Um Sonho de Amante



Um Sonho de Amante


 


CAPÍTULO 1


 


- Céu, necessita um bom sexo.


Hermione Granger se estremeceu ao escutar o grito da Gina na metade do pequeno café de Nova Orleans, onde se encontravam apurando os restos do almoço, consistente em feijões vermelhos com arroz. Infelizmente para ela, a voz de sua amiga possuía um encantador timbre agudo que podia fazer-se ouvir inclusive em metade de um furacão.


E que nesta ocasião, foi seguido de um repentino silêncio no lotado local.


Ao dar uma olhada às mesas próximas, Hermione percebeu que os homens deixavam de falar, e se giravam para observá-las com muito mais interesse do que lhe gostaria.


Jesus! Aprenderá alguma vez Gina a falar em voz baixa? Ou pior ainda, o que será o próximo que faça, tirar roupa e dançar nua sobre as mesas?


Outra vez?


Pela enésima vez desde que se conheceram, Hermione desejava que Gina pudesse sentir-se envergonhada. Mas sua vistosa, e freqüentemente extravagante amiga não conhecia o significado dessa palavra.


Cobriu o rosto com as mãos e fez o que pôde para ignorar aos curiosos olhares. Um desejo irrefreável de deslizar-se sob a mesa, acompanhado de uma urgência ainda maior de dar uma boa patada a Gina, consumiam-na.


- Por que não fala um pouquinho mais alto, Gina? – murmurou - Suponho que os homens do Canadá não terão podido te escutar.


- OH, não sei. - disse o muito bonito garçom moreno ao deter-se junto a sua mesa - Certamente se dirigem para cá enquanto falamos.


Um calor abrasador tomou por assalto as bochechas de Hermione ante o diabólico sorriso que lhe dedicou o garçom, obviamente em idade de ir à universidade.


- Posso lhes oferecer algo mais, senhoras? - perguntou, e depois olhou diretamente a Hermione - Ou para ser mais exato, há algo que possa fazer por você, senhora?


Que tal uma bolsa com a que me cobrir a cabeça e um pau para golpear a Gina?


- Acredito que já acabamos. - respondeu Hermione com as bochechas ardendo. Definitivamente, mataria a Gina por isso - Só necessitamos a conta.


- Muito bem, então. - disse tirando a nota, e escrevendo algo na parte superior do papel. Colocou-a diante de Hermione - Pode me fazer uma chamada se necessitar algo.


Uma vez que o garçom partiu, Hermione se deu conta de que tinha escrito seu nome e seu telefone na parte superior do papel.


Gina deu uma olhada e soltou uma gargalhada.


- Espera e verá. - lhe disse Hermione, reprimindo um sorriso enquanto calculava a importância da metade da conta com seu Palm Pilot - Me pagará isso.


Gina ignorou a ameaça e se dedicou a procurar o dinheiro em sua bolsa adornada com contas.


- Sim, sim. Isso diz agora. Se eu estivesse em seu lugar, marcaria esse número. É muito bonito o menino.


- Jovencíssimo. - corrigiu Hermione - E acredito que vou passar. Quão último preciso é que me encerrem por corrupção de menores.


Gina passeou o olhar pelo preciso lugar onde o garçom esperava, com um quadril apoiado no balcão.


- Sim, mas o “Sou Igual ao Brad Pitt”, que está aí em frente, bem o merece. Pergunto-me se terá algum irmão mais velho…


- E eu me pergunto quanto estaria disposto a pagar Draco por saber que sua mulher ficou todo o almoço comendo-se com os olhos a um guri.


Gina soprou enquanto deixava o dinheiro sobre a mesa.


- Não estou comendo isso. Estou-o avaliando para ti. Depois de tudo, era de sua vida sexual do que falávamos.


- Bom, minha vida sexual é sensacional e não lhe interessa às pessoas que nos rodeia. - E ao soltar o dinheiro na mesa, segurou a última parte de queijo e se encaminhou para a porta.


- Não te zangue. - lhe disse Gina enquanto saía atrás dela à rua lotada de turistas e dos clientes habituais dos estabelecimentos de Jackson Square.


As notas de jazz de um solitário saxofone se escutavam por cima da cacofonia de vozes, cavalos e motores de automóveis, uma onda de calor típico de Louisiana as recebeu ao sair à rua.


Tentado não fazer caso do ar tão espesso que dificultava a respiração, Hermione abriu caminho entre a multidão e as bancas ambulantes, dispostos ao longo da cerca de ferro que rodeava Jackson Square.


- Sabe que é certo. - lhe disse Gina uma vez a alcançou - Quero dizer, Meu deus, Hermione! Quanto faz? Dois anos?


- Quatro. - respondeu ela com ar ausente - Mas a quem lhe interessa levar a conta?


- Quatro anos sem ter relações sexuais? - repetiu Gina incrédula.


Vários olhares se detiveram, curiosos, para observar alternativamente a Gina e a Hermione.


Alheia - como era habitual nela - à atenção que despertavam, Gina continuou sem deter-se.


- Não me diga que você esqueceu que estamos em plena Era da Eletrônica. Ou seja, vamos ver, algum de seus pacientes sabe que leva tanto tempo sem sexo?


Hermione acabou de engolir o queijo e dedicou a sua amiga um desagradável e furioso olhar. É que a intenção da Gina era a de gritar a todo pulmão, em plena Vieux Carre, seus assuntos pessoais a todo humano e cavalo que passasse pela zona?


- Baixa a voz, - lhe disse, e acrescentou com secura - não acredito que seja da incumbência de meus pacientes se for ou não a reencarnação da Virgem. E com respeito à Era da Eletrônica, não quero ter uma relação com algo que vem acompanhado de uma etiqueta com advertências e umas pilhas.


Gina soltou um bufido.


- Sim, vale, te ouvindo falar se diria que a maioria dos homens deveria vir acompanhados de uma etiqueta com esta advertência: - levantou as mãos para emoldurar a seguinte afirmação - Atenção, por favor, Alerta Psíquica. Eu, machoman, sou propenso a sofrer horríveis mudanças de humor, e a pôr caras feias, e possuo a habilidade de dizer a verdade a uma mulher sobre seu peso, sem prévio aviso.


Hermione soltou uma gargalhada. Tinha soltado em inúmeras ocasiões, esse discurso sobre as etiquetas que deveriam levar os homens.


- Ah, já entendo, Doutora Amor. - disse Gina imitando a voz da doutora Ruth - Você se limita a sentar-se e escutar como seus pacientes contam todos os detalhes íntimos de seus encontros sexuais, enquanto você vive como um membro vitalício do “Clube das Calcinhas de teflon”. - baixando a voz, Gina acrescentou: - Não posso acreditar que depois de tudo o que escutaste em suas sessões, nada tenha conseguido revolucionar seus hormônios.


Hermione lhe lançou um olhar divertido.


- Bom, a ver, sou uma sexóloga. Não me beneficiaria muito que meus pacientes se dedicassem a me fazer experimentar a petit mort enquanto jogam fora todos seus problemas. Sério Gina, perderia o título.


- Pois não entendo como pode lhes aconselhar, quando nem sequer te aproxima de um homem.


Fazendo uma careta, Hermione começou a caminhar para o lado oposto da praça, em frente ao Escritório de Informação Turística, onde Gina tinha instalado sua tenda para jogar as cartas e ler as linhas das mãos. Quando chegou à banca - uma mesa coberta com uma toalha de cor arroxeado intenso - suspirou.


- Sabe que não me importaria ficar com um homem que merecesse que me depilassem as pernas. Mas a maioria resulta ser uma perda de tempo tão evidente que prefiro me sentar no sofá e ver as reprises do Hee Haw.


Gina lhe dedicou uma expressão irritada.


- O que tinha de mau o Gerry?


- Mau hálito.


- E Jamie?


- Adorava cutucar o nariz. Especialmente durante o jantar.


- Tony?


Hermione olhou a Gina e esta levantou as mãos.


- Bom, possivelmente tivesse um pequeno problema com as apostas. Mas é que todos precisamos nos distrair com algo.


Hermione a olhou furiosa.


- Né, Madame Gina, já retornaste do almoço? - perguntou-lhe Sunshine do posto situado ao lado do dela, no que vendia objetos de louça e desenhos, feitos por ela.


Alguns anos mais jovem que elas, Sunshine tinha uma longa juba negra e sempre levava roupas que a Hermione faziam pensar que estava diante de uma fada. Sua vestimenta de hoje consistia em uma leve saia branca, que pareceria obscena a não ser pelas meias-calças rosadas que levava embaixo, e uma preciosa blusa de estilo medieval.


- Sim, já retornei. - lhe respondeu Gina enquanto se ajoelhava para abrir a tampa do carrinho de compra que todas as manhãs acorrentava à grade de ferro com uma dessas correntes que se usam para as bicicletas - Algo interessante durante minha ausência?


- Alguns meninos pegaram um de seus cartões, e disseram que retornariam depois de comer.


- Obrigado. - disse Gina guardando a carteira no carro. Tirou a caixa azul onde guardava o dinheiro e as cartas de Tarô - sempre envoltas em um lenço de seda negra - e um fino, mas grande livro com capa de couro marrom que Hermione nunca tinha visto.


Gina colocou seu enorme chapéu de palha de palha, deu a volta e ficou em pé.


- Seus artigos têm os preços marcados? - perguntou a Sunshine.


- Sim. - lhe respondeu esta enquanto pegava sua carteira - Sigo dizendo que traz má sorte, mas ao menos, se alguém quer saber o que valem quando não estou, pode averiguá-lo.


Uma motocicleta de aspecto desastroso freou a certa distância.


- Ei, Sunshine! - gritou o condutor - Move o traseiro pra cá. Tenho fome.


A garota lhe saudou sem fazer caso à ordem.


- Não me apresse ou comerá você sozinho. - lhe respondeu enquanto caminhava sem pressas para ele, e subia à parte traseira da moto.


Hermione moveu a cabeça enquanto lhes observava. Sunshine necessitava que alguém lhe aconselhasse sobre seus encontros, muito mais que ela. Seguiu-lhes com o olhar enquanto passavam diante do Café du Monde.


- OH! Um beignet seria uma estupenda sobremesa.


- A comida não pode substituir ao sexo. - lhe disse Gina enquanto colocava as cartas e o livro sobre a mesa - Não é isso o que sempre diz…?


- De acordo, o ponto é teu. Mas Gina, sério, a que vem este repentino interesse em minha vida sexual? Melhor dizendo, em minha falta dela.


Gina segurou o livro.


- É que tenho uma idéia.


O calafrio que sentiu ante as palavras da Gina lhe chegou até os ossos, e isso que o calor era cansativo. E ela não se assustava facilmente. Bom, a não ser que sua amiga estivesse envolta com uma de suas idéias típicas de “mamãe galinha”.


- Não será outra sessão de espiritismo?


- Não, isto é melhor.


Em seu interior, Hermione se encolheu e começou a perguntar-se o que seria de sua vida nesses momentos se tivesse tido uma companheira de quarto normal o primeiro ano no Tulane, em lugar da Gina Quero Ser Uma Cigana Travessa. De algo estava segura: não estaria discutindo sua vida sexual em meio de uma rua cheia de gente.


Nesse momento, fixou-se em quão diferentes eram. Ela suportava o úmido calor com um ligeiro vestido sem mangas de seda cor nata, de Ralph Lauren, e levava o cabelo escuro recolhido em um sofisticado coque. Em contraste, Gina levava uma longa e vaporosa saia negra com um apertado Top de alças arroxeado que apenas cobria seus generosos seios. O cabelo vermelho e encaracolado, que chegava aos ombros, estava recolhido com um lenço de seda negra, com bolinhas semelhantes às de um leopardo. O traje se completava com uns enormes brincos de prata, em forma de lua cheia, que penduravam virtualmente até os ombros. Sem mencionar a jazida de prata que colocou em ambas os pulsos, em forma de cento e cinqüenta braceletes. Braceletes que tilintavam cada vez que se movia.


As pessoas sempre tinham reparado em suas diferenças físicas, mas ela sabia que Gina escondia uma mente ardilosa e uma grande insegurança sob seu «exótico» traje. Por dentro, pareciam-se muito mais do que qualquer podia imaginar.


Exceto na estranha crença que Gina tinha desenvolvido pelo ocultismo.


E em seu insaciável apetite sexual.


Aproximando-se dela, Gina deixou o livro nas mãos, pouco dispostas a pegar o de Hermione e começou a passar folhas. As arrumou para não deixá-lo cair.


E para não pôr os olhos em branco pela exasperação que a invadia.


- Encontrei isto o outro dia, nessa velha livraria que há junto ao Museu de Cera. Estava coberto por uma montanha de pó, tentava encontrar um livro sobre psicometria quando de repente vi este, Voilà! - disse assinalando triunfalmente à página.


Hermione olhou o desenho e ficou com a boca aberta.


Jamais tinha visto um pouco parecido.


O homem do desenho era fascinante, e a pintura estava realizada com assombroso detalhe. Se não fosse pelas marcas deixadas na página ao ter sido impressa, diria que se tratava de uma fotografia atual de alguma antiga estátua grega.


Não, corrigiu-se a se mesma: de um deus grego. Estava claro que nenhum mortal podia jamais ter essa pinta tão fantástica.


Gloriosamente nu, o moço exsudava poder, autoridade e uma esmagante e selvagem sexualidade. Embora sua pose parecesse ser casual, dava a sensação de estar contemplando um predador preparado para ficar em ação em qualquer momento.


As veias marcavam naquele corpo perfeito que prometia possuir uma força inigualável, desenhada especificamente para proporcionar prazer a uma mulher.


Com a boca seca, Hermione observou os músculos, que tinham as proporções adequadas para sua altura e seu peso. Contemplou a profunda fenda que separava os duros peitorais e baixou até o estômago - esculpido com forma de tablete de chocolate - que suplicava ser acariciado por uma mão feminina.


E então chegou ao umbigo.


E depois a…


Bom, não lhes tinha ocorrido cobrir aquilo com uma folha de parreira. E por que deveriam fazê-lo? Quem, em seu são julgamento, ia querer ocultar uns atributos masculinos tão estupendos? E seguindo com aquela linha de pensamento, quem necessitaria um artefato com pilhas tendo aquilo em sua casa?


Umedeceu os lábios e voltou para o rosto.


Enquanto contemplava os afilados e bonitos contornos do rosto, e os lábios - com um diabólico sorriso esboçado - assaltou-lhe a imagem de uma ligeira brisa agitando essas negras mechas, clareados pelo sol, que se encrespavam ao redor do pescoço, especialmente desenhado para cobrir o de úmidos beijos. E daqueles penetrantes olhos de cor verde metálica, enquanto levantava uma lança sobre a cabeça, e gritava.


O sufocante ar que lhe rodeava estremeceu ligeiramente de forma repentina, e lhe acariciou as partes de seu corpo expostas à brisa.


Quase podia escutar a profunda da voz do moço e sentir como aqueles musculosos braços a envolviam e a atraíam para um peito duro como uma rocha, enquanto seu quente fôlego lhe roçava a orelha.


Percebia umas mãos fortes e peritas que vagavam por seu corpo, e lhe proporcionavam um deleite delicioso, enquanto procuravam seus mais recônditos lugares.


Um calafrio lhe percorreu as costas e o corpo começou a lhe palpitar em zonas onde nunca tinha pensado que aquilo pudesse ocorrer. Sentia uma dor feroz e exigente que jamais tinha experimentado.


Piscou e voltou a olhar a Gina, para ver se também ela se viu afetada do mesmo modo. Mas se assim era, não dava sinais disso.


Devia estar alucinando. Exato! As especiarias dos feijões lhe tinham chegado ao cérebro e o tinham convertido em mingau.


- O que opina dele? - perguntou-lhe Gina, olhando-a por fim aos olhos.


Hermione se deu de ombros, em um esforço por esquecer a fogueira que abrasava seu corpo. Mas seus olhos voltaram a atar-se nas perfeitas formas do homem.


- Parece-se com um paciente que teve consulta ontem.


Bom, não era exatamente certo… o menino que tinha estado em sua consulta era medianamente atrativo, mas nada que ver com o homem do desenho.


Jamais tinha visto algo assim em toda sua vida!


- De verdade? - os olhos da Gina adquiriram um matiz escuro que prognosticava o começo de seu sermão sobre as oportunidades de conseguir um encontro e a intervenção do destino.


- Sim. - disse cortando a Gina antes que pudesse começar a falar - Me disse que era uma lésbica apanhada no corpo de um homem.


Gina abriu a boca, muda de assombro. Segurou o livro, tirando-lhe a Hermione das mãos, e o fechou com força enquanto a olhava furiosa.


- Sempre conhece as pessoas mais estranhas.


Hermione levantou uma sobrancelha.


- Nem te ocorra dizê-lo. - disse Gina enquanto ocupava seu lugar habitual depois da mesa. Colocou o livro a seu lado - Lhe advirto isso, isto - disse, dando dois golpezinhos ao livro - é o que está procurando.


Hermione olhou fixamente a sua amiga enquanto pensava no absolutamente convincente que parecia Madame Gina – auto-proclamada Senhora da Lua - sentada atrás de suas cartas de Tarô, com aquela mesa púrpura, e o misterioso livro sob as mãos. Nesse momento, quase podia acreditar que Gina era em realidade uma esotérica cigana.


Se acreditasse nessas coisas.


- Bom. - disse Hermione dando-se por vencida - Deixa de falar com rodeios e me diga o que têm que ver esse livro e esse desenho com minha vida sexual.


O rosto da Gina adotou uma expressão bastante séria.


- O moço que te mostrei… Harry… é um escravo sexual grego que está obrigado a cumprir os desejos daquela que lhe invoque, e a adorá-la.


Hermione riu com vontades. Sabia que estava sendo muito mal educada, mas não pôde evitá-lo. Como demônios ia acreditar Gina, uma licenciada em história antiga e em física, premiada com a beca Rhodes, e com um doutorado em filosofia, em um pouco tão ridículo, até com todas suas excentricidades?


- Não te ria. Digo a sério.


- Já sei, isso é o que me faz graça. - limpou garganta e se serenou - Bom, o que tenho que fazer? Tirar a roupa e dançar nua no Pontchartrain a meia-noite? - uma leve tentativa de sorriso curvou seus lábios, sem lhe importar que os olhos da Gina se obscurecessem a modo de aviso - Tem razão, encarregarei-me de conseguir uma boa sessão de sexo, mas não acredito que seja com um esplêndido escravo sexual grego.


O livro caiu da mesa.


Gina deu um grito, levantou-se de um salto e atirou a cadeira.


Hermione ofegou.


- Empurrou-o com o cotovelo, verdade?


Gina negou com a cabeça muito devagar, tinha os olhos abertos como pratos.


- Confessa-o, Gina.


- Não fui eu. - disse com uma expressão mortalmente séria - Acredito que o ofendeu.


Movendo a cabeça ante aquela necessidade, Hermione tirou da bolsa os óculos de sol e as chaves. Bem, estupendo, isto se parecia com a época da faculdade, quando Gina lhe falou de usar uma Ouija, e o forjou tudo para que lhe dissesse que ia se casar com um deus grego quando cumprisse os trinta anos, e que ia ter seis filhos com ele.


Até o dia de hoje, Gina se negava a admitir que tivesse sido ela a que dirigisse o ponteiro.


E, neste preciso momento, fazia muito calor sob o implacável sol de agosto para discutir.


- Olhe, preciso retornar ao escritório. Tenho um encontro as dois em ponto e não quero pegar trânsito. - lhe disse enquanto punha o Ray-Ban - Virá então esta noite?


- Não perderia isso por nada do mundo. Levarei o vinho.


- Bem, vejo-te as oito - E fez uma longa pausa para acrescentar - e diga ao Draco olá e obrigado por te deixar me visitar por meu aniversário.


Gina a observou afastar-se e sorriu.


- Espera ver seu presente. - sussurrou, e recolheu o livro do chão. Passou a mão pela suave tampa de couro esculpido, e tirou umas bolinhas de pó.


Voltou a abri-lo e observou de novo o maravilhoso desenho, aqueles olhos tinham sido desenhados com tinta negra, e mesmo assim, davam a impressão de ser de um profundo azul cobalto.


Por uma só vez seu feitiço ia funcionar. Estava segura.


- Você gostará de Hermione, Harry. - murmurou dirigindo-se ao homem enquanto percorria com os dedos seu corpo perfeito - Mas devo te advertir algo: acabaria com a paciência de um santo. E transpassar suas defesas vai resultar mais duro que abrir uma brecha na muralha de Troya. Não obstante, se alguém pode ajudá-la, esse é você.


Sentiu que o livro desprendia uma súbita onda de calor sob sua mão, e soube instintivamente que era a forma que Harry escolhia para lhe dar a razão.


Hermione pensava que estava louca por causa de suas crenças, mas sendo a sétima filha de uma sétima filha, e com o sangue cigano que corria por suas veias, Gina sabia que havia certas coisas na vida que desafiavam qualquer explicação. Certas correntes de energia misteriosa que passavam despercebidas, esperando que alguém as canalizasse.


E essa noite haveria lua cheia.


Devolveu o livro à segurança do carrinho de compra e o fechou com chave. Estava segura que tinha sido coisa do destino que o livro chegasse até ela. Havia sentido sua chamada logo que se aproximou da estante onde jazia.


E já que levava dois anos felizmente casada, soube que não estava destinado a ela. Usava-a para chegar onde o necessitavam.


Até Hermione.


Seu sorriso se esticou. Como seria ter a este incrivelmente bonito escravo sexual grego a sua disposição e dispor dele durante todo um mês…


Sim. Este era, definitivamente, um presente de aniversário que Hermione recordaria durante o resto de sua vida.


 


 


CAPÍTULO 2


 


Umas horas mais tarde, Hermione suspirou ao abrir a porta de seu duplex e pôr o pé no chão encerado do vestíbulo. Deixou o montão de cartas que levava na mão sobre a antiga mesa, que decorava o canto adjacente à escada, e fechou a porta atrás dela a chave. As chaves foram parar ao lado da correspondência.


Enquanto tirava a puxões os sapatos negros de salto, o silêncio golpeou os ouvidos e lhe formou um nó na garganta. Todas as noites a mesma rotina tranqüila: entrar em um lar vazio, classificar o correio, ler um livro, chamar a Gina, comprovar a secretária eletrônica e ir para cama.


Gina tinha razão, a vida de Hermione era uma aborrecida e direta investigação sobre a monotonia.


Aos vinte e nove anos, Hermione estava muito cansada de sua vida.


Demônios! Inclusive Jamie - o incansável buscador de tesouros nasais - começava a parecer atrativo.


Bom, possivelmente Jamie não. E menos seu nariz, mas seguro que havia alguém aí fora, em algum lugar, que não era um cretino.


Ou não?


Enquanto subia as escadas, decidiu que viver de forma independente não era tão espantoso. Ao menos, tinha muito tempo para dedicar a seus entretenimentos favoritos.


Ou também poderia procurar novos passatempos, pensava enquanto caminhava pelo corredor que levava a seu dormitório. Algum dia, encontraria um entretenimento divertido.


Cruzou o quarto e deixou cair os sapatos junto à cama. Não demorou nada em mudar de roupa.


Acabava de recolher o cabelo em um rabo de cavalo quando soou a campainha.


Baixou de novo as escadas para deixar passar a Gina.


Logo que abriu a porta, sua amiga lhe soltou zangada:


- Não irás pôr isso esta noite, verdade?


Hermione deu uma olhada aos jeans cheios de buracos e depois se fixou em sua enorme camiseta de manga curta.


- Desde quando se preocupa meu aspecto? - E então o viu, na enorme cesta de vime que Gina utilizava para levar as compras - Uf! Não. Esse livro outra vez, não.


Com uma expressão ligeiramente irritada, Gina lhe respondeu:


- Sabe qual é seu problema, Hermione?


Hermione olhou ao teto, rogando aos céus um pouco de ajuda. Infelizmente, não a escutaram.


- Qual? Que não me transtorna a luz da lua e que não jogo meu gordo e sardento corpo sobre qualquer homem que conheço?


- Que não tem nem idéia de quão encantadora é em realidade.


Enquanto Hermione ficava ali plantada, muda de assombro ante o pouco freqüente comentário, Gina levou o livro à sala de estar e o colocou sobre a mesa de café. Tirou o vinho da cesta e se dirigiu à cozinha.


Hermione não se incomodou em segui-la. Tinha encomendado uma pizza antes de sair do trabalho, e sabia que Gina estaria procurando umas taças.


Empurrada por uma mola invisível, Hermione se aproximou da mesa onde estava o livro.


Espontaneamente, estendeu a mão e tocou a suave coberta de couro. Poderia jurar que havia sentido uma carícia na bochecha.


Que ridículo.


Não acredite neste lixo.


Hermione passou a mão pelo couro e notou que não havia título, nem nenhuma outra inscrição. Abriu a capa.


Era o livro mais estranho que tinha visto em sua vida. As páginas pareciam ter formado parte, originariamente, de um cilindro de pergaminho, que mais tarde tinha sido transformado em um livro.


O amarelado papel se enrugou debaixo de seus dedos ao passar a primeira página, nela havia um elaborado símbolo feito a mão, formado pela intercessão de três triângulos e a atraente imagem de três mulheres unidas por várias espadas.


Hermione franziu o cenho esforçando-se por recordar se aquilo podia ser uma espécie de antigo símbolo grego.


Ainda mais intrigada que antes, passou algumas páginas e descobriu que estava completamente em branco, exceto aquelas três folhas…


Que estranho…


Devia ter sido algum caderno de esboços de um pintor, ou de um escultor, decidiu. Isso seria quão único explicasse que as páginas estivessem em branco. Algo teve que acontecer antes que o artista tivesse oportunidade de acrescentar algo mais ao livro.


Mas isso não acabava de explicar por que as páginas pareciam muito mais antigas que a encadernação…


Retrocedeu até chegar ao desenho do homem, e observou com atenção a inscrição que havia sobre ele, mas não pôde tirar nada em claro. Ao contrário que Gina, ela evitou as aulas de línguas antigas na faculdade como se fossem veneno, e se não tivesse sido por sua amiga, jamais teria superado aquela parte fundamental em seu currículo.


- Definitivamente, acredito que é grego. - disse sem fôlego quando voltou a olhar ao homem.


Era surpreendente. Absolutamente perfeito e excitante.


Incrivelmente fascinante.


Cativada por completo, perguntou-se quanto tempo demoraria em fazer um desenho tão perfeito. Alguém devia ter passado anos dedicado à tarefa, porque aquele moço parecia estar preparado para saltar do livro e meter-se em sua casa.


Gina se deteve na entrada e observou como Hermione olhava fixamente a Harry. Nunca a tinha visto tão extasiada desde que a conhecia.


Bem.


Possivelmente Harry pudesse ajudá-la.


Quatro anos eram muito tempo.


Mas Paul tinha sido um porco narcisista e desconsiderado. Comportou-se de um modo tão cruel com Hermione e com seus sentimentos, que inclusive a tinha feito chorar a noite que perdeu a virgindade.


E nenhuma mulher merecia chorar. Não quando estava com alguém que tinha prometido cuidar dela.


Harry seria definitivamente bom para Hermione. Um mês com ele e esqueceria todo o referente ao Paul. E, uma vez que descobrisse quão bem sabia o sexo compartilhado e real, libertaria-se da crueldade do Paul para sempre.


Mas primeiro, tinha que conseguir que sua teimosa amiga fosse um pouco mais obediente.


- Encomendaste a pizza? - perguntou-lhe enquanto lhe oferecia uma taça de vinho.


Hermione a colheu com um gesto distraído. Por alguma razão, não podia apartar os olhos do desenho.


- Hermione?


Piscou e se obrigou a olhar para cima.


- Hum?


- Peguei-te olhando. - brincou Gina.


Hermione esclareceu a garganta.


- OH, por favor! Não é mais que um pequeno desenho em branco e preto.


- Céu, nesse desenho não há nada pequeno.


- Gina, é má.


- Completamente certo. Mais vinho?


E como se tivessem estado esperando o momento preciso, soou a campainha.


- Eu vou. - disse Gina, colocando o vinho na mesa do telefone para dirigir-se ao saguão.


Uns minutos depois, voltou para a sala. Até Hermione chegou o maravilhoso aroma da enorme pizza de pepperoni e seus pensamentos deixaram a um lado o livro. E ao homem cuja imagem parecia haver-se gravado em seu subconsciente.


Mas não pareceu fácil.


De fato, cada minuto que passava parecia mais difícil.


Que demônios lhe passava? Era a Rainha de Gelo. Nem sequer Brad Pitt ou Brendan Fraser despertavam seus desejos. E os via em cor.


O que tinha de estranho naquele desenho?


Nele?


Mordiscou a pizza e trocou de assento. Acomodou-se em uma poltrona na outra ponta da sala, a modo desafio pessoal. Sim. Demonstraria a Gina e ao livro que ela dominava a situação.


Depois de quatro porções de pizza, dois pasteis de chocolate, quatro taças de vinho e um filme, riam a mais não poder tombadas no chão sobre as almofadas do sofá enquanto viam Sixteen Candles.


- «Diz que é seu aniversário». - começou Gina a cantar, e ato seguido golpeou o chão como se tratasse de um bongô - «Também é o meu».


Hermione lhe golpeou a cabeça com uma almofada e lhe deu a risada tola ao comprovar os efeitos do vinho.


- Hermione? - disse Gina zombadora - Está bêbada?


Hermione voltou a rir.


- Mas bem, agradavelmente contente. Maravilhosamente contente.


Gina riu dela e lhe desfez o rabo de cavalo.


- Então, está disposta a fazer um pequeno experimento?


- Não! - gritou Hermione com ênfase, sujeitando-os mechas de cabelo depois das orelhas - Não quero utilizar a Ouija, nem fazer o do pêndulo e te juro que se vir uma só carta do Tarô ou uma runa, vomitarei em cima os pasteis.


Mordendo o lábio, Gina segurou o livro e o abriu.


As cinco para meia noite.


Sustentou o desenho para que Hermione o observasse e assinalou aquele incrível corpo.


- O que opina dele?


Hermione o olhou e sorriu.


- Está para lamber-se, verdade?


Bom, definitivamente a coisa ia progredindo. Não conseguia recordar a última vez que Hermione lhe tinha dedicado um completo a um homem. Moveu o livro frente ao rosto de sua amiga.


- Venha, Hermione. Admite-o. Deseja a este bombom.


- Se te disser que não lhe deixaria sair de minha cama nem em troca de umas bolachas salgadas, deixaria-me em paz?


- Pode. A que mais renunciaria por mantê-lo em sua cama?


Hermione pôs os olhos em branco e apoiou a cabeça sobre uma almofada.


- A comer miolos de macaco?


- Agora sou eu a que vai vomitar.


- Não está emprestando atenção ao filme.


- Farei se pronunciar este feitiço tão curto.


Hermione levantou as mãos e suspirou. Sabia que não merecia a pena discutir com a Gina… tinha aquela expressão. Não se deteria até sair-se com a sua, nem que caísse um meteorito sobre elas nesse mesmo momento.


