CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO OITO
O barulho constante de um alarme que disparara fez Gina se virar na cama, xingando.
- Não pode ser hora de levantar... acabamos de vir para a cama.
- E não é mesmo... esse alarme é do sistema de segurança.
- O quê? - Ela se sentou na cama, com rapidez. - Do nosso sistema de segurança?
Harry já pulara da cama e vestia as calças, respondendo com grunhidos. Por instinto, Gina pegou a arma antes e pensou na roupa depois.
- Tem alguém tentando entrar aqui dentro?
- Pelo jeito, alguém já entrou. - Seu tom de voz era muito calmo. Como as luzes ainda estavam apagadas, ela só conseguiu ver a sua silhueta na difusa luz do luar que passava pela clarabóia acima da cama. Completando a silhueta, havia o contorno inconfundível de uma arma em sua mão.
- Onde é que você arrumou essa arma? Pensei que as suas pistolas estivessem todas trancadas. Droga, Harry, isso é ilegal! Guarde essa arma!
Com toda a calma, ele carregou o tambor da Glock nove milímetros, muito antiga e proibida para uso.
- Não. - disse simplesmente.
- Droga, droga! - Ela pegou o seu comunicador e o enfiou no bolso de trás dos jeans, pela força do hábito. - Você não pode usar essa coisa! Deixe que eu vou verificar... é o meu trabalho. Você pode ligar para a emergência e relatar a entrada de um possível intruso.
- Não. - repetiu ele, já se encaminhando para a porta. Ela o alcançou com dois passos largos.
- Harry, se há alguém no terreno ou dentro da casa e você atirar com essa arma, eu vou ter que prendê-lo na hora...
- Tudo bem.
- Harry! - Ela o agarrou, enquanto ele alcançava a porta. - Existem procedimentos padrões para casos como esse, e existem também motivos para esses procedimentos. Chame a emergência.
Era a sua casa, ele pensou. Era a casa deles. Era a mulher dele, e o fato de ela ser uma policial não pesava em nada naquele instante.
- Tenente, você não vai ficar com cara de tacho se ligarmos para a emergência e for apenas um defeito no sistema?
- Nada do que você possui apresenta defeitos. - resmungou ela e isso o fez sorrir, apesar das circunstâncias.
- Ora, obrigado. - Ao abrir a porta, ele deu de cara com Moody.
- Parece que alguém pulou o muro e encontra-se dentro da propriedade.
- Onde ocorreu a invasão?
- Setor 15, quadrante sudoeste.
- Ligue todas as câmeras e faça uma varredura geral. Acione o controle de segurança total para a casa, depois que sairmos. Gina e eu vamos verificar a parte externa. - De forma distraída, ele passou a mão pelas costas dela. - Até que é uma boa coisa morar com uma policial.
Gina olhou para a arma nas mãos de Harry. Tentar desarmá-lo provavelmente não daria certo e eles iam perder muito tempo.
- Depois vamos ter uma conversinha a respeito disso. - ameaçou, entre dentes. - Estou falando sério!
- Claro que está.
Eles seguiram lado a lado, desceram as escadas e passaram através da casa silenciosa.
- Eles não conseguiram entrar. - disse Harry, ao parar diante de uma porta que dava para um pátio largo. - O alarme que dispara quando alguém entra na casa é diferente. Mas conseguiram pular o muro.
- O que significa que podem estar em qualquer lugar.
A lua estava quase cheia, mas as nuvens eram espessas e escondiam sua luminosidade. Gina olhou com cuidado, tentando ver através do escuro, e notou as árvores frondosas e os imensos arbustos ornamentais. Tudo aquilo fornecia uma cobertura excelente para observação. Ou para uma emboscada. Ela não ouvia nada, a não ser o vento passando pelas folhas que se tornavam frágeis por estarem secas.
- Vamos ter que nos separar. Pelo amor de Deus, não use esta arma, a não ser que a sua vida esteja em perigo. A maioria dos invasores de domicílio não anda armada.
E a maioria dos invasores de domicílio, ambos sabiam, não brincava com a sorte invadindo a propriedade de um homem como Harry.
- Tenha cuidado. - disse ele, baixinho, e desapareceu como fumaça por entre as sombras.
Ele era bom, pensou Gina, tentando se tranqüilizar. Ela podia confiar no fato de que ele saberia lidar com aquilo e sair-se bem da situação. Usando a luminosidade fraca e incerta do luar como guia, ela se dirigiu para o lado oeste do terreno, e então começou a circundá-lo.
