava tentando arrancar as tiras que prendiam seus pulsos, girando, empurrando e puxando enquanto forçava a mente a se focar no problema.


Onde ela estava? No apartamento de Selina, era o mais provável, embora não conseguisse se lembrar das coisas muito bem. O clube seria perigoso demais, muito cheio de gente. Era mais privativo ali, naquela sala. A sala onde Alice vira uma criança ser sacrificada.


Que horas eram? Deus, há quanto tempo será que ela estava ali? Harry ia ficar pau da vida. Mordeu o lábio com tanta força ao se movimentar, histérica, que chegou a se cortar com os dentes.


Eles iam dar por falta dela e se perguntar aonde fora? Hermione sabia qual era a sua última localização e iriam procurá-la no local.


E de que adiantaria?


Gina fechou os olhos e esperou até ficar um pouco mais calma. Ela estava por conta própria, mas disposta a sobreviver.


A parede espelhada se abriu para o lado e Selina, envolta em um roupão preto aberto na frente, entrou no aposento.


- Ah, você despertou! Queria que estivesse acordada e bem esperta antes de começarmos.


Alban entrou logo atrás. Usava um manto igual ao de Selina e uma horrenda máscara de javali, com presas à mostra. Sem dizer nada, pegou uma vela grossa e a colocou entre as coxas de Gina. Deu um passo para trás, pegou um athame com cabo em marfim entalhado em cima de uma almofada negra e o levantou com as duas mãos, dizendo:


- Vamos começar!


 


No momento em que Harry abriu a porta do carro, seu tele-link portátil tocou e ele o atendeu depressa.


- Gina?


- Não, aqui é o Jamie. Eu sei onde ela está. Eles a pegaram! Você tem que correr.


- E onde ela está? - enquanto perguntava, Harry se posicionava atrás do volante.


- Com aquela piranha da Selina Cross. Elas a levaram para o apartamento. Pelo menos eu acho que sim. Perdi contato no momento em que eles a arrancaram do carro.


- Perdeu contato...? - Harry não esperou pela resposta e acelerou o carro, voando sobre o tráfego.


- Eu grampeei o carro dela. Queria saber o que estava rolando. Instalei um transmissor e ouvi um monte de coisas agora à noite. Selina mandou que ela colocasse o carro no piloto automático e ordenasse o endereço da casa dela. Weasley devia estar drogada, ou algo assim, porque a voz dela estava estranha. Cross contou como matou meu avô e Alice. - Sua voz começou a se engasgar por causa das lágrimas. - Ela matou os dois... e mais um monte de crianças... nossa!


- Onde você está?


- Na rua, na porta do prédio de Selina. Vou entrar.


- Não, fique longe de lá. Droga, faça o que estou lhe dizendo... Fique fora de lá! Chego aí em dois minutos. Chame os tiras. Dê um alarme de incêndio, ladrão, qualquer coisa, mas faça com que eles cheguem aí. Você me compreendeu?


- Ela matou minha irmã... - a voz de Jamie de repente se tornou calma e fria -... e eu vou matá-la.


- Fique fora de lá! - repetiu Harry, xingando quando o menino desligou. Tentando se controlar, ligou para Luna, e mandou chamar Hermione no instante em que a ligação foi atendida, em meio a gargalhadas. Já estava estacionando na entrada do edifício de Selina quando Hermione atendeu.


- Harry, Neville e eu estamos indo para a Busca Espiritual neste...


- Ela não está lá, Selina a capturou! Gina deve estar em seu apartamento. Acabei de chegar e vou entrar.


- Caramba Harry, não cometa nenhuma loucura! Vou mandar uma patrulha para aí... Neville e eu já estamos indo.


- Há um menino lá dentro também. É melhor vocês correrem.


Sem arma alguma, a não ser a sua sagacidade e a sua coragem, Harry correu em direção à porta do prédio.


 


Eles entoavam cânticos em volta de seu corpo. Alban acendera o fogo debaixo de um caldeirão preto e a fumaça que saía dele era densa e exageradamente doce. Selina se livrara do manto e espalhava óleo por todo o corpo.


- Alguma vez você já foi estuprada por uma mulher, Weasley? Vou machucá-la quando fizer isso. E ele também. E não vamos querer que você morra depressa, como fizemos com Lobar, ou do jeito que mandamos Mirium matar Trivane. Vai ser lento e indescritivelmente doloroso.