Além disso, o que tinha que mau? Já fazia muito tempo que sabia que nenhum dos estúpidos rituais e encantamentos da Gina funcionavam.


- Vale, se assim se sentir melhor, farei.


- Sim! - gritou Gina e a segurou por um braço para pô-la em pé - Precisamos sair ao alpendre.


- Muito bem, mas não vou cortar o pescoço de um frango, nem vou beber nada asqueroso.


Com a sensação de ser uma menina a que tinham deixado dormir na casa de uma amiga, e que acabava de perder no jogo de verdade-conseqüência, deixou que Gina a precedesse através da porta trilho de vidro que dava ao alpendre. O ar úmido encheu seus pulmões, escutou aos grilos cantar e descobriu milhares de estrelas brilhando sobre sua cabeça. Hermione supôs que era uma noite perfeita para invocar a um escravo sexual.


Riu baixo.


- O que quer que faça? - perguntou a Gina - Pedir um desejo a um planeta?


Gina negou com a cabeça e a colocou em metade de um raio de lua que penetrava entre as árvores e o beiral do telhado. Ofereceu-lhe o livro.


- Apóia no peito e abraça-o com força.


- OH, nenê! - disse Hermione com fingido desejo enquanto envolvia amorosamente o livro com seus braços e o aproximava de seu peito, como se de um amante se tratasse - Me põe tão brincalhona… Não posso esperar a afundar meus dentes nesse maravilhoso corpo que tem.


Gina riu.


- Para. Isto é sério!


- Sério? Por favor. Estou aqui fora na metade do alpendre, o dia de meu trigésimo aniversário, descalça, com uns jeans aos que minha mãe poria fogo e abraçando um estúpido livro para invocar a um escravo sexual grego que está mais à frente. - olhou a Gina - Só conheço uma maneira de fazer que isto seja ainda mais ridículo…


Sustentando o livro com uma só mão, estendeu os braços a ambos os lados, jogou a cabeça para trás e começou a rogar ao escuro céu:


- OH! Fabuloso escravo sexual, me leve contigo e me faça todas as coisas escandalosas que saiba. Ordeno-te que te levante. - disse, elevando as sobrancelhas.


Gina soprou.


- Assim não é como deve fazê-lo. Tem que dizer seu nome três vezes.


Hermione se endireitou.


- Escravo sexual, escravo sexual, escravo sexual.


Com os braços em jarras, Gina lhe lançou um furioso olhar.


- Harry Potter.


- OH! Sinto-o. - disse Hermione voltando a apertar o livro sobre o peito, e fechando os olhos - Vêem e alivia a dor que sinto em minhas partes baixas, OH! Grande Harry Potter, Harry Potter, Harry Potter. - se girou para olhar a Gina - Sabe? Isto é um pouco difícil de pronunciar três vezes seguidas, e tão rápido.


Mas sua amiga não lhe prestava a mais mínima atenção. Estava muito ocupada olhando por todos os lados, esperando a aparição de um bonito estranho.


Hermione acabava de pôr outra vez os olhos em branco, quando um ligeiro sopro de vento cruzou o pátio e um suave aroma a sândalo as envolveu. Voltou a inalar para recrear-se de novo no agradável aroma antes que se evaporasse, e então a brisa desapareceu, deixando de novo o caloroso e úmido abafado, típico de uma noite de agosto.


De repente, escutou-se um débil som procedente do pátio traseiro, e as folhas dos arbustos se moveram.


Arqueando uma sobrancelha, Hermione contemplou como as plantas se balançavam. E então, a menina travessa que havia nela cobrou vida.


- OH, Meu deus! - balbuciou e assinalou a um arbusto do pátio traseiro - Gina olhe ali!


Gina se girou a toda pressa ante o nervosismo de Hermione. Uma enorme sebe se balançava como se houvesse alguém atrás.


- Harry? - chamou-lhe Gina, e deu um passo para diante.


O arbusto se inclinou e, subitamente, um gemido e um miau romperam o silêncio, um segundo antes que dois gatos cruzassem o pátio como uma exalação.


- Olhe Gi. É o senhor Dom Gato que deve pôr fim a meu celibato. - sustentou o livro com um braço e se levou o dorso da mão à frente, em um simulacro de desmaio - OH, me ajude Senhora da Lua! O que vou fazer com cuidados de tão desacertado pretendente? Ajude-me rápido, antes que me mate por causa da alergia.


- Me dê esse livro. - lhe espetou Gina tirando-se o de um puxão. Retornou a casa enquanto passava as páginas - Caramba! O que tenho feito mal?


Hermione abriu a porta para que Gina passasse ao fresco interior da sala.


- Não fez nada mal, céu. Isto é absurdo. Quantas vezes tenho que te dizer que há um velho sentado na parte traseira de um armazém, escrevendo toda esta porcaria? Apostaria a que agora mesmo está partindo-se de risada por quão imbecis fomos.


- Possivelmente era necessário fazer algo mais. Jogo-me o que seja a que há algo nos primeiros parágrafos que não posso interpretar. Deve ser isso.


Hermione fechou a porta de vidro e suplicou um pouco mais de paciência.


E me chama teimosa, a mim!


O telefone soou nesse instante e, ao respondê-lo, Hermione escutou a voz do Draco perguntado pela Gina.


- É para ti. - disse lhe alongando o fone.


Gina o segurou.


- Sim? - manteve-se em silêncio uns minutos. Hermione podia escutar a voz nervosa do Draco. Pela repentina palidez do rosto de sua amiga, deduziu que algo tinha passado.


- Bem, bem. Chegarei em seguida. Está seguro de que te encontra bem? Bem, quero-te. Vou a caminho… não faça nada até que eu chegue.


Hermione sentiu um horrível nó no estômago. Uma e outra vez, voltava a ver a polícia na porta de seu dormitório, e a escutar sua desapaixonada voz: Sinto muito lhe informar…


- O que acontece? - perguntou Hermione.


- Draco caiu jogando basquete e quebrou um braço.


Deixou escapar o fôlego mais tranqüila. Obrigado Senhor, não foi um acidente de carro.


- Encontra-se bem?


- Diz que sim. Seus amigos lhe levaram a um médico que lhe fez uma radiografia antes que partissem. Disse-me que não me preocupasse, mas acredito que é melhor que volte para casa.


- Quer que te leve em meu carro?


Gina negou com a cabeça.


- Não, tomaste muito vinho, eu bebi menos. Além disso, estou segura de que não é nada sério. Mas já sabe quão apreensiva sou. Fique aqui e desfruta do que fica de filme. Chamarei-te amanhã pela manhã.


- Certo. Avise-me se for grave.


Gina segurou a bolsa e tirou as chaves. Deteve-se na metade de caminho e jogou o livro a Hermione.


- Que demônios! Suponho que nos próximos dias te ajudará a rir a gargalhadas cada vez que te lembre de quão idiota sou.


- Não é idiota. Simplesmente, um pouco excêntrica.


- Isso é o que diziam da Mary Todd Lincoln. Até que a internaram.


Hermione segurou o livro, rindo-se a gargalhadas, e observou como Gina caminhava para seu carro.


- Tome cuidado. -gritou da porta - E obrigado pelo presente, e pelo que esteja por vir.


Gina lhe disse adeus com a mão antes de subir a seu Jipe Cherokee vermelha brilhante e afastar-se.


Com um suspiro de cansaço, Hermione fechou a porta, jogou o fecho e jogou o livro ao sofá.


- Não vá a nenhum lado, escravo sexual.


Hermione riu de sua própria estupidez. Acabaria alguma vez Gina com todas aquelas tolices?


Desligou o televisor e levou os pratos sujos a pia. Enquanto lavava as taças, viu uma repentina chama.


Durante um segundo, pensou que se tratava de um relâmpago.


Até que se deu conta de que tinha sido dentro da casa.


- Que dem…?


Soltou a taça e foi para a sala de estar. Ao princípio não viu nada. Mas conforme se aproximava da porta, percebeu uma presença estranha. Algo que lhe arrepiou a pele.


Entrou na casa com muito cuidado e viu uma figura alta, de pé diante do sofá. Era um homem. Um homem muito bonito. Um homem nu!


CAPÍTULO 3


 


Hermione fez o que qualquer mulher que se encontra a um homem nu em sua sala de estar tivesse feito: gritar.


E depois, sair correndo para a porta.


Só que se esqueceu das almofadas que tinham amontoado no chão e que ainda estavam ali. Tropeçou-se com alguns e caiu de bruços.


Não! Gritou mentalmente enquanto aterrissava de forma pouco elegante e dolorosa. Tinha que fazer algo para proteger-se.


Tremendo de pânico, abriu-se passo entre as almofadas enquanto procurava uma arma. Ao sentir algo duro sob a mão o segurou, mas era uma de suas sapatilhas rosa de forma de coelho.


Caramba! Pela extremidade do olho viu a garrafa de vinho. Rodou para ela e a segurou, então se girou para enfrentar ao intruso.


Mais rápido do que ela tivesse podido esperar, o homem fechou seus quentes dedos ao redor de seu pulso e a imobilizou com muito cuidado.


- Tem-te feito mal? - perguntou-lhe.


Santo Deus! Sua voz era profundamente masculina e tinha um melodioso e marcado acento que só podia descrever-se como musical. Erótico. E francamente estimulante.


Com todos os sentidos embotados, Hermione olhou para cima e…


Bom…


Para ser honestos, só viu uma coisa. E o que viu fez que as bochechas lhe ardessem mais que um gumbo cajún. Depois de tudo, como não ia ver o se estava ao alcance de sua mão. E além disso, com semelhante tamanho.


Ao momento, o moço se ajoelhou a seu lado, com muita ternura lhe afastou o cabelo dos olhos e passou as mãos por sua cabeça em busca de uma possível ferida.


Hermione se recreou com a visão de seu peito. Incapaz de mover-se nem de olhar outra coisa que não fosse aquela incrível pele, sentiu a urgência de gemer ante a intensa sensação que os dedos daquele moço lhe estavam provocando no cabelo. Ardia-lhe todo o corpo.


- Golpeaste a cabeça? - perguntou-lhe ele.


De novo, esse magnífico e estranho acento que reverberava através de seu corpo, como uma carícia cálida e relaxante.


Hermione olhou com muita atenção aquela extensão de pele dourada pelo sol, que parecia lhe pedir a gritos a sua mão que a tocasse.


O moço virtualmente resplandecia!


Fascinada, desejou lhe ver o rosto e comprovar por si mesmo que era tão incrível como o resto de seu corpo.


Quando levantou o olhar além dos esculturais músculos de seus ombros, ficou com a boca aberta. E a garrafa de vinho se deslizou entre seus adormecidos dedos.


Era ele!


Não! Não podia ser.


Isto não podia estar lhe acontecendo a ela, e ele não podia estar nu em sua sala de estar com as mãos enterradas em seu cabelo. Este tipo de coisa não passava na vida real. Especialmente às pessoas equilibradas como ela.


Mas mesmo assim…


- Harry? - perguntou sem fôlego.


Tinha a poderoso e definida constituição de um ginasta. Seus músculos eram duros, proeminentes e magníficos, e muito bem definidos, tinha músculos até em lugares onde nem sequer sabia que se podiam ter. Nos ombros, os bíceps, nos antebraços, no peito, nas costas. E do pescoço até as pernas.


Qualquer músculo que lhe desejasse muito, avultava-se com uma força arruda e totalmente masculina.


Até aquilo tinha começado a avultar-se.


O cabelo lhe caía em uma juba ondulada, e lhe emoldurava um rosto sem rastro de barba, que parecia ter sido esculpido em granito. Incrivelmente bonito e cativante, seus traços não pareciam femininos nem delicados. Mas definitivamente, roubavam o fôlego.


Os sensuais lábios se curvavam em um leve sorriso que deixava à vista duas covinhas com forma de meia lua, em cada uma de suas bronzeadas bochechas.


E seus olhos.


Meu deus!


Tinham o celestial azul claro de um perfeito dia do verão, rodeados de um bordo azul escuro que ressaltava sua íris. Pareciam abrasadores de tão intensos, e refletiam inteligência. Hermione tinha a sensação de que aqueles olhos podiam realmente resultar letais.


Ou ao menos, devastadores.


E ela se sentia realmente devastada nesses momentos. Cativada por um homem muito perfeito para ser real.


Vacilante, estendeu a mão para colocá-la sobre seu braço. Surpreendeu-se muito quando não se evaporou, demonstrando que não era uma alucinação.


Não, esse braço era real. Real, duro, e quente. Embaixo daquela pele que sua mão tocava, um poderoso músculo se flexionou, e o movimento fez que seu coração começasse a martelar com força.


Atônita, não podia fazer outra coisa que olhá-lo.


Harry levantou uma sobrancelha, intrigado. Nunca antes uma mulher tinha saído fugindo dele. Nem o tinha deixado de lado depois de havê-lo invocado.


Todas as demais tinham esperado ansiosas a que ele tomasse forma e se lançaram diretamente a seus braços, lhe exigindo que as agradasse.


Mas esta não…


Era distinta.


Em seus lábios fazia cócegas um sorriso enquanto deslizava os olhos pelo corpo daquela mulher. Uma abundante juba negra lhe caía até a metade das costas, e seus olhos tinham a cor cinza pálida do mar antes de uma tormenta, com pontinhos de cor prata e verde que brilhavam com calidez e inteligência.


A pálida e suave pele estava coberta de pequenas sardas. Era tão adorável como sua suave e insinuante voz.


Não é que isso importasse muito.


Sem ter em conta qual fosse sua aparência, ele estava ali para servi-la sexualmente. Para perder-se ao saborear aquele corpo, e tinha toda a intenção de fazer precisamente isso.


- Vamos, - disse sujeitando-a pelos ombros - me Deixe te ajudar.


- Está nu. - murmurou Hermione lhe olhando de cima abaixo, totalmente perplexa, enquanto ficavam em pé - Está muito nu.


Colocou-lhe algumas mechas escuras depois das orelhas.


- Sei.


- Está nu!


- Sim, acredito que já o deixamos claro.


- Está tão contente, e nu.


Confuso, Harry franziu o cenho.


- O que?


Ela olhou sua ereção.


- Está contente. - lhe disse com um intencionado olhar - E está nu.


Assim lhe chamavam então neste século. Deveria recordá-lo.


- E isso te faz sentir incômoda? - perguntou-lhe, assombrado pelo fato de que a uma mulher preocupasse sua nudez, coisa que jamais tinha acontecido anteriormente.


- Bingo!


- Bom, conheço um remédio. - disse Harry, baixando sua voz enquanto olhava a camisa de Hermione e os endurecidos mamilos que se marcavam através do tecido. Não podia esperar mais para ver esses mamilos.


Para saboreá-los.


Aproximou-se para tocá-la.


Hermione se afastou um passo com o coração na boca. Isto não era real. Não podia sê-lo. Estava bêbada e tinha alucinações. Ou possivelmente golpeou a cabeça com a mesa do sofá e estava sangrando-se, morrendo pouco a pouco.


Sim, isso era! Isso tinha sentido.


Pelo menos, tinha mais sentido que aquele palpitante estremecimento que fazia que seu corpo ardesse. Um estremecimento que lhe pedia que se lançasse o pescoço daquele moço.


E era dizer que tinha um bonito pescoço.


Quando tiver uma fantasia, moça, é que definitivamente está esgotada. Certamente terá estado trabalhando mais da conta, e está começando a levar pra casa os sonhos de seus pacientes.


Harry se aproximou dela e lhe encerrou o rosto entre suas fortes mãos. Hermione não podia mover-se. Limitou-se a deixar que lhe levantasse a cabeça até que pôde olhar de frente aqueles penetrantes olhos, que com toda segurança poderiam ler a alma. Hipnotizavam-na como os de um mortífero predador sossegando a sua presa.


Hermione estremeceu sob seu abraço.


E então, uns ardentes e exigentes lábios cobriram os seus. Hermione gemeu em resposta. Tinha escutado falar toda sua vida de beijos que faziam fraquejar os joelhos das mulheres, mas esta era a primeira vez que acontecia a ela.


OH! Aquele homem cheirava estupendamente, dava gosto lhe tocar e, além disso, o sabor era muitíssimo melhor.


Por própria iniciativa, seus braços envolveram aqueles amplos e fortes ombros. O calor do peito do homem se introduziu em seu corpo, incitando-a com a erótica e sensual promessa do que viria a seguir. E enquanto isso, ele se dedicava a encantá-la com seus lábios com tanta mestria como um viking com a intenção de arrasá-lo.


Cada centímetro de seu magnífico corpo estava intimamente pego ao dele, acariciando-a com a intenção de despertar todos seus instintos femininos. OH Deus! Sua presença a estimulava como nenhum outro homem o tinha feito jamais. Deslizou a mão pelos esculturais músculos de suas costas e suspirou quando sentiu que se moviam sob sua mão.


Hermione decidiu naquele preciso instante que se era um sonho, definitivamente não queria que soasse o despertador.


Nem o telefone


Nem…


As mãos de Harry acariciaram suas costas antes de agarrá-la pelas nádegas e aproximar mais seus quadris, enquanto sua língua seguia dançando em sua boca. O aroma a sândalo alagava seus sentidos.


Com o corpo derretido, explorou os duros e firmes músculos de suas costas nuas, enquanto as longas mechas dele lhe roçavam as mãos em uma erótica carícia.


Harry sentiu que sua cabeça dava voltas com o quente roçar de Hermione, com a sensação de seus braços envolvendo-o enquanto suas próprias mãos percorriam sua suave e sardenta pele, um deleite para o faminto.


Como gostava dos sons inarticulados com os que ela provocativamente lhe respondia. Mmm estava desejando ouvi-la gritar de prazer. Ver como sua cabeça caía para trás enquanto seu corpo se convulsionava espasmo atrás de espasmo envolvendo seu membro.


Fazia muitíssimo tempo que não sentia as carícias de uma mulher. Muito tempo desde que não gozava do mais mínimo contato humano.


Sentia um desejo ardente que lhe percorria todo o corpo, se esta fosse sua primeira vez, devoraria Hermione como a um pedaço de chocolate. Tombaria-a e gozaria dela como um faminto convidado a um banquete.


Mas tinha que esperar a que se acostumasse um pouco a ele.


Muitos séculos atrás tinha aprendido que as mulheres sempre se desvaneciam atrás de sua primeira união. Definitivamente, não queria que esta desmaiasse.


Ao menos não ainda.


Não obstante, não podia esperar um minuto mais para possuí-la.


Tomou em braços e se encaminhou para a escada.


Em um princípio, Hermione não reagiu perdida como estava na sensação daqueles fortes braços que a rodeavam com paixão, sua mente estava totalmente centrada no fato de que um homem a tivesse levantado do chão e não tivesse grunhido pelo esforço. Mas ao passar junto ao enorme abacaxi que decorava o corrimão da escada, saiu de seu sonho com um sobressalto.


- Né, cara! - soltou-lhe agarrando-se ao abacaxi de mogno esculpido como se tratasse de um salva-vidas - Onde acredite que me leva?


Ele se deteve e a olhou com curiosidade. Nesse momento, Hermione foi consciente de que um homem tão alto e poderoso como aquele, poderia fazer o que gostasse com ela e seria inútil tentar detê-lo.


Um estremecimento de terror a sacudiu.


Entretanto, por muito perigosa que a situação fosse, um pedaço dela não estava assustada. Algo em seu interior lhe dizia que esse homem jamais lhe faria mal intencionadamente.


- Levo-te a seu dormitório, onde podemos acabar o que começamos. - disse sinceramente, como se estivessem falando do tempo.


- Parece-me que não.


Ele encolheu aqueles ombros, maravilhosamente amplos.


- Prefere as escadas então? Ou possivelmente o sofá? - deteve-se e deu uma olhada ao redor de sua casa, como se estivesse considerando as opções - Não é má idéia, em realidade. Faz muito que não possuo a uma mulher em um…


- Não, não, não! O único lugar onde vais possuir-me é em seus sonhos. E agora me deixe no chão antes que me zangue de verdade.


Para seu assombro, ele obedeceu.


Começou a sentir-se um pouco melhor uma vez que seus pés tocaram terra firme e subiu dois degraus.


Agora estavam frente a frente, e quase à mesma altura, bom, se é que alguém podia estar alguma vez à altura de um homem com semelhante autoridade e inato poder.


De repente, o impacto de sua presença a golpeou com intensidade.


Era real!


Céus! Gina e ela tinham conseguido convocá-lo e trazê-lo para este mundo.


Com o rosto impassível e sem a mais ligeira amostra de que a situação o divertisse, olhou-a diretamente aos olhos.


- Não entendo por que estou aqui. Se não quiser me sentir dentro de ti, por que me convocaste?


Esteve a ponto de gemer ao escutar suas palavras. E mais ainda quando a visão de seu corpo dourado, esbelto e poderoso introduzindo-se em lhe passou pela mente.


O que se sentiria quando um homem tão incrivelmente delicioso lhe fazia o amor durante toda a noite?


Estava claro que Harry seria delicioso na cama. Não cabia dúvida. Com a destreza e agilidade que caracterizavam seus movimentos, não fazia falta dizer o fenomenalmente bem que…


Hermione ficou tensa ante o rumo de seus pensamentos. O que acontecia com este homem?


Jamais em sua vida havia sentido um desejo sexual como o que sentia nesses momentos. Nunca! Literalmente falando, tombaria-o no chão e o comeria inteiro.


Não tinha sentido.


Acostumou-se, com o passar dos anos, a que lhe descrevessem inumeráveis encontros sexuais da forma mais gráfica, alguns de seus pacientes inclusive tentavam excitá-la.


Nenhuma só vez tinham conseguido seu propósito.


Mas quando se tratava de Harry, quão único tinha em mente era agarrá-lo, jogá-lo no chão e subir em cima.


Esse pensamento, tão impróprio dela, devolveu-lhe a sensatez.


Abriu a boca para responder sua pergunta, e não disse nada. O que ia fazer com este homem?


Além daquilo.


Moveu a cabeça com incredulidade.


- O que se supõe que vou fazer contigo?


Os olhos dele se obscureceram pela luxúria e tentou tocá-la de novo.


OH, sim! Pedia-lhe seu corpo, por favor, me toque por todos os lugares.


- Para! - espetou, dirigindo-se tanto a Harry como a si mesmo, negava-se a perder o controle. A prudência governaria a situação, não os hormônios. Já tinha cometido esse engano uma vez, e não estava disposta a repeti-lo.


Subiu de um salto um degrau mais e o olhou diretamente aos olhos. Jesus, Maria e José! Era fantástico. O cabelo loiro lhe caía em ondas até a metade das costas, onde estava sujeito por uma tira de couro marrom. Exceto três finas tranças rematadas com pequenas contas de vidro, que oscilavam com cada um de seus movimentos.


As sobrancelhas de cor castanho escuro arqueavam-se sobre uns olhos fascinantes e ao mesmo tempo aterrorizantes. E esses olhos a estavam olhando com mais paixão que deviam.


Nesse momento desejaria poder matar a Gina, sem dúvida nenhuma.


Mas não tanto como gostaria de meter-se na cama com este homem e cravar os dentes nessa pele dourada.


Deixa-o já!


- Não entendo o que acontece. - disse ao fim. Tinha que pensar, descobrir o que devia fazer - Preciso me sentar um minuto e você… - deslizou os olhos sobre o magnífico corpo - Você precisa te cobrir.


Harry pôs uma expressão crispada. Era a primeira vez em toda sua existência que alguém lhe dizia isso.


De fato, todas as mulheres às que tinha conhecido antes da maldição, não tinham feito outra coisa que tentar lhe arrancar a roupa. O mais rápido possível. E depois da maldição, suas invocadoras tinham dedicado dias inteiros a contemplar sua nudez enquanto passavam as mãos por seu corpo, saboreando sua presença.


- Fique aqui um momento. - lhe disse Hermione antes de subir a toda pressa as escadas.


Harry observou o vaivém de seus quadris enquanto subia os degraus e seu membro se endureceu imediatamente. Deu uma olhada a seu redor com os dentes apertados, em uma tentativa por ignorar o ardor que sentia na virilha. A chave estava na distração, ao menos até que ela voltasse.


O qual não demoraria em ocorrer. Nenhuma mulher podia negar-se por muito tempo prazer de tê-lo.


Com um amargo sorriso ante aquela idéia, contemplou a casa.


Em que lugar e em que época se encontrava?


Não sabia quanto tempo tinha estado preso. Quão único recordava era o som das vozes com o passar do tempo, a sutil mudança dos acentos e dos dialetos conforme passavam os anos.


Olhando a luz que se encontrava sobre sua cabeça, franziu o cenho. Não havia nenhuma chama. O que era essa coisa? Os olhos encheram de lágrimas, irritados, e desviou o olhar.


Isso devia ser uma lâmpada, decidiu.


«Ouça, preciso mudar a lâmpada. Faça-me o favor de desligar ao interruptor que está junto à porta, certo?»


Enquanto recordava as palavras do dono da livraria, olhou para a porta e viu o que supostamente devia ser o interruptor. Harry se afastou das escadas e apertou o pequeno dispositivo. Imediatamente, as luzes se apagaram. Religou-as.


Sorriu sem perceber. O que outras maravilhas lhe aguardavam nesta época?


- Aqui tem.


Harry olhou Hermione que estava na parte superior da escada. Jogou-lhe um comprido retângulo de tecido verde escuro. Sustentou-a sobre o peito enquanto a incredulidade o deixava perplexo.


Havia dito a sério de lhe cobrir?


Que estranho. Franzindo mais o cenho, envolveu os quadris com o tecido.


Hermione esperou até que se afastou da porta para olhá-lo de novo. Graças a Deus, por fim estava coberto. Não era de se admirar que os vitorianos insistissem tanto no assunto das folhas de parreira. Era uma pena não ter umas no pátio. Quão único crescia ali eram alguns arbustos, e duvidava muito que ele apreciasse suas folhas.


Hermione se encaminhou para a sala e se sentou no sofá.


- Me ajude, Gina. – suspirou - Me pagará isso por isso.


E então, ele se sentou a seu lado, revolucionando tudo os hormônios de seu corpo com sua presença.


Enquanto se movia até a outra ponta do sofá, Hermione lhe olhou cautelosamente.


- Assim… ficará quanto tempo?


OH, que boa pergunta, Hermione! Por que não lhe pergunta pelo tempo ou lhe pede um autógrafo? Jesus!


- Até a próxima lua cheia. - seus gélidos olhos deram mostras de um pequeno degelo. E, enquanto deslizava seu olhar por todo seu corpo, o gelo se transformou em fogo em décimos de segundo. Inclinou-se sobre ela para lhe tocar o rosto. Hermione se incorporou de um salto e pôs a mesa do café como barreira de separação.


- Está-me dizendo que tenho que te agüentar durante todo um mês?


- Sim.


Chocada, Hermione passou a mão pelos olhos. Não podia entretê-lo durante um mês. Um mês inteiro, com todos seus dias! Tinha obrigações, responsabilidades. Até tinha que procurar um passatempo.


- Olhe. - lhe disse - Acredite ou não, tenho uma vida na qual não está incluído.


Sabia pela expressão de seu rosto, que não lhe importavam suas palavras. Absolutamente.


- Se acredite que estou encantado de estar aqui contigo, está infelizmente equivocada. Asseguro-te que não escolhi vir.


Suas palavras conseguiram feri-la.


- Bom, certa parte de ti não sente o mesmo. - lhe disse enquanto dedicava um furioso olhar a aquela parte de seu corpo que ainda estava rígida como uma vara.


Ele suspirou ao dar uma olhada para baixo e vislumbrar a protuberância que sobressaía sob a toalha.


- Infelizmente, tenho tanto controle sobre isto como sobre o fato de estar aqui.


- Bom, a porta está aí. - disse assinalando-a - Tome cuidado de que não te golpeie o traseiro ao fechar-se.


- Me acredite, se pudesse ir, faria.


Hermione titubeou ante suas palavras, ante seu significado.


- Quer dizer que não posso te ordenar que parta? Nem que retorne ao livro?


- Acredito que a expressão que usou foi: bingo.


Hermione guardou silêncio.


Harry ficou de pé lentamente e a olhou. Durante todos os séculos que tinha condenado esta a primeira vez que lhe acontecia uma coisa assim. O resto de suas invocadoras tinham sabido o que ele significava, e tinham estado mais que dispostas a passar todo um mês em seus braços, utilizando feliz, seu corpo para obter prazer.


Jamais em sua vida, mortal ou imortal, tinha encontrado a uma mulher que não lhe desejasse fisicamente.


Era…


Estranho.


Humilhante.


Quase embaraçoso.


Seria um indício de que a maldição se debilitava? De que possivelmente pudesse libertar-se?


Não. No fundo sabia que não era certo, mesmo que sua mente se esforçava em aferrar-se à idéia. Quando os deuses gregos decretam um castigo, fazem-no com um estilo e com uma ira que nem sequer dois milênios podem suavizar.


Houve uma época, muito tempo atrás, em que tinha lutado contra a condenação. Uma época em que tinha acreditado que poderia libertar-se. Mas depois de dois mil anos de cárcere e tortura desumana, tinha aprendido algo: resignação.


Merecia este inferno pessoal e, como o soldado que uma vez tinha sido, aceitava o castigo.


Sentia um nó na garganta e tragou para tentar desfazê-lo. Estendeu os braços aos lados e ofereceu seu corpo a Hermione.


- Faz comigo o que deseje. Só tem que me dizer como posso te dar prazer.


- Então desejo que te parta.


Harry deixou cair os braços.


- Nisso não posso te dar prazer.


Frustrada, Hermione começou a caminhar nervosa de um lado a outro. Finalmente, seus hormônios tinham retornado à normalidade e, com a cabeça mais limpa, esforçou-se por encontrar uma solução. Mas por muito que buscasse, não parecia haver nenhuma.


Uma dor aguda se instalou em suas têmporas.


O que ia fazer um mês - um mês inteiro - com ele?


De novo, uma visão de Harry sobre ela, com o cabelo caindo a ambos os lados do rosto, formando um dossel ao redor de seus corpos enquanto se introduzia totalmente nela, assaltou-a.


- Necessito algo… - Harry falhou a voz.


Hermione se deu a volta para lhe olhar, com o corpo ainda lhe suplicando que cedesse a seus desejos.


Seria tão fácil render-se ante ele… Mas não podia cometer esse engano. Negava-se a usar a Harry desse modo. Como se…


Não, não ia pensar nisso. Negava-se a pensar nisso.


- O que? - perguntou ela.


- Comida. - respondeu Harry - Se não ir me utilizar de forma apropriada, importaria-te se como algo?


A expressão envergonhada e rubra de desagrado que adotou seu rosto indicou a Hermione que não gostava de ter que pedir.


Então caiu na conta de algo, se para ela isto resultava estranho e difícil, como demônios se sentiria ele depois de ter sido arrancado de onde quer que estivesse para ser jogado na sua vida como se fosse uma pedra jogado com um estilingue? Devia ser terrível.


