Rua Bativolta



Meg materializou-se a quarteirões dali, respirando com força. Tinha estado perto demais, e aquilo não era bom. Ela não podia chamar as atenções, e ser vista na companhia do "rapaz que sobreviveu" não era sensato nesse aspecto.
A rua onde estava agora era mais escura que Diagon Alley, e menos populosa. Megan sentiu-se aliviada. Não lhe agradavam muito os ajuntamentos, e anos a dormir numa cave imunda tinham-na feito ver a escuridão como um ambiente confortável.
Mais calma, ela sentou-se nos degraus de uma das lojas que não tinham aberto e retirou Kazeila do bolso. Ao fazê-lo, a sua mão tocou no mesmo objecto que já sentira antes. A franzir a testa, Meg retirou-o. Era um livrinho preto de capa dura, do tipo que se encontra à venda em qualquer tabacaria Muggle. Folheando-o, ela descobriu que as páginas estavam em branco, mas mesmo assim era capaz de sentir uma forte magia negra vir do diário. Magia negra também não a assustava, familiarizada com ela como estava. Muito poucas das coisas que eram assustadoras para outras crianças eram assustadoras para Megan.
Não precisava de pensar muito em como viera aquilo parar ao seu bolso. Meg fungou ao escutar uma voz, vinda de dentro do boticário do outro lado da rua.
- Não faço ideia. Não consegui ver o que era!
Megan reconheceu a voz de imediato e levantou-se, sorridente. Guardou o livrinho no bolso e começou a andar, abrindo a porta do estabelecimento e entrando.
O interior estava coberto de prateleiras e prateleiras de ingredientes de poções que ela reconhecia e frascos selados. Sentado em frente a um balcão estava o homem que lhe "dera" o diário, o tal Malfoy. Meg ficou satisfeita ao verificar que a sua mão já tinha o triplo do tamanho normal. Ele arregaçara a manga e deixava que o boticário, um homenzinho de óculos baixinho, o examinasse.
- Sem saber ao certo o que o mordeu, é arriscado usar qualquer um dos remédios tradicionais. - Estava o homem a dizer. - De certeza que...- Meg fez um som, chamando a atenção dos dois. Os olhos de Malfoy aumentaram de tamanho ao reconhecê-la.
- Eu acho que lhe devo um pedido de desculpas. - Disse ela ao homem loiro, cujo rosto ficou confundido. - Enganei-me, julgando-o um ladrão, e mandei a minha cobra mordê-lo.
Malfoy não parecia saber o que dizer. Não esperava um pedido de desculpas, de maneira alguma.
- Mas eu não vim aqui só para lhe pedir desculpas. - Continuou Megan, e tirou o livrinho do bolso. - Acho que o senhor perdeu isto.
O rosto de Malfoy ficou branco, e ela aproveitou o instante para usar legilimancia nele sem que o percebesse. Dominara essa arte há anos atrás, mas raramente a utilizava com os ciganos por achar que era desleal e invasivo fazê-lo à sua família e amigos. Era assim que os via.
Em poucos instantes, ela aprendeu tudo o que havia a saber sobre Lucius Malfoy. As revelações fizeram-na fungar de desagrado. O homem era um Devorador da Morte, embora não abertamente há anos. Sobre o livrinho, que ela viu na sua mente ser um diário, esse tinha-lhe sido dado pelo próprio Voldemort, e Malfoy tentara livrar-se dele devido ás rusgas que andavam a ser feitas a casas de ex-devoradores da Morte. Não era de admirar que ele estivesse tão nervoso. Ao mesmo tempo, Meg começou a traçar um plano.
- Guarda-o. - Disse Lucius, de dentes cerrados. - É um presente. Agora diz-me que tipo de cobra me mordeu, para que esta imitação de feiticeiro saiba que antídoto dar-me.
Meg abanou a cabeça.
- Não, não. Eu tenho outra ideia. Você não quer o diário, e é perigoso que o tenha. Eu não tenho problemas nisso, por isso vou fazer-lhe o favor de mo guardar. Sobre a cobra...eu digo-lhe tudo o que precisa de saber para fazer o antídoto, e em troca você faz me um favor.
Ela sabia que aquela era uma linguagem que Lucius entendia. O homem vivia de trocas de favores e dinheiro. Restava saber se estava disposto a fazer um acordo com uma menina de treze anos.
- O que é que tu queres? - Perguntou por fim, de má vontade. Meg sabia que ele pensava que não devia ser grande coisa. Ela era um criança. Na melhor das hipóteses, queria dinheiro para comprar doces ou vassouras de brincar.
- Você tem muitos contactos no ministério. - Começou Megan. - Preciso que os use para descobrir tudo o que puder sobre um esquadrão internacional britânico chamado "Os Sete". - Viu a surpresa do homem, e continuou. - Quero saber tudo o que conseguir. Nomes de membros, moradas...
- Para que queres tu saber do Esquadrão Sangue de Lama? - Perguntou Lucius, obviamente a imaginar o que se passaria. Megan não esperava que ele reconhecesse o nome.
- Esquadrão Sangue de Lama? - Lucius abanou a cabeça, trincando a língua. O boticário desaparecera entretanto, pressentindo que aquela era uma conversa que não devia ouvir.
- Falava-se muito deles, há anos. Aqui, não nos preocupavam muito a nós, os... - ele fixou-a, pensando ter cometido um erro. Megan fez um som impaciente.
- Não precisa de disfarçar, eu sei que você é um Devorador da Morte. Os meus pais também eram. - Acrescentou, num rasgo de inspiração. Lucius olhou-a com atenção por uns momentos, e continuou.
- Como disse, aqui tínhamos a Ordem de Fénix com quem nos preocupar, por isso o que acontecia com os nossos recrutas no estrangeiro não interessava. Mas toda a gente ouvia os boatos. Dizia-se que o ministério criara uma equipa de elite, constituída por sangues de lama que detestavam feiticeiros negros. Não sei muito mais sobre eles.
Aquilo fazia sentido, pensou Meg. Os Gerand tinham dito "sangues de lama".
- Preciso que descubra quem eles são. - Disse. - Quando descobrir, pode mandar uma coruja para...- Pensou um pouco. - Há alguma estalagem barata por aqui?
- Há a Varinha Partida, do outro lado da rua. Mas é um pardieiro. - Acrescentou Malfoy. Meg sacudiu a cabeça, dando a entender que não se importava.
- Mande uma coruja para lá, então. - Disse, decidida. - A cobra que o mordeu é uma serpente imperial, mas precisa de um pouco do seu veneno para o antídoto. - Retirou Kazeila do bolso e colocou-a no chão. Com um gesto de mão, fez a cobra voltar ao seu tamanho original. Malfoy gritou e tropeçou ao ver o tamanho do bicho, mas Megan ignorou-o. Se ele tivesse medo dela, era garantido que seria rápido a cumprir o seu pedido.
Tirou um frasco de cima da mesa e pediu, delicadamente, à cobra para largar umas gotas de veneno. De seguida saiu, deixando um Malfoy muito assustado estendido no chão, com a cobra a deslizar a seu lado.