A mente de Gina estava clara agora, brutalmente clara. Seus pulsos ardiam e as tiras cortavam-lhe a própria carne, enquanto ela continuava tentando se soltar.


- É assim que invoca seus demônios? Sua religião é uma fraude. Você simplesmente gosta de estuprar e matar, e isso a transforma em uma degenerada, como qualquer um dos vermes que rastejam na sarjeta.


Selina levantou a mão e esbofeteou Gina com força, gritando:


- Quero matá-la agora!


- Logo, meu amor. - cantarolou Alban. - Não vamos desperdiçar esse momento por causa da pressa.


Pegou uma caixa e tirou lá de dentro um galo jovem, todo preto. O animal cacarejou e guinchou, batendo as asas quando foi seguro pelas patas sobre o corpo de Gina. Em seguida, Alban começou a falar algo em latim, com a voz ligeiramente musical, enquanto pegava a faca e cortava fora a cabeça do animal. Sangue esguichou, cobrindo o busto de Gina. Ao lado dela, Selina gemia, em êxtase.


- Sangue para o Mestre. - entoou ela.


- Sim, meu amor. - Alban se virou para Selina. - O Mestre precisa de muito sangue. - Nesse momento, com determinação, em um movimento rápido e inesperado, enfiou a faca na garganta de Selina. - Você tem sido tão... entediante. - murmurou ele, vendo-a cair para trás, a respiração borbulhando de sangue, enquanto agarrava a garganta com as mãos. - Muito útil, mas enfadonha.


Quando ela despencou, imóvel, Alban passou por cima do seu corpo sem vida, tirou a máscara do rosto e a colocou de lado, dizendo:


- Chega de pompa e de rituais. Selina é que gostava disso. Acho todo esse cerimonial sufocante e restritivo. - Sorriu, cheio de charme. - Não pretendo fazê-la sofrer. Não há necessidade.


O fedor de sangue era nauseante. Usando toda a sua força de vontade, Gina se concentrou no rosto dele, perguntando:


- Por que você a matou?


- Ela já deixara de ser útil. Era insana demais, entende? Acho que vivia com muitas substâncias químicas na cabeça, além de ter uma personalidade defeituosa. Imagine que ela gostava que eu batesse nela antes de fazermos sexo. - Balançou a cabeça. - Às vezes, eu até que gostava daquilo... pelo menos das surras que lhe dava. Ela tinha muito talento com elementos químicos. - Com ar distraído, passou a mão para cima e para baixo pela barriga da perna de Gina. - Descobri que, com o incentivo apropriado, encaminhando-a na direção certa, ela era também uma mulher de negócios especial. Conseguimos juntar uma enorme quantidade de dinheiro ao longo dos últimos dois anos. Além, é claro, das contribuições dos membros. Tem gente disposta a pagar quantias absurdas de dinheiro por sexo e pela possibilidade de imortalidade.


- Então, tudo não passava de uma armação.


- Ora, fala sério, Gina... invocar demônios, vender a alma. - Gargalhou deliciado. - Foi o melhor golpe que eu já apliquei na vida, mas atingiu o seu pico e estava começando a ficar decadente. Quanto a Selina... - olhou para baixo, passando o polegar de forma distraída pelo queixo -... ela começou a levar tudo aquilo muito a sério. Realmente acreditava que tinha poderes. - Olhou para o corpo esparramado no chão com um ar de pena e diversão. - Acreditava que conseguia ver as coisas na névoa e invocar o demônio. - Tornou a sorrir, girando o indicador diante da têmpora, no clássico sinal para descrever gente lunática.


Uma armação desde o princípio, pensou Gina, nada além de uma fraude, um golpe produzido com sofisticação, visando unicamente ao lucro.


- A maioria dos pilantras não usa sacrifícios humanos em seus esquemas e armações.


- É que eu não sou como a maioria dos pilantras, e algumas cerimônias realísticas serviam para manter Selina na linha. Ela acabou tomando gosto pelo sangue. E eu também. - admitiu. - Acho que isso tem o poder de viciar... tirar a vida de uma pessoa é algo poderoso, uma coisa excitante! - Deixou o olhar passear pelo corpo de Gina, apreciando suas linhas esbeltas e sutis. Selina tinha curvas voluptuosas, quase no limite do exagero. - Parece que vou possuir você, afinal. Seria um desperdício não fazê-lo.