- É obvio. - lhe disse enquanto ficava em movimento para que ele a seguisse - A cozinha está aqui. - o guiou pelo curto corredor que levava a parte traseira da casa.


Abriu a geladeira e se afastou para que ele desse uma olhada.


- O que gosta?


Em lugar de colocar a cabeça para procurar algo, ficou ao meio metro de distância.


- Sobrou um pouco de pizza?


- Pizza? - repetiu Hermione assombrada. Como saberia ele o que era uma pizza?


Harry se deu de ombros.


- Deu-me a impressão de que você gosta muito.


A Hermione arderam às bochechas enquanto recordava o tolo jogo ao que se dedicaram enquanto comiam. Gina fazia outro comentário a respeito de substituir o sexo com a comida, e ela tinha fingido um orgasmo ao saborear a última parte de pizza.


- Escutou-nos?


Com uma expressão fechada, ele respondeu em voz baixa.


- O escravo sexual escuta tudo o que se diz nas proximidades do livro.


Se as bochechas lhe ardessem um pouco mais, acabariam explodindo.


- Não ficou nada. - disse rapidamente, retrocedeu para colocar a cabeça no congelador para esfriar. - Tenho um pouco de frango que sobrou de ontem, e também macarrão.


- E vinho?


Ela assentiu com a cabeça.


- Está bem.


O tom despótico que utilizou Harry fez estalar sua fúria. Era um desses tons usados por um típico Tarzan que no fundo queria dizer: Eu sou o macho, neném. Traga-me a comida. E tinha conseguido que lhe fervesse o sangue.


- Olhe, não sou sua cozinheira. Se me azucrinar te darei de comer Alpo, como.


Ele arqueou uma sobrancelha.


- Alpo?


- Esquece-o. - ainda irritada, tirou o frango e o preparou para colocá-lo no microondas.


Harry se sentou à mesa com essa aura de arrogância tão masculina que acabava com todas suas boas intenções. Desejando ter uma lata do Alpo, Hermione serve um pouco de macarrão em uma terrina.


- De todos os modos, quanto tempo estiveste preso nesse livro? Da Idade Média? - ao menos sua forma de atuar correspondia a da época.


Ele permaneceu sentado, tão quieto como uma estátua. Nada de mostrar suas emoções. Se não o tivesse conhecido melhor, teria pensado que se tratava de um andróide.


- A última vez que fui convocado foi no ano 1895.


- Sério? - Hermione ficou com a boca aberta enquanto colocava a terrina no microondas - Em 1895? Está falando a sério?


Ele assentiu com a cabeça.


- Em que ano lhe meteram no livro? A primeira vez quero dizer.


A ira se apropriou de seu rosto com tal intensidade que Hermione se assustou.


- Segundo seu calendário, no ano 149 a.C.


Hermione abriu os olhos de par em par.


- No ano 149 antes de Cristo? Jesus, Maria e José!


Os pensamentos de Hermione giravam como um torvelinho enquanto fechava o microondas e o ligava. Era impossível. Tinha que ser impossível!


- Como lhe meteram no livro? A verdade, conforme tenho entendido, os antigos gregos não tinham livros?


- Originalmente fui preso em um cilindro de pergaminho que mais tarde foi encadernado como medida de segurança. - disse com um tom sombrio e o rosto impassível - E com respeito ao que foi o que fiz para que me castigassem: invadi Alexandria.


Hermione franziu o cenho. Aquilo não tinha nem pingo de sentido, como o resto de tudo o que estava acontecendo.


- E por que foste merecer-te um castigo por invadir uma cidade?


- Alexandria não era uma cidade, era uma sacerdotisa virgem do deus Priapus.


Hermione se esticou ante o comentário, e ante a magnitude do castigo que implicava «invadir» a uma mulher. Encerrar ao autor da invasão para toda a eternidade era um pouco excessivo.


- Violou a uma mulher?


- Não a violei. - respondeu olhando-a com dureza - Foi de mútuo consentimento, asseguro-lhe isso.


Certo, esse era um tema sensível para ele. Percebia-se claramente em sua gélida conduta. Não gostava de falar do passado. Teria que ser um pouquinho mais sutil em seu interrogatório.


Harry escutou a estranha campainha, e observou como Hermione apertava uma mola que abria a porta da caixa negra onde tinha introduzido sua comida.


Ela tirou a fumegante terrina de comida e o colocou ante ele, junto com um garfo prateado, uma faca, um guardanapo de papel e uma taça de vinho. O quente aroma lhe subiu à cabeça e fez que o estômago rugisse de necessidade.


Supunha-se que devia estar perplexo pelo modo tão rápido em que ela tinha cozinhado, mas depois de ter ouvido falar de artefatos com nomes estranhos como trem, câmara, automóvel, fonógrafo, foguete e computador, Harry duvidava que algo pudesse tomá-lo por surpresa.


Em realidade, não ficava nenhum sentimento nele, além do desejo, fazia muito que tinha banido todas suas emoções.


Sua existência não era mais que uma sucessão de fragmentos temporários ao longo dos séculos. Sua única razão de ser era a de obedecer aos desejos sexuais de suas invocadoras. 


E, se algo tinha aprendido nos dois últimos milênios, era a desfrutar dos escassos prazeres que podia obter em cada invocação.


Com esse pensamento, segurou uma pequena porção de comida e saboreou a deliciosa sensação dos mornos e cremosos talharins sobre sua língua. Era uma pura delícia.


Deixou que o aroma das especiarias e do frango invadisse sua cabeça. Tinha passado uma eternidade da última vez que provou a comida. Uma eternidade sofrendo uma fome atroz. Fechou os olhos e tragou. Acostumado como estava à privação em lugar da comida, seu estômago se fechou ante o primeiro bocado. Harry apertou com força a faca e o garfo enquanto lutava por afastar a terrível dor.


Mas não deixou de comer. Não o faria enquanto houvesse comida na terrina. Tinha esperado muito tempo para poder aplacar sua fome e não estava disposta a deter-se agora.


Depois de alguns bocados mais, as retorções diminuíram e lhe permitiram desfrutar plenamente da comida.


Uma vez que seu estômago se acalmou, teve que jogar mão de todas suas forças para comer como um humano e não esconder comida a punhados, tal era a fome que lhe devorava as vísceras.


Em momentos como este, resultava-lhe muito difícil recordar que ainda era humano, e não uma besta desbocada e feroz que tinha sido libertada de sua jaula.


Fazia séculos que tinha perdido a maior parte de sua condição humana. E estava decidido há conservar o pouco que ficava.


Hermione se apoiou no balcão e o observou enquanto comia. O fazia lentamente, de forma quase mecânica. Não deixava entrever se gostava da comida, mas ainda assim, continuava comendo.


O que realmente lhe surpreendeu foram os deliciosos maneiras europeus que demonstrava. Ela nunca tinha sido capaz de comer desse modo, e foi então quando começou a perguntar-se onde teria aprendido a utilizar a faca para manter a massa no garfo, e evitar que caísse.


- Havia garfos na antiga Macedônia? - perguntou-lhe.


Harry deixou de comer.


- Desculpa?


- Perguntava-me quando se inventou o garfo. Já o utilizavam em…?


Estas desvairando! Gritou-lhe sua mente.


E quem não o faria nesta situação? Olhe ao moço. Quantas vezes acredita que alguém atuou como um imbecil e acabou devolvendo a vida a uma estátua grega? Especialmente uma estátua com esse corpo!


Não muito freqüentemente.


- Acredito que se inventou em meados do século XV.


- Sério? - perguntou ela - Você estava ali?


Com uma expressão ilegível, levantou os olhos e a sua vez perguntou:


- A que te refere, ao momento em que inventaram o garfo ou ao século XV?


- Ao século XV, é obvio. - E pensando-o melhor, acrescentou - Não estava ali quando se inventou o garfo, verdade?


- Não. - Harry limpou a garganta e se limpou a boca com o guardanapo - Fui convocado em quatro ocasiões durante esse século. Duas vezes na Itália, uma na França e outra na Inglaterra.


- De verdade? - Tentou imaginar-se como devia ser o mundo naquela época - Aposto a que viu todo tipo de coisas ao longo dos séculos.


- Não tantas.


- OH, venha já! Em dois mil anos…


- Vi principalmente dormitórios, camas e armários.


Seu tom seco fez que Hermione se detivesse e ele continuou comendo. Uma imagem do Paul lhe cravou o coração. Ela só tinha conhecido a um imbecil egoísta e despreocupado. Mas parecia que Harry tinha mais experiência nesse terreno.


- Me conte então, o que faz enquanto está no livro, tomba-te e esperas que alguém te convoque?


Ele assentiu.


- E o que faz para passar o tempo?


Harry se deu de ombros e Hermione caiu na conta de que, em realidade, não demonstrava possuir um grande número de expressões.


Nem de palavras.


Aproximou-se da mesa e se sentou em um tamborete frente a ele.


- A meu ver, de acordo com o que disse, temos que estar juntos durante um mês, que tal se nos dedicamos a conversar para fazê-lo mais agradável?


Harry levantou o olhar, surpreso. Não podia recordar a última vez que alguém quis conversar com ele, exceto para lhe dar ânimos ou lhe fazer sugestões que o ajudassem a incrementar o prazer que lhes proporcionava. Ou para lhe pedir que voltasse para a cama.


Tinha aprendido muito novo que as mulheres só queriam uma coisa dele: essa parte de seu corpo enterrada profundamente entre suas coxas.


Com essa idéia na mente, passeou lentamente o olhar pelo corpo de Hermione, detendo-se em seus seios, que se endureceram sob seu prolongado escrutínio.


Indignada, Hermione cruzou os braços sobre o peito e esperou a que ele a olhasse aos olhos. Harry quase soltou uma gargalhada. Quase.


- A meu ver... - disse ele utilizando suas mesmas palavras - Há coisas que fazer com a língua muito mais prazenteiras que conversar: como lhe passar isso pelos seios nus e pela garganta. - baixou o olhar para o lugar onde, aproximadamente, ficaria seu colo através da mesa - Sem mencionar outras partes que poderia visitar.


Por um instante, Hermione ficou sem fala. E depois encontrou a graça ao assunto. E um momento mais tarde começou a ficar muito brincalhona.


Como terapeuta, tinha ouvido coisas muito mais surpreendentes que essa, recordou-se.


Sim, claro, mas não o havia dito uma pessoa com a que ela queria fazer outras coisas além de falar.


- Tem razão, há outras muitas coisas que se podem fazer com uma língua, como, por exemplo, cortá-la. - disse e se desfrutou na surpresa que refletiram seus olhos - Mas sou uma mulher a que gosta de muito falar, e você está aqui para me dar prazer, verdade?


Seu corpo se esticou de forma muito sutil, como se resistisse a aceitar seu papel.


- É certo.


- Então, me conte o que faz enquanto está no livro.


Hermione sentiu como seus olhos a atravessavam com uma intensidade tão abrasadora que a deixou intrigada, desconcertada e um pouco assustada.


- É como estar preso em um sarcófago. - respondeu ele em voz baixa - Ouço vozes, mas não posso ver a luz nem nenhuma outra coisa. Não posso me mover. Simplesmente me limito a esperar e a escutar.


Hermione se horrorizou ante a simples idéia. Recordava o dia, muito tempo atrás, em que se ficou presa acidentalmente no armário das ferramentas de seu pai. A escuridão era total e não havia modo de sair. Aterrorizada, havia sentido que lhe oprimiam os pulmões e que a cabeça começava a lhe dar voltas pelo medo. Chiou e esperneou contra a porta até que teve as mãos cheias de machucados.


Finalmente, sua mãe a escutou e a ajudou a sair.


Após, Hermione sentia uma ligeira claustrofobia devido à experiência. Não podia imaginá-lo que seria passar séculos inteiros em um lugar assim.


- É horrível. - balbuciou.


- Ao final te chega a acostumar. Com o tempo.


- De verdade? - não estava muito segura, mas duvidava que fosse certo.


Quando sua mãe a tirou do armário, descobriu que só tinha estado presa meia hora, mas lhe tinha parecido uma eternidade. O que se sentiria ao passar realmente uma eternidade preso?


- Tentaste escapar alguma vez?


O olhar que lhe dedicou o dizia tudo.


- O que passou? - perguntou Hermione.


- Obviamente, não tive sorte.


Sentia-se muito mal por ele. Dois mil anos preso em uma cripta tenebrosa. Era um milagre que não se tornou louco. Que fora capaz de sentar-se com ela e falar.


Não era de se admirar que lhe tivesse pedido comida. Privar a uma pessoa de todos os prazeres sensoriais era uma tortura cruel e desumana.


E então soube que ia ajudar. Não sabia muito bem como fazê-lo, mas tinha que haver algum modo de libertá-lo.


- E se encontrássemos o modo de te tirar daí?


 Asseguro-te que não há nenhum.


- É um tanto pessimista, não?


Olhou-a divertido.


- Estar preso durante dois mil anos tem esse efeito sobre as pessoas.


Hermione o observou enquanto acabava a comida, com a mente em ebulição. Sua parte mais otimista se negava a escutar seu fatalismo, exatamente igual à terapeuta que havia nela se negava a deixá-lo partir sem ajudá-lo. Tinha jurado aliviar o sofrimento das pessoas, e ela se tomava seus juramentos muito a sério.


Quem procura, acha.


E embora tivesse que atravessar oceanos ou cruzar o mesmo inferno, encontraria o modo de libertá-lo!


Enquanto isso decidiu fazer algo que duvidava muito que alguém tivesse feito por ele antes: ia encarregar de que desfrutasse de sua liberdade em Nova Orleans. As outras mulheres o tinham mantido preso nos limites de seus dormitórios ou de seus closets, mas ela não estava disposta a encadear a ninguém.


- Bem, então digamos que esta vez vais ser você o que desfrute, moço.


Ele levantou o olhar da terrina com repentino interesse.


- Vou ser sua acompanhante. - continuou Hermione - Faremos algo que deseje muito. E veremos tudo o que te ocorra.


Enquanto tomava um gole de vinho, curvou os lábios em um gesto irônico.


- Tire a camisa.


- Como? - perguntou Hermione.


Harry deixou a um lado a taça de vinho e a atravessou com um luxurioso e candente olhar.


- Disse que posso ver o que quiser e fazer o que me deseje muito. Bem, pois quero ver seus seios nus e depois quero passar a língua por…


- Ouça grandalhão! Relaxe-te! - disse-lhe Hermione com as bochechas ardendo e o corpo abrasado pelo desejo - Acredito que vamos deixar claras algumas regras que terá que cumprir esteja aqui. Número um: nada disso.


- E por que não?


Sim, exigiu-lhe seu corpo entre a súplica e o aborrecimento. Por que não?


- Porque não sou nenhuma gata de rua com o rabo elevado para que qualquer gato venha, monte-me e se vá.


 


 


 


 


CAPÍTULO 4


 


Harry levantou uma sobrancelha ante a crua e inesperada analogia. Mas mais que as palavras, o que lhe surpreendeu foi o tom amargo de sua voz. Alguém já fez isso no passado. Não era de se admirar que se assustasse.


Uma imagem de Penélope lhe passou pela mente e sentiu uma pontada de dor no peito, tão feroz que teve que recorrer a seu firme treinamento militar para não cambalear-se.


Tinha muitos pecados que expiar. Alguns tinham sido tão grandes que dois mil anos de cativeiro não eram mais que o princípio de sua condenação.


Não é que fosse um bastardo de nascimento, é que, depois de uma vida brutal, infestada de desespero e traições, tinha acabado convertendo-se em um.


Fechou os olhos e se obrigou a afastar esses pensamentos. Isso era, melhor dizendo, história antiga e isto era o presente. Hermione era o presente.


E estava nele por ela.


Agora entendia o que Gina queria dizer quando lhe falou sobre Hermione. Por isso lhe convocaram. Para lhe mostrar a Hermione que o sexo podia ser divertido.


Nunca antes se encontrou em uma situação semelhante.


Enquanto a observava, seus lábios desenharam um lento sorriso. Esta seria a primeira vez que teria que perseguir uma mulher para que o aceitasse. Anteriormente, nenhuma tinha rechaçado seu corpo.


Com a inteligência de Hermione e sua teimosia, sabia que levar-lhe à cama seria uma provocação comparável ao de uma emboscada ao exército romano.


Sim, ia saborear cada momento.


Igual acabaria saboreando-a a ela. Cada doce e sardento centímetro de seu corpo.


Hermione engoliu em seco ante o primeiro sorriso genuíno de Harry. O sorriso suavizava sua expressão e o fazia ainda mais devastador.


Que demônios estaria pensando para sorrir assim?


Por enésima vez, sentiu que lhe subiam as cores ao pensar em seu cru discurso. Não o tinha feito de propósito, em realidade não gostava de despir seus sentimentos ante ninguém, especialmente ante um desconhecido.


Mas havia algo fascinante neste homem. Algo que ela era percebia de forma perturbadora. Possivelmente fosse a dissimulado dor que refletiam de vez em quando esses celestiais olhos azuis, quando o pegava com a guarda baixa. Ou talvez fossem seus anos como psicóloga, que lhe impediam de ter uma alma atormentada em sua casa e não lhe emprestar ajuda.


Não sabia.


O relógio de parede do saguão da escada deu uma.


- Meu deus! - disse assombrada pela hora - Tenho que me levantar às seis da manhã.


- Vai à cama? Dormir?


Se o humor de Harry não tivesse sido tão anti-social, o espanto que mostrou seu rosto teria feito rir a Hermione de boa vontade.


- Tenho que ir.


Ele franziu o cenho…


Dolorido?


- Ocorre algo? - perguntou ela.


Harry negou com a cabeça.


- Bom, então vou mostrar o lugar onde vais dormir e…


- Não tenho sonho.


A Hermione sobressaltaram suas palavras.


- O que?


Hermione a olhou, incapaz de encontrar as palavras exatas para lhe descrever o que sentia. Tinha ficado preso tanto tempo no livro, que o único que queria fazer era correr ou saltar. Fazer algo para celebrar sua repentina liberdade de movimentos.


Não queria ir à cama. A idéia de permanecer deitado na escuridão um só minuto mais…


Esforçou-se por voltar a respirar.


- Estive descansando desde 1895. - lhe explicou - Não estou muito seguro dos anos que transcorreram, mas pelo que vejo, deveram ser alguns.


- Estamos no ano 2002. - lhe informou Hermione - Estiveste «dormindo» durante cento e sete anos. - Não, corrigiu-se ela mesma. Não tinha estado dormindo.


Havia-lhe dito que podia escutar qualquer conversação que tivesse lugar perto do livro, o que significava que tinha permanecido acordado durante seu fechamento. Isolado. Sozinho.


Ela era a primeira pessoa com a que tinha falado, ou estado perto, depois de cem anos.


Fez-lhe um nó no estômago ao pensar no que devia ter suportado. Embora a prisão de seu acanhamento nunca tinha sido tangível para ela, sabia o que era escutar as pessoas e não ser parte deles. Permanecer como uma simples espectadora.


- Eu gostaria de poder ficar desperta. - disse, reprimindo um bocejo - De verdade, mas se não dormir o suficiente, meu cérebro se converte em gelatina e fica sem bateria.


- Entendo-te. Ao menos entendo o essencial, embora não sei que são a gelatina nem a bateria.


Hermione ainda percebia sua desilusão.


- Pode ver a televisão.


- Televisão?


Segurou a terrina vazia e o limpou antes de retornar com o Harry à sala de estar. Ligou o televisor e o ensinou a mudar os canais com controle remoto.


- Incrível. - sussurrou ele enquanto fazia zapping pela primeira vez.


- Sim, é algo muito útil.


Isso o manteria ocupado. Depois de tudo, os homens só necessitavam três coisas para ser felizes: comida, sexo e um controle remoto. Dois de três deveriam mantê-lo satisfeito um momento.


- Bom. - disse enquanto se dirigia às escadas - Boa noite.


Ao passar a seu lado, Harry lhe tocou o braço. E, embora seu roçar foi muito ligeiro, Hermione sentiu uma descarga elétrica.


Com o rosto inexpressivo, seus olhos deixavam ver todas as emoções que o invadiam. Hermione percebeu seu sofrimento e sua necessidade, mas sobre tudo, captou sua solidão.


Não queria ficar sozinho.


Umedecendo os lábios - lhe tinham secado de forma repentina - disse algo incrível.


- Tenho outro televisor em meu quarto. Por que não vê ali o que queira, enquanto eu durmo?


Harry lhe dedicou um sorriso tímido.


Foi atrás dela enquanto subiam as escadas, totalmente surpreso pelo fato de que Hermione o tivesse compreendido sem palavras. Tinha tido em conta sua necessidade de companhia, sem preocupar-se de seus próprios temores.


Isso lhe fez sentir algo estranho para ela. Uma estranha sensação no estômago.


Ternura?


Não estava seguro.


Hermione o levou até uma enorme habitação dominada por uma cama com dossel, situada na parede oposta à porta de entrada. Em frente da cama havia uma cômoda e, sobre ela, uma coisa, como o tinha chamado Hermione? Televisão?


Observou como Harry passeava por seu dormitório, olhando as fotografias que havia nas paredes e sobre os móveis, fotografias de seus pais e de seus avós, da Ginna e ela na faculdade, e do cão que teve quando era pequena.


- Vive sozinha? - perguntou-lhe.


- Sim. - disse, aproximando-se da cadeira de balanço que estava junto à cama. Sua camisola estava sobre o respaldo. Segurou-o e depois olhou a Harry e à toalha verde que ainda levava ao redor de seus esbeltos quadris. Não podia deixar que se metesse na cama com ela daquele jeito.


Seguro que pode.


Não, não posso.


Por favor?


Shh! Parte irracional de mim te cale e me deixe pensar.


Ainda guardava os pijamas de seu pai no dormitório que tinha pertencido a seus progenitores, ali estavam todos os seus pertences e para Hermione, era um lugar sagrado. Tendo em conta a largura dos ombros de Harry, estava segura de que as camisas não lhe serviriam, mas as calças tinham cinturas adaptáveis e, embora ficassem curtos, ao menos não lhe cairiam.


- Espera aqui. - lhe disse - Não demorarei nada.


Depois de vê-la partir como uma exalação, Harry se aproximou das janelas e afastou as cortinas de renda branca. Observou as estranhas caixas metálicas - que deviam ser automóveis - enquanto passavam por diante da casa com aquele zumbido tão estranho que não cessava um instante, semelhante ao ruído do mar. As luzes iluminavam as ruas e todos os edifícios, pareciam-se com as tochas que havia em sua terra natal.


Que insólito era este mundo. Estranhamente parecido ao dele e, mesmo assim, tão diferente.


Tentou associar os objetos que via com as palavras que tinha escutado ao longo das décadas, palavras que não compreendia. Como televisão e lâmpada.


E pela primeira vez desde que era menino, sentiu medo. Não gostava das mudanças que percebia a rapidez com a que as coisas tinham evoluído no mundo.


Como seria a seguinte vez que o convocassem?


Poderiam as coisas mudar muito?


Ou o que era mais aterrador, e se jamais voltavam a invocá-lo?


Engoliu em seco ante aquela idéia. E se acabava preso durante toda a eternidade? Só e acordado. Alerta. Sentindo a opressiva escuridão em torno dele, deixando-o sem ar nos pulmões enquanto seu corpo se rasgava de dor.


E se não voltava a caminhar de novo como um homem? Ou a falar com outro ser humano, ou a tocar a outra pessoa?


Estas pessoas tinham coisas chamadas computadores. Tinha escutado ao dono da livraria falar sobre eles com os clientes. E alguns lhe haviam dito que, provavelmente, os computadores substituiriam um dia aos livros.


O que seria dele então?


 


Vestida com sua camisola de dormir rosa, Hermione se deteve no quarto de seus pais, junto à porta de espelho do closet, onde guardou as alianças de casamento no dia posterior ao funeral. Podia ver o débil resplendor do diamante marquise do meio quilate.


A dor fez que lhe formasse um nó na garganta, lutou contra as lágrimas que teimavam em brotar de seus olhos.


Com vinte e quatro anos recém cumpridos naquela época, tinha sido o suficientemente arrogante para pensar que era uma pessoa amadurecida e capaz de fazer frente a algo que a vida lhe pusesse por diante. Acreditou ser invencível. E em um segundo, sua vida caiu.


A morte lhe arrebatou tudo àquilo que uma vez teve: a segurança, a fé, sua crença na justiça e, sobre tudo, o amor sincero de seus pais e seu apoio emocional.


Apesar de toda sua vaidade juvenil, não tinha estado preparada para que lhe arrebatassem por completo a toda sua família.


E, embora tinham passado cinco anos, ainda sentia falta deles. A dor era muito profunda. O velho ditado aquele, segundo o qual era melhor ter conhecido o amor antes de perdê-lo, era uma enorme fraude. Não havia nada pior que perder as pessoas que lhe querem e lhe cuidam em um acidente sem sentido.


Incapaz de enfrentar sua ausência, Hermione tinha selado o quarto depois do funeral, e o tinha deixado tudo tal e como estava.


Abriu a gaveta onde seu pai guardava os pijamas e engoliu em seco. Ninguém havia tocado estas coisas da tarde que sua mãe as dobrou e as guardou.


Ainda recordava a risada de sua mãe. As brincadeiras sobre o conservador estilo de seu pai, que sempre escolhia pijamas de flanela.


Pior ainda, recordava o amor que se professavam.


O que daria ela por encontrar o casal perfeito, como lhes tinha acontecido. Tinham estado casados vinte e cinco anos antes de morrer, e seu amor tinha permanecido intacto desde dia que se conheceram.


Não podia recordar um só momento em que sua mãe não sorrira ante uma brincadeira de seu pai. Sempre foram agarrados como dois adolescentes, e roubavam beijos quando acreditavam que ninguém os via.


Mas ela os via.


E agora os recordava.


Queria esse tipo de amor. Mas por alguma razão, não tinha encontrado um homem que a deixasse sem fôlego. Um homem que conseguisse que palpitasse o coração e que seus sentidos se entorpecessem.


Um homem sem o qual a vida não tivesse sentido.


- OH, mamãe! - balbuciou, desejando que seus pais não tivessem morrido aquela noite.


Desejando…


Não sabia o que. Quão único queria era conseguir algo que lhe fizesse pensar no futuro. Algo que lhe fizesse feliz, da mesma forma que seu pai tinha feito feliz a sua mãe.


Mordendo o lábio, Hermione segurou a calça xadrez azul marinho e branco, e saiu correndo do quarto.


- Aqui tem. - disse jogando o objeto a Harry e saindo a toda pressa por volta do banheiro, em metade do corredor. Não queria que ele fosse testemunha de suas lágrimas. Não voltaria a mostrar-se vulnerável diante de um homem.


Harry trocou a toalha pelas calças e se foi atrás Hermione. Tinha fechado de uma portada a porta mais próxima à habitação onde ele se encontrava.


- Hermione. - a chamou enquanto abria a porta com suavidade.


Ficou paralisado ao vê-la chorar. Estava em metade de um banheiro estranho, com duas pias incrustados na parede e um balcão branco na qual se apoiava. Cobriu a boca com uma toalha, em uma tentativa de sufocar seus dilaceradores soluços.


Apesar de sua severa educação e dos dois mil anos de autocontrole, Harry se viu tocado por uma onda de compaixão. Hermione chorava como se alguém lhe tivesse quebrado o coração.


E isso o fazia sentir-se incômodo. Inseguro.


Apertando os dentes, afastou aqueles insólitos sentimentos. Se algo tinha aprendido durante sua infância era a não se aprofundar nos problemas de outros, porque nunca trazia nada bom. Não terei que cuidar de ninguém mais que das pessoas mesmo. Cada vez que tinha cometido o engano de interessar-se por alguém, tinha-o pago com juros.


Além disso, nesta ocasião não havia tempo. Nada de tempo.


Quanto menos tivesse que ver com as emoções e a vida de Hermione, mais fácil lhe resultaria voltar a suportar seu confinamento.


E, então, as palavras de Hermione o golpearam com força, bem na metade do peito. Ela o tinha definido à perfeição: não era mais que um gato dedicado a conseguir prazer e depois partir.


Aferrou-se com força ao atirador da porta. Não era um animal. Ele também tinha sentimentos.


Ou, ao menos, estava acostumado a ter.


Antes que pudesse reconsiderar suas ações, entrou no cômodo e a abraçou. Hermione lhe rodeou a cintura com os braços e se apoiou nele como se tratasse de um salva-vidas, enquanto enterrava o rosto em seu peito nu e soluçava. Todo seu corpo tremia.


Algo muito estranho se abriu no interior de Harry. Um profundo desejo que não sabia muito bem como definir.


Jamais em sua vida tinha consolado a uma mulher que chorava. Deitou-se com tantas que não podia recordá-lo, mas nunca, jamais, tinha abraçado a uma mulher como estava abraçando a Hermione. Nem depois de fazer o amor. Uma vez acabado com seu trabalho, levantava-se, limpava-se e procurava algo com o que entreter-se até que fosse requerido de novo.


Inclusive antes da maldição, jamais tinha demonstrado ternura por ninguém. Nem por sua esposa.


Como soldado, tinha sido treinado desde que tinha uso de razão para mostrar-se feroz, frio e duro.


«Volta com seu escudo, ou sobre ele». Essas foram às palavras de sua madrasta o dia que o segurou por cabelo e o jogou de sua casa para que começasse o treinamento militar, à terna idade de sete anos.


Seu pai tinha sido ainda pior. Um legendário comandante espartano que não tolerava amostras de debilidade. Nem de emoção. Ele se encarregou de chicote na mão, de que a infância de Harry chegasse a seu fim, ensinando-o a ocultar a dor. Ninguém podia ser testemunha de seu sofrimento.


Até o dia de hoje, ainda podia sentir o chicote sobre a pele nua de suas costas, e escutar o som que fazia o couro ao cortar o ar entre golpe e golpe. Podia ver a zombadora careta de desprezo no rosto de seu pai.


- Sinto. - murmurou Hermione sobre seu ombro, lhe devolvendo ao presente.


Ela levantou a cabeça para poder lhe olhar. Tinha os olhos cinza brilhantes pelas lágrimas e pareciam rachar a capa que recobria seu coração congelado há séculos por necessidade e por obrigação.


Incômodo, Harry se afastou dela.


- Sente-se melhor?


Hermione limpou as lágrimas e esclareceu garganta. Não sabia por que Harry tinha ido atrás dela, mas tinha passado muito tempo da última vez que alguém a consolou enquanto chorava.


- Sim. –murmurou - Obrigado.


Ele não respondeu.


Em lugar de ser o homem terno que a abraçava instantes antes, havia tornado a ser o Senhor Estatua, todo seu corpo estava rígido e não dava amostras de emoção.


Deixando escapar um suspiro irado e passou a seu lado.


- Não me teria posto assim se não estivesse tão cansada e possivelmente ainda um pouco tonta. Preciso dormir.


Sabia que ele iria atrás dela, assim voltou resignadamente para seu quarto e se meteu na cama de madeira de pinheiro, aninhando-se sob o grosso edredom. Sentiu como o colchão se afundava sob o peso de Harry um instante depois.


