Capítulo 6



Capítulo 6

Estava de volta. Quantas horas passara fora? Não sabia. Não se importava. O lugar estava diferente. Estava limpo. E mobiliado. Agora era possível identificar a cor da madeira do piso. Era clara. A sala agora tinha um sofá de couro negro. Os braços do sofá eram apenas alguns centímetros mais altos que o assento. Haviam duas poltronas, também de couro negro. No chão um tapete negro. Na mesa de centro, de metal negro e vidro, havia um vaso de cristal negro com flores vermelhas. Tulipas ainda fechadas. Rubras como sangue.

Ouviu passos no quarto. Passos dançando. Foi até lá. Era ela. O anjo caído. Comprara uma varinha. Conjurava móveis para o quarto. Móveis de madeira avermelhada. O colchão agora jazia sobre uma cama de viúva, de madeira avermelhada. Ela havia comprado roupas para si. Não usava mais as vestes com as quais fora encontrada. Tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo. Mechas cacheadas lhe caíam sobre o rosto. Linda.

Seu inferno estava arruinado. Mas apenas o exterior. O interior ainda estava intacto. Ainda. Por quanto tempo? Quanto tempo até que seu inferno interior ruísse? Não sabia. Se ruísse, outro inferno surgiria das ruínas. Mas aquele anjo não tinha família? Como resposta, uma coruja invadiu o quarto.

-Píchi! Fique quieto! Deixe-me pegar a carta!

Era a primeira vez que ouvia a voz dela. Voz de seda. Macia e suave.

Antes que sua presença fosse percebida, retirou-se. Foi para a cozinha. Suas entranhas rugiam novamente. Havia uma torta em cima da bancada da pia. A cozinha agora tinha um fogão.

Serviu-se da torta. Ainda estava quente, mas já faltava uma fatia. Maçã e canela. Comeu perdido dentro de si mesmo. Os passos haviam cessado. Agora ouviam-se soluços.

Deixou o prato em cima da bancada. Foi novamente até o quarto. Ela estava jogada na cama. De costas para ele. Virada para o outro lado do quarto. Era ela quem soluçava. Novamente. O pergaminho estava jogado no chão. Ele não sabia o que fazer. Ele agora conseguia distinguir o que ela soluçava. “Não posso.” Era o que ela soluçava. Olhando para ela, ele achou outro nome para ela. Filha do outono. Os cabelos lembravam as folhas vermelhas do outono. Os olhos cor de avelã lembravam o outono. Filha do outono.

Acabou por sentar-se de encontro à parede. Após algum tempo, ela virou-se lentamente. Ela pôs-se a observá-lo. De vez em quando murmurava “Não posso.” Não podia o quê? Ficar ali com ele? Ele não a forçava a viver ali. Ela sabia onde era a porta, não? Caso quisesse era só sair. Ele não a impediria. Apenas mergulharia novamente em solidão. Ele via as lágrimas que escorriam pelo rosto dela. Ainda assim, ela era linda. Filha do outono. Anjo caído.

-Eu não posso.- ela suspirou.

-Não pode o quê?- ele perguntou rudemente.

-Voltar para casa. Ainda não.

-Por quê?- o tom rude permanecia.

-Um dia. Um dia, quem sabe eu te contarei. Malfoy, não é?

-Como sabe?- ele perguntou. A resposta era óbvia. Ela riu. Um riso doce e cálido como o outono.

-Quem não adivinharia? Apenas um Malfoy teria esse porte, esses olhos e esses cabelos. Eu me lembro...

-Do quê?- ele sabia que estava sendo rude.

-Nada...Esqueça...Posso ficar aqui?

Teve como resposta um muxoxo.

-Por quê você é assim?

-Assim como?- ele rebateu, asperamente.

-Tão...Depressivo...

Estava perdendo o controle. Quem ela pensava que era? Ela havia destruído seu inferno, não havia? Agora teria de construir outro. No entanto, não era isso que anjos faziam? Destruíam infernos. Construíam paraísos. Mas ele já estava perdido.

-Você não sabe?

A resposta era simples. Não sabia. Nunca tivera outra alternativa de vida. Tivera tudo. E tivera nada. Levantou-se e saiu do quarto. Ela agora o fazia pensar. Refletir. O que ela estava fazendo com ele? Tirando sua sanidade? Era o que parecia. Nunca ninguém tinha tentado ir tão a fundo nele. Isso o perturbava. Não sabia como reagir. Mas não podia ser rude. Podia feri-la. Apesar de tudo, não desejava isso.

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