Tudo dentro dela reagiu com revolta diante daquela idéia.


- Foi você que fez sexo com Mirium, foi você que a mandou matar Trivane, depois de ela ter se infiltrado entre os wiccanos.


- Mirium é a mais maleável das mulheres. Além disso, sob indução química e com o auxílio de sugestões hipnóticas, a sua memória se torna admiravelmente seletiva.


- Não era Selina... nunca foi. Esse foi o meu grande erro de avaliação. Você não era o seu cãozinho ensinado... ela é que era o seu.


- Sim, agora você acertou em cheio. Ela estava perdendo o controle das coisas. Eu já percebera isso há algum tempo. Matou o tira por conta própria. - Apertou os lábios, demonstrando irritação. - Aquilo é que levantou a lebre, e foi o começo do fim de tudo, o começo do fim dela. Ele jamais conseguiria nos pegar. Selina devia tê-lo deixado rodando a esmo, até desistir.


- Nesse ponto, você se engana. Frank jamais desistiria.


- Agora nada disso importa, não é? - Ele se virou para o lado, e pegou um pequeno frasco e um aparelho de injeção por pressão. - Vou lhe aplicar só um pouquinho para não deixá-la tão agitada. Você é realmente um tesão... posso fazê-la curtir o momento em que vou estuprá-la.


- Não existem drogas no mundo capazes disso.


- Você está enganada... - murmurou e caminhou em sua direção.


 


Harry teve que se controlar para não entrar correndo no apartamento. Se Gina estava ali dentro e em perigo, sua pressa poderia fazer mais mal do que bem. Fechou a porta silenciosamente atrás de si. Como o sistema de segurança fora desativado, ele sabia que Jamie já entrara.


Mesmo assim, ao sentir um movimento quase imperceptível ao seu lado, pulou com a rapidez de um gato e agarrou alguém pela garganta, apertando-a.


- Sou eu! - sussurrou uma voz. - Jamie! Não consegui entrar na sala onde eles estão. Devem ter instalado algum sistema novo. Não consegui desativá-lo.


- Onde?


- Bem ali, na parede. Não ouvi nada, mas eles devem estar lá dentro. Têm que estar!


- Vá lá para fora!


- Não vou... você está perdendo o seu tempo.


- Então recue, fique atrás de mim. - ordenou Harry, decidindo não perder nem um minuto a mais.


Aproximou-se da parede e passou os dedos de leve sobre a superfície, obrigando-se a ser metódico e cuidadoso, enquanto todos os seus instintos pareciam gritar para que fosse rápido.


Se havia algum aparelho eletrônico ali, estava bem escondido. Enfiando a mão no bolso, pegou uma agenda de mão e digitou um código. Pensou ter ouvido o som de sirenes ao longe.


- Que é isso? - quis saber Jamie, aos sussurros. - Caraca, isso é um misturador de sinais eletrônico? Nunca vi um assim tão pequeno!


- Você não é o único por aqui que manja de eletrônica. - Harry começou a passá-lo ao longo da parede, xingando a lentidão do aparelho e sua ineficiência. De repente, ele emitiu um zumbido baixo e emitiu dois bipes. - Achei a fechadura safada!


Quando a porta se abriu para o lado, ele se agachou e, rangendo os dentes, preparou-se para saltar.


 


Gina se remexeu para o lado, tentando se afastar do aparelho injetor; sentiu a leve pressão em seu braço e notou que ele foi removido logo em seguida, sem ser acionado.


- Não. - Com uma risada curta, Alban deixou o aparelho de lado. - Não vou usar isso para o sexo. Seria injusto com você e um golpe para o meu orgulho masculino. Depois que acabarmos, vou colocá-la em sono profundo, para você não sentir a faca. É o mínimo que posso fazer.


- Mate-me logo, seu filho-da-puta! - Com um último puxão forte, ela arrebentou a tira de um dos pulsos, libertando um dos braços, e lançou o punho com força contra o rosto dele. Quando esticou o braço para pegar o punhal que estava ao seu lado, porém, a arma caiu no chão.


Então, por um momento, Gina achou que libertara todos os demônios do inferno.