Seu coração se acelerou ante a repentina calidez do corpo do homem junto ao dele. E a coisa piorou quando ele se aninhou a suas costas e lhe passou uma longa e musculosa perna sobre a cintura.


- Harry! - gritou com uma nota de advertência ao sentir sua ereção contra o quadril - Acredito que seria melhor que ficasse em seu lado da cama, enquanto eu fico no meu.


Não pareceu prestar atenção a suas palavras, já que inclinou a cabeça e deixou um pequeno rastro de beijos sobre seu cabelo.


- Pensava que me tinha chamado para aliviar a dor de suas partes baixas. - lhe sussurrou no ouvido.


Com o corpo ao vermelho vivo devido a sua proximidade, e ao aroma a sândalo que lhe entorpecia a cabeça, Hermione se ruborizou ao lhe escutar repetir as palavras que dissesse a Gina.


- Minhas partes baixas se encontram em perfeito estado, e muito felizes tal como estão.


- Prometo-te que eu conseguirei que estejam muito, muito mais felizes.


OH! Não lhe cabia a menor duvida.


- Se não te comportar, jogarei-te do quarto.


Então o olhou e viu a incredulidade refletida nos olhos azuis.


- Não entendo por que faria isso. - disse isso.


- Porque não vou utilizar-te como se fosse um boneco sem nome, que não tem mais razão de ser que me servir. De acordo? Não quero ter esse tipo de intimidade com um homem ao que não conheço.


Com um olhar preocupado, Harry se afastou finalmente dela e se tombou na cama.


Hermione respirou profundamente para tentar que seu acelerado coração se relaxasse, e poder apagar o fogo que o fazia ferver o sangue. Resultava muito duro lhe dizer que não a este homem.


Acredite realmente que vais ser capaz de dormir com este moço a seu lado? É que tem uma pedra por cérebro?


Fechou os olhos e recitou sua aborrecida letanía. Tinha que dormir. Não havia lugar para os «e se…» nem para os «mas…». Nem tampouco para o Harry.


Ele colocou os travesseiros de modo que lhe servissem de respaldo, e olhou Hermione. Esta ia ser, em sua excepcionalmente longa vida, a primeira vez que passasse uma noite junto a uma mulher sem lhe fazer o amor.


Era inconcebível. Nenhuma o tinha rechaçado antes.


Ela se deu a volta naquele momento e lhe deu um controle remoto, como o que tinha mostrado na sala. Apertou um botão e ligou a televisão, depois baixou o volume das pessoas que falavam.


- Isto é para a luz. - disse apertando outro botão. Imediatamente, as luzes se apagaram, deixando que fosse o televisor o que iluminasse fracamente as sombras do quarto - Não me incomodam os ruídos, assim é que não acredito que desperte. - deu o controle remoto - Boa noite, Harry Potter.


- Boa noite, Hermione. - sussurrou ele, observando como seu sedoso cabelo se estendia sobre o travesseiro, enquanto se aninhava para dormir.


Deixou o controle a um lado e, durante um bom momento, dedicou-se a olhá-la enquanto a luz procedente do televisor piscava sobre os relaxados ângulos de seu rosto.


Soube o momento exato no que dormiu, pela uniformidade de sua respiração. Só então se atreveu a tocá-la. Atreveu-se a seguir com a ponta de um dedo a suave curva de sua maçã do rosto.


Seu corpo reagiu com tal violência que teve que morder o lábio para não soltar uma maldição. O fogo se estendeu por seu sangue.


Tinha conhecido numerosas dores durante toda sua vida: primeira a dor de estômago quando precisava comer, depois a sede de amor e respeito, e por último a dor exigente de seu membro quando ansiava a umidade escorregadia do corpo de uma mulher. Mas jamais, jamais, tinha experimentado algo semelhante ao que sentia agora.


Era uma fome tão voraz, uma sensação tão potente, que ameaçava até sua prudência.


Só podia pensar em lhe separar as cremosas coxas e afundar-se profundamente nela. Em deslizar-se dentro e fora de seu corpo uma e outra vez, até que ambos alcançassem o clímax ao uníssono.


Mas isso jamais chegaria a acontecer.


Afastou-se dela a uma distância prudente, de onde não pudesse cheirar seu suave aroma feminino, nem sentir o calor de seu corpo sob o edredom.


Poderia lhe proporcionar prazer durante dias, sem deter-se, mas ele jamais encontraria a paz.


- Maldito seja, Priapus. - grunhiu. Era o deus que lhe tinha amaldiçoado, afundando-o neste miserável destino - Espero que Hades te esteja dando o que te merece.


Uma vez aplacada sua ira, suspirou e se deu conta que as Parcas e as Fúrias se estavam encarregando do próprio com ele.


 


Hermione despertou com uma estranha sensação de calidez e segurança. Um sentimento que não tinha experimentado fazia anos.


De repente, sentiu um beijo muito doce sobre as pálpebras, como se alguém estivesse acariciando-a com os lábios. Umas mãos fortes e cálidas lhe tocavam o cabelo.


Harry!


Incorporou-se tão rápido que o golpeou com sua cabeça. Até seus ouvidos chegou o gemido de dor de Harry. Esfregando a frente, abriu os olhos e viu que ele a observava com o cenho franzido e obviamente incômodo.


- Sinto. - se desculpou enquanto se sentava - Me sobressaltou.


Harry abriu a boca e se tocou os dentes com o polegar para comprovar se o golpe os tinha afrouxado.


Aquilo foi pior ainda para Hermione, que não pôde evitar contemplar o roçar de sua língua sobre os dentes. E a visão desses branquíssimos dentes, incrivelmente retos, que gostaria de ter lhe mordiscando…


- O que quer para tomar o café da manhã? - perguntou-lhe para afastar-se um pouco de seus pensamentos.


O olhar dele desceu até o profundo decote em V de sua camisola. Seguindo a direção de seus olhos, Hermione se deu conta de que, de onde ele estava sentado, poderia ver todo seu corpo até chegar à embaraçosa calcinha do Mickey Mouse.


Antes que pudesse mover-se, Harry atirou dela, até sentá-la sobre suas coxas e reclamou seus lábios.


Hermione gemeu sob o assalto de sua boca, enquanto sua língua fazia as coisas mais escandalosas. A cabeça começou a girar com a intensidade do beijo e com o quente fôlego de Harry mesclando-se com o seu.


E pensar que nunca tinha gostado de beijar…


Devia estar louca!


Os braços de Harry intensificaram seu abraço. Milhares de chamas lambiam seu corpo, acendendo-a e incitando-a, enquanto se agrupavam na zona que mais lhe doía: entre as coxas, onde queria lhe ter.


Seus lábios a abandonaram para riscar com a língua um rastro até sua garganta, desenhando úmidos círculos sobre o queixo, o lóbulo da orelha e finalmente o pescoço.


O moço parecia conhecer todas as zonas erógenas do corpo de uma mulher!


Melhor ainda, sabia como usar as mãos e a língua para massagear até obter o máximo prazer.


Exalou o ar brandamente sobre sua orelha e, imediatamente, um calafrio a percorreu de acima a abaixo, quando passou a língua pelo lóbulo, todo seu corpo começou a tremer.


Um formigamento lhe percorreu os seios, que imediatamente se endureceram, sobressaindo-se como duros montículos que clamavam por ser beijados.


- Harry. - gemeu, incapaz de reconhecer sua voz. Sua mente lhe pedia que se detivesse, mas as palavras ficaram atravessadas na garganta.


Havia muito poder em suas carícias. Muita magia. O fazia ansiar, dolorosamente, muito mais.


Deu a volta com ela em braços e a aprisionou contra o colchão. Inclusive através do pijama, Hermione percebia sua ereção, seu membro duro e ardente que pressionava sobre o quadril, enquanto com as mãos lhe aferrava as nádegas e respirava entrecortadamente junto a sua orelha.


- Tem que parar. - conseguiu lhe dizer ao fim com voz débil.


- Parar o que? - perguntou-lhe - Isto? - e riscou com a língua o labirinto de sua orelha. Hermione gemeu de prazer. Os calafrios se aconteciam e, como se tratasse de brasas vivas, abrasavam cada centímetro de sua pele. Os seios se incharam ainda mais sob o corpo de Harry - Ou isto? - e introduziu uma mão sob a cintura elástica de sua calcinha para tocá-la onde mais o desejava.


Hermione se arqueou em resposta as suas carícias e cravou os dedos nos lençóis ante a sensação de suas mãos entre as pernas. Deus, este homem era incrível!


Harry começou a acariciar em círculos a trêmula carne, utilizando um só dedo, fazendo que se consumisse antes de lhe introduzir dois dedos até o fundo.


Enquanto rodeava, acariciava e atormentava seu interior, começou a lhe massagear muito brandamente o clitóris com o polegar.


- Ooooh! - gemeu Hermione, jogando a cabeça para trás pela intensidade do prazer.


Aferrou-se a Harry, enquanto ele continuava seu implacável assalto utilizando suas mãos e sua língua, lhe dando prazer. Totalmente fora de controle, Hermione se esfregava de forma desinibida contra ele, ansiando sua paixão, suas carícias.


Harry fechou os olhos e saboreou o aroma do corpo de Hermione sob o seu, a sensação de seus braços envolvendo-o. Era dela. Podia senti-la tremer e pulsar ao redor de sua mão, enquanto seu corpo se retorcia sob suas carícias.


Em qualquer momento chegaria ao clímax.


Com esse pensamento ocupando sua mente por completo, tirou-lhe a camisola e inclinou a cabeça até apanhar um duro mamilo e sugar brandamente toda a aureola, deleitando-se na sensação da rugosa pele sob sua língua.


Não recordava que uma mulher com um sabor tão bom como aquela.


Seu sabor ficaria gravado a fogo na mente, jamais poderia esquecê-lo.


E estava completamente preparada para recebê-lo: ardente, úmida e muito estreita, exatamente como gostava de uma mulher.


Rasgou de um puxão o pequeno objeto que cobria os quadris de Hermione, e que lhe impedia um acesso total a aquele lugar que morria por explorar completamente.


E em toda sua profundidade.


Ela escutou como rompia a calcinha, mas não foi capaz de detê-lo. Sua vontade já não lhe pertencia, tinha sido engolida por umas sensações tão intensas, que o único que queria era encontrar alívio.


Tinha que consegui-lo!


Elevando os braços, enterrou as mãos no cabelo de Harry, incapaz de permitir que se afastasse, embora só fosse por um segundo.


Harry se tirou as calças a puxões e lhe separou as coxas.


Com o corpo envolto em puro fogo, Hermione agüentou a respiração enquanto ele colocava seu comprido e duro corpo entre suas pernas.


A ponta de seu membro pressionava sobre o centro de sua feminilidade. Arqueou os quadris aproximando-se ainda mais, aferrando-se a seus amplos ombros. Desejava senti-lo dentro com um desespero tal, que desafiava a todo entendimento.


E de repente, soou o telefone.


Hermione deu um coice ao escutá-lo, e sua mente recuperou repentinamente o controle.


- O que é esse ruído? - grunhiu Harry.


Agradecida pela interrupção, Hermione saiu como pôde de debaixo de Harry. Tremiam as pernas e lhe ardia todo o corpo.


- É um telefone. - disse, antes de inclinar-se para a mesa de noite e pegar o fone.


A mão não deixava de lhe tremer enquanto o aproximava da orelha.


Lançando uma maldição, Harry ficou de lado.


- Gina, graças a Deus que é você. - disse Hermione, logo que escutou sua voz. Nesse momento agradecia muitíssimo a habilidade que tinha Gina de saber o momento preciso em que chamar!


- O que acontece? - perguntou sua amiga.


- Deixa de fazer isso. - espetou a Harry que, nesse instante, dedicava-se a lhe lamber as nádegas em um movimento descendente…


- Mas se não estou fazendo nada. - lhe disse Gina.


- Você não, Gina.


O silêncio caiu sobre o outro extremo da linha.


- Escuta. - disse Hermione a Gina com uma dura advertência na voz - Necessito que procure entre a roupa do Draco e traga umas coisas. Agora.


- Funcionou! - o agudo chiado esteve a ponto de lhe perfurar o tímpano - Ai, Meu deus! Funcionou! Não posso acreditá-lo! Vou já!


Hermione desligou o telefone quando a língua de Harry baixava desde suas nádegas para…


- Para já!


Ele se tornou para trás e a olhou com o cenho franzido, estupefato.


- Você não gosta que te faça isso?


- Eu não disse isso. - respondeu antes de poder deter-se.


Harry se aproximou de novo a ela.


Hermione desceu de um salto da cama.


- Tenho que ir a trabalhar.


Harry se apoiou em um braço, estendido sobre um lado, e a observou enquanto recolhia as calças do pijama e os arrojava. Segurou-os com uma mão enquanto seus olhos se moviam preguiçosamente sobre o corpo de Hermione.


- Por que não chama para dizer que está doente?


- Que estou doente? – repetiu - E você como conhece esse truque?


Ele se deu de ombros.


- Já disse. Posso escutar enquanto estou preso no livro. Por isso posso aprender idiomas e entender as mudanças na sintaxe.


Com a mesma elegância de uma pantera que se endireita para estar escondida, Harry afastou o edredom e saiu lentamente da cama. Não levava as calças. E seu membro estava totalmente ereto.


Hipnotizada, Hermione foi incapaz de mover-se.


- Não acabamos. - disse ele com a voz rouca, enquanto se aproximava dela.


- Pois claro que sim! - respondeu-lhe Hermione, e fugiu ao banheiro, encerrando-se ali atrás e passar o fecho à porta.


Com os dentes apertados, Harry teve a repentina necessidade de golpear a cabeça contra a parede de tão frustrado que se sentia. Por que tinha que ser tão teimosa?


Olhou o membro rígido e soltou um juramento.


- E você não pode te comportar durante cinco minutos ao menos?


Hermione tomou uma longa ducha fria. O que tinha Harry que fazia que seu sangue literalmente fervesse? Inclusive agora podia sentir o calor de seu corpo sobre ela.


Seus lábios sobre…


- Para, para, para!


Não era uma ninfomaníaca. Era uma licenciada em Filosofia, com um cérebro e sem hormônios.


Mas mesmo assim, seria extremamente fácil esquecer-se de tudo e passar todo o mês na cama com o Harry.


- Muito bem. - se disse a si mesmo - Suponhamos que te mete na cama com ele um mês. E logo, o que? - ensaboou o corpo enquanto a irritação desvanecia os últimos rescaldos de seu desejo - Eu te direi o que passará depois. Ele se irá e você, colega, ficará sozinha outra vez. Lembra-te do que ocorreu quando Paul partiu? Lembra-te de como se sentia quando passeava pelo quarto, com o estômago revolto porque tinha permitido que te utilizasse? Lembra-te da humilhação que sentia?


Mas ainda pior que essas lembranças, era a imagem do Paul mofando-se dela as gargalhadas com seus amigos, enquanto recolhia o dinheiro da aposta. Como desejava ter sido um homem nesse momento, para poder abrir a porta de seu apartamento de uma patada e golpeá-lo até fazê-lo pedaços.


Não, não deixaria que ninguém mais a utilizasse.


Havia levado anos superar a crueldade do Paul, e não tinha nenhum desejo de arruinar o que tinha conseguido por um capricho. Embora fosse um fabuloso capricho!


Não, não e não. A próxima vez que se entregasse a um homem, seria com um que estivesse unido a ela. Alguém que a cuidasse.


Alguém que não deixasse a um lado sua dor e continuasse usando seu corpo procurando seu próprio prazer, como se ela não importasse nada - pensava, enquanto as lembranças reprimidas retornavam à superfície. Paul tinha comportado como se ela não tivesse presente. Como se não tivesse sido mais que um corpo sem emoções, desenhada só para lhe proporcionar prazer.


E não estava disposta a deixar que a voltassem a tratar assim, especialmente em se tratando de Harry.


Jamais.


 


Harry desceu as escadas, maravilhado pela brilhante luz do sol que entrava pelas janelas. Resultava-lhe divertido o fato de que as pessoas desse pouca importância a esses pequenos detalhes. Recordava a época em que não se fixava em um pouco tão simples como uma manhã ensolarada.


E agora, cada uma delas era um verdadeiro presente dos deuses. Um presente que tinha toda a intenção de degustar durante o mês que tinha por diante, até que estivesse obrigado a retornar à escuridão.


Com o coração arrasado, dirigiu-se à cozinha, para o armário onde Hermione guardava a comida. Ao abrir a porta lhe surpreendeu a frieza. Esticou a mão e deixou que o ar frio lhe acariciasse a pele. Incrível.


Tirou vários recipientes, mas não pôde ler as etiquetas.


- Não coma nada que não possa identificar. - se recordou a si mesmo, enquanto pensava em algumas das asquerosidades que tinha visto as pessoas comerem ao longo dos séculos.


Inclinou-se para frente e rebuscou até encontrar um melão em uma das gavetas inferiores. Levou ao balcão do centro da cozinha, segurou uma faca comprida do suporte, onde Hermione tinha ao menos uma dúzia delas, e o partiu pela metade.


Cortou um pedaço e o introduziu na boca.


Quando o delicioso suco alagou suas papilas gustativas, grunhiu de satisfação. A doce polpa fez que seu estômago rugisse com uma feroz exigência. A garganta lhe pedia, com uma sensação próxima à dor, que lhe proporcionasse um pouco mais daquela relaxante doçura.


Era tão estupendo voltar a ter comida… Ter algo com o que apagar a sede e a fome.


Antes de poder deter-se, deixou a faca a um lado e começou a partir o melão com as mãos, levando-os partes à boca tão rápido como podia.


Pelos deuses! Estava tão faminto… Tinha tanta sede…


Não foi consciente do que fazia até que se viu rasgando a casca.


Ficou paralisado ao ver suas mãos cobertas com o suco do melão, e os dedos curvados como as garras de qualquer animal.


«De a volta, Harry e me olhe. Agora seja um bom menino e faz o que te ordeno. Toque-me aqui. Mmm… sim, isso. Bom menino, bom menino. Faça-me isso bem e te trarei de comer em um momento.»


Harry se encolheu de temor ante a repentina invasão das lembranças de sua última invocação. Não era de se admirar que se comportasse como um animal, tinham-lhe tratado como tal durante tanto tempo, que mal se recordava como ser um homem.


Ao menos, Hermione não lhe tinha algemado à cama.


Ainda.


Enojado, deu uma olhada ao redor da cozinha, enquanto dava um obrigado mentalmente pelo fato de que Hermione não tivesse presenciado sua perda momentânea de controle.


Com a respiração entrecortada, segurou a metade do melão e o jogou ao recipiente onde tinha visto Hermione jogar o lixo na noite anterior. Depois, abriu a torneira da pia e se lavou para desprender-se da pegajosa polpa.


Logo que a água fresca lhe roçou a pele, suspirou de prazer. Água. Fria e pura. Era o que mais sentia falta de durante seu confinamento. O que mais desejava, hora atrás hora, enquanto sua ressecada garganta ardia de dor.


Deixou que a água se deslizasse por sua pele antes de capturá-la com as mãos cavadas e beber diretamente delas. Chupou-se os dedos. Era maravilhosamente relaxante a sensação de sentir o frescor na boca e depois notar como descia pela garganta, acalmando sua sede. Quão único desejava nesse momento era meter-se na pia e deixar que a água se deslizasse por todo seu corpo.


Deixar que…


Escutou que alguém golpeava brandamente a porta e, imediatamente, um ruído de passos que desciam pela escada. Fechou a torneira e segurou o pano seco que havia junto a pia para secar as mãos e o rosto.


Quando voltou para o balcão para recolher os restos do melão, reconheceu a voz da Gina.


- Onde está?


Harry agitou a cabeça ante o entusiasmo da amiga de Hermione. Isso era o que tinha esperado de Hermione.


As duas mulheres entraram na cozinha. Harry levantou o olhar e se encontrou com uns olhos marrons tão grandes como dois escudos espartanos.


- Jesus, Maria e José! - balbuciou Gina.


Hermione cruzou os braços sobre o peito, em seus olhos brilhava uma mescla de ira e diversão.


- Harry, esta é Gina.


- Jesus, Maria e José! - repetiu sua amiga.


- Gina? - perguntou Hermione, movendo a mão ante os olhos de sua boquiaberta amiga, que nem sequer piscou.


- Jesus, MA…!


- Vais deixar a...? - repreendeu-a Hermione.


Gina deixou que a roupa que levava nas mãos caísse direta ao chão e deu uma volta completa ao redor de Harry para poder ver seu corpo desde todos os ângulos. Seus olhos começaram pela cabeça e descenderam até os dedos dos pés.


Harry mal pôde suprimir a ira diante de semelhante escrutínio.


- Você gostaria de me olhar os dentes talvez, ou prefere que me baixe às calças para que possa me inspecionar mais a gosto? - perguntou-lhe com mais malícia da que tinha pretendido em um princípio. Depois de tudo, ela estava, tecnicamente, de sua parte.


Se fechasse a boca e deixasse de olhar o daquele modo… Nunca tinha suportado ser o centro dessas desmedidas amostras de atenção.


Gina alongou a mão, insegura, para lhe tocar o braço.


- Uuuh! - burlou-se ele, conseguindo que Gina desse um coice.


Hermione soltou uma gargalhada.


Gina franziu o cenho e dedicou a ambos um furioso olhar.


- Muito bem, estão tentando rir de mim?


- Merece-lhe isso. - lhe disse Hermione enquanto pegava um pedaço de melão recém talhado pelo Harry e o levava a boca - Por não mencionar que você vai cuidar dele durante o dia de hoje.


- O que? - perguntaram Harry e Gina ao uníssono.


Hermione tragou o bocado.


- Bom, não posso levá-lo comigo nas consultas, não?


Gina sorriu com malícia.


- Acho que Lisa e suas pacientes femininas estariam encantadas.


- Exatamente igual ao menino que tem consulta às oito. Não obstante, não acredito que fosse muito produtivo.


- Não pode cancelar as consultas? - perguntou Gina.


Harry esteve de acordo. Não gostava de absolutamente mostrar-se em um lugar público. A única parte da maldição que encontrava remotamente passível era o fato de que a maioria de suas invocadoras o mantinham oculto em suas estadias privadas ou nos jardins.


- Sabe perfeitamente por que. - respondeu Hermione - Não tenho um marido advogado que me mantenha. Além disso, não acredito que Harry goste de ficar só em casa todo o dia, sem nada que fazer. Estou segura de que adorará sair e conhecer a cidade.


- Preferiria ficar aqui contigo. - disse ele.


Porque o que realmente gostava era vê-la retorcer-se outra vez sob seu corpo, e sentir como todo seu membro se empapava com seu fluxo, enquanto a fazia chiar de prazer.


Hermione ficou apanhada em seu olhar, e Harry reconheceu o desejo que brilhava nas profundidades cinza de seus olhos. Nesse instante, descobriu o que se propunha. Ia trabalhar para evitar ficar a sós com ele.


Bem, cedo ou tarde teria que retornar pra casa.


E, então, seria dele. 


E uma vez se rendesse, ia demonstrar lhe a resistência e a paixão que possuía um soldado macedônio treinado no exército espartano.


 


 


CAPÍTULO 5


 


A manhã pareceu transcorrer muito lentamente com a habitual ronda de consultas. Por muito que tentasse concentrar-se em seus pacientes e seus problemas, não o obtinha.


Uma e outra vez, sua mente voltava a recordar uma pele dourada pelo sol e uns ardentes olhos azuis.


E um sorriso…


Como desejaria que Harry não lhe tivesse sorrido jamais. Esse sorriso podia muito bem ser sua perdição.


-... e então lhe disse: «Dave, olhe, quer pôr minha roupa, de acordo. Mas não toque meus vestidos de grife, porque quando lhe põe dou-me conta de que ficam melhor em você que em mim, e me dá vontade de dar todos ao Exército de Salvação». Fiz bem, doutora?


Hermione levantou o olhar do caderno onde rabiscava esboços de homens «contentes» com lanças em riste.


- O que dizia, Rachel? - perguntou à paciente, sentada na poltrona justa em frente dela.


A mulher era uma fotógrafa elegantemente vestida.


- Esteve bem de lhe dizer ao Dave que não pusesse minha roupa? A ver não sinto muito bem que a seu namorado sua roupa fique melhor que a ti, não?


Hermione assentiu.


- É obvio. É sua roupa e não teria por que fechar seu closet com chave.


- Vê-o? Sabia! Isso foi o que lhe disse. Mas acaso me escutou? Não. Ele pode chamar-se Davida sempre que quiser, e me dizer que é uma mulher apanhada no corpo de um homem, mas quando aterrissa, escuta-me como o fazia meu ex-marido. Juraria…


Hermione olhou inadvertidamente a hora… outra vez. Quase tinha acabado com Rachel.


- Já sabe, Rachel - lhe disse, cortando-a antes que pudesse começar sua arenga sobre os homens e seus irritantes costumes - possivelmente deveríamos deixar o tema para na segunda-feira, quando tivermos a sessão conjunta com o Dave, não acredite?


Rachel assentiu.


- Estupendo. Mas me recorde na segunda-feira que lhe fale sobre Menino.


- Menino?


- O chihuahua que vive no apartamento do lado. Juraria que esse cão me jogou o olho.


Hermione franziu o cenho. Não era possível que Rachel insinuasse o que ela estava imaginado que no fundo queria dizer.


- O olho?


- Já sabe, o olho. Pode que pareça um vira-lata, mas esse cão só pensa no sexo. Cada vez que passo a seu lado, me olha a saia. E não se imagina o que faz com minhas tênis. Esse cão é um pervertido.


- Certo. - respondeu Hermione, interrompendo-a de novo. Começava a suspeitar que não podia fazer nada com Rachel, e sua obsessão a respeito de que todos os homens do mundo morriam por possuí-la - Definitivamente, ocuparemos de desentranhar o amor que esse chihuahua sente por ti.


- Obrigado doutora. Você é a melhor. - Rachel recolheu sua bolsa do chão e se encaminhou para a porta.


Hermione se esfregou a frente enquanto as palavras do Rachel ainda ressonavam em sua cabeça. Um chihuahua? Jesus!


Pobre Rachel. Tinha que haver algum modo de ajudar a esta pobre mulher.


Embora, por outro lado, era preferível ter a um chihuahua lançando olhadas luxuriosas a sua saia, que um escravo grego.


- Ai Gina, - soprou - como consegue me colocar nestas confusões?


Antes de poder fiar esse pensamento, soou o zumbido do inter-comunicador.


- Sim, Lisa?


- Seu encontro das onze foi cancelada, e durante a hora da senhorita Thibideaux, sua amiga Gina Malfoy chamou seis dúzias de vezes, e não estou exagerando, nem brincando. Deixou uma quantidade impressionante de mensagens para que a chame o celular logo que seja possível.


- Obrigado, Lisa.


Segurou o telefone e marcou o número da Gina.


- Uf, graças a Deus! - exclamou sua amiga antes que Hermione pudesse pronunciar palavra - Move o traseiro até aqui e leve a seu namorado a sua casa. Agora mesmo!


- Não é meu namorado, é você…


- Ah! Quer saber o que é? - perguntou-lhe Gina com um tom histérico - É um ímã de estrogênios, isso é o que é. Estou rodeada de uma multidão de mulheres neste mesmo momento. Sunshine está encantada, porque está vendendo mais cerâmica que vendeu em sua vida. Tentei levar a Harry de volta a sua casa esta manhã, mas não pude abrir um caminho em semelhante multidão. Juro-te que se o vir, pensaria que é um famoso. É a primeira vez que sou testemunha de algo assim. E agora, move o traseiro e vêem me ajudar!


E desligou.


Hermione amaldiçoou sua sorte e pediu a Lisa, através do inter-comunicador, que cancelasse todas as consultas brincos para o resto do dia.


 


Logo que chegou à praça, entendeu o que Gina tinha querido lhe dizer. Haveria umas vinte mulheres rodeando a Harry, e dúzias mais boquiabertas ao passar perto da banca.


As que estavam mais perto dele, empurravam-se a cotoveladas tratando de chamar sua atenção.


Mas o mais incrível de tudo era contemplar às três mulheres que lhe passavam os braços pela cintura, enquanto outra fazia uma foto.


- Obrigado. - ronronou uma delas, cuja idade rondaria os trinta e cinco, dirigindo-se a Harry enquanto arrebatava a câmara à garota que acabava de fazer a foto instantânea. Sustentou-a diante do peito em uma tentativa de atrair a atenção de Harry, mas ele não pareceu interessado no mais mínimo. - É simplesmente maravilhoso. - continuou babando - Não posso esperar a chegar a casa e mostrar-lhe a meu grupo de novela. Jamais me acreditarão quando lhes contar que me encontrei com um modelo de capa de novela romântica no Bairro Francês.


Havia algo na rigidez de Harry que lhe dizia que não gostava da atenção que despertava. Mas tinha que admitir que não se comportava de forma abertamente mal educada.


Não obstante, o sorriso não chegava aos olhos, e a que tinha nesses momentos não se parecia em nada a que lhe tinha dedicado a noite anterior.


- Um prazer. - lhes respondeu.


As risadas que seguiram ao comentário foram ensurdecedoras. Hermione agitou a cabeça totalmente incrédula. Garotas, um pouco de dignidade…!


E de novo, observando o rosto de Harry, seu corpo e seu sorriso, sobreveio-lhe aquela sensação de vertigem, tão habitual desde que lhe visse pela primeira vez.


Como ia culpá-las por se comportarem como adolescentes à porta de um concerto em um centro comercial?


De repente, Harry olhou além da maré de admiradoras e a viu. Hermione arqueou uma sobrancelha, lhe indicando que via situação bastante divertida.


Imediatamente, o sorriso se desligou de seu rosto e cravou os olhos nela como um faminto predador que acaba de encontrar sua próxima comida.


- Se me desculpam. - disse, abrindo-se passo entre as mulheres e dirigindo-se diretamente para Hermione.


Ela engoliu em seco ao perceber a instantânea hostilidade das mulheres, que franziram o cenho em massa, observando-a.


Mas foi muito pior o repentino e cru arrebatamento de desejo que a percorreu por completo, e fez que seu coração começasse a pulsar descontrolado. Com cada passo que Harry dava para ela, a sensação se multiplicou por dez.


- Saudações, agapimeni. - disse Harry, lhe elevando a mão para depositar um beijo sobre os nódulos.


Uma ardente descarrega elétrica percorreu suas costas e, antes que pudesse mover-se, ele a arrastou para seus braços e lhe deu um tórrido beijo que lhe rasgou a alma.


Fechou os olhos de forma instintiva e saboreou a calidez de sua boca e de seu fôlego, a sensação de seus braços rodeando-a com força contra seu peito, duro como uma rocha. A cabeça começou a lhe dar voltas.


Uf, certamente este homem sabia como dar um beijo! Harry tinha uma forma de mover os lábios que desafiava qualquer possível explicação.


E seu corpo… Hermione nunca havia sentido nada parecido a esses músculos esbeltos e duros flexionando-se a seu redor.