O silêncio era quase assustador. Ela mal conseguia ouvir os próprios passos sobre a grama densa. Por trás dela, a casa sobressaía na escuridão, uma estrutura magnífica de pedra e vidro, guardada naquele momento, pensou, por um mordomo esquelético e esnobe.
Seus lábios se curvaram em um sorriso. Ela adoraria ver um pobre e inocente ladrão dando de cara com Moody.
Ao chegar ao muro, olhou com atenção, em busca de algum sinal de invasão. O muro tinha dois metros e meio de altura, quase um metro de espessura e era todo preparado com fios prontos para dar um desencorajador choque elétrico em qualquer coisa que pesasse mais de dez quilos. As câmeras de segurança e as luzes estavam instaladas a intervalos de seis metros uma da outra. Gina soltou um palavrão, baixinho, ao reparar que os finos raios de luz que varriam o terreno estavam piscando em vermelho, em vez de verde.
Circuito desligado... filho-da-mãe... Com a arma na mão e pronta para atirar, ela continuou a circular junto ao muro, indo agora em direção ao sul.
Harry, por sua vez, seguia o próprio caminho em silêncio, usando as árvores como escudo. Ele comprara aquela propriedade oito anos antes, e a tinha remodelado e reaparelhado por completo, segundo as suas próprias especificações. Supervisionara pessoalmente o projeto e a implementação do sistema de segurança. De um modo muito verdadeiro, aquela era a sua primeira casa, o local que escolhera para se estabelecer, depois de muitos anos vagando de um lugar para outro. Por baixo do frio controle, enquanto pulava de sombra em sombra, havia uma efervescente e triturante fúria por saber que sua casa fora invadida.
A noite estava fria, clara, calma como uma tumba. Ele se perguntou se estaria prestes a enfrentar apenas um ladrão muito audaz. Talvez fosse apenas isso... ou talvez outra coisa muito mais perigosa. Um profissional contratado por um concorrente do mundo dos negócios. Um inimigo, pois ele não galgara toda a distância até chegar onde estava sem fazer alguns pelo caminho. Especialmente pelo fato de que muitos dos seus interesses já haviam estado do lado mais obscuro da lei.
Ou talvez o alvo fosse Gina. Ela também fizera inimigos, e inimigos perigosos... Olhou por trás do ombro e hesitou. Então, disse a si mesmo para não subestimar sua esposa. Não conhecia nenhuma mulher mais bem preparada para cuidar de si mesma.
Foi, porém, essa hesitação, essa necessidade instintiva de protegê-la, que fez sua sorte mudar. Ao parar entre as sombras, ele percebeu o som fraco de alguém se movendo. Harry apertou com mais força o cabo da arma, deu um passo para trás e virou de lado, esperando...
A figura se movia lentamente, agachada. A medida que a distância entre eles ia diminuindo, Harry começou a perceber um som ofegante de respiração nervosa. Embora não conseguisse ver o rosto do invasor, lhe pareceu que era homem, mais ou menos com um metro e sessenta de altura, e magro. Não viu arma alguma e então, pensando nas dificuldades que sua mulher ia ter de enfrentar para explicar por que seu marido atacara um intruso com um revólver proibido por lei, enfiou a Glock no cós da parte de trás das calças.
Ele se preparou, já louco por uma pequena luta corpo-a-corpo, e então se arremessou para a frente, quando a figura passou diante dele. Harry já estava com o braço em volta do pescoço do invasor, com o punho pronto, já levantado, para o caso de alguma reação inesperada, quando percebeu que ele não era um homem, mas um rapazinho.
- Ei, seu desgraçado, me larga! Vou te matar! - berrou o jovem.
Um menino muito mal-educado e assustado, concluiu Harry. A luta foi curta, e travada apenas pelo jovem, que esperneava. Levou poucos segundos para Harry encostá-lo contra o tronco de uma árvore.
- Como é que você conseguiu entrar aqui, garoto? - quis saber Harry.
A respiração do menino estava ainda mais ofegante, e seu rosto parecia o de um fantasma de tão pálido. Deu para ouvir o barulho de sua garganta, quando ele engoliu em seco, afirmando:
- Você é o Potter! - Parou de espernear e tentou forçar um sorriso. - Você tem um sistema de segurança irado!
- Gosto de pensar que sim. - Não era um ladrão, decidiu Harry, mas certamente tinha peito para entrar ali. - Como conseguiu passar pelo sistema irado?