Meg encolheu Kazeila outra vez antes de entrar no Varinha Partida. Pelo que Malfoy dissera, ela imaginara algo muito pior, mas decidiu que acostumado ao luxo como estava, aquilo devia ser um verdadeiro pardieiro para ele. O empregado não fez perguntas e aceitou o dinheiro, depois de calcular a conversão do dinheiro Muggle que Nadja lhe dera para Galeões.
O quarto em que Megan ficou era relativamente limpo e vazio à excepção de uma cama e armário. Assim que se ambientou, a sua primeira acção foi retirar do bolso o diário. Revirou-o nas mãos e folheou-o. Aquele era um artefacto que pertencera a um mago negro poderoso, assim ela devia tomar cuidado. Não podia ser apenas um livrinho em branco, devia conter informação. Megan estava curiosa em saber o que não estaria oculto nele.
Começou a testá-lo com vários feitiços básicos. Nenhum dos seus encantamentos de revelação produziu efeito no papel, mas Meg não estava disposta a desistir facilmente. Abriu a mala sem fundo, retirando uma pena, um tinteiro e um livro de runas. Folheou-o, até chegar à página que procurava. Abrindo o diário ao acaso, molhou a pena no tinteiro e começou a traçar com precisão as linhas de uma runa quebradora de protecção mágica.
Megan ficou altamente espantada ao verificar que a tinta parecia ser sugada pelo papel. Runas eram inúteis também, portanto. Talvez um encantamento de fixação permitisse fixar a tinta tempo suficiente para...
Arregalou os olhos, ao ver letras começarem a aparecer na folha à sua frente. A caligrafia era bonita, cuidada.
Quem está aí?
Aquilo não devia ser possível, pensou Megan, antes de se lembrar que aquele era o mundo mágico. Talvez fosse algum feitiço de resposta automática. Resolveu testar o diário. Molhando a ponta da pena no tinteiro, escreveu:
Quem és tu? - As letras desapareceram, para ressurgirem de imediato.
Perguntei primeiro.
Meg. - Escreveu ela simplesmente, altamente desconfiada de tudo aquilo. O diário chegara-lhe através de um apoiante de um mago negro, a quem o próprio diário pertencera. Nem pensar que começaria um diálogo com aquela coisa.
Bonito nome. Eu sou Tom Riddle. - O nome fez mexer qualquer coisa na memória da jovem. Mesmo assim, escreveu:
O que é que queres de mim? - Com a letra aguda. Tom, se aquela coisa realmente se chamava Tom, respondeu de imediato.
Nada. Só conversar.
Porque é que eu havia de querer conversar contigo? - Meg começava a sentir-se mais irritada com o diário a cada instante que passava. - Não preciso de conversar com ninguém, muito menos uma folha de papel.
Desta vez "Tom" levou um pouco a responder.
Mas eu preciso. Estou preso neste diário já há muito tempo. Sinto falta de contacto com pessoas.
Não me pareces do tipo que aprecia muito o contacto com pessoas. - Respondeu Megan, rispidamente, tomando nota mental de que "Tom" afirmava estar preso no diário. Aquilo começava a roçar o ridículo, e ela já tinha o suficiente para uma noite só. - Vou fechar o diário. Agora. - As letras reapareceram quase instantaneamente.
Não, espera...! - Meg ignorou-o, escrevendo por baixo antes mesmo de o deixar acabar:
Boa noite, "Tom"!
Com um gesto, ela fechou o diário e largou a pena, atirando os dois para debaixo da cama.

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