Uma das «admiradoras» sussurrou um apenas audível Lagarta! Que rompeu o feitiço.


- Harry, por favor. – murmurou - As pessoas nos olham.


- E te importa?


- Pois claro!


Harry separou seus lábios dos de Hermione com um grunhido, e voltou a deixá-la sobre o chão. Só então, foi consciente de que a tinha estado sustentando, aparentemente sem muito esforço.


Com as bochechas vermelhas, Hermione captou as olhadas invejosas das mulheres enquanto se dispersavam.


Harry se afastou e deu um passo para trás, seu rosto mostrava às claras quão pouco disposto estava a manter-se afastado.


- Por fim. - disse Gina com um suspiro - De novo posso ouvir. - disse agitando a cabeça - Se tivesse sabido que ia funcionar, eu mesma lhe teria beijado.


Hermione lhe dedicou uma risada satisfeita.


- Bom, você é a culpada.


- Como diz? - perguntou-lhe Gina.


Hermione assinalou a roupa de Harry com um gesto da mão.


- Olhe como vai vestido. Não pode mostrar em público a um deus grego com shorts e uma regata duas vezes menor a que necessita. Jesus, Gina! No que estava pensando?


- Em que estamos a 38º com uma umidade de cento e dez por cento. Não queria que morresse por um golpe de calor.


- Senhoras, por favor. - disse Harry, interpondo-se entre elas - Faz muito calor para estar discutindo em plena rua sobre um pouco tão corriqueiro como minha roupa. - disse, deslizando um faminto olhar sobre Hermione, e sorrindo de uma forma que derreteria a qualquer mulher - E não sou um deus grego, só um semi-deus menor.


Hermione não entendeu o que Harry dizia, já que o som de sua voz a tinha cativada. Como o conseguia? Como fazia que sua voz soasse com esse tom tão erótico?


Seria seu timbre profundo?


Não, era algo mais. Mas não acaba de entender o que podia ser.


Honestamente, quão único queria era encontrar uma cama e deixar que fizesse com ela tudo o que lhe desejasse muito, e sentir sua apetitosa pele sob as mãos.


Observou a Gina e viu que esta o comia com os olhos, enquanto lhe olhava as pernas nuas e o traseiro.


- Você também o sente, verdade? - perguntou-lhe.


Gina levantou o olhar, piscando.


- O que?


- A ele. É como se fosse o Flautista do Hamelin e nós fôssemos os ratos, seduzidas por sua música. - Hermione se deu a volta e observou o modo em que as mulheres o olhavam, algumas inclusive estiravam o pescoço para lhe ver melhor - O que há nele que nos faz esquecer nossa vontade? - perguntou.


Harry arqueou uma sobrancelha com um gesto arrogante.


- Eu te atraio contra sua vontade?


- Sinceramente sim. Eu não gosto de me sentir deste modo.


- E como se sente? - perguntou-lhe ele.


- Sexualmente atraente. - lhe respondeu antes de poder conter a língua.


- Como se fosse uma deusa? - voltou-lhe a perguntar ele com voz rouca.


- Sim. - respondeu, enquanto Harry se aproximava dela.


Não a tocou, mas tampouco é que fizesse falta. Sua mera presença conseguia afligi-la e embriagá-la tão somente com que cravasse seu olhar em seus lábios ou em seu pescoço. Podia jurar que realmente sentia o calor de seus lábios sobre a garganta.


E Harry nem sequer se moveu.


- Eu posso te dizer o que é. - ronronou ele.


- A maldição, não é certo?


Harry negou com a cabeça enquanto levantava uma mão para lhe passar muito lentamente o dedo pelo maçã do rosto. Hermione fechou os olhos com força ao sentir uma feroz onda de desejo. Se não o olhava, possivelmente fosse capaz de manter-se firme e não capturar esse dedo com os dentes.


Harry se inclinou um pouco mais e esfregou a bochecha contra a dela.


- É o fato de que posso te perceber a um nível que os homens de sua mesma idade não apreciam.


- É o fato de que tem o traseiro mais firme que vi em minha vida. - disse Sunshine, interrompendo-os - Por não mencionar que qualquer uma morre ao escutar sua voz. Eu gostaria que alguma de vocês duas me dissesse onde posso achar um destes.


Hermione rompeu a rir a gargalhadas ante o inesperado comentário do Sunshine.


- Olha-o. - disse a garota, assinalando a Harry com o lápis. Tinha a mão manchada de pintura cinza, ao igual à bochecha direita - Quando foi a última vez que viu um homem tão bem formado, com uns músculos tão tonificados que pode ver como o sangue corre por suas veias? Seu namorado é… a ver… está bom. Está muito bom. - e depois acrescentou com uma expressão muito séria: - Está como um caminhão.


Sunshine girou um pouco seu caderno de esboços para que Hermione pudesse ver sua interpretação de Harry. 


- Dá-te conta do modo em que a luz ressalta o tom dourado de sua pele? Dá a sensação de que o sol lhe beijasse.


Hermione franziu o cenho. Sunshine tinha razão.


Harry se inclinou para ela, com os olhos azuis repletos de paixão.


- Volta para casa comigo, Hermione. - lhe sussurrou ao ouvido - Agora. Deixe-me que te abrace, que te dispa e que te ensine como querem os deuses que um homem ame a uma mulher. Juro-te que o recordará durante o resto de sua vida.


Hermione fechou os olhos enjoada com o aroma do sândalo. O fôlego de Harry lhe acariciava o pescoço e seu rosto estava tão perto que podia sentir os incipientes cabelos de sua barba lhe roçando a bochecha.


Todo seu corpo queria render-se ante ele. Sim, por favor, sim.


Olhou os definidos e duros músculos dos ombros e o vão da garganta. Ai, como desejaria passar a língua por essa pele dourada e comprovar que o resto de seu corpo era tão saboroso como sua boca!


Harry seria esplêndido na cama. Não havia dúvida.


Mas ela não significava nada para ele. Nada absolutamente.


- Não posso. - balbuciou, dando um passo atrás.


Com a decepção refletida nos olhos, Harry afastou o olhar e adotou uma atitude brusca e resolvida.


- Poderá. - lhe assegurou.


Interiormente, sabia que Harry tinha razão. Quanto tempo seria capaz uma mulher de resistir a um homem como ele?


Afastando esses pensamentos da mente, olhou ao outro lado da rua, ao Jackson Brewery.


- Precisamos comprar algo que te assente bem.


- Não pude fazer outra coisa, é mais alto que o Draco, e é duas vezes mais largo de ombros. - disse Gina - A estupenda idéia de que o trouxesse comigo foi tua.


Hermione a olhou com os olhos entreabertos.


- De acordo. Estaremos no Brewery, se por acaso nos necessita.


- Muito bem, mas tomem cuidado.


- Que tomemos cuidado? - perguntou Hermione.


Gina assinalou a Harry com o dedo.


- Se houver uma correria de mulheres te aparte de seu caminho. Desde que se foi o último grupo de «admiradoras» não sinto o pé direito.


Hermione cruzou a rua entre gargalhadas. Sabia que Harry iria atrás dela, de fato, sentia sua presença a suas costas. Era algo inegável: esse homem tinha uma forma horrorosa de invadir seus pensamentos e seus sentidos.


Nenhum dos dois disse uma palavra enquanto atravessavam a lotada galeria comercial, e entravam na primeira loja que viram.


Hermione deu uma olhada até encontrar a seção de roupa masculina. Quando a localizou, dirigiu-se para ali.


- Que estilo de roupa você gosta mais? - perguntou a Harry, enquanto se detinha junto ao expositor dos jeans.


- Para o que tenho em mente, o nudismo nos viria bem.


Hermione pôs os olhos em branco.


- Está tentando me chatear, verdade?


- Talvez. Devo admitir que eu gosto de muito quando te ruboriza.


E se aproximou dela.


Hermione se afastou e deixou que o mostrador dos jeans se interpor entre eles.


- Acredito que necessitará pelo menos três pares de calças enquanto esteja aqui.


Ele suspirou e olhou atentamente os jeans.


- Para que te incomodar se irei dentro de umas semanas?


Hermione o olhou furiosa...


- Jesus, Harry! - espetou-lhe indignada - Te comporta como se ninguém se preocupou em te vestir em suas anteriores invocações.


- Não o fizeram.


Hermione ficou paralisada ante o desapaixonado tom de sua voz.


- Está me dizendo que durante os últimos dois mil anos ninguém se preocupou de que ponha um pouco de roupa em cima?


- Só em duas ocasiões. - lhe respondeu com a mesma inflexão monótona - Uma vez, durante uma tempestade de neve na Inglaterra, na época da Regência, uma de minhas invocadoras me cobriu com uma camisola rosa, antes de me tirar o balcão para que seu marido não me encontrasse na cama. A segunda vez foi muito abafadiça para lhe contar isso


- Não tem graça. E não entendo como uma mulher pode ter a um homem ao lado durante um mês e não preocupar-se de que se vista.


- Me olhe, Hermione. - lhe disse, estendendo os braços para que contemplasse seu esbelto e delicioso corpo - Sou um escravo sexual. Ninguém tinha pensado jamais em me pôr roupa para cumprir com minhas obrigações, antes que você chegasse.


O apaixonado olhar de Harry a mantinha em um estado de transe, mas a dor que ele tentava ocultar nas profundidades azuis de seus olhos a golpeou com força. E o golpe lhe chegou à alma.


- Asseguro-te - prosseguiu ele em voz baixa - que uma vez me tinham dentro, faziam tudo por me manter ali, na Idade Média, uma das invocadoras trancou a porta e disse a todo mundo que tinha a peste.


Hermione desviou o olhar enquanto lhe escutava. O que contava era incrível, mas podia dizer, pela expressão de seu rosto, que não estava exagerando nem um ápice.


Não era capaz de imaginar as degradações que teria sofrido ao longo dos séculos. Santo Deus! As pessoas tratavam aos animais melhor do que tinham tratado a ele.


- Invocavam-lhe e nenhuma delas conversava contigo, nem te dava roupa?


- A fantasia de todo homem, não é certo? Ter a um milhão de mulheres dispostas a jogar-se em seus braços, sem compromissos nem promessas. Sem procurar outra coisa que seu corpo e as poucas semanas de prazer que pode lhes proporcionar. - o tom ligeiro não conseguiu ocultar a amargura que lhe invadia.


Pode que essa fosse a fantasia de qualquer homem, mas estava claro que não era a de Julian.


- Bom, - disse Hermione, voltando para os jeans - eu não sou assim, e vais precisar levar algo em cima quando sairmos.


O olhar que lhe dedicou foi tão irada que deu um involuntário passo para trás.


- Não me amaldiçoaram para ser mostrado em público, Hermione. Estou aqui para te servir a ti, e só a ti.


Que bem soava isso. Mas nem ainda assim ia dar-se por vencida. Não podia utilizar a outro ser humano da forma que Harry descrevia. Estava mau e não seria capaz de seguir vivendo consigo mesma se o fazia isso.


- Dá-me igual. - disse decidida - Quero que saia comigo e vai necessitar roupa. - e começou a olhar a numeração das calças.


Harry guardou silêncio.


Hermione levantou os olhos e captou o tenebroso e encolerizado olhar dele.


- O que?


- Quanto o que? - espetou ele.


- Nada. Vamos ver qual destes fica melhor. - segurou alguns jeans de diferentes formas e os ofereceu. Pelo modo em que Harry reagiu, qualquer teria pensado que lhe estava dando uma merda de cão.


Sem fazer caso de sua ameaçadora aparência, Hermione lhe empurrou para os provadores e fechou com força a porta de um dos compartimentos atrás dele.


Harry ficou paralisado ao entrar no pequeno cubículo. Sua imagem lhe assaltou subitamente desde três ângulos diferentes. Durante um minuto, foi incapaz de respirar enquanto lutava contra o irrefreável desejo de fugir do estreito e reduzido lugar. Não podia fazer um só movimento sem dar um golpe com a porta ou com os espelhos.


Mas ainda pior que a claustrofobia, foi enfrentar à imagem de seu rosto. Fazia séculos que não contemplava seu reflexo. O homem que tinha diante se parecia tanto a seu pai que lhe entraram desejos de fazer pedaços o vidro. Tinham os mesmos traços angulosos e o mesmo olhar desdenhoso.


Quão único não compartilhavam era a profunda e irregular cicatriz que atravessava a bochecha esquerda de seu progenitor.


Pela primeira vez em incontáveis séculos, Harry contemplou a desagradável imagem das três tranças que lhe identificavam como general, e que lhe caíam sobre o ombro.


Levantou uma tremente mão e as tocou enquanto fazia algo que não tinha feito em muito tempo: recordar o dia que ganhou o direito às levar.


Durante a batalha do Tebas, o general que lhes comandava caiu abatido e as tropas começaram a retroceder aterrorizadas. Ele segurou a espada do general, reagrupou a seus homens e lhes conduziu à vitória, esmagando aos romanos.


O dia posterior à luta, a rainha da Macedônia em pessoa lhe trançou o cabelo e deu de presente as três contas de vidro que as sujeitavam nas pontas.


Harry encerrou as pequenas bolinhas em um punho.


Essas tranças tinham pertencido ao que uma vez fora um orgulhoso e heróico general macedônio, cujo exército foi tão poderoso que obrigou aos romanos a dispersar-se aterrorizados.


A lembrança lhe atormentava.


Baixou o olhar para o anel que levava na mão direita. Um anel que tinha estado ali tanto tempo que já não era consciente de que existia, fazia muito que tinha esquecido seu significado.


Mas as tranças…


Não tinha pensado nelas desde fazia muitos, muitos séculos.


As tocando nesse momento, recordava ao homem que uma vez foi. Recordava os rostos de seus familiares. Às pessoas que se apressava a lhe servir. A aqueles que lhe temiam e lhe respeitavam.


Recordava uma época em que ele mesmo governava seu destino, e o mundo conhecido se estendia ante ele para ser conquistado.


E agora não era mais que…


Com um nó na garganta, fechou os olhos e se tirou as contas do extremo das tranças, antes de começar às desfazer.


Enquanto seus dedos se esforçavam em desfazer a primeira delas, olhou as calças que tinha deixado cair ao chão.


Por que estava fazendo isso Hermione por ele? Por que se empenhava em lhe tratar como a um ser humano?


Estava tão acostumado a ser tratado como a um objeto, que a amabilidade desta mulher lhe resultava insuportável. O trato impessoal e frio que tinha mantido com o resto de suas invocadoras lhe tinha ajudado a tolerar a maldição, a não recordar quem e o que foi tempo atrás.


A não recordar o que tinha perdido.


Permitia-lhe concentrar-se tão só no aqui e o agora, nos prazeres efêmeros que tinha por diante.


Mas os seres humanos não viviam desse modo. Tinham famílias, amigos, um futuro e muitos sonhos.


Esperanças.


Coisas que fazia séculos que ele tinha deixado atrás. Coisas que jamais voltaria a conhecer.


- Maldito seja, Priapus! - soprou enquanto desfazia a última trança - E maldito eu seja também!


Hermione o olhou assombrada, da cabeça aos pés e de novo para cima, quando por fim Harry saiu do provador vestido com uns jeans que pareciam ter sido desenhados especificamente para ele.


A regata que Gina lhe tinha emprestado, chegava-lhe à estreita e musculosa cintura. As calças lhe caíam sobre os quadris, deixando à vista uma porção de seu duro estômago, dividido em duas pela linha de pêlo escuro que começava sob o umbigo e desaparecia sob o jeans.


Hermione teve o forte impulso de aproximar-se dele e deslizar a mão por aquele sugestivo atalho para investigar até onde levava. Recordava muito bem a imagem de Harry nu diante dela.


Com os dentes apertados e tratando de normalizar a respiração, teve que admitir que os jeans assentavam de maravilha. Estava muito melhor que com os shorts, se é que isso era possível.


Sunshine estava no certo: tinha o melhor traseiro que um jeans tivesse abafado jamais, e em quão único podia pensar era em passar a mão por esse traseiro e lhe dar um bom apertão.


A vendedora, e a cliente a que esta atendia, deixaram de falar e olharam a Harry boquiabertas.


- Ficam bem? - perguntou a Hermione.


- Uf! Sim coração. - lhe respondeu Hermione sem fôlego, antes de pensar no que ia dizer.


Harry lhe sorriu, mas o sorriso não lhe iluminou os olhos.


Hermione deu uma volta completa a seu redor e se fixou na talha.


Ai, sim! Um traseiro precioso!


Distraída por suas bem formadas costas, passou inadvertidamente os dedos sobre sua pele enquanto pegava a etiqueta. Sentiu como Harry se esticava.


- Já sabe - disse ele, olhando-a por cima do ombro - que desfrutaríamos muitíssimo mais se ambos estivéssemos nus. E em sua cama.


Hermione escutou como a vendedora e a outra mulher ofegavam surpreendidas.


Com o rosto morto de calor, endireitou-se e o olhou furiosa.


- Temos que falar com urgência sobre os comentários adequados em um lugar público.


- Se me levasse pra casa, não teria que preocupar-se por isso.


O moço era realmente implacável.


Movendo a cabeça com incredulidade, Hermione segurou dois pares mais de jeans, algumas camisas, um cinturão, uns óculos de sol, meias, sapatos e vários boxers enormes e horrorosos. Nenhum homem estaria atrativo com aquela cueca, decidiu. E o último que pretendia era que Harry resultasse ainda mais apetecível.


Saíram da zona dos provadores com Harry vestido de cima abaixo com a roupa nova: um pólo, uns jeans e umas tênis.


- Agora parece quase humano. - brincou Hermione, enquanto deixavam atrás o departamento de roupa masculina.


Harry lhe dedicou um olhar frio e letal.


- Só por fora. - lhe respondeu com voz tão baixa que Hermione não esteve segura de ter escutado bem.


- O que disse? - perguntou-lhe.


- Que só sou humano exteriormente. - disse ele falando mais alto.


Hermione captou a angústia em seu olhar. Seu coração começou a pulsar com mais força.


- Harry, - disse com claras intenções de lhe repreender - és humano.


Ele apertou os lábios e lhe respondeu com um olhar sombrio e precavido:


- Sério? Um humano pode viver dois mil anos? Permite a um humano caminhar pelo mundo algumas semanas cada centena de anos?


Olhou a seu redor, notando-se nas mulheres que o olhavam às escondidas por entre a roupa. Mulheres que se detinham por completo, paralisadas, assim que o viam pela extremidade do olho.


Fez um amplo gesto com a mão, assinalando o espetáculo que se desenvolvia a seu redor.


- Viu que não fazem isso com alguém mais? - o rosto de Harry adotou uma expressão dura e perigosa, enquanto a atravessava com o olhar – Não Hermione, jamais fui humano.


Com o urgente desejo de reconfortá-lo, ela levou a mão até sua bochecha.


- É humano, Harry.


A dúvida que viu em seus olhos lhe partiu o coração.


Sem saber muito bem o que fazer nem o que dizer para que se sentisse melhor, deixou passar o tema e se encaminhou para a saída. Estava quase saindo quando se deu conta de que Harry não ia atrás dela.


Girou-se e o localizou imediatamente. Distraiu-se no departamento de lingerie feminina, estava de pé junto a um expositor de minúsculas negligés negras. Começou a ruborizar-se de novo, juraria que podia escutar os lascivos pensamentos que passavam nesses momentos pela mente masculina.


Seria melhor que fosse rapidamente para buscá-lo, antes que qualquer das mulheres se oferecesse como modelo. Aproximou-se apressadamente e limpou a garganta.


- Vamos?


Ele a olhou muito devagar, de cima abaixo e Hermione soube por seus olhos que estava conjurando sua imagem com aquele objeto de gaze.


- Estaria deslumbrante com isto.


Ela o olhou com cepticismo. Aquela coisa era tão diáfana que a mostraria por inteiro. Ao contrário do que ocorria com ele, o seu não era um corpo que conseguisse fazer voltar a cabeça de ninguém, a menos que o tipo estivesse muito desesperado. Ou tivesse estado encarcerado alguns décadas.


- Não sei se deslumbraria a alguém, mas seguro que eu acabava congelada.


- Não demoraria muito para entrar em calor.


Hermione conteve a respiração ao escutar suas palavras, acreditou-as com convicção.


- É muito mau.


- Não, na cama não. - disse baixando a cabeça para a sua - Realmente na cama sou muito…


- Aqui estão!


Hermione retrocedeu de um salto ao escutar a voz da Gina. Harry lhe disse algo em uma língua estranha que não conseguiu entender.


- Vá, vá. - disse com tom acusador. - Hermione não entende o grego clássico. Dedicou-se a dormir durante todo o semestre. - Gina a olhou e estalou a língua - O vê? Disse-te que algum dia te serviria para algo.


- Sim, claro! - disse as gargalhadas - Como se naquela época eu me pudesse ter imaginado que foste convocar a um escravo sexual gre… - a voz de Hermione se extinguiu ao cair na conta de que Harry estava presente. Envergonhada, mordeu-se o lábio.


- Não passa nada, Hermione. - a tranqüilizou em voz baixa.


Mas ela sabia que esse comentário o tinha incomodado. Era lógico.


- Sei o que sou Hermione, a verdade não me ofende. Em realidade, estou mais ofendido pelo fato de que me chame grego. Fui treinado na Esparta e lutei com o exército macedônio. Para mim era um hábito evitar todo contato possível com os gregos antes de ser amaldiçoado.


Hermione arqueou uma sobrancelha ante suas palavras, ou melhor dizendo ante o que não havia dito. Não fazia nenhuma referência a sua infância.


- Onde nasceu?


Começou a lhe pulsar um músculo na mandíbula, e seus olhos se obscureceram de forma sinistra. Qualquer que tivesse sido o lugar de seu nascimento, não parecia lhe prazer muito.


- Muito bem, sou meio grego, mas não estou orgulhoso dessa parte de minha herança.


Bem, um tema espinhoso. De agora em diante, apagaria a palavra «grego» de seu vocabulário.


- Voltando para assunto da negligé negra, - disse Gina - devo dizer que ali há uma vermelha que acredito que ficaria muito melhor.


- Gina! - gritou-lhe Hermione.


Sua amiga a ignorou e conduziu a Harry à prateleira onde estava pendurada a lingerie de cor vermelha. Gina segurou um negligé de cor vermelha brilhante aberto pela parte dianteira, e sujeito por um pequeno cordão que se atava sob o peito. As alças eram minúsculas. Uma calcinha e uma liga de renda do mesmo tom completavam o conjunto.


- O que está pensando? - perguntou-lhe Hermione enquanto Gina sustentava o objeto frente a Harry.


Ele a olhou de forma especulativa.


Se continuavam com esse joguinho acabaria morta de vergonha.


- Querem deixar já isso? - perguntou-lhes - Não penso em pôr isso. - Ela olhou divertido.


- De todas as formas vou comprar. - disse sua amiga com voz resolvida - Estou virtualmente segura de que Harry é capaz de te convencer para que lhe ponha isso.


Ele a olhou divertido.


- Preferiria convencê-la para que o tirasse.


Hermione se cobriu o rosto com as mãos e gemeu.


- Acabará animando. -lhe respondeu Gina com um gesto conspirador.


- Não o farei. - lhe disse Hermione, ainda oculta depois das mãos.


- Sim, o fará. - disse Harry deixando resolvido o tema, enquanto Gina pagava a negligé vermelha.


Usou um tom tão arrogante e crédulo, que Hermione imaginou que não estava acostumado a que lhe desafiassem.


- Equivocaste-te alguma vez? - perguntou-lhe.


A diversão desapareceu de seu rosto, e de novo ocultou seus sentimentos atrás uma espécie de véu. Esse olhar escondia algo, estava segura. Um pouco muito doloroso, tendo em conta a repentina tensão de seu corpo.


Não voltou a pronunciar uma só palavra até que Gina retornou e lhe deu a bolsa.


- Vá, - comentou - me ocorre que podiam pôr umas velas, uma música tranqüila e…


- Gina, - a interrompeu Hermione - agradeço-te muito o que tenta fazer, mas em lugar de falar de mim, podemos nos ocupar de Harry?


Gina a olhou de esguelha.


- Claro, passa-lhe algo?


- Sabe como tirá-lo do livro? De forma permanente, quero dizer.


- Nem idéia. - respondeu e se dirigiu a Harry - Você sabe algo a respeito?


- Não deixei de repetir-lhe, é impossível.


Gina assentiu com a cabeça.


- É muito teimosa. Nunca dá atenção ao que lhe dizem, a menos que seja o que ela quer ouvir.


- Teimosa ou não, - acrescentou Hermione dirigindo-se a Harry - não posso imaginar uma só razão pela qual quereria permanecer preso em um livro.


Harry afastou o olhar.


- Hermione, não o irrite.


- Isso é o que tento, libertá-lo do esgotamento de seu confinamento.


- De acordo. - disse Gina, cedendo finalmente - Muito bem, Harry, que horrível pecado cometeu para acabar metido em um livro?


- Hubris.


- Ooooh! - exclamou Gina com tom fúnebre - Isso não é nada bom. Hermione, pode ser que tenha razão. Estavam acostumados a fazer coisas como despedaçar às pessoas por isso. Deveria ter prestado atenção durante as aulas de cultura clássica. Os deuses gregos são realmente desumanos no referente aos castigos.


Hermione entrecerrou os olhos para olhá-los.


- Nego-me a acreditar que não exista nenhum modo de libertá-lo. Não podemos destruir o livro, ou convocar a um de seus espíritos, ou fazer algo para ajudá-lo?


- Vá! Agora acredite em minha magia vudu?


- Não muito na verdade. Mas arrumou isso para lhe trazer até aqui. É que não pode pensar em algo que sirva de ajuda?


Gina se mordiscou o polegar em um gesto pensativo.


- Harry, que deus estava a seu favor?


Ele inspirou fundo, como se estivesse realmente cansado de suas perguntas.


- Em realidade, nenhum deles me apreciava muito. Como era um soldado, normalmente dedicava sacrifícios a Athena, mas tinha mais contato com o Eros.


Gina lhe dedicou um sorriso travesso.


- O deus do amor e o desejo, compreendo-o perfeitamente.


- Não é pelo que acredito. - lhe respondeu ele sombriamente.


Gina lhe ignorou.


- Tentaste alguma vez recorrer ao Eros?


- Não nos falamos.


Hermione pôs os olhos em branco ante o despreocupado sarcasmo de Harry.


- Por que não tenta convocá-lo? - sugeriu-lhe Gina.


Hermione lhe lançou um furioso olhar.


- Gina, poderia fazer o esforço de ser um pouco mais séria? Sei que me burlei de suas crenças durante todos estes anos, mas agora estamos falando da vida de Harry.


- Estou falando totalmente a sério. - lhe respondeu com ênfase - O melhor para o Harry seria invocar ao Eros e lhe pedir ajuda.


Que demônios? - pensou Hermione. A noite anterior não acreditava que pudessem invocar a Harry. Possivelmente Gina tivesse razão.


- Tentará? - perguntou-lhe Hermione.


Harry suspirou resignado, mas dava a impressão de que estava mais que disposto sacudir as duas. Com aspecto ofendido, jogou a cabeça para trás e olhando ao teto disse:


- Cupido, bastardo inútil, invoco sua presença.


Hermione levantou as mãos.


- Foder! Não entendo como não aparece depois de chamá-lo desse modo.


Gina riu.


- Muito bem. - disse Hermione - De todas as formas não acredito nada deste abracadabra. Vamos deixar as sacolas em meu carro e a procurar um lugar onde comer, ali poderemos pensar algo mais produtivo que invocar ao tal «Cupido, bastardo inútil». Estão de acordo?


- Por mim tudo bem. - respondeu Gina.


Hermione lhe deu a bolsa com a roupa de seu marido.


- Aqui estão as coisas de Draco.


Gina olhou no interior e franziu o cenho.


- Onde está a regata?


- Logo lhe dou isso.


Gina riu de novo.


Harry caminhava atrás delas, escutando suas brincadeiras enquanto saíam da loja.


Felizmente, Hermione tinha encontrado vaga no estacionamento do centro comercial.


Harry as observou deixar as sacolas no carro. Se pensasse um pouco, tinha que admitir que gostava do fato de que Hermione estivesse tão interessada em ajudá-lo.


Ninguém tinha estado antes.


Tinha percorrido o caminho de sua existência sozinho, apoiando-se em sua inteligência e em sua força. Inclusive antes de ser amaldiçoado estava cansado de tudo. Cansado da solidão, de não contar com ninguém neste mundo e, o mais importante, de não ter a ninguém que se preocupasse com ele.


Era uma pena que não tivesse conhecido Hermione antes da maldição. Ela teria sido um bálsamo para sua inquietação. Mas de todos os modos, as mulheres de sua época não se pareciam com as atuais, essas mulheres o tratavam como a uma lenda a que temer ou aplacar, mas Hermione o olhava como um igual.


O que tinha Hermione que a fazia parecer única? O que havia nela que lhe permitia chegar ao mais fundo de sua alma, quando sua própria família lhe tinha dado as costas?


Não estava muito seguro. Mas era uma mulher muito especial. Um coração puro em um mundo infestado de egoísmo. Nunca pensara ser possível encontrar a alguém como ela.


Incômodo diante o rumo que estavam tomando seus pensamentos, deu uma olhada à multidão. Ninguém parecia incômodo com o opressivo calor reinante naquela estranha cidade.


Captou a discussão que um casal mantinha em frente de onde eles se encontravam, a mulher estava zangada porque seu marido se esquecera de algo. Com eles havia um menino, de uns três ou quatro anos, que caminhava entre ambos.


Harry lhe sorriu. Não podia recordar a última vez que tinha visto uma família imersa em seus pesares. A imagem despertou um pedaço dele que apenas se recordava ter. Seu coração. Perguntou-se se essas pessoas saberiam o presente que era ter uns aos outros.


Enquanto o casal continuava com a discussão, o menino se deteve. Algo ao outro lado da rua tinha captado sua atenção.


Harry conteve o fôlego ao dar-se conta do que o menino estava a ponto de fazer.


Hermione fechou nesse momento o porta-malas do carro.


Pela extremidade do olho, viu uma mancha azul que cruzava a rua a toda pressa. Levou um segundo dar-se conta de que se tratava de Harry, atravessando como uma exclamação o estacionamento. Franziu o cenho, e então viu o pequenino que entrava rua lotada de carros.


- OH, Meu deus! - ofegou quando escutou que os veículos começavam a frear em seco.


- Steven! - gritou uma mulher.


Com um movimento próprio de um filme, Harry saltou o muro que separava o estacionamento da rua, segurou ao menino ao vôo e protegendo-o sobre seu peito, equilibrou-se sobre o carro que acabava de frear, deu um salto lateral e acabou no outro lado.


Aterrissaram a salvo no outro lado, um segundo antes que outro carro colidisse com o primeiro e se equilibrasse diretamente sobre eles.


Horrorizada, Hermione observou como Harry subia de um salto à capota de um velho Chevy, deslizava-se pelo pára-brisa e se deixava cair ao chão, rodando alguns metros até deter-se por fim e ficar imóvel, estendido de lado.