Harry apareceu transfigurado, parecendo um lobo ao dar o bote, com os dentes arreganhados. A fúria de seu ataque sobre Alban o fez voar para o outro lado do aposento e lançou velas para o ar, atirando-as sobre poças de sangue.


Levantando ligeiramente o corpo, Gina tentava libertar a outra mão, e seu pânico era tão grande que não deu lugar ao medo no instante em que avistou Jamie.


- Corra até aqui, pelo amor de Deus! Pegue o punhal e me solte! Depressa!


O estômago do jovem estava se retorcendo, mas ele pulou sobre o corpo de Selina e pegou a faca. Mantendo o olhar fixo no pulso de Gina, cortou a tira que prendia o outro braço.


- Agora me dê esse punhal, que eu posso fazer o resto. - Seu olhar estava grudado em Harry e na luta corpo-a-corpo desesperada que se desenrolava sobre o chão ensangüentado. O fogo estava começando a tomar conta do ambiente, espalhado pelas velas e se transformando em chamas vorazes. - A polícia chegou! - exclamou ela, ao ouvir as sirenes. - Vá até lá para trazê-los aqui, Jamie.


- A porta está aberta. - disse ele, com toda a calma, indo para junto dos pés dela, a fim de cortar as tiras dos tornozelos.


- Faça alguma coisa para apagar aquele fogo ali no canto. - disse ela, arrastando-se de quatro para sair de cima da placa de mármore.


- Não! - reagiu Jamie. - Deixe este lugar maldito lamber todo!


- Vá apagar a porcaria do fogo! - Tornou a repetir, e então pulou como uma louca furiosa nas costas de Alban, gritando: - Seu canalha, filho-da-puta! - Quando puxou a cabeça dele para trás, o punho de Harry voou e atingiu os ossos do rosto do homem, provocando um estalo.


- Saia de cima dele! - ordenou Harry. - Ele é meu!


Os três giraram em um confuso embaralhar de pernas, até descobrirem que apenas dois deles estavam conscientes.


- Ele machucou você? - Os olhos de Harry ainda estavam esbugalhados quando ele a agarrou pelos braços. - Ele colocou as mãos em você?


- Não. - Ela precisava demonstrar calma, percebeu, pois ele estava fora de si. Gina não tinha muita certeza do que Harry era capaz de fazer quando ficava naquele estado. - Ele não conseguiu me tocar... graças a você. Estou bem.


- Mas você já estava cuidando muito bem de si mesma no instante em que entrei, como sempre. - Levantou a mão dela, olhando para o sangue que porejava pela pele toda esfolada de seus pulsos e levou-a até os lábios. - Eu era capaz de matá-lo apenas por isso, se ele tivesse conseguido o que queria.


- Pare... isso faz parte do meu trabalho.


Ele estava lutando consigo mesmo para aceitar aquele fato. Seu paletó estava arruinado, uma massa amorfa e ensangüentada, mas ele o despiu e envolveu-a com ele, avisando:


- Você está nua.


- Sim, já reparei. Não sei onde eles enfiaram minhas roupas, mas parece que eu ia estar com algo mais em volta do corpo além da pele quando a polícia chegasse. - Ela se levantou, descobrindo que ainda não se sentia completamente firme. - Eles me drogaram. - explicou, balançando a cabeça com força para clarear as idéias, enquanto Harry a empurrava com delicadeza, obrigando-a a se sentar em um ponto do chão que ainda estava limpo.


- Fique aqui e respire fundo e devagar. Vou apagar aquele fogo.


- Boa idéia. - Gina respirou uma ou duas vezes para limpar o organismo, enquanto ele usava um dos mantos para apagar as chamas que cintilavam por todo o piso. Então ela se lançou em pé com um pulo, gritando: - Não, Jamie, não faça isso! - Tentou dar alguns passos e correr em direção ao rapaz, mas já era tarde demais. Com o rosto pálido, Jamie se levantou do chão, a lâmina do punhal ainda molhada pelo sangue de Alban, e disse:


- Ele matou a minha família! - Seus olhos estavam imensos e as pupilas se retraíram tanto que pareciam cabeças de alfinete no momento em que entregou a arma para Gina. - Não me importo com o que você vai fazer comigo, mas ele nunca mais vai matar a irmã de ninguém.


Gina ouviu o som dos passos que aumentava de intensidade, até que alguém entrou correndo pela porta. Seguindo seu instinto, segurou o athame firmemente pelo cabo, a fim de imprimir as próprias impressões digitais na arma.