- Eu... - Parou de falar de repente, arregalando os olhos, olhando por cima do ombro de Harry. - Cuidado! Atrás de você!
Com uma calma impressionante, da qual o menino mais tarde ia se lembrar com admiração, Harry girou nos calcanhares sem soltá-lo nem diminuir a força, dizendo:
- Peguei nosso intruso, tenente.
- Estou vendo. - Ela abaixou a arma, ordenando ao coração que voltasse ao ritmo normal. - Meu Deus, Harry, é apenas um menino. Ele é... - Parou, estreitando os olhos. - Eu conheço esse menino!
- Então talvez possa nos apresentar.
- É Jamie o seu nome, certo? Jamie Lingstrom. O irmão de Alice.
- A senhora tem um bom olho, tenente. Agora, quer pedir a ele para parar de me estrangular?
- Acho que não... - Ela guardou a arma e se empertigou. - Que diabos você estava fazendo, invadindo uma propriedade particular no meio da madrugada? Seu avô era policial, menino, pelo amor de Deus! Quer acabar em uma instituição para menores?
- Olhe, saiba que eu não sou o pior dos seus problemas neste momento, tenente Weasley. - Fez uma tentativa de fazer a voz soar forte e valente, mas quase gaguejou. - A senhora está com um cadáver do lado de fora do muro... ele está mortinho da silva. - acrescentou, e começou a tremer.
- Você matou alguém, Jamie? - perguntou Harry, com calma na voz.
- Qual é, cara? Eu não, sem chance!... Ele já estava ali quando cheguei. - Morrendo de medo de que seu estômago pudesse se revirar mais e fazê-lo pagar um mico, Jamie tornou a engolir em seco, com mais força. - Vou mostrar onde ele está...
Se aquilo era algum truque, Gina o achou muito bom. Mas não podia se arriscar e disse:
- Tá legal, vamos lá... e se tentar fugir, meu chapa, mando-lhe um raio de atordoar, ouviu?
- Não faria sentido algum eu tentar fugir depois de ter tido todo esse trabalho para entrar, não acha? É por aqui. - Suas pernas estavam bambas, e ele torcia para que nem Gina nem Harry percebessem que seus joelhos estavam batendo um contra o outro como duas castanholas.
- Gostaria de saber como conseguiu entrar. - disse Harry, enquanto caminhavam na direção do portão principal. - Como conseguiu desativar o sistema de segurança?
- É que gosto de brincar com eletrônica. É um hobby. Você tem um sistema realmente irado. O melhor!
- Eu também achava.
- Acho que eu não consegui desativar todos os alarmes... - Jamie olhou para ele, tentando exibir um sorriso fraco. - Vocês descobriram que eu havia entrado.
- E entrou mesmo. - confirmou Harry. - Como?
- Com isso... - Jamie pegou no bolso um aparelho que cabia na palma da mão. - É um misturador de sinais, feito para interferir em transmissões eletrônicas. Estou trabalhando nisso há uns dois anos. Ele decodifica quase todos os sistemas. - explicou, franzindo a testa, quando Harry agarrou o aparelho de sua mão. - Quando você ativa aqui - continuou, inclinando-se para apontar um botão - ele faz uma varredura no sistema e clona o programa. É só esperar ele copiar tudo, passo a passo. Leva algum tempo, mas é muito eficiente.
Harry olhou para o mecanismo. Era do mesmo tamanho que os games eletrônicos portáteis que uma de suas companhias fabricava. Na verdade, notou, alarmado, que a parte externa lhe era bem familiar.
- Você adaptou um game e o transformou em misturador de sinais? Fez isso sozinho? E conseguiu ler, clonar e quebrar o código do meu sistema de segurança?
- Bem, basicamente, é isso aí... - Os olhos de Jamie se turvaram ligeiramente, mostrando irritação consigo mesmo. - Devo ter deixado escapar alguma coisa, talvez um dos backups. O seu sistema realmente é ultra mais que demais! Gostaria de conhecê-lo melhor.
- Nem em sonho. - resmungou Harry, enfiando o aparelho no bolso.
Ao chegar à entrada, desarmou o sistema e abriu os portões manualmente, olhando de lado para Jamie, que esticava o pescoço, tentando ver o processo.
- Muito impressionante! - comentou Jamie. - Saquei que não conseguiria entrar por aqui. Foi por isso que resolvi pular por cima do muro. Precisei de uma escada.
- Uma escada! - exclamou Harry, quase que para si mesmo, enquanto fechava os olhos. - O garoto subiu pela escada e pulou... Que gracinha! E as câmeras de segurança?