O caos invadiu a rua, que se encheu de gritos e chiados, enquanto a multidão rodeava o cenário do acidente.


Hermione não podia deixar de tremer. Aterrorizada, cruzou a multidão, tentando chegar ao lugar onde tinha caído Harry.


- Por favor, que esteja bem, por favor, que esteja bem. - murmurava uma e outra vez, suplicando que tivessem sobrevivido ao golpe.


Quando conseguiu atravessar a maré humana e chegou ao lugar onde tinha caído, viu que Harry não tinha soltado ao menino. Ainda o deixava firmemente preso, a salvo entre seus braços.


Incapaz de acreditar o que via, deteve-se com o coração acelerado.


Estavam vivos?


- Nunca vi nada igual em minha vida. - comentou um homem atrás dela.


Todos os congregados eram da mesma opinião.


Quando viu que Harry começava a mover-se, aproximou-se muito devagar e muito assustada.


- Está bem? - escutou que lhe perguntava ao menino.


O pequeno respondeu com um uivo.


Ignorando o ensurdecedor grito, Harry ficou em pé, lentamente, com o menino em braços.


Como tinha feito para manter pego ao pequeno?


Cambaleou-se um pouco e voltou a recuperar o equilíbrio sem soltar ao menino.


Hermione ajudou a manter-se em pé segurando-o pelas costas.


- Não deveria ter levantado. - lhe disse quando viu o sangue que lhe empapava o braço esquerdo.


Ele não pareceu lhe emprestar atenção.


Tinha um estranho e lúgubre olhar.


- Shh! Já te tenho. – murmurou - Agora está a salvo.


Esta atitude a deixou assombrada. Aparentemente, não era a primeira vez que consolava a um menino. Mas, quando teria estado um soldado grego perto de um menino?


A menos que tivesse sido pai.


A mente de Hermione girava a velocidades de vertigem, pesando as possibilidades, enquanto Harry deixava à chorosa criatura em braços de sua mãe, que soluçava ainda mais forte que o menino.


Senhor! Era possível que Harry tivesse tido filhos? E se era certo, onde estavam esses meninos?


O que lhes teria acontecido?


- Steven. - choramingou a mulher enquanto abraçava ao menino - Quantas vezes tenho que te dizer que não te afaste de meu lado?


- Está bem? - perguntaram ao uníssono o pai do menino e o condutor, dirigindo-se a Harry.


Fazendo uma careta, passou-se a mão pelo braço esquerdo para comprovar os danos sofridos.


- Sim, não é nada. - respondeu, mas Hermione percebeu a rigidez de sua perna esquerda, onde lhe tinha golpeado o carro.


- Necessita que veja um médico. - lhe disse, enquanto Gina se aproximava.


- Estou bem, de verdade. - lhe respondeu com um débil sorriso, e então baixou a voz para que só ela pudesse lhe escutar - Mas tenho que confessar que os cavalos faziam menos dano que os carros quando te chocava com eles.


A Hermione horrorizou seu inoportuno senso de humor.


- Como pode brincar com isto? Acreditava que tinha morrido.


Ele encolheu os ombros.


Enquanto o homem lhe agradecia profusamente por ter salvado a seu filho, Hermione deu uma olhada a seu braço, o sangue emanava por cima do cotovelo, mas se evaporava imediatamente, como se tratasse de um efeito especial próprio de um filme.


De repente, Harry apoiou todo seu peso sobre a perna ferida, e a tensão que se refletia em seu rosto desapareceu.


Hermione trocou um atônito olhar com a Gina, que também se precaveu do que acabava de acontecer. Que demônios tinha feito Harry?


Era humano, ou não?


- Não posso agradecer-lhe o suficiente, - insistia o homem - acreditava que os dois tinham morrido.


- Me alegro de tê-lo visto a tempo. - sussurrou Harry. Estendeu a mão para o menino.


Estava a ponto de acariciar os castanhos cachos do pequeno quando se deteve. Hermione observou as emoções que cruzavam por seu rosto antes que ele recuperasse sua atitude estóica e retirasse a mão.


Sem dizer uma palavra, voltou para estacionamento.


- Harry? - chamou-lhe, apressando-se para alcançá-lo - De verdade está bem?


- Não se preocupe por mim, Hermione. Meus ossos não se rompem, e estranha vez sangro. - nesta ocasião, a amargura de sua voz era indiscutível - É um presente da maldição. As Parcas proibiram minha morte para que não pudesse escapar a meu castigo.


Hermione se encolheu ao ver a angústia que refletiam seus olhos.


Mas não só estava interessada no fato de que tivesse sobrevivido ao acidente, também queria lhe perguntar sobre o menino, sobre seu modo de olhá-lo. como se tivesse estado revivendo um horrível pesadelo. Mas as palavras lhe engasgaram.


- Cara, merece uma recompensa, - lhe disse Gina ao alcançar - vamos a Praline Factory!


- Gina, não acredito que…


- O que é Praline? - perguntou ele.


- É ambrosia cajun. - explicou Gina - Algo que deveria estar a sua altura.


Contra os protestos de Hermione, Gina lhes conduziu para a escada rolante. Subiu ao primeiro degrau e se deu a volta para olhar a Harry, que subia em meio das duas.


- Como fez para saltar sobre o carro? Foi incrível!


Harry encolheu os ombros.


- Vamos homem, não seja modesto! Parecia-te com Keanu Reeves no Matrix. Hermione, fixou-te no movimento que fez?


- Sim, vi-o. - disse em voz fraca, percebendo o incômodo que se sentia Harry diante as adulações da Gina.


Também percebeu a forma em que as mulheres a seu redor o olhavam boquiabertas.


Harry tinha razão. Não era normal. Mas, quantas vezes podia contemplar um homem como ele em carne e osso? Um homem que exsudasse esse brutal atrativo sexual?


Era um saco de feronomios andantes.


E agora um herói.


Mas, sobre tudo, era um mistério, ao menos para ela. Morria por conhecer algumas coisas sobre ele. E, de uma ou outra forma, conseguiria as averiguar durante o mês que tinham por diante.


Quando chegaram ao Praline Factory, no último piso, Hermione comprou dois Pralines de açúcar e nozes e uma Coca Cola. Sem pensar duas vezes, ofereceu um praline a Harry. Mas em lugar de agarrá-lo, ele se inclinou e deu uma mordida enquanto ela o sustentava.


Saboreou o petisco açucarado de uma forma que fez que a Hermione subisse a temperatura, seus olhos azuis não deixaram de olhá-la enquanto degustava o doce, como se desejasse que fosse seu corpo o que saboreava naquele momento.


- Tinha razão. - disse com essa voz rouca que fazia que lhe pusesse a pele arrepiada - Está delicioso.


- Uau. - disse a vendedora do outro lado do mostrador - Esse acento não é de por aqui perto. Você deve vir de longe.


- Sim. - respondeu Harry - Não sou daqui.


- E de onde é?


- Da Macedônia.


- Isso não está na Califórnia, verdade? - perguntou a garota - Parece um desses surfistas que se vêem pela praia.


Harry franziu o cenho.


- Califórnia?


- É da Grécia. - informou Gina à garota.


- Ah! - exclamou ela.


Harry arqueou uma acusadora sobrancelha.


- Macedônia não é…


- Colega, - disse Gina, com os lábios manchados de praline - por estes contornos pode te sentir afortunado se encontrar a alguém que conheça a diferença.


Antes que Hermione pudesse responder às bruscas palavras da Gina, Harry lhe colocou as mãos na cintura e a levantou até apoiá-la sobre seu peito.


Inclinou-se e apanhou seu lábio inferior com os dentes para, ato seguido, acariciá-lo com a língua. O mundo de Hermione começou a dar voltas todo depois do terno abraço. Harry aprofundou o beijo um momento antes de soltá-la e afastar-se dela.


- Tinha açúcar. - explicou com um travesso sorriso, que fez que suas covinhas aparecessem em todo seu esplendor.


Hermione piscou, surpreendida ante quão rápido seu beijo tinha despertado sua paixão, e ao mesmo tempo o refrescante que parecia.


- Podia me dizer.


- Certo, mas deste modo foi muito mais divertido.


Hermione não pôde rebater seu argumento.


Com passos rápidos, afastou-se dele e tentou ignorar o sorriso malicioso da Gina.


- Por que tem tanto medo? - perguntou-lhe Harry inesperadamente, enquanto ficava a seu lado.


- Não te tenho medo.


- Ah, não? E então o que é que te assusta? Cada vez que me aproximo de ti, encolhe-te de medo.


- Não me encolho. - insistiu Hermione. Foder, é que havia eco?


Harry ergueu o braço e o passou pela cintura. Ela se afastou com rapidez.


- Encolheste. - lhe disse acusadoramente, enquanto retornavam à escada rolante.


Hermione baixou um degrau na frente de Harry, e lhe passou os braços pelos ombros e apoiou o queixo sobre sua cabeça. Sua presença a rodeava por completo, envolvia-a e fazia que se sentisse estranhamente emocionada e protegida.


Olhou fixamente a força que desprendiam dessas mãos morenas e grandes sob as suas. A forma que as veias se marcavam, ressaltando seu poder e sua beleza. Igual ao resto de seu corpo, suas mãos e seus braços eram magníficos.


- Nunca tiveste um orgasmo, verdade? - sussurrou-lhe ele ao ouvido.


Hermione se engasgou com o Praline.


- Este não é lugar para falar disso.


- Acertei, verdade? - perguntou-lhe - Por isso…


- Não é isso. -lhe interrompeu ela - De fato sim que tive alguns.


Certo, era uma mentira. Mas ele não tinha por que averiguá-lo.


- Com um homem?


- Harry! – exclamou - O que acontece com Gina e a ti com esse afã de discutir sobre minha vida privada em público?


Ele inclinou ainda mais a cabeça, aproximando-a tanto de seu pescoço que Hermione podia sentir o roçar de seu fôlego sobre a pele, e cheirar seu quente aroma limpo.


- Sabe Hermione? Posso te proporcionar prazeres tão intensos que não seria capaz de imaginá-los.


Um calafrio lhe percorreu as costas. Acreditava.


Seria tão fácil deixar que lhe demonstrasse suas palavras…


Mas não podia. Estaria mau e, sem ter em conta o que ele dissesse, acabaria lhe remoendo a consciência. E no fundo, suspeitava que a ele também.


Voltou-se para trás, para olhá-lo aos olhos.


- Te ocorreu pensar que possivelmente não me interesse sua proposta?


Suas palavras lhe deixaram perplexo.


- E como isso é possível?


- Já lhe disse isso. A próxima vez que compartilhe minha intimidade com um homem, quero que estejam envoltas muitas mais partes além das óbvias. Quero ter seu coração.


Harry olhou seus lábios com olhos famintos.


- Asseguro-te que não sentiria falta.


- Sim, o faria.


Estremecendo como se o tivesse esbofeteado, Harry se ergueu.


Hermione sabia que acabava de tocar outro tema espinhoso. Como queria descobrir mais coisas sobre ele, deu-se a volta e o olhou aos olhos.


- Por que é tão importante para ti que eu aceite? Ocorrerá algo se não cumprir com minha parte?


Ele riu amargamente.


- Como se as coisas pudessem piorar.


- Então, por que não te dedica a desfrutar do tempo que passe comigo sem pensar em… - e baixou a voz - Sexo?


Os olhos de Harry flamejaram.


- Desfrutar com o que? Conhecendo pessoas cujos rostos me perseguirão durante toda a eternidade? Acredita que me diverte olhar a meu redor sabendo que em uns dias me jogarão de novo ao buraco vazio e escuro onde posso ouvir, mas não posso ver, saborear, sentir nem cheirar, onde meu estômago se retorce constantemente de fome e a garganta me arde pela sede que não posso satisfazer? Você é o único que me está permitido desfrutar. E me negaria esse prazer?


Os olhos de Hermione se encheram de lágrimas. Não queria lhe fazer dano. Não era sua intenção.


Mas Paul tinha utilizado um truque similar para ganhar sua simpatia e levar-lhe à cama, e isso lhe tinha destroçado o coração.


Depois da morte de seus pais, Paul lhe tinha assegurado que a cuidaria. Tinha estado junto a ela, consolando-a e sustentando-a. E, quando finalmente confiou nele por completo e lhe entregou seu corpo, lhe fez tanto dano e, de forma tão cruel, que ainda sentia a alma rasgada.


- Sinto muito, Harry. De verdade. Mas não posso fazê-lo. - desceu da escada rolante e se encaminhou de volta à rua.


- Por quê? - perguntou-lhe, enquanto Gina lhe alcançava.


Como podia explicar como Paul lhe fez muito dano aquela noite? Não tinha tido compaixão alguma por seus sentimentos. Lhe pediu que se detivera, mas não o fez.


«Olhe, supõe-se que a primeira vez dói. - lhe disse Paul - Foder! Deixa de chorar, acabarei em um minuto e poderá partir.»


Para quando Paul acabou, sentia-se tão humilhada e ferida que se passou dias inteiros chorando.


- Hermione? - a voz de Harry se introduziu entre o torvelinho de seus pensamentos - O que te acontece?


Custou-lhe muito trabalho conter as lágrimas. Mas não choraria, não em público. Não assim. Não permitiria que ninguém sentisse pena dela.


- Não é nada. - lhe respondeu.


Em busca de uma baforada de ar fresco, embora fosse mais ardente e espesso que o vapor, dirigiu-se à porta lateral do Brewery que levava ao Moonwalk. Harry e Gina a seguiram.


- Hermione, o que é o que te faz chorar? - perguntou-lhe Harry.


- Paul. - sussurrou Gina.


Hermione a olhou furiosa, enquanto se esforçava por recuperar a calma. Com um suspiro entrecortado, olhou a Harry.


- Eu adoraria te jogar os braços ao pescoço e me colocar na cama contigo, mas não posso. Não quero que me utilizem desse modo, e não quero te utilizar! O que não entende?


Harry afastou o olhar com a mandíbula tensa. Hermione olhou para o lugar onde tinha fixado sua atenção e viu um grupo de seis rudes motoqueiros que se aproximavam até eles. A vestimenta de couro devia ser quente com aquela temperatura, mas nenhum deles parecia notá-lo, já que não paravam de rir.


Nesse momento, Hermione se fixou na mulher que lhes acompanhava. Sua forma de andar, lenta e sedutora, era o equivalente feminino ao elegante e ágil perambular tão típico de Harry. A garota também possuía uma estranha beleza, própria de qualquer atriz ou modelo.


Alta e loira, levava um Top de couro e uns shorts muito curtos e ajustados que abraçavam uma figura pela qual Hermione seria capaz de assassinar.


A garota diminuía o passo, ficando atrasada que os homens, enquanto se deslizava os óculos pela ponta do nariz para olhar fixamente a Harry.


Hermione se encolheu mentalmente.


OH Senhor! Isto podia ficar muito feio. Nenhum dos desalinhados e duros motoqueiros pareciam pertencer ao tipo de homem que tolera que sua noiva olhe outro cara. E o último que ela desejava era uma briga no Moonwalk.


Hermione segurou a Harry da mão e atirou dele em direção contrária.


Mas se negou a mover-se.


- Venha, Harry! - disse-lhe nervosa - Temos que voltar para centro comercial.


Ainda assim não se moveu.


Olhava fixamente aos motoqueiros, de forma tão furiosa que parecia querer assassiná-los. E então, em um abrir e fechar de olhos, soltou-se da mão de Hermione e se aproximou deles a pernadas, até que segurou a um pela camisa.


Muda de assombro, Hermione observou como Harry lhe dava ao moço um murro na mandíbula.


 


 


CAPÍTULO 6


 


- Vêem aqui, pedaço de merda. - Harry deixou cair uma enxurrada de maldições que teriam envergonhado até um marinheiro.


Hermione abriu os olhos como pratos. Não estava muito segura do que lhe surpreendia mais: se o ataque de Harry ao desconhecido motoqueiro ou a linguagem que estava usando.


Como ele não deixava de lhe dar murros, o moço começou a defender-se, mas suas habilidades na luta não se aproximavam, nem de longe, às de Harry.


Esquecendo por completo a Gina, Hermione pôs-se a correr para eles com o coração pulsando tresloucado enquanto tentava pensar no que fazer. Não havia maneira de interpor-se entre os dois homens, tendo em conta que tentavam matar o um ao outro.


- Harry, detenha antes que lhe faça mal! - gritou a garota que lhes acompanhava.


Hermione se deteve o escutá-la, incapaz de mover-se.


Como é que conhecia o Harry?


A mulher dava voltas ao redor de ambos, em uma tentativa de ajudar ao motoqueiro e estorvar a Harry.


- Céu, tome cuidado, vai a… Ai, isso deve doer! - a mulher se encolheu em um gesto de dor, quando Harry golpeou ao moço no nariz - Harry, deixa de lhe maltratar desse modo! Vais fazer que lhe enche o nariz. Uf, coração, te agache!


O motoqueiro não se agachou e Harry lhe atirou um tremendo murro no queixo, que o fez cambalear-se para trás.


O olhar de Hermione passava de Harry à mulher com total incredulidade, aniquilada.


Como era possível que se conhecessem?


- Eros, coração! Não! - gritou a garota de novo, agitando as mãos freneticamente diante do rosto.


Gina se aproximou até Hermione.


- Este é o Eros que Harry invocou? - perguntou-lhe Hermione.


Gina se deu de ombros.


- Pode ser, mas jamais me teria imaginado ao Cupido de motoqueiro.


- Onde está Priapus? - perguntou Harry ao Eros, enquanto lhe pegava para lhe empurrar sobre o corrimão de madeira, sob a qual corria o rio.


- Não sei. - lhe respondeu, lutando para apartar as mãos de Harry de sua camiseta.


- Não te atreva a mentir. - grunhiu Harry.


- Não sei!


Harry lhe sujeitou com a força que outorgam dois mil anos de dor e raiva. As mãos lhe tremiam enquanto lhe atirava da camiseta. Mas ainda piores que o desejo de lhe matar ali mesmo, eram as implacáveis perguntas que ressonavam em sua cabeça.


Por que ninguém tinha acudido antes a suas chamadas?


Por que o tinha traído Eros?


Por que o tinham deixado sozinho para que sofresse?


- Onde está? - perguntou de novo Harry.


- Comendo, arrotando, demônios! Não sei. Faz uma eternidade que não o vejo.


Harry o separou do corrimão de um puxão e o soltou. Tinha o rosto distorcido pela ira.


- Tenho que encontrá-lo. - disse entre dentes - Agora.


Na mandíbula do Eros começou a palpitar um músculo enquanto tentava alisar as rugas da camiseta.


- Bom, me dando uma sova não vais chamar sua atenção.


- Então possivelmente deva lhe matar. - lhe respondeu Harry, aproximando-se de novo a ele.


Subitamente, os outros motoqueiros reagiram para detê-lo.


Ao aproximar-se deles, Eros se agachou para esquivar o murro de Harry e se interpôs entre este e seus amigos.


- Lhe deixem em paz, meninos. - lhes disse enquanto pegava ao mais próximo pelo braço e o empurrava para trás - Não quererão lutar com ele. Me façam caso. Poderia lhes tirar o coração e fazer que lhes comessem isso antes que caíssem mortos ao chão.


Harry estudou aos homens com um furioso olhar que desafiava a qualquer deles a aproximar-se. Hermione sentiu terror ante a ira refletida em seus olhos. Uma ira letal que parecia confirmar as palavras do Eros.


- Está louco? - perguntou o mais alto observando incrédulo a Harry - Não acredito que seja capaz de tanto.


Eros se limpou o sangue do lábio e sorriu fracamente ao olhar o dedo.


- Sim, bom. Confiem em mim. Seus punhos são como marretas, e tem a condenada habilidade de mover-se tão rápido que não poderão esquivá-lo.


Apesar de suas poeirentas calças de couro negro e a rasgada camiseta, Eros era incrivelmente bonito e não parecia estar esgotado, como o resto de seus companheiros. Seu bonito rosto poderia ser formoso se não levasse um cavanhaque castanho rodeado de uma barba de três dias, e o corte de cabelo ao estilo militar.


- Além disso, não é mais que uma pequena rixa familiar. - continuou Eros, com um estranho brilho nos olhos. Deu uns tapinhas a seu amigo no braço e soltou uma gargalhada - Meu irmão mais novo sempre teve um caráter desagradável.


Hermione trocou um atônito e incrédulo olhar com a Gina, ao mesmo tempo que ambas ficavam boquiabertas pelo assombro.


- Escutei bem? - perguntou a Gina - Não é possível que seja irmão de Harry. Ou sim?


- Como quer que saiba?


Harry disse algo ao Eros em grego que fez que os olhos da Gina se abriram como pratos e que o sorriso desaparecesse do rosto do deus.


- Se não fosse meu irmão, mataria-te por isso.


Os olhos de Harry o fulminaram.


- Se não necessitasse sua ajuda, já estaria morto.


Em lugar de zangar-se, Eros riu a gargalhadas.


- Não te atreva rir. - lhe advertiu com aborrecimento a garota - É melhor que recorde que é das poucas pessoas capaz de cumprir essa ameaça.


Eros assentiu e se girou para falar com seus companheiros.


- Parte. - lhes disse - Nos reuniremos com vocês mais tarde.


- Está seguro? - perguntou o mais alto dos quatro, olhando com nervosismo a Harry - Podemos te dar uma mão, se te fizer falta.


- Não, não passa nada. - disse movendo a mão depreciativamente - Não recordam que vos disse que tinha que ver alguém? Meu irmão está um pouco de saco cheio comigo, mas lhe passará.


Hermione se afastou para deixar passar aos motoqueiros, todos partiram, com a exceção da imponente mulher, que ficou ali de pé, observando cautelosamente aos dois homens com os braços cruzados sobre o generoso peito coberto de couro.


Totalmente alheio a ela, a Gina e à mulher, Eros caminhou lentamente ao redor de Harry, desenhando um círculo para poder lhe examinar atentamente.


- Te relacionando com mortais? - perguntou-lhe Harry, deslizando um olhar igualmente frio e desdenhoso sobre o Eros - Vá, Cupido… é que se congelou o Tártaro desde que me parti?


Eros fez caso omisso de suas iradas palavras.


- Caramba, menino! - exclamou incrédulo - Não trocaste um ápice. Acreditava que era mortal.


- Supunha-se que devia sê-lo, mas… - e de novo começou a soltar impropérios, um após o outro.


Os olhos do Eros começaram a brilhar, ameaçadores.


- Com uma boca como essa, deveria te acotovelar com Ares. Caramba, irmãozinho! Não sabia que pudesse conhecer o significado de todo isso.


Harry voltou a pegar a seu irmão pela camiseta, mas antes de poder fazer nada mais, a mulher levantou o braço e fez um estranho movimento com a mão.


Harry ficou imóvel como uma estátua. Pela expressão de seu rosto, Hermione podia afirmar que não estava muito contente.


- Me deixe, Psique. - grunhiu.


Hermione abriu a boca pela surpresa. Psique? Seria possível?


- Só se prometer não voltar a golpeá-lo. - respondeu ela - Sei que não têm a melhor das relações, mas respeita o fato de que eu goste de seu rosto tal e como está, e que não suporte que lhe dê um só murro mais.


- Li-ber-ta-me. - voltou a dizer Harry, recalcando cada sílaba.


- É melhor que o faça, Psique. - lhe disse Eros - Está sendo amável contigo, mas pode livrar-se de ti muito mais facilmente que eu, graças a mamãe. E se o faz, acabará ferida.


Psique baixou o braço.


Harry liberou a seu irmão.


- Não te encontro nada gracioso, Cupido. Nada disto me resulta gracioso. E agora, me diga onde está Priapus.


- Maldita seja! Não sei. Quão último soube dele é que estava vivendo no sul da França.


A Hermione zumbiam os ouvidos ante a informação que estava descobrindo. Não podia deixar de olhar ao Cupido e a Psique. Seria possível? Poderiam ser verdadeiramente Cupido e Psique?


E seriam família de Harry? Seria possível tal coisa?


De novo supôs que seria tão lógico como a imagem de duas mulheres bêbadas conjurando a um escravo sexual grego, que estava preso em um velho livro.


Captou o olhar ávido e encantado da Gina.


- Quem é Priapus? - perguntou-lhe Hermione.


- Um deus fálico da fertilidade que sempre se representou totalmente louco. - lhe sussurrou.


- E para que o necessita Hermione?


Sua amiga se deu de ombros.


- Porque possivelmente foi ele quem lhe amaldiçoou? Mas então aqui haveria algo muito divertido: Priapus é irmão do Eros, portanto, se Eros for irmão de Harry, há muitos possibilidades de que este e Priapus também o sejam.


Condenado a uma eternidade como escravo por seu próprio irmão?


O simples pensamento a punha doente.


- Chama-o. - disse Julian com tom ameaçador ao Eros.


- Chama-o você. Eu estou fora de jogo para ele.


- Fora de jogo?


Cupido lhe respondeu em grego.


Com a mente totalmente embotada por tudo o que estava acontecendo, Hermione decidiu interrompê-los e ver se conseguia algumas respostas.


- Me perdoe, mas o que está acontecendo aqui? - perguntou a Harry - Por que lhe golpeaste?


Ele a olhou com regozijo.


- Porque gostava muito disso


- Muito bonito. - disse Cupido lentamente a Harry, sem nem sequer olhar a Hermione - Não vê há… quanto? Dois mil anos? E em lugar de me dar um abraço fraternal e amistoso, acabo esmurrado. - Cupido sorriu jocoso a Psique - E mamãe se pergunta por que não me relaciono mais com meus irmãos…


- Não estou de humor para agüentar seus sarcasmos, Cupido. - lhe advertiu Harry entre dentes.


Cupido soprou.


- É que não vais deixar de me chamar por esse nauseabundo nome? Jamais pude suportá-lo, e não posso acreditar que você goste, dado o muito que odiava aos romanos.


Harry lhe dedicou um frio sorriso.


- Utilizo-o porquê sei o muito que o odeia, Cupido.


Cupido apertou os dentes e Hermione notou que se conteve com muita dificuldade para não equilibrar-se sobre o Harry.


- Me diga, chamou-me tão somente para me surrar? Ou há algum outro motivo, mais produtivo, que explique minha presença?


- Para ser, não pensava que te incomodasse em vir, posto que me ignoraste as últimas três mil vezes que te chamei.


- Porque sabia que foste me bater - disse Cupido destacando-a bochecha inchada - e o tem feito.


- E então, por que acudiste esta vez? - inquiriu Harry.


- Para te ser, - respondeu, repetindo as palavras de Harry - assumia que estava morto e que me chamava um simples mortal cuja voz era muito similar à tua.


Hermione observou como as emoções abandonavam a Harry. Como se as palavras do Cupido tivessem matado algo em seu interior. A ele também pareceram afetá-lo, já que se via mais acalmado.


- Olhe, - disse a Julian - sei que me culpa do que passou, mas não tive nada que ver com o que passou ao Penélope. Não tinha forma de saber o que Priapus ia fazer ao descobri-lo tudo.


Harry fez um gesto de dor, como se Cupido o tivesse esbofeteado. Uma agonia se refletiu em seus olhos e em seu rosto. Hermione não tinha nem idéia de quem era a tal Penélope, mas parecia bastante óbvio que tinha significado muito para o Harry.


- Ah, não? - perguntou-lhe Harry com a voz rouca.


- Juro-lhe isso, irmãozinho. - respondeu Cupido em voz baixa. Lançou um rápido olhar a Psique e de novo se centrou no Harry - Nunca tive a intenção de lhe fazer dano, e jamais quis te trair.


- Já. - disse ele com um sorriso zombador - E esperas que acredite nisso? Conheço-te muito bem, Cupido. Você adora causar estragos nas vidas dos mortais.


- Mas não o fez contigo, Harry. - disse Psique com voz sentida - Se não acredite a ele, confia em mim. Ninguém quis que Penélope morrera dessa maneira. Sua mãe ainda chora suas mortes.


O furioso olhar de Harry se endureceu ainda mais.


- Como suporta falar dela? Afrodite estava tão ciumenta de ti que tentou te casar com um homem horrível, e depois quase te matou para evitar que te casasse com o Cupido. Para ser a deusa do Amor, não tem muito para outros, tudo o esbanja nela mesma.


Psique afastou o olhar.


- Não fale assim dela. - lhe espetou Cupido - É nossa mãe e se merece nosso respeito.


A sinistra ira que refletiu o rosto de Harry teria aterrorizado ao muito mesmo diabo, e Cupido se encolheu ao vê-la.


- Não te atreva jamais a defendê-la diante de mim.


Foi então quando Cupido notou a presença de Hermione e da Gina. Olhou-as duas vezes, surpreso, como se acabassem de aparecer de repente em metade do grupo.


- Quais são?


- Amigas. - respondeu Harry, para surpresa de Hermione.


O rosto do Cupido adotou uma expressão dura e fria.


- Você não tem amigas.


Harry não respondeu, mas a careta que torceu seus lábios afetou profundamente Hermione.


Aparentemente inconsciente da dureza de suas palavras, Cupido se aproximou indolentemente até Psique.


- Ainda não me disse por que é tão importante para ti encontrar ao Priapus.


A mandíbula de Harry se esticou.


- Porque me amaldiçoou a passar a eternidade como um escravo, e não posso escapar. Quero o ter diante o tempo suficiente para começar a lhe arrancar partes do corpo que não possam voltar a lhe crescer.


Cupido perdeu a cor do rosto.


- Cara, ele teve coragem ao fazer isso. Mamãe teria matado a ele se soubesse.


- A sério acredite que vou crer que Priapus me fez isto sem que ela se inteirasse? Não sou tão estúpido, Eros. A essa mulher não interessa nada o que possa me ocorrer.


Cupido negou com a cabeça.


- Não comece com isso. Quando te ofereci seus presentes me disse que me colocasse isso por meu orifício traseiro. Lembra-te?


- Por que o faria? - perguntou Harry com sarcasmo - Zeus me expulsou do Olimpo horas depois de meu nascimento, e Afrodite jamais se incomodou em discutir a decisão. Só lhes aproximavam de mim para me torturar de algum modo. - Harry olhou ao Cupido com fúria assassina - Quando a um cão lhe golpeiam com freqüência, acaba voltando-se agressivo.


- Certo, admito. Alguns de nós poderíamos ter sido um pouco mais condescendentes contigo, mas…


- Nada de porém, Cupido. Não fizeram nada por mim, nenhuma uma vez. Especialmente ela.


- Isso não é certo. Mamãe jamais superou que lhe desse as costas. Foi seu favorito.


Harry soprou.


- E por isso estive preso em um livro os últimos dois mil anos?


Hermione sofria por ele. Como podia Cupido escutá-lo tão tranqüilo, sem nem sequer pensar em usar seus poderes para libertar a seu irmão de um destino pior que a morte? Não era de se admirar que Harry lhes amaldiçoara. Subitamente, Harry segurou uma adaga do cinturão do Cupido e se fez um profundo corte no pulso.