- Cale a boca. Não dê um pio! Oi, Hermione... - Gina olhou para a ajudante que entrava na sala com a arma abaixada. - Arrume algo para eu vestir, por favor?


- Sim, senhora. - Hermione bufou três vezes, de forma instável, para conseguir soltar o ar ao olhar a carnificina em volta. - A senhora está bem?


- Sim, estou legal... Selina Cross e Alban prepararam uma emboscada, me drogaram e me trouxeram para cá. Os dois confessaram o assassinato de Frank Wojinski, Alice Lingstrom, Lobar, Wineburg e a conspiração para matar Trivane. Alban assassinou Selina, por motivos que vou descrever em detalhes em meu relatório. Alban foi morto na luta que se seguiu para contê-lo. Foi tudo muito confuso, não estou bem certa de como aconteceu em detalhes, mas não acho que isso importe agora.


- Não. - Neville chegou, ficou em pé ao lado de Hermione, olhou para o rosto de Jamie, em seguida olhou para Gina... e soube. - Acho que nada disso importa mais. Vamos comigo, Jamie, você não devia estar aqui.


- Tenente, com todo o respeito, acho que seria melhor se a senhora e Harry fossem para casa, a fim de se lavarem. - sugeriu Hermione. - Vocês estão exageradamente no clima das comemorações de hoje, por assim dizer.


Gina olhou para Harry e fez uma careta. Sangue e marcas pretas de fumaça cobriam seu rosto.


- Você está horroroso! - afirmou ela.


- Ah, é? Pois devia dar uma olhada em sua cara, tenente. - Enlaçou-a com o braço. - Acho que Hermione tem razão. Vamos procurar um cobertor em algum lugar. Isso vai ser suficiente para conseguirmos chegar em casa sem você congelar nem ir presa.


Gina queria tomar um banho. Desejava isso tão desesperadamente que só faltou chorar de alegria.


- Certo. - concordou ela. - Estarei de volta em uma hora.


- Weasley, não é preciso você voltar aqui esta noite.


- Uma hora... - repetiu. - Guarde a cena do crime e chame os legistas. Leve esse menino para os paramédicos, ele está em choque. Entre em contato com Lupin, pois ele vai querer saber em primeira mão o que aconteceu aqui, e quero Charles Forte liberado o mais rápido possível.


Gina apertou o paletó de Harry com mais força em volta do corpo e elogiou:


- Você tinha razão o tempo todo a respeito dele, Hermione. Sua intuição acertou na mosca. É uma intuição muito boa.


- Obrigada, tenente.


- Torne a usá-la para encerrar o caso. Se esse menino disser alguma coisa que não bata com o curto relatório oral que acabei de lhe passar, ignore-o. Ele está emocionalmente devastado e em choque. Não quero que seja interrogado esta noite por ninguém.


- Sim, senhora. - Hermione concordou com a cabeça e manteve os olhos cuidadosamente sem expressão. - Vou providenciar para que ele seja levado para casa. Permanecerei na cena do incidente até o seu retorno.


- Faça isso, por favor. - Gina se virou e começou a abotoar o paletó.


- A propósito, Weasley...


- Que foi, Hermione?


- Linda tatuagem essa sua. É nova?


Gina apertou os dentes com força e foi a passos largos em direção à porta, com toda a dignidade que conseguiu recolher.


- Viu só? - reclamou, cutucando o peito de Harry com a ponta do dedo, enquanto caminhavam pelo corredor. - Eu lhe disse que ia acabar sendo humilhada por causa desse botão de rosa idiota.


- Você foi drogada, esbofeteada, amarrada nua e quase assassinada, mas a rosa tatuada em sua bunda foi o que a incomodou mais?


- Isso tudo que você descreveu faz parte do meu trabalho. O botão de rosa é algo pessoal.


Rindo muito, ele colocou o braço sobre os ombros dela, abraçando-a com força e dizendo:


- Por Deus, tenente, eu realmente te amo muito...


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Bianca: Coitado mesmo do Chas, sofreu de graça nas mãos da Gina. Infelizmente mais uma fic acabou, mas a próxima já está postada. Beijos.


 


Ana Eulina: Atualizei garota, espero que goste do final. Beijos.


 

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