- Ah, eu as desliguei do outro lado da rua. O aparelho tem um alcance de mais de dez metros.
- Tenente! - Harry agarrou Jamie pelo colarinho. - Quero que esse menino seja punido!
- Depois. Agora, onde está esse tal cadáver que você afirma ter visto?
- Siga pela esquerda. - O sorriso maroto desapareceu de seu tosto ao dizer isso e ele tornou a empalidecer.
- Fique aqui segurando esse menino, Harry.
- Já está bem preso. - replicou Harry que não pretendia ficar ali de jeito nenhum. Empurrou o garoto para fora do portão à frente dele e encarou o olhar irritado de Gina com toda a calma. - A casa é nossa, e o problema é nosso.
Ela disse algo desagradável entre dentes e se virou para a esquerda. Não precisou ir muito longe. Ele não estava escondido nem disfarçado.
O corpo estava despido, preso a uma estrutura de madeira com o formato de uma estrela. Não, reparou Gina... era um pentagrama. Invertido, de forma que a cabeça, com os olhos sem vida como os de um boneco, e a garganta cortada estavam junto da calçada banhada em sangue. Os braços estavam esticados, e as pernas abertas em um largo “V”. O centro do peito era um acúmulo confuso de sangue preto coagulado, e havia um buraco maior do que o punho de um homem.
Gina duvidava muito de que o médico-legista fosse encontrar um coração ali dentro quando abrisse o corpo para fazer a autópsia.
Ouviu um som abafado atrás dela e se virou a tempo de ver Harry trocar de braço, a fim de colocar Jamie atrás dele, protegendo o menino e impedindo-o de ficar frente a frente com o corpo.
- Lobar. - foi tudo o que ele disse.
- É... - Gina chegou mais perto. A pessoa que arrancara o coração da vítima também enfiara uma faca que atravessara um pedaço de papel e ficara encravada entre suas pernas. No papel estava escrito:
ADORADOR DO DEMÔNIO
ASSASSINO DE CRIANÇAS
QUEIME NO INFERNO!
- Por favor, você poderia levar o menino lá pra dentro, Harry? - Olhou para a escada que ficara inclinada contra o muro -... E livre-se disso. Deixe o garoto com Moody, por ora. Não posso abandonar o local. - Ela se virou, com o rosto sem expressão e impassível. Seu rosto de tira. - Poderia também pegar o meu kit de trabalho?
- Sim. Venha comigo, Jamie.
- Eu sei quem ele é... - As lágrimas brilhavam nos olhos de Jamie, que piscavam sem parar. - É um dos canalhas que mataram a minha irmã. Espero que apodreça!
Ao sentir que a voz do menino ficou entrecortada, Harry passou o braço em torno de seu ombro, garantindo:
- Ele vai apodrecer. Venha para dentro. Vamos deixar a tenente fazer o trabalho dela. - Lançando para Gina um último olhar, Harry recolheu a escada e levou Jamie de volta aos portões.
Com os olhos ainda fixos no corpo, Gina pegou o comunicador.
- Emergência! Aqui é a tenente Gina Weasley falando.
- Emergência respondendo, pode falar.
- Comunicando um homicídio e requisitando ajuda. - Informou os dados necessários e guardou o comunicador. Virando-se na direção do outro lado da calçada, olhou a rua silenciosa e quieta, envolta em trevas e sombras que se misturavam no imenso parque. A leste, o céu começava a recolher a escuridão da noite e as atrelas já perdiam um pouco do seu brilho.
Assassinatos já haviam aparecido em sua vida antes e tornariam a aparecer. Mas alguém ia ter que pagar pela audácia de trazê-los para a porta de sua casa.
Tornou a se virar ao ver que Harry voltava trazendo não só seu kit de trabalho, mas também o surrado casaco de couro.
- Começa a esfriar quando vai chegando o amanhecer. - disse ele, entregando-lhe o casaco.
- Obrigada. Jamie está bem?
- Ele e Moody estão olhando um para o outro com mútua desconfiança e desagrado.
- Eu sabia que eu ia gostar daquele garoto! Você pode tornar a entrar e servir de juiz se os dois começarem a lutar. - disse-lhe Gina, quando pegava o spray selante e espalhava uma camada do líquido nas mãos e nas botas. - Já liguei para a emergência.
- Vou ficar.