Ela ofegou horrorizada, mas antes de poder abrir a boca, a ferida se fechou sem ter derramado uma só gota de sangue.


Cupido abriu os olhos de par em par.


- Que bode! – ofegou - Essa é uma das adagas do Hefesto.


- Já sei. - lhe respondeu Harry enquanto lhe devolvia a arma - Até você pode morrer se lhe ferem com uma destas, mas eu não. Até aí chega a maldição do Priapus.


Hermione contemplou o horror nos olhos do Cupido ao ser consciente da magnitude do ocorrido.


- Sabia que te odiava, mas jamais pensei que cairia tão baixo. Cara, no que estava pensando?


- Não me importa o que pensasse, só quero me libertar disto.


Cupido assentiu. Pela primeira vez, Hermione viu simpatia e preocupação em seu olhar.


- Muito bem, irmãozinho. Passo por passo. Não vá muito longe enquanto vou procurar a mamãe e vejo o que tem que dizer a respeito.


- Se me quiser tanto como diz, por que não a chamas para que venha aqui e falo diretamente com ela?


Cupido lhe olhou pensativamente.


- Porque a última vez que mencionei seu nome, esteve chorando durante um século. Fez-lhe muito dano.


Embora a aparência de Harry seguia sendo rígida e distante, Hermione suspeitava que, no fundo, devia ter sofrido tanto como sua mãe.


Se não mais.


- Consultarei a ela e voltarei em um momento. - lhe disse enquanto passava um braço ao redor dos ombros de Psique - De acordo?


Harry esticou o braço, segurou o pendente que Cupido levava ao pescoço e atirou dele com força.


- Deste modo me asseguro de que retorne.


Cupido se esfregou o pescoço, parecia bastante mal-humorado.


- Tenha muito cuidado. Esse arco pode ser muito perigoso se cair nas mãos equivocadas.


- Não tema. Lembro muito bem como dói.


Ambos mudaram um olhar carregado de significado.


- Até agora. - se despediu Cupido dando uma palmada, e junto com Psique, desvaneceu-se entre os vapores de uma neblina dourada.


Hermione retrocedeu um passo, com a mente em ebulição. Não podia acabar de acreditá-lo que tinha presenciado.


- Devo estar sonhando. – murmurou - Ou isso, ou vi muitos episódios da Xena.


Permaneceu muito quieta enquanto se esforçava por digerir tudo o que tinha visto e ouvido.


- Não pode ter sido real. Deve ser algum moço de alucinação.


Harry suspirou com cansaço.


- Eu gostaria de poder acreditá-lo.


- Deus Santo! Esse era Cupido! - exclamou Gina extasiada - Cupido. O real. Esse querubim tão bonito que tem poder sobre os corações.


Harry soprou.


- Cupido é algo menos «bonito». E com respeito aos corações, encarrega-se de destroçá-los.


- Mas faz que as pessoas se apaixonem.


- Não. - lhe respondeu, apertando com mais força o pendente entre seus dedos. - O que ele oferece é uma ilusão. Nenhum poder celestial pode conseguir que um humano ame a outro. O amor provém do coração. - confessou com uma nota afligida na voz.


Hermione procurou seu olhar.


- Falas como se soubesse de primeira mão.


- Sei.


Hermione sentia sua dor como se fosse o dela. Subiu o braço para lhe tocar brandamente o braço dele.


- Isso foi o que ocorreu a Penélope? - perguntou-lhe em voz baixa.


Harry afastou o olhar de Hermione, mas ela captou o sofrimento que se refletiu em seus olhos.


- Há algum lugar onde possa cortar o cabelo? - perguntou inesperadamente.


- O que? - respondeu Hermione, consciente de que tinha mudado o tema para, desse modo, não ter que responder a sua pergunta - Por quê?


- Não quero ter nada que me recorde deles. - A dor e o ódio que se viam em seu rosto eram palpáveis.


A contra gosto, Hermione assentiu.


- Há um lugar no Brewery.


- Por favor, me leve.


E Hermione o fez. Virou de volta ao centro comercial, até chegar ao salão de beleza.


Ninguém disse uma palavra até que esteve sentado na cadeira com a estilista atrás.


- Está seguro de que quer cortar? - perguntou a garota, passando as mãos com uma carícia reverente entre as compridas e douradas mechas - Lhe asseguro que é magnífico. A maioria dos homens ficam feios com o cabelo comprido, mas o seu é maravilhoso, é tão saudável e suave! Eu adoraria saber o que usa para deixá-lo assim.


O rosto de Harry permaneceu impassível.


- Corte o.


A garota, uma diminuta morena, olhou por cima de seu ombro procurando Hermione.


- Sabe? Se tivesse isto em minha cama todas as noites e pudesse acariciá-lo, eu não gostaria de nada de danificá-lo.


Hermione sorriu. Se a garota soubesse…


- É seu cabelo.


- Está bem. - respondeu com um suspiro resignado. Cortou-o por cima dos ombros.


- Mais curto. - disse Harry enquanto a garota se afastava.


A estilista pareceu surpreendida.


- Está seguro?


Harry assentiu com a cabeça.


Hermione observou em silêncio como a garota lhe cortava o cabelo deixando-lhe com um estilo que recordava a David do Michelangelo, com os cachos alvoroçados lhe emoldurando o rosto.


Estava mais deslumbrante que antes, se é que isso era possível.


- Tudo bem? - perguntou-lhe a garota finalmente.


- Está bem. - lhe respondeu ele - Obrigado.


Hermione pagou o corte e deu uma gorjeta à garota. Olhou a Harry e sorriu.


- Agora parece desta época.


Ele voltou a cabeça com um gesto rápido, como se lhe tivesse dado um bofetão.


- Ofendi-te? - perguntou-lhe Hermione, preocupada com a possibilidade de lhe haver feito mal inadvertidamente. Isso era quão último Harry necessitava.


- Não.


Mas Hermione o intuía. Um pouco relacionado com seu comentário lhe tinha ferido. Profundamente.


- Então, - disse Gina pensativamente, enquanto se uniam à multidão que lotava o Brewery - é filho da Afrodite?


Ele a olhou de esguelha, furioso.


- Não sou filho de ninguém. Minha mãe me abandonou, meu pai me repudiou e cresci em um campo de batalha espartano, sob o punho de qualquer que andasse perto.


Suas palavras rasgaram o coração de Hermione. Não era de se admirar que fosse tão duro. Tão forte.


Assaltou-a uma inquietação: o teria abraçado alguém com carinho alguma vez? Só uma vez, sem que ele tivesse que dar prazer a esse alguém primeiro?


Harry encabeçava a marcha e Hermione observava seu andar sinuoso. Parecia um predador esbelto e letal. Levava os polegares metidos nos bolsos dianteiros dos jeans, e caminhava totalmente alheio às mulheres que suspiravam e babavam a seu passo.


Tentou imaginar-se a Harry com a aparência que teria levando sua armadura de batalha. Dada sua arrogância e seu modo de mover-se, deve ter sido um feroz lutador.


- Gina. - chamou a sua amiga em voz baixa - Não li na faculdade que os espartanos golpeavam seus filhos todos os dias, para comprovar o grau de dor que podiam suportar?


Harry lhe respondeu em seu lugar.


- Sim. E uma vez ao ano, faziam uma competição em busca do menino que agüentasse a surra mais dura sem chorar.


- Um grande número deles morria pela brutalidade das competições - acrescentou Gina - durante a surra ou pelas posteriores feridas.


Hermione o recordou tudo de repente. Suas palavras a respeito de ser treinado na Esparta e seu ódio pelos gregos.


Gina olhou com tristeza a Hermione antes de dirigir-se a Julian.


- Sendo o filho de uma deusa, suponho que agüentaria mais de uma surra.


- Sim, suportava. - disse sinceramente, com a voz carente de emoções.


Hermione nunca teve mais desejo de abraçar outro ser humano como nesse momento. Queria sustentar a Harry entre seus braços. Mas sabia que não lhe deixaria.


- Bom, - comentou Gina, e por seu olhar, Hermione soube que tentava alegrar o ambiente - tenho um pouco de fome. Por que não pegamos uns hambúrgueres no Hard Rock?


Harry franziu o cenho até formar um profundo V.


- Por que tenho constantemente a impressão de que falam em outro idioma? O que é «pegar um hambúrguer no Hard Rock»?


Hermione soltou uma gargalhada.


- O Hard Rock é um restaurante.


Harry pareceu horrorizado.


- Comem em um lugar cujo nome anuncia que a comida é mais dura que uma rocha?


Hermione riu ainda mais. Alguma vez havia imaginado isso?


- É muito bom, sério, já verá.


Saíram do Brewery e atravessaram o estacionamento em direção ao Hard Rock Café.


Felizmente, não tiveram que esperar muito antes que a garçonete lhes buscasse uma mesa.


- Ouça! - disse um menino quando se aproximavam da mulher - Nós chegamos antes.


A garçonete lhe lançou um olhar glacial.


- Sua mesa ainda não está preparada. - e se voltou para o Harry com olhos ternos - Se for amável de me seguir…


A garota abriu o caminho rebolando os quadris, como se não tivesse outra coisa que fazer.


Hermione olhou a Gina agüentando a risada, e lhe indicou com um gesto que olhasse à garota.


- Não tenha em conta. - lhe respondeu sua amiga - Nos passou na frente de dez pessoas.


A garçonete lhes levou até uma mesa na parte de trás.


- Aqui, pode se sentar - disse enquanto roçava ligeiramente o braço de Julian - e eu me encarrego de que sua comida não demore muito.


- E nós somos invisíveis? - perguntou Hermione quando a garota se afastou.


- Começo a acreditar que sim. - respondeu Gina, sentando-se no banco situado à parede.


Hermione se sentou em frente, com o muro a suas costas. Como era de esperar, Harry ocupou um lugar a seu lado.


Lhe ofereceu o cardápio.


- Não posso ler isto. - lhe disse antes de devolver-lhe - O problema é que me ensinaram a ler grego clássico, latim, sânscrito, hieróglifos egípcios e outras línguas que há muito desapareceu. Usando suas próprias palavras, este cardápio está em grego para mim.


- Ah! - exclamou Hermione, envergonhada por não havê-lo pensando antes - Suponho que não ensinavam a ler os soldados da antigüidade.


Hermione se encolheu.


- Não vai deixar de me recordar que escutou tudo o que disse antes que aparecesse, verdade?


- Temo-me que não.


Apoiou o braço na mesa e, nesse momento, Gina afastou o olhar do cardápio e lhe olhou a mão. Então ofegou.


- Isso é o que eu acredito? - perguntou enquanto lhe levantava a mão.


Para surpresa de Hermione, ele permitiu que lhe agarrasse a mão e que olhasse o anel.


- Hermione, viu isto?


Ela se incorporou no assento para poder vê-lo mais de perto.


- Não, na verdade. Estive um tanto distraída.


Um tanto distraída, sim, claro. Isso é como dizer que o Everest é um paralelepípedo.


Ainda sob a tênue luz do local, o ouro emitia luminosos brilhos. A parte superior era lisa e tinha uma espada gravada rodeada de folhas de louro, e incrustadas entre as folhas, havia pedras preciosas que pareciam ser diamantes e esmeraldas.


- É formoso. - disse Hermione.


- É um anel de general, certo? - perguntou Gina - Não foi um simples soldado. Foi um puto general!


Harry assentiu sobriamente.


- O término é equivalente.


Gina soltou o ar totalmente aniquilada.


- Hermione, não tem nem idéia! Harry teve que ser alguém realmente relevante em seu tempo para ter este anel. Não o davam a qualquer um. - e moveu a cabeça - Estou muito impressionada.


- Não o esteja. - lhe respondeu Harry.


Pela primeira vez em anos, Hermione invejou a licenciatura em História Antiga de sua amiga. Gina sabia muito mais a respeito de Harry e de seu mundo do que ela jamais poderia averiguar.


Mas não parecia necessitar esse grau de conhecimento para entender quão doloroso devia ter sido para ele passar de ser um general que ordenava um exército, a um escravo governado pelas mulheres.


- Garanto que foi um magnífico general. - disse Hermione.


Harry a olhou, captando a sinceridade com a que tinha pronunciado suas palavras. Por alguma inescrutável razão, seu elogio o reconfortou.


- Fiz o que pude.


- Garanto a que lhes deu uma patada no traseiro de alguns exércitos. - continuou ela.


Ele sorriu. Não tinha pensado em suas vitórias desde fazia séculos.


- Chutei a alguns romanos, sim.


Hermione riu ante o uso do vocabulário.


- Aprende rápido.


- Ouça! - exclamou Gina, interrompendo-os - Posso dar uma olhada ao arco do Cupido?


- Sim! - exclamou Hermione - Podemos?


Harry o tirou de seu bolso e o deixou sobre a mesa.


- Com cuidado. - advertiu a Gina enquanto esticava o braço - A flecha dourada está carregada. Uma picada e te apaixonará pela primeira pessoa que veja.


Ela retirou a mão.


Hermione segurou o garfo e com ele arrastou o arco até o ter perto.


- Supõe-se que deve ser tão pequeno?


Harry sorriu.


- É que nunca ouviste essa frase que diz: «O tamanho não importa»?


Hermione pôs os olhos em branco.


- Não quero nem escutar a de um homem que a tem tão grande como você.


- Hermione! - ofegou Gina - Jamais tinha ouvido você falar assim.


- Fui extremamente comedida, considerando tudo o que vocês disseram estes últimos dias.


Harry acariciou o cabelo que lhe caía sobre os ombros. Esta vez, Hermione não se retirou. Estava fazendo progressos.


- Então, me diga como Cupido usa isto. - lhe disse ela. Harry deixou que seus dedos acariciassem as sedosas mechas de seu cabelo. Brilhavam até com a escassa luz do restaurante. Desejava tanto sentir esse cabelo estendendo-se sobre seu peito nu… Enterrar seu rosto nele e deixar que lhe acariciasse as bochechas.


Com o olhar escurecido, imaginou como se sentiria ao ter o corpo de Hermione rodeando-o. E o som de sua respiração junto ao ouvido.


- Harry? - perguntou ela, tirando o de seu pensamento - Como o utiliza Cupido?


- Pode adotar um tamanho semelhante ao do arco, ou pode fazer que a arma se faça maior. Depende do momento.


- Sério? - perguntou Gina - Não sabia.


A garçonete chegou correndo e colocou a bandeja sobre a mesa, enquanto devorava com os olhos Harry, como se fosse o especial do dia.


Muito discretamente, Harry recolheu o arco de em cima da mesa e o devolveu a seu bolso.


- Sinto muito fazê-lo esperar. Se soubesse que não iam atender-lhe imediatamente, eu mesma lhe teria tomado nota assim que sentaram-se.


Hermione lhe dirigiu à garota um olhar carrancudo. Caramba! Harry não podia ter cinco minutos de tranqüilidade, sem que uma mulher lhe oferecesse abertamente?


E isso não inclui a ti?


Ficou gelada diante o giro de seus pensamentos. Ela se comportava exatamente igual às demais, lhe olhando o traseiro e babando ante seu corpo. Era um milagre que ele suportasse sua presença.


Afundando-se no assento, prometeu-se a si mesmo que não o trataria daquele modo. Harry não era um pedaço de carne. Era uma pessoa, e merecia ser tratado com respeito e dignidade.


Pediu o cardápio para os três, e quando a garçonete retornou com as bebidas, trouxe uma bandeja de asinhas de frango ao estilo Búfalo.


- Nós não pedimos isto. - apontou Gina.


- OH, já sei! - respondeu a garota, sorrindo a Harry. - Há muito trabalho na cozinha e demoraremos um pouco mais em poder lhe servir a comida. Pensei que deveria estar faminto e por isso lhe traga as asinhas. Mas se não gosta, posso trazer qualquer outra coisa, a casa convida, não se preocupe. Preferiria outra coisa?


Puaj! O dobro sentido era tão óbvio que a Hermione de vontade de lhe arrancar pela raiz o cabelo acobreado.


- Está bem assim, obrigado. - lhe disse Harry.


- Ai, Meu deus! Pode falar um pouco mais? - pediu-lhe a garota, a ponto de deprimir-se - OH, por favor, diga meu nome! Meu nome é Mary.


- Obrigado, Mary.


- Ooooh! - exclamou a garçonete - Me arrepiou a pele. - e com um último olhar a Harry, carregada de desejo, afastou-se deles.


- Não posso acreditar. - comentou Hermione - As mulheres sempre se comportam assim contigo?


- Sim. - respondeu ele com a ira refletida na voz - Por isso odeio me mostrar em lugares públicos.


- Não deixe que te incomode. - lhe disse Gina, enquanto pegava uma asinha de frango - Definitivamente, sua presença resulta muito útil. De fato, proponho que saíamos mais freqüentemente.


Hermione deixou escapar um bufido.


- Sim, bom, se essa criatura anotar seu nome e seu número de telefone na conta antes de nos dar, terei que lhe dar um bofetão.


Gina estalou em gargalhadas.


Antes que Hermione pudesse perguntar qualquer outra coisa, Cupido entrou sem pressas no restaurante, e se aproximou até eles.


Tinha um ligeiro machucado no lado esquerdo do rosto, onde Harry o tinha golpeado. Tentou mostrar-se indiferente, mas mesmo assim, Hermione percebeu a tensão em seu interior, como se estivesse preparado para fugir em um dado momento. Arqueou uma sobrancelha diante do cabelo curto de Harry, mas não disse nenhuma palavra enquanto se sentava junto à Gina.


- E, bem? - perguntou Harry.


Cupido suspirou profundamente.


- Quer que primeiro te dê as más notícias ou prefere as péssimas?


- Vejamos… que tal se fizermos que meu dia seja mais memorável? Começa com as péssimas e segue com as más para tentar melhorar o ambiente.


Cupido assentiu.


- De acordo. No pior dos casos, a maldição jamais poderá se romper.


Harry se tomou a notícia melhor que Hermione, apenas se fez um gesto de aprovação.


Hermione olhou ao Cupido com os olhos entreabertos.


- Como pode lhe fazer isto? Deus Santo! Meus pais teriam removido céu e terra para me ajudar, e você te limita a te sentar sem nem sequer lhe dizer sinto muito. Que tipo de irmão é?


- Hermione. - a admoestou Harry - Não lhe desafie. Não sabemos que conseqüências pode trazer.


- Isso é certo mort…


- Lhe toque - interrompeu Harry - e utilizarei a adaga que leva no cinturão para te tirar o coração.


Cupido se moveu para afastar-se dele.


- Por certo, se esqueceu alguns detalhes suculentos quando me contou sua história.


Harry lhe olhou furioso, com os olhos entrecerrados.


- Como o que?


- Como o fato de que te deitasse com uma das sacerdotisas virgens do Priapus. Cara, no que estava pensando? Nem sequer se preocupou de lhe tirar a túnica enquanto a tomava. Não foi tão estúpido para fazer isso, pode-se saber o que te ocorreu?


- Se por acaso te esqueceu, estava muito zangado com ele naquele momento. - disse com amargura.


- Então deveria ter procurado uma das seguidoras de mamãe. Para isso estão ali.


- Ela não foi a que matou a minha esposa. Foi Priapus.


Hermione esteve a ponto de sofrer um enfarte ao lhe escutar. Estava falando a sério?


Cupido ignorou a aberta hostilidade de Harry.


- Bom, Priapus ainda está um pouco sensível com respeito ao tema. Parece que o vê como o último de seus insultos.


- Ah, já entendo! - grunhiu Harry - O irmão mais velho está zangado comigo por haver me atrevido a tomar a uma de suas virgens consagradas, é que esperava que me sentasse tão tranqüilo e deixasse que ele matasse a minha família a seu desejo? - A ira que destilava sua voz fez que a Hermione lhe arrepiasse o pêlo da nuca - Te incomodou em lhe perguntar ao Priapus por que fui atrás deles?


Cupido passou uma mão pelos olhos e deixou escapar um suspiro entrecortado.


- Claro, recorda que perseguiu o Livius e o derrotou na Conjara? Pois ele pediu que se vingasse sua morte, antes que lhe cortasse a cabeça.


- Estávamos em guerra.


- Já sabe o muito que sempre te odiou Priapus. Estava procurando uma desculpa para poder lançar-se sobre ti sem temor a sofrer represálias, e você mesmo deu.


Hermione observou a Harry, cujo rosto era uma máscara inexpressiva.


- Disse ao Priapus que quero vê-lo? - perguntou-lhe.


- Está louco? Maldição! Claro que não. Mencionei seu nome e esteve a ponto de estalar de fúria. Disse que podia te apodrecer no Tártaro durante toda a eternidade. Me acredite, você não gostaria de estar perto dele.


- Bah! Eu adoraria!


Cupido assentiu.


- Certo, mas se o matas, terá que se ver com Zeus, Tesífone e Némesis.


- E acredite que me assustam?


- Já sei que não, mas não quero ver-te morrer desse modo. E se não fosse tão teimoso como uma mula, ao menos durante três segundos, você mesmo te daria conta. Venha já! De verdade quer desencadear a ira do grande chefe?


Pela expressão de Harry, Hermione houvesse dito que lhe dava exatamente igual.


- Mas - continuou Cupido - mamãe assinalou que existe um modo de acabar com a maldição.


Hermione conteve a respiração enquanto a esperança revoava nos olhos de Harry. Ambos esperaram a que Cupido se explicasse.


Em lugar de seguir, ele se dedicou a observar o interior do sombrio local.


- Acredite que estas pessoas se comem esta mer…?


Harry estalou os dedos diante dos olhos de seu irmão.


- O que faço para romper a maldição?


Cupido se remexeu no assento.


- Já sabe que tudo no universo é cíclico. Tudo o que começa tem um final. Considerando que foi Alexandria que originou a maldição, deve ser convocado por outra mulher dedicada ao Alexandre. Uma que também necessite algo de ti. Deve fazer um sacrifício por ela e… - então, estalou em gargalhadas.


Até que Harry se estirou por cima da mesa e lhe segurou pela camiseta.


- E…?


Lhe deu um tranco para que lhe soltasse e adotou uma atitude séria.


- Bom… - continuou olhando a Grace e a Gina - Desculpam um momento?


- Sou uma sexóloga. - lhe disse Hermione - Nada do que diga poderá me surpreender.


- E eu não penso me levantar desta mesa até que escute as suculentas fofocas. - confessou Gina.


- De acordo então. - disse Cupido, enquanto olhava de novo a Harry - Quando a mulher consagrada ao Alexandre invoque, não poderá colocar sua colher em sua jarrinha de geléia até o último dia. Será então quando deverão se unir carnalmente antes da meia-noite, e te encarregará de não separar seus corpos até o amanhecer. Se sair dela em qualquer momento, por qualquer motivo, retornará imediatamente ao livro e a maldição seguirá vigente.


Harry amaldiçoou e olhou para outro lado.


- Exatamente. - lhe respondeu seu irmão - Sabe quão forte é a maldição do Priapus. Não há uma fodida forma de que agüente trinta dias sem transar com a sua invocadora.


- Esse não é o problema. - disse Julian entre dentes - O problema é encontrar a uma mulher consagrada ao Alexandre que me invoque.


Com o coração pulsando desenfreado por causa dos nervos, Hermione se incorporou no assento.


- O que significa «uma mulher consagrada ao Alexandre»?


Cupido encolheu os ombros.


- Que tem que levar o nome de Alexandre.


- Como sobrenome? - perguntou ela.


- Sim.


Hermione levantou os olhos e procurou o olhar afligido de Harry.


- Harry, meu nome completo é Hermione Alexander Granger.


 


 


CAPÍTULO 7


 


Harry olhou fixamente a Hermione, sua mente não parava de lhe dar voltas ao que acabava de dizer.


Seria certo? Poderia atrever-se a acreditar? A ter esperança depois de tanto tempo…?


- Seu sobrenome é Alexander Granger? - repetiu incrédulo.


- Sim. - lhe respondeu ela, com um sorriso alentador no rosto.


Cupido observou a seu irmão com um olhar severo.


- Já transaste os dois?


- Não. - respondeu Harry - Ainda não. - e pensar que tinha estado zangado por isso…


Hermione tinha evitado que cometesse o terceiro maior engano de sua vida. Nesse momento a beijaria. Um sorriso iluminou o rosto do Cupido.


- Bom, maldita seja minha sorte… Enfim, melhor não nomear a corda em casa do enforcado… Nunca conheci a uma mulher que pudesse estar perto de ti mais de dez minutos sem jogar-se em…


- Cupido. - lhe cortou Harry, antes que soltasse um comprido discurso sobre o número de mulheres com as que se deitou - Tem algo mais que dizer que nos seja útil?


- Uma coisa mais. A fórmula de mamãe só terá êxito se Priapus não o descobrir. Se o fizer, poderia evitar que te libertasse com sua característica mais sombra.


Harry apertou os punhos ante a lembrança de algumas das ações mais repugnantes de seu irmão.


Por alguma razão que não alcançava compreender, Priapus lhe tinha odiado desde que nasceu. E com o passar dos anos, seu irmão tinha dado um novo significado à expressão «rivalidade fraternal».


Harry tomou um gole de sua bebida.


- Não o descobrirá a menos que você diga.


- Não me olhe. - replicou Cupido - Não sou dos seus. Confunde-me com o primo Dion. E agora que recordo, tenho que me reunir com meus meninos. Planejamos fazer um grande tributo ao velho Baco esta noite. - esticou o braço e deixou a mão com a palma para cima - Meu arco, se for tão amável.


Com muito cuidado, para não cravar-se, Harry o tirou do bolso e o devolveu.


Nesse momento percebeu o estranho olhar de seu irmão mais velho, um olhar de afeto sincero.


- Estarei perto se por acaso me necessita. Só tem que me chamar, por meu nome, nada do Cupido. E por favor, deixa isso de «bastardo inútil», Caramba! - olhou-lhe com um sorriso presunçoso - Deveria saber que foi você.


Harry não disse nada enquanto recordava o que tinha acontecido a última vez que tomou a palavra de seu irmão, e lhe pediu ajuda.


Cupido se levantou, olhou a Hermione e a Gina, e sorriu a Harry.


- Boa sorte com sua tentativa de obter a liberdade. Que a força de Ares e a sabedoria de Athena lhe guiem.


- E que Hades se encarregue de assar sua velha alma.


Cupido lançou uma gargalhada.


- Muito tarde. Fez quando só tinha trezentos anos e não foi tão horrível. Vemo-nos, irmãozinho.


Harry não falou enquanto Cupido abria caminho para a porta de saída, como qualquer ser humano normal. A garçonete lhes trouxe o pedido e ele segurou a estranha comida, consistente em um pedaço de carne metida em duas fatias de pão, mas em realidade não tinha muita fome. Tinha perdido o apetite.


Hermione cobriu a carne com uma coisa vermelha, cobriu-a com o pão e lhe deu uma mordida. Gina bicava de uma salada enfeitada com o mesmo molho.


Elevando o olhar, Hermione se deu conta do cenho com que Harry a observava enquanto comia. Parecia ainda mais preocupado que antes, e tinha a mandíbula tão tensa que se via que estava apertando com força os dentes.


- O que te ocorre? - perguntou-lhe.


Ele entrecerrou os olhos suspeitosamente.


- Está disposta realmente a fazer o que Eros disse?


Hermione deixou o hambúrguer no prato e limpou a boca com o guardanapo. Em realidade, não gostava de muito a idéia de que Harry usasse seu corpo para obter a liberdade. Seria uma relação de uma só noite, sem compromissos nem promessas.


Harry iria assim que acabasse com ela. Não tinha nenhuma dúvida a respeito.


Por que ia querer ficar junto dela um homem como ele, que podia ter a qualquer mulher da terra comendo de sua mão?


Mesmo assim, não podia condená-lo a seguir vivendo eternamente em um livro. Não quando ela era a chave para libertá-lo.


- Me conte uma coisa, - disse Hermione em voz baixa - quero saber como acabou metido no livro, a história completa. E o que ocorreu a sua esposa.


Não teria acreditado possível, mas a mandíbula de Harry se esticou ainda mais. Estava tentado esconder-se de novo.


Mas ela negou a que fugisse. Já era hora de que entendesse por que lhe preocupava o fato de deitar-se com ele.


- Harry, está me pedindo muito. Não tenho muita experiência com os homens.


Ele franziu o cenho.


- É virgem?


- Oxalá fosse. – balbuciou Hermione.


Harry viu a dor em seus olhos enquanto lhe respondia em um murmúrio. Envergonhada, ela olhou ao chão.


Não! Rugiu sua mente. Não era possível que tivesse sofrido o que estava imaginando. Uma inesperada fúria despertou em seu interior ante a mera possibilidade.


- Violaram-lhe?


- Não. - sussurrou ela - Não… exatamente.


A confusão dissipou a ira de Harry.


- Então, o que quer dizer?


- Era jovem e estúpida. - continuou ela muito devagar.


- O muito porco se aproveitou de que seus pais acabavam de morrer e de que ela estava muito mal. - lhe contou Gina com voz áspera - Era um desses sujos embusteiros que lhe soltam o «só quero te cuidar», para aproveitar-se e depois sair correndo uma vez que o conseguem.


- Fez-te mal? - perguntou-lhe Harry.


Hermione assentiu.


Uma nova onda de fúria o assaltou. Não sabia muito bem por que lhe importava tanto o que pudesse acontecer a Hermione, mas por alguma razão que não acabava de compreender, assim era. E queria vingar-se em seu nome. Viu como lhe tremia a mão, a cobriu com a sua, e começou a lhe acariciar brandamente os nódulos com o polegar.


- Só o fiz uma vez. - confessou Hermione em um murmúrio - Já sei que a primeira vez dói, mas não sabia que era assim. E o dano físico não foi o pior, o mais horrível foi o fato de que não pareceu lhe importar nada meu sofrimento. Senti-me como se só estivesse ali para lhe prazer, como se nem sequer fosse uma pessoa.


A Harry lhe fez um nó no estômago. Sabia muito bem ao que Hermione se referia.


- Essa mesma semana, - prosseguiu ela - como não me chamava nem me respondia, fui a seu apartamento para vê-lo. Era primavera e tinha as janelas abertas. Quando me aproximei… - um soluço a interrompeu.


- Ele e seu companheiro de apartamento tinham feito uma aposta para ver qual dos dois desflorava mais virgens esse ano. - lhe contou Gina - Hermione lhes escutou burlar-se dela.


Uma fúria letal e sinistra o possuiu. Ele tinha conhecido a muitos homens dessa índole. E jamais tinha podido suportá-los. De fato, sempre lhe tinha dado muito gosto libertar à terra de sua fedida presença.


- Senti-me utilizada, como uma estúpida. - murmurou Hermiond olhando-o. A agonia que refletiam seus olhos o abrasou - Não quero voltar a me sentir assim. - se tampou o rosto com uma mão, mas não antes que Harry captasse a humilhação em seu olhar.


- Sinto muito, Hermione. - sussurrou ele, abraçando-a.


Então isso era. Essa era a fonte de seus demônios. Abraçou-a com força, apoiando a bochecha sobre sua cabeça. O suave aroma a flores o rodeou.