Como ela já imaginava que ele faria isso, não discutiu e disse apenas:
- Então, faça algo de útil e grave a cena. - Pegou a câmera seu kit e o passou para ele, cobrindo suas mãos com as dela. - Sinto muito.
- Você é muito esperta para se sentir culpada por algo que não foi responsabilidade sua. Ele não foi morto aqui, foi?
- Não. - Sabendo que Harry tinha condições de funcionar como seu auxiliar até a chegada de Hermione, Gina tornou a se aproximar do corpo. - A quantidade de sangue é relativamente pouca... Ele deve ter tido a jugular cortada. Essa foi, provavelmente, a causa da morte. Vamos descobrir com certeza depois, mas os outros ferimentos devem ter sido todos post-mortem. De qualquer modo, se isso tivesse sido feito aqui, haveria poças vermelhas por toda parte e estaríamos quase nadando em sangue. Está com a câmera ligada?
- Sim.
- A vítima foi identificada como Robert Mathias, também conhecido como Lobar. Sexo masculino, branco, dezoito anos. O exame visual preliminar indica morte causada por um instrumento com lâmina que lhe cortou a garganta. - Esquecendo-se de todo o resto e concentrando-se no treinamento que tivera, pegou uma pequena lanterna e examinou a ferida do peito. - Lesões adicionais incluem um profundo ferimento no peito, provavelmente feito pela mesma arma. O coração da vítima foi removido. O órgão não se encontra no local onde o corpo foi encontrado. Preciso de alguns closes aqui. - pediu a Harry.
Pegando alguns instrumentos especiais, começou a medir as lesões.
- O ferimento da garganta tem dezesseis centímetros de comprimento e cinco de profundidade. - De forma rápida e competente ela descreveu, mediu e registrou as outras lesões. - Uma faca de cabo preto, com entalhes, foi deixada no corpo, pregada na genitália e segurando o que parece ser uma nota impressa por computador em papel especial.
Gina ouviu o som das sirenes ao longe se aproximando.
- Os policiais vão cercar o corpo e garantir a integridade do local. - avisou Harry. - Não há muito tráfego por aqui a esta hora da madrugada.
- Felizmente.
- O corpo foi amarrado com tiras de couro a uma estrutura em madeira com o formato de um pentagrama. A pequena quantidade de sangue e os padrões de coagulação indicam que a vítima foi morta e mutilada em outro local e transportada para cá. Deverá ser realizada uma varredura na área. Há possibilidade de ter havido uma invasão em uma propriedade privada, através do portão e dos muros. O corpo foi descoberto aproximadamente às quatro e trinta da manhã pela tenente Gina Weasley e Harry Potter, residentes no local.
Virando-se, começou a caminhar na direção do primeiro carro preto e branco que chegava e freou junto ao meio-fio.
- Quero que seja erguida uma tela de proteção imediatamente. Bloqueiem a rua nas duas direções, formando um perímetro a seis metros do corpo. Não quero curiosos por aqui nem a porcaria da mídia. Compreendido?
- Sim, senhora. - Os dois policiais saltaram do carro, foram para o porta-malas e tiraram a tela de proteção.
- Vou levar algum tempo aqui. - avisou a Harry. Pegando a câmera da mão dele, passou-o para um dos policiais. - Você devia entrar, para ficar de olho no garoto. - Com ar cansado, observou os policiais erguerem a tela. - Ele devia ligar para a mãe ou algo assim. Mas não quero que vá embora até ter a chance de conversar novamente com ele.
- Eu cuido disso. Vou cancelar meus compromissos agendados para hoje. Estarei disponível.
- Isso seria ótimo! - Fez menção de tocá-lo, queria muito aquilo, mas então lembrou que suas mãos cobertas com selante estavam manchadas de sangue e as abaixou. - Ajudaria se você conseguisse mantê-lo distraído, para afastar a mente do que viu, por ora. Que droga, Harry, isso machuca!
- Um assassinato ritual. - murmurou ele, compreendendo como Gina se sentia, colocou a mão sobre seu rosto. - Qual dos dois lados o cometeu?
- Acho que vou passar muito tempo interrogando bruxas. - Expirou com força, e então franziu os olhos ao ver Harry vindo apressada pela rua, em sua direção. - Onde está o seu veículo, policial?
O uniforme de Hermione estava impecavelmente limpo e bem passado, mas seu rosto parecia afogueado e sua respiração era curta.
- Não possuo carro, tenente, e uso transporte público. O ponto mais próximo deste local fica a quatro quarteirões. - Lançou um olhar meio de lado para Harry, como se ele tivesse culpa desse fato. - Gente rica não anda em coletivos.
- Bem, requisite a porcaria de um veículo para você. - ordenou Gina. - Vamos entrar assim que terminarmos tudo aqui. - disse a Harry e se afastou. - O corpo está atrás da tela de proteção. Pegue a câmera com aquele policial que está com ela na mão. Não confio no olho dele para gravações, e suas mãos estão tremendo. Quero medições da poça de sangue e instantâneos das lesões, por todos os ângulos. Passe o selante em você... acho que os técnicos do laboratório não vão achar muita coisa aqui, mas não quero que nada fique comprometido. Vou fazer a avaliação preliminar da hora da morte. O legista já está a caminho.
Harry a observou sair de perto dele, desaparecer atrás da tela de proteção e percebeu que Gina não tinha mais nada a lhe dizer, por ora.
Ao entrar em casa, encontrou Jamie, guardado por Moody, que estava visivelmente irritado.
- Você não tem permissão para circular pela casa. - ele avisou o jovem com rispidez. - Não toque em nada! Se quebrar alguma peça, mesmo que seja de cerâmica, ou sujar de terra um centímetro de tecido ou tapete, vou apelar para a violência.
Jamie continuava a andar de um lado para outro, colocando a mão nas estátuas que enfeitavam a pequena sala de visitas junto do saguão, pela qual Moody tinha muita consideração.
- Nossa, agora estou morrendo de medo! Você realmente está me fazendo temer a ira de Deus, velhinho... - disse Jamie.
- Seus modos continuam deixando muito a desejar. - comentou Harry, entrando na sala. - Alguém já devia tê-lo ensinado a respeitar os mais velhos.
- É... esse alguém também devia ter ensinado o seu cão de guarda a ser mais educado com os convidados.
- Convidados não interferem em sistemas de segurança nem pulam muros, a fim de ficar andando de modo furtivo por propriedades particulares. Você não é um convidado.
Jamie desmontou. Era difícil encarar aqueles olhos azuis muito frios.
- Eu precisava ver a tenente. E não queria que ninguém soubesse.
- Da próxima vez, tente usar o tele-link. - sugeriu Harry. - Está tudo sob controle, Moody. Deixe que eu lido com isso.
- Como queira... - Moody lançou um último olhar, seco, na direção de Jamie, e então saiu do aposento a passos largos, com o corpo perfeitamente ereto.
- Onde foi que você encontrou o Conde Pé-no-Saco? - perguntou Jamie, atirando-se sobre uma poltrona. - No necrotério?
Harry sentou-se no braço do sofá, pegou um cigarro e avisou:
- Moody é capaz de devorar nanicos como você no café da manhã. - Acionou o isqueiro. - Já o vi fazer isso.
- Tá legal... - Mesmo assim, Jamie lançou um olhar cauteloso para a porta por onde Moody saíra. Nada naquela casa parecia ser o que era, então ele achou melhor não subestimar o mordomo. - Por falar em café da manhã, vai rolar algum rango no pedaço? Já faz muitas horas desde que comi pela última vez.
- Está querendo dizer que espera que eu o alimente agora? - Soltou uma baforada.
- Bem, sabe como é... já que vou ficar por aqui mesmo, seria legal comer alguma coisa.
Pivetinho desaforado, pensou Harry, com certa admiração. Só mesmo os jovens, imaginou, eram capazes de sentir fome depois de ver o que estava do lado de fora do muro.
- E o que tem em mente para o seu desjejum? Crepes, uma omelete, talvez algumas tigelas de sucrilhos com muito açúcar?
- Estava pensando mais em algo assim tipo uma pizza ou talvez um hambúrguer. - Exibiu um olhar de vitória. - Minha mãe é fanática por esse lance de alimentos nutritivos. Em casa, a gente só come essas merdas saudáveis.
- São cinco da manhã e você quer uma pizza?
- Pizza cai bem a qualquer hora.
- Talvez tenha razão. - E pensou que ele bem que poderia comer alguma coisa também. - Vamos à cozinha.
- Aqui dentro parece um museu... - comentou Jamie, enquanto seguia Harry através do salão, com suas pinturas luminosas e antiguidades resplandecentes. - Estou falando isso no bom sentido. - explicou. - Você deve estar nadando em dinheiro!
- Devo estar...
- As pessoas dizem que é só você colocar o dedo em alguma coisa e as fichas de crédito começam a jorrar.
- Elas dizem, é?...
- Dizem, e também que você não deve ter acumulado tudo isso só com lances legalizados, entende? No entanto, já que se enforcou com uma policial como Weasley, acho que deve estar tudo limpeza...
- Deve estar... - murmurou Harry, passando por uma porta de vai-e-vem que dava para uma cozinha gigantesca.
- Uau! Que lance incrível! Você tem gente trabalhando aqui, preparando comida manualmente e tudo o mais?
- Costuma acontecer assim. - Harry observou o menino circular pela cozinha, olhando os controles do fogão computadorizado e do refrigerador sub-zero. - Esta manhã, no entanto, não vai acontecer. - Foi na direção de um grande AutoChef. - O que vai ser, afinal? Pizza ou hambúrguer?
- Pode ser os dois? - Jamie deu um sorriso. - Acho que também conseguiria beber um balde de Pepsi.
- Vamos começar com uma lata. - Harry programou o AutoChef e foi pessoalmente até a geladeira. - Pode se sentar, Jamie.
- Saco! - Mas manteve o olho em Harry enquanto se deixava escorregar sobre o banco estofado da saleta de café da manhã.
Depois de pensar um pouco, Harry se resolveu por duas latas, e as pegou do compartimento, quando elas caíram.
- Você deve estar louco para entrar em contato com a sua mãe. - disse ao garoto. - Pode usar o tele-link aqui da cozinha.
- Não. - Jamie colocou as mãos embaixo da mesa e as esfregou nas calças. - Minha mãe está dopada. Não consegue lidar com o lance de Alice, e a tiraram do ar. Nós... o velório é hoje.
- Entendo. - E como realmente entendia, Harry resolveu deixar o assunto de lado. Entregou a bebida a Jamie e pegou dentro do AutoChef uma pizza grande, com a mussarela ainda borbulhando. Colocou-a sobre a mesa, acompanhada de um hambúrguer.
- Serviço classe A! - Com o apetite típico dos jovens, Jamie agarrou o hambúrguer e deu a primeira dentada. - Cara! Caraça, isso é carne! - disse, com a boca cheia. - Carne de verdade!
Foi difícil para Harry manter o rosto sério.
- Você preferia carne de soja? - perguntou, com educação. - Talvez uma pizza de legumes?
- Nem pensar! - Jamie limpou a boca com as costas da mão e sorriu. - Tá bom demais! Obrigado.
Harry pegou dois pratos e um cortador de pizza. Começou a dividi-la em fatias.
- Imagino que invadir domicílios abra o apetite. - comentou.
- Não, estou sempre com fome mesmo... - Sem fazer cerimônia, Jamie transferiu a primeira fatia para o prato. - Minha mãe diz que isso é comum em idade de crescimento, mas a verdade é que realmente gosto de comer. Ela vive preocupada com as porcarias que devoro, então sou obrigado a trazer comida de verdade escondida para dentro de casa. Você sabe como as mães são...
- Não, na verdade não sei, mas aceito a sua palavra. - E por jamais ter tido um espírito assim tão jovem quanto Jamie, ou tão inocente, Harry se serviu de uma fatia e se preparou para curtir a imagem do menino devorando todo o resto.
- Os pais são legais. - Jamie encolheu os ombros, alternando dentadas na pizza e no hambúrguer. - Nunca vejo o meu pai, pelo menos já faz alguns anos. Ele mudou de mala e cuia para a Europa. Mora na Comunidade da Manhã, perto de Londres.
- Um lugar bem-estruturado, todo programado e estritamente residencial. - completou Harry. - Lá é tudo muito organizado.
- É... e muito sacal também. Até a grama é programada para crescer. Mas ele curte, ele a nova mulher dele, que é muito gata... Já é a terceira com quem ele se casa. - Tornou a encolher os ombros, bebendo a Pepsi. - Ele não curte muito esse lance de ser pai não... Isso deixava Alice muito aborrecida. Para mim, tanto faz...
Não, pensou Harry. No fundo, não devia ser assim tão fácil não... As mágoas estavam ali dentro. Era estranha a quantidade de traumas permanentes que um pai podia provocar em uma criança.
- Sua mãe não voltou a se casar?
- Não, ela não está nessa não. Ficou muito pra baixo quando meu pai vazou. Eu tinha seis anos. Estou com dezesseis agora, e ela ainda acha que sou uma criança. Tive que empentelhar a vida dela durante semanas para ela me autorizar a tirar carteira de motorista. Mas ela é legal... Só que é meio... - Parou de falar, olhando para o prato vazio, como se estivesse se perguntando como é que toda aquela comida chegara ali. - Ela não merece isso. Faz o melhor que pode. Adorava o meu avô. Eles eram muito chegados. E agora Alice. Alice era muito esquisita, mas...
- Era sua irmã... - disse Harry baixinho -... e você a amava.
- Isso não deveria ter acontecido com ela. - Levantou o olhar, devagar, olhando para Harry com uma espécie de fúria terrível. - Quando eu encontrar quem a maltratou, quando descobrir as pessoas que fizeram isso com ela, vou matá-las!
- Tenha cuidado com o que você fala, Jamie. - Gina entrou na cozinha. Seus olhos estavam sombrios e o rosto, pálido de cansaço. Embora tivesse trabalhado com todo o cuidado, havia manchas de sangue em seus jeans. - É melhor colocar de lado qualquer plano de vingança e deixar a investigação para os tiras.
- Eles mataram a minha irmã.
- Ainda não ficou provado que a sua irmã foi vítima de homicídio. - Gina seguiu direto para o AutoChef e programou café. - Você já se meteu em muita encrenca - acrescentou, antes que o menino tivesse a chance de falar - e não precisa piorar a situação discutindo comigo.
- Seja esperto. – disse Harry, ao ver Jamie tornar a abrir a boca para falar. - Fique frio!
Hermione chegou também e ficou em pé na cozinha silenciosa. Observou o menino e sentiu uma fisgada. Tinha um irmão daquela idade. Com isso em mente, exibiu um sorriso radiante.
- Pizza no café da manhã! - exclamou, com um tom de voz muito alegre. - Tem mais?
- Sirva-se! - convidou Harry, dando um tapinha no banco, como convite. - Jamie, esta é a policial Hermione.
- Meu avô conhecia você. - Jamie a avaliou com olhos cautelosos e observadores.
- Conhecia? - Hermione se serviu de um pedaço de pizza. - Acho que nunca nos encontramos. Embora eu o conhecesse. Todos na central sentiram muito a sua morte.
- Ele sabia a respeito de você. Uma vez, ele me disse que Weasley estava moldando você.
- Hermione é uma policial - interrompeu Gina - e não um pedaço de argila. - Aborrecida com aquilo, pegou o último pedaço de pizza e deu uma dentada, reclamando: - Isso aqui ficou frio.
- É ótimo frio. - Hermione deu uma piscada para Jamie. - Nada melhor do que pizza fria no café da manhã.
- Então coma enquanto tem chance. - Seguindo o próprio conselho, Gina deu mais uma dentada. - Vamos ter um longo dia pela frente... - e pousou os olhos direto em Jamie -... a começar por agora. Até você estar com um tutor ou representante presente, não posso gravar seu depoimento nem interrogá-lo oficialmente. Você compreende isso?
- Claro, não sou idiota. E não sou criança. Posso...
- Pode ficar calado. - interrompeu Gina. - Com ou sem representante aqui, posso jogar você no xadrez do juizado de menores por invasão de propriedade particular... se Harry resolver apresentar queixa.
- Gina, acho que, na verdade...
- E você fique calado também. - Ela se virou para ele, frustrada e fatigada. - Isso não é um jogo, é assassinato. E a mídia já está lá fora, sentiram cheiro de sangue. Você nem vai conseguir colocar o pé fora de casa sem que eles pulem em cima.
- E você acha que isso me incomoda?
- Incomoda a mim! Essa droga toda incomoda a mim, e muito! Meu trabalho não deve chegar aqui dentro. Ele nunca deve entrar aqui! - Parou de falar, olhando para o outro lado.
Era aquilo, compreendeu Gina de repente, que a estava corroendo por dentro e escapando ao seu controle. Havia sangue em sua casa e ela foi a pessoa que o trouxera.
Mais controlada, tornou a se virar, dizendo:
- Nada disso vem ao caso agora. Você tem algumas explicações a dar. - disse e olhou para Jamie. - Quer fazer isso aqui ou lá na central, assim que eu entrar em contato com a sua mãe?
Ele não disse nada por um momento, simplesmente ficou olhando para Gina como se estivesse medindo forças. Aquele era o mesmo olhar, Gina notou, que ela o vira exibir ao ser comunicado de que sua irmã estava morta. Era um ar muito adulto e controlado.
- Eu sei quem é aquele cara morto. Seu nome é Lobar, um dos canalhas que mataram a minha irmã. Eu o vi.
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