Como ansiava poder consolá-la. E que culpado se sentia. Ele também tinha usado a Penélope. Os deuses eram testemunhas de que lhe tinha feito a sua esposa muito mais dano, a fim de contas.


Merecia-se estar maldito, pensou com amargura.


Tinha ganho por fazer mal, e não voltaria a fazer mal a Hermione. Era uma mulher honesta, com um grande coração e se negava a aproveitar-se dela.


- Não passa nada, Hermione. - a consolou com ternura, envolvendo-a ainda mais entre seus braços e embalando-a. Beijou-a brandamente na cabeça - Não te pedirei que faça isto por mim.


Ela levantou o olhar muito surpreendida. Não podia acreditar que dissesse algo assim.


- Não posso deixar de fazê-lo.


- Claro que pode. Simplesmente esquece. - havia dor em sua voz. E uma cadência estranha, algo que lhe dava uma ligeira idéia do homem que uma vez tinha sido.


- Realmente acredita que posso fazê-lo?


- E por que não? Todos os membros de minha família me deram as costas. Você nem sequer me conhece. - seu olhar se escureceu ao soltá-la.


- Harry…


- Me faça caso, Hermione. Não mereço. - engoliu em seco antes de voltar a falar - Como general, fui implacável no campo de batalha. Ainda posso ver os olhares horrorizados dos milhares de homens que morreram sob minha espada, enquanto os faziam em pedaços sem o mais mínimo indício de remorso. - procurou o olhar de Hermione - Por que ia alguém como você querer ajudar a alguém como eu?


Hermione recordou como Harry tinha embalado e consolado ao menino, como tinha ameaçado ao Cupido para evitar que lhe fizesse mal, e então soube por que. Pode que em seu passado tivesse feito coisas espantosas, mas não era um ser perverso. Poderia havê-la violado se quisesse. E em lugar de fazê-lo, esse homem que apenas tinha conhecido um gesto amável, limitou-se a consolá-la.


Não, apesar de todos os crimes que pudesse ter cometido no passado, havia bondade nele.


Harry tinha sido um homem de seu tempo. Um general da Antigüidade, forjado no fragor de muitas batalhas. Um homem que se criou em condições tão brutais que não podia acabar de imaginar-lhe.


- E sua esposa? - perguntou Hermione.


Um músculo começou a lhe pulsar na mandíbula.


- Menti-lhe, traí-a e a enganei, e ao final, matei-a.


Hermione se esticou ante a inesperada confissão.


- Você a matou?


- Talvez não fosse eu que lhe tirou a vida, mas fui o responsável, depois de tudo. Se não… - sua voz se desvaneceu enquanto fechava os olhos com força.


- O que? - perguntou Hermione - O que ocorreu?


- Forcei meu destino, e o seu. E ao final, as Parcas me castigaram.


Hermione não pensava ficar assim.


- Como morreu?


- Enlouqueceu quando descobriu o que lhe fiz. O que Eros fazia… - Harry enterrou o rosto entre as mãos enquanto as lembranças o assaltavam - Fui um estúpido ao acreditar que Eros podia conseguir que alguém me amasse.


Hermione esticou o braço e lhe passou a mão pelo rosto. Ele a olhou. Estava incrivelmente formosa ali sentada. A ternura de seus olhos não deixava de surpreendê-lo. Nenhuma mulher nunca o tinha olhado desse modo.


Nem sequer Penélope. Sempre tinha faltado algo quando sua mulher o olhava, ou quando o acariciava.


Seu coração compreendeu com um sobressalto. Hermione estava certa. Era muito diferente quando o coração não estava envolto. Era algo muito sutil, mas sempre tinha percebido o vazio nas carícias do Penélope, em suas palavras, e isso tinha feito que sua alma enegrecida sofresse ainda mais.


Subitamente, Cupido se materializou junto à Gina e olhou a Harry com um tímido sorriso.


- Esqueci te dizer algo.


Harry deixou escapar um suspiro encolerizado.


- Não sei por que têm o costume de se esquecer de algo. E, está acostumado a ocorrer, que esse algo é sempre o mais importante. O que esqueceste esta vez?


Cupido não foi capaz de enfrentar o olhar de seu irmão.


- Como muito bem sabe, está condenado a, digamos assim, te sentir forçado a dar prazer à mulher que te invoque.


Harry lançou um rápido olhar a Hermione e seu membro se esticou em resposta.


- Sou muito consciente desse fato.


- Mas é consciente de que com cada dia que passe sem possuí-la, sua prudência irá desaparecendo? Para quando o mês esteja chegando a seu fim, será um louco desesperado pela falta de sexo e a única forma de te sanar será ceder a seus desejos. Se não o fizer, irmão, sofrerá uma agonia tão dolorosa que o castigo do Prometeu a seu lado parecerá uma estadia nos Campos Elíseos.


Gina ofegou.


- Prometeu não é o deus que supostamente entregou o fogo à humanidade? - perguntou Hermione.


- Sim. - respondeu Cupido.


Hermione olhou nervosa a Harry.


- Que foi amarrado a uma rocha e condenado a que todos os dias uma águia se comesse suas vísceras?


- E a que cada noite se recuperasse para que o pássaro pudesse seguir comendo ao dia seguinte. - acabou Harry em seu lugar. Os deuses sabiam como castigar a aqueles que os chateavam.


Uma ira amarga se estendeu por suas veias enquanto observava ao Cupido.


- Te odeio.


Cupido assentiu.


- Sei. Oxalá não tivesse feito nunca o que me pediu. Sinto-o muito. Acredite ou não, mamãe e eu estamos muito arrependidos.


Com as emoções revoltas, Harry não foi capaz de dizer nada. Desolado, quão único via era o rosto do Penélope em sua mente, e a visão o fazia encolher-se de dor.


Uma coisa era que sua família o castigasse a ele, mas nunca deveriam haver tocado aos que eram inocentes.


Cupido depositou uma caixinha na mesa, frente a ele.


- Se não querer abandonar a esperança, vais necessitar isto.


- Te cuide dos presentes dos deuses. - disse Harry amargamente, enquanto abria a caixa para encontrar dois pares de grilhões de prata e um jogo de diminutas chaves, colocadas sobre um leito de cetim azul escuro. Imediatamente reconheceu o intrincado estilo de seu padrasto.


- Hefesto?


Seu irmão assentiu.


- Nem Zeus pode as romper. Quando sentir que perde o controle, aconselho-te que encadeie a um lugar realmente sólido e que te mantenha… - esperou um momento enquanto olhava fixamente a Hermione -- Afastado dela.


Harry tomou ar. Poderia rir ante a ironia, mas nem sequer era capaz de reunir forças. De uma ou outra maneira, em cada invocação, sempre acabava amarrado a algo.


- Isso é desumano. - balbuciou Hermione.


Cupido lhe dedicou um olhar feroz.


- Neném, me faça caso, se não o encadear, lamentará.


- Quanto tempo demorará? - perguntou Harry.


Ele se deu de ombros.


- Não sei. Depende muito de ti e do autocontrole de que disponha. - espetou Cupido - Te conhecendo, é bastante possível que nem sequer as necessite.


Harry fechou a caixa. Podia ser muito forte, mas não tinha o otimismo de seu irmão. Tinha-o perdido fazia muito, lenta e dolorosamente.


Eros lhe aplaudiu as costas.


- Boa sorte.


Harry não disse nada enquanto seu irmão se afastava. Olhava fixamente a caixa enquanto as palavras do Cupido ressonavam em sua cabeça. Se algo tinha aprendido ao longo dos séculos, era deixar que as Parcas se saíssem com a sua.


Era uma estupidez pensar que tinha a oportunidade de ser livre. Era sua penitência e devia aceitá-la. Era um escravo, e um escravo seguiria sendo.


- Harry? - chamou-lhe Hermione - O que te passa?


- Não podemos fazê-lo. Me leve a casa, Hermione. Me leve a casa e me deixe que te faça o amor. Vamos esquecer o antes que alguém, certamente você, saia ferido.


- Mas esta é sua oportunidade de ser livre. Poderia ser quão única tenha. Foste convocado antes por alguma mulher que levasse o nome do Alexandre?


- Não.


- Então, devemos fazê-lo.


- Não o entende. - lhe disse entre dentes - Se o que Eros diz é certo, para quando chegar essa noite, não serei eu mesmo.


- E quem será?


- Um monstro.


Hermione lhe olhou com cepticismo.


- Não acredito que pudesse sê-lo.


Ele a observou furioso.


- Você não tem nem idéia do que sou capaz de fazer. Quando a loucura dos deuses se abate sobre alguém, não há maneira de encontrar ajuda, nem esperança de achá-la. - o estômago lhe contraiu com um nó - Não deveria ter me convocado, Hermione. - concluiu, alongando o braço para pegar seu copo.


- Paraste-te a pensar que possivelmente tudo isto estava destinado? - perguntou ela subitamente - Possivelmente fui eu a que te invocou porque estava disposto que eu te libertasse.


Harry contemplou a Gina através da mesa.


- Convocou porque Gina te enganou. Quão único queria era que tivesse algumas noites prazenteiras para que pudesse esquecer tudo e procurasse um homem decente, sem temor a que pudesse te fazer dano.


- Mas é possível que…


- Não há porém que valham, Hermione. Não estava destinado.


Ela baixou o olhar até seu pulso. Aproximou a mão e acariciou a inscrição em grego que subia pelo rosto interna do braço.


- Que bonito! – exclamou - É uma tatuagem?


- Não.


- E o que é? - insistiu.


- Priapus o gravou a fogo. - respondeu ele, ignorando a pergunta.


Gina se incorporou um pouco e lhe deu uma olhada.


- Diz: «Maldito seja por toda a eternidade e mais à frente».


Hermione deixou a mão sobre a inscrição e olhou a Harry aos olhos.


- Não posso imaginar tudo o que deveste sofrer durante tanto tempo. E mais me custa entender que fosse seu próprio irmão quem te fizesse algo assim.


- Como disse Cupido, sabia que não devia tocar a uma das virgens do Priapus.


- E por que o fez então?


- Porque fui um estúpido.


Hermione chiou os dentes, tinha umas vontades horríveis de estrangulá-lo. Por que alguma vez respondia ao que lhe perguntava?


- E o que te fez…?


- Não gosto de falar do tema. - lhe espetou.


Lhe soltou o braço.


- Alguma vez deixaste que alguém te aproxime, Harry? Aposto que sempre foste um desses moços que não abrem seu coração porque não confiam em ninguém. Um de esses que prefeririam que lhes cortassem a língua antes que alguém descobrisse que não são seres insensíveis, a não ser justamente o contrário. Comportou-te assim com o Penélope?


Harry afastou o olhar enquanto as lembranças lhe embargavam.


Lembranças de uma infância infestada de fome e privações.


Lembranças de noites agônicas desejando…


- Sim. - respondeu simplesmente - Sempre estive sozinho.


Hermione sofria por ele. Mas não podia permitir que se conformasse.


De algum modo tinha que encontrar a forma de chegar até seu coração. De lhe animar a que lutasse por romper a maldição.


Devia haver algum modo de lhe fazer lutar.


E nesse momento jurou encontrá-lo.


 


 


CAPÍTULO 8


 


Harry e Hermione ajudaram a Gina a desmontar o posto ambulante e a guardá-lo no jipe, antes de retornar a casa enfrentando o tráfego típico de uma sexta-feira de noite.


- Estiveste muito calado. - lhe disse ela enquanto se detinha em um semáforo em vermelho.


Observou como o olhar de Harry seguia o movimento dos automóveis que passavam junto a eles. Parecia perdido, como alguém que se debatesse no limite entre a fantasia e a realidade.


- Não sei o que dizer. - respondeu depois de uma breve pausa.


- Me diga como se sente.


- Sobre o que?


Hermione riu.


- Definitivamente, é um homem. - lhe disse - Sabe? As sessões com os homens são as mais difíceis. Chegam e pagam cento e vinte e cinco dólares para não dizer virtualmente nada. Jamais conseguirei entendê-los.


Harry baixou o olhar até seu colo, e ela observou o modo em que acariciava distraidamente seu anel com o polegar.


- Disse que é uma sexóloga, o que é isso exatamente?


O semáforo ficou em verde e se integraram de novo no tráfego.


- Você e eu estamos no mesmo negócio, mais ou menos. Ajudo às pessoas que têm problemas com seus parceiros. Mulheres que têm medo de ter relações íntimas com os homens, ou mulheres que gostam dos homens um pouco mais da conta.


- Ninfomaníacas?


Hermione assentiu.


- Conheci algumas.


- Claro que sim.


- E os homens? - perguntou ele.


- Não são fáceis de ajudar. Como já disse, não revistam falar muito. Tenho alguns pacientes que sofrem de medo cênico…


- E isso o que é?


- Algo que estou completamente segura que você não padeceria jamais. - lhe respondeu, pensando na contínua e arrogante perseguição a que lhe submetia. Esclareceu-se garganta e o explicou - São homens que têm medo de que suas companheiras riam deles quando estão na cama.


- Ah!


- Também tenho um par que abusam verbalmente de seus parceiros, e outros dois que querem mudar de sexo…


- Pode-se fazer isso? - perguntou Harry, totalmente pasmado.


- Claro! - respondeu Hermione com um gesto da mão - Te surpreenderia saber do que são capazes os médicos hoje em dia.


Tomou uma curva e entraram em sua vizinhança.


Harry permaneceu calado tanto momento que estava a ponto de lhe ensinar o que era a rádio quando, de repente, ele perguntou:


- Por que quer ajudá-los?


- Não sei. - lhe respondeu com franqueza - Suponho que remonta a minha infância, uma época de muitas inseguranças para mim. Meus pais me queriam muito, mas não sabia me relacionar com outros meninos. Meu pai era professor de história e minha mãe dona-de-casa…


- O que é um dona-de-casa?


- Uma mulher que fica em casa e faz as coisas típicas das mães. No fundo, nunca me trataram como a uma menina, por isso, quando estava perto de outros meninos, não sabia como me comportar. Nem o que dizer. Assustava-me tanto que me punha a tremer. Finalmente, meu pai começou a me levar a um psicólogo e, depois de um tempo, melhorei o bastante.


- Exceto com os homens.


- Essa é uma história totalmente diferente. - lhe disse suspirando - De adolescente era uma garota desajeitada, e os meninos do instituto não se aproximavam de mim, a menos que queriam burlar-se.


- Burlar-se de ti? Por quê?


Hermione deu de ombros com um gesto indiferente. Pelo menos, essas velhas lembranças tinham deixado de incomodá-la. Finalmente os tinha superado.


- Porque era reta, tinha orelhas de abano e um montão de sardas.


- Que era reta?


- Não tinha seio.


Hermione tivesse jurado que podia sentir o calor que desprendia o olhar de Harry enquanto inspecionava seus seios.


Olhando de lado, confirmou suas suspeitas. De fato, estava-a observando como se tirasse a camisa e estivesse em metade de…


- Seus seios são muito bonitos.


- Obrigado. - lhe respondeu com estupidez, embora curiosamente se sentia adulada por um elogio tão pouco convencional - E você?


- Eu não tenho seios.


Disse-o com um tom tão inexpressivo e sério que Hermione não pôde evitar estalar em gargalhadas.


- Não era isso ao que me referia, e sabe muito bem. Como foi sua adolescência?


- Já lhe disse isso.


Lhe olhou furiosa.


- Sério.


- Sério, lutava, comia, bebia, deitava-me com mulheres e me banhava. Normalmente, nessa ordem.


- Ainda temos problemas com isto da falta de confiança, não? - perguntou ela de forma retórica.


Assumindo seu papel de psicóloga, mudou a um tema que lhe resultasse mais fácil.


- Por que não me conta o que sentiu a primeira vez que participou de uma batalha?


- Não senti nada.


- Não estava assustado?


- Do que?


- De morrer, ou de que lhe ferissem.


- Não.


A sinceridade de sua singela resposta conseguiu desconcertá-la.


- E como é que não tinha medo?


- Não tem medo a morrer quando não tem nada pelo que seguir vivendo.


Impressionada por suas palavras, Hermione tomou o caminho de entrada a sua casa.


Decidindo que seria melhor deixar um tema tão sério no momento, desceu do carro e abriu o porta-malas.


Harry segurou as sacolas e a seguiu até a casa.


Dirigiram-se à andar de cima. Hermione tirou seu cômodos jeans do closet e fez lugar nas gavetas para poder guardar a roupa nova de Harry.


- Vejamos. - disse, enrugando as sacolas vazias para as jogar no cesto de papéis de vime, colocada junto ao armário - É sexta-feira de noite. O que você gostaria de fazer? Gosta de uma noite tranqüila ou prefere dar uma volta pela cidade?


Seu faminto olhar a percorreu da cabeça aos pés, fazendo que ardesse imediatamente.


- Já conhece minha resposta.


- Certo. Um voto a favor de jogar-se no pescoço da doutora, e outro em contra. Alguma alternativa?


- Que tal uma noite tranqüila em casa, então?


- De acordo. - respondeu Hermione, enquanto se aproximava da mesinha de noite para pegar o telefone - Me deixe comprovar as mensagens e depois prepararemos o jantar.


Harry seguiu colocando sua roupa, enquanto ela chamava o serviço de secretária eletrônica e falava com eles.


Acabava de dobrar o último objeto quando percebeu uma nota de alarme na voz de Hermione.


- Disse o que queria?


Harry se girou para poder observá-la. Tinha os olhos ligeiramente dilatados, e sujeitava o telefone com muita força.


- Por que lhe deu meu número de telefone? - perguntou zangada - Meus pacientes jamais devem saber meu número particular. Posso falar com seu superior?


Harry se aproximou dela.


- Algo vai mal?


Hermione levantou a mão, lhe indicando que permanecesse em silencio para poder escutar o que a outra pessoa lhe estava dizendo.


- Muito bem. - disse depois de uma longa espera - Terei que mudar o número de novo. Obrigado. - desligou o telefone, franzindo o cenho pela preocupação.


- O que passou? - perguntou-lhe ele.


Hermione soprou irritada enquanto se esfregava o pescoço.


- A companhia acaba de contratar a esta garota e, como é nova, deu meu número particular a um de meus pacientes.


Falava tão rápido que a Harry custava segui-la.


- Bom, em realidade, não é meu paciente. - prosseguiu sem deter-se - Jamais teria aceito a um homem assim, mas Luanne, a doutora Jenkins, não é tão seletiva. Na semana passada teve que partir da cidade a toda pressa, por uma emergência familiar. Assim é que Beth e eu tivemos que repartir seus pacientes para atendê-los enquanto ela está fora. Ainda assim, não quis ficar com este homem tão horripilante, mas Beth não faz consulta as sextas-feiras, e ele tem que vir nas quartas-feiras e nas sextas-feiras devida ao regime de liberdade condicional.


Hermione o olhou com o pânico refletido em seus pálidos olhos cinza.


- Mas eu não quis atendê-lo, e o supervisor de seu caso me jurou que não haveria nenhum problema. Disse que o moço não representava uma ameaça para ninguém.


Harry sentia que lhe palpitava a cabeça pela quantidade de informação que Hermione estava soltando, e que ele era incapaz de compreender em sua maior parte.


- Isso é um problema?


- É um pouquinho horripilante. - disse com as mãos trementes - É um perseguidor. Acabam de lhe dar alta de um hospital psiquiátrico.


- Um perseguidor? Um hospital psiquiátrico? O que é isso?


Ao escutar a explicação, Harry não pôde evitar ficar com a boca aberta.


- Permitem que estas pessoas se movam a seu desejo?


- Bom, sim. A idéia é ajudá-los.


Harry estava horrorizado. Que tipo de mundo era esse no que os homens se negavam a proteger a suas mulheres e meninos da depravação?


- Em minha época, não permitíamos que pessoas assim se aproximassem de nossas famílias. Assegurávamo-nos de que não andassem soltos por nossas ruas.


- Bem-vindo ao século vinte e um! - exclamou Hermione com amargura - Aqui fazemos as coisas de um modo… distinto.


Harry moveu a cabeça, ensimesmado, enquanto pensava em todas as coisas desta época que lhe pareciam estranhas. Não podia entender a estas pessoas, nem seu modo de vida.


- Não encaixo neste mundo. - resmungou.


- Harry…


Afastou-se quando viu que Hermione se aproximava dele.


- Hermione, sabe que é assim. Suponhamos que rompemos a maldição, do que me vai servir? O que se supõe que vou fazer aqui? Não posso ler seu idioma, não sei conduzir e não tenho possibilidades de trabalhar. Há muitas coisas que não entendo. Sinto-me perdido…


Ela se estremeceu ante a evidente angustia que Harry tentava esconder com todas suas forças.


- Só está um pouco arrasado. Mas o faremos passo a passo. Ensinarei-te a conduzir e a ler. E com respeito ao trabalho… sei que é capaz de fazer muitas coisas.


- Como o que?


- Não sei. Além de ser um soldado, a que outra coisa te dedicava na Macedônia?


- Era um general, Hermione. Quão único sei fazer é dirigir a um antigo exército em uma batalha. Nada mais.


Hermione tomou seu rosto entre as mãos e o olhou com dureza.


- Não te atreva a abandonar agora. Disse-me que não tinha medo a lutar, como pode te assustar por isso?


- Não sei, mas me assusta.


Algo estranho ocorreu então, Hermione percebeu que Harry lhe tinha permitido aproximar-se. Não de forma muito íntima, mas pela expressão de seu rosto se dava conta de que estava admitindo sua vulnerabilidade diante dela. E, no fundo, sabia que não era o moço de homem que admite facilmente esse fato.


- Eu te ajudarei.


A dúvida que refletiam os olhos azuis fez que lhe revolvesse o estômago.


- Por quê?


- Porque somos amigos. - lhe respondeu com ternura, enquanto lhe acariciava a bochecha com o polegar - Não foi isso o que disse ao Cupido?


- Já escutou sua resposta. Não tenho amigos.


- Agora sim.


Ele se inclinou e a beijou na testa, atraindo-a para seu corpo para lhe dar um forte abraço. O quente aroma do sândalo a alagou enquanto escutava como o coração de Harry pulsava freneticamente sob sua bochecha rodeada por seus bíceps queimados pelo sol. Foi um gesto tão terno que a Hermione chegou à alma.


- De acordo, Hermione. – lhe disse em voz baixa - Tentaremos. Mas me prometa que não deixará que te faça mal.


Ela o olhou carrancuda.


- Estou falando a sério. Uma vez que me ponha os grilhões, não me solte sob nenhuma circunstância. Jura.


- Mas…


- Jure! - insistiu ele com brutalidade.


- Muito bem. Se não poder te controlar, não te libertarei. Mas eu também quero que me prometa uma coisa.


Ele se afastou um pouco e a olhou com ceticismo. Não obstante, seguiu abraçando-a.


- O que?


Hermione apoiou as mãos sobre seus fortes bíceps e sentiu como a pele de Harry se arrepiava sob seu contato. Ele baixou o olhar para suas mãos, com uma das expressões mais ternas que ela tinha visto.


- Me prometa que não vais desistir, - lhe disse - que vai tentar acabar com a maldição.


Olhou-a com um sorriso estranho.


- Está bem. Tentarei.


- E conseguirá.


Harry sorriu ao escutar seu comentário.


- Tem o otimismo de uma menina.


Hermione lhe devolveu o sorriso.


- Como Peter Pan.


- Peter o que?


Ela se afastou de seus braços a contra gosto. Tomando sua mão, levou-o até a porta do dormitório.


- Me acompanhe, meu escravo macedônio, e te contarei quem são Peter Pan e os Meninos Perdidos.


 


- Então, esse menino alguma vez cresceu? - perguntou Harry enquanto preparavam o jantar.


Hermione estava muito surpreendida, já que ele não se queixou quando lhe pediu que se encarregasse da salada. Parecia bastante acostumado a usar facas para cortar comida.


Sem muita vontade de investigar aquela pequena peculiaridade, concentrou-se no molho para o talharim.


- Não. Retornou à ilha com a fada Sininho.


- Interessante.


Hermione colocou uma colher no molho e, pondo uma mão debaixo para que não gotejasse, a aproximou de Harry para que provasse, depois de havê-lo esfriado.


- Me diga o que te parece.


Ele se inclinou, abriu a boca e deixou que Hermione lhe desse o molho para provar.


Ela observou como o saboreava.


- Está deliciosa.


- Muito sal possivelmente?


- Não, está perfeito.


Ela sorriu alegremente.


- Pegue. - lhe disse ele, lhe oferecendo um pedaço de queijo.


Hermione abriu a boca, mas ele não deu, aproveitando-se das circunstâncias, apropriou-se de seus lábios para beijá-la.


Céu santo! Uma língua com tal capacidade de movimento deveria ser imortalizada com um monumento, ou encontrar o modo de conservá-la para a posteridade. Semelhante tesouro não podia desaparecer. E esses lábios…


Mmm, Hermione não queria parar-se a pensar nesses deliciosos lábios e no que eram capazes de fazer.


Harry a sujeitou pela cintura apertando-a contra seus quadris, sobre o lugar onde seu membro se esticava sob os jeans. Por amor de Deus! Este homem estava maravilhosamente dotado e Hermione começou a tremer diante da idéia de que mostrasse todos seus encantos sexuais para ela.


Seria capaz de sobreviver a algo assim?


Sentia como Harry se esticava e como sua respiração começava a alterar-se. Estava deixando-se arrastar pela paixão, e Hermione começava a temer que, se não o detinha nesse momento, nenhum dos dois ia ser capaz de parar depois.


Embora não gostava de nada separar-se dele, deu um passo atrás, desfazendo o tórrido abraço.


- Harry, te comporte.


Ofegando, observou a luta que sustentava consigo mesmo enquanto a devorava com os olhos.


- Seria muito mais singelo comportar-se se não fosse tão fodidamente desejável.


O comentário foi tão inesperado que ela riu com vontade.


- Sinto. - lhe disse, captando o gesto irritado de Harry - Ao contrário do que ocorre a ti, eu não estou acostumada a que me digam coisas como essa. O maior elogio que me fizeram, foi o de um rapaz chamado Rick Glysdale. O dia da formatura, veio me pegar em casa, olhou-me de cima abaixo e disse: «Caramba! Arrumaste-te mais do que eu esperava».


Harry soprou.


- Preocupam-me os homens desta época, Hermione. Todos parecem ser uns completos imbecis.


Rindo de novo, lhe deu um ligeiro beijo na bochecha e se aproximou da panela para tirar a massa da água antes que passasse.


Enquanto jogava o talharim no escorredor, lembrou-se do pão.


- Pode dar uma olhada às baguettes?


Harry se aproximou do forno e se inclinou, oferecendo a Hermione uma suculenta visão de sua parte traseira. Ela mordeu o lábio inferior, enquanto se esforçava por não aproximar-se e passar a mão por esse firme e delicioso traseiro.


- Estão a ponto de queimar.


- Ai, merda! Pode tirar? - perguntou-lhe, tentando não derramar a água que estava fervendo.


- Claro. - Harry segurou o pano do balcão, e começou a tirar o pão. De repente, soltou um juramento que chamou a atenção de Hermione.


Ela se girou e viu que o pano estava ardendo.


- Ali! - exclamou, tirando-se de no meio - Joga-o na pia.


Ele o fez, mas ao passar por seu lado, roçou-lhe a mão com o pano e Hermione gemeu de dor.


- Queimei-te? - perguntou-lhe.


- Um pouco.


Harry fez uma careta ao lhe pegar a mão para lhe examinar a queimadura.


- Sinto. - lhe disse, um momento antes de levar o dedo de Hermione à boca.


Atônita, não foi capaz de mover-se enquanto Harry passava a língua pela sensibilizada pele de seu dedo. Apesar do ardor da ferida, a sensação era muito agradável. Muito, muito agradável.


- Isso não é necessário para a queimadura. - sussurrou.


Com o dedo ainda na boca, Harry lhe dedicou um sorriso travesso e esticou o braço para abrir a torneira, que estava a suas costas. Fez um círculo completo com a língua ao redor do dedo uma vez mais antes de abrir a boca e colocá-lo sob o jorro de água fria.


Lhe sustentando o braço para que a água aliviasse a ardência da queimadura, aproximou-se da planta de aloe, que estava em batente da janela, e cortou um pedaço.


- Conhece as propriedades do aloe? - perguntou-lhe ela.


- Suas propriedades curativas eram conhecidas muito antes que eu nascesse. - respondeu ele.


Quando esfregou o dedo com a viscosa seiva da planta, Hermione sentiu que um calafrio lhe percorria as costas e se fazia um nó no estômago.


- Sente-se melhor?


Ela assentiu com a cabeça.


Com a ternura e o desejo refletidos nos olhos, Harry contemplou seus lábios como se ainda pudesse perceber seu sabor.


- Acredito que, a partir de agora, deixarei que você seja a que se encarregue do forno. - lhe disse.


- Provavelmente seja melhor.


Hermione se separou dele e tirou as baguettes, que ainda eram comestíveis.


Serve os pratos e precedeu a Harry até a sala de estar, onde se sentaram para comer no chão, diante do sofá, enquanto viam Matrix.


- Eu adoro este filme. - disse ela quando começava o filme.


Harry colocou o prato sobre a mesinha de café e se aproximou de Hermione.


- Sempre come no chão? - perguntou-lhe antes de levar um pedaço de pão à boca.


Fascinada pela harmonia de seus movimentos, Hermione observou atentamente como a mandíbula de Harry se esticava ao mastigar.


Não havia nenhum pedaço de seu corpo pela qual não lhe enchesse a boca de água? Começava a entender por que o resto de suas invocadoras o tinham utilizado.


A idéia de mantê-lo preso em um quarto durante um mês estava começando a lhe parecer muito tentadora.


E além disso tinham aqueles grilhões…


- Bom, - disse afastando sua mente daquela maravilhosa e bronzeada pele, e do bem que se veria se Harry estivesse totalmente nu e esparramado sobre seu colchão - tenho a mesa da cozinha, mas já que a maioria das noites estou sozinha, prefiro tomar uma tigela de sopa no sofá.


Harry girou de forma magistral o garfo sobre a colher, até que os talharins estiveram perfeitamente enrolados.


- Necessita a alguém que cuide de ti. - lhe disse antes de levar o garfo à boca.


Hermione se deu de ombros.


- Eu me cuido sozinha.


- Não é o mesmo.


Hermione o olhou carrancuda. Havia algo em sua voz que lhe indicava que não o dizia do ponto de vista machista. Harry falava do coração e apoiando-se em sua própria experiência.


- Suponho que todos necessitamos alguém que nos cuide, verdade? - sussurrou ela.


Ele girou a cabeça para ver a televisão, mas não antes que Hermione captasse o brilho do desejo em seus olhos. Ela o observou enquanto permanecia uns minutos atento ao filme. Até distraído, comia de forma impecável. Hermione estava toda coberta de manchas de molho, e ele nem sequer tinha deixado cair uma só gota.


- Ensina-me como faz isso. - lhe disse.


Harry a olhou com curiosidade.


- O que?


- O que faz com a colher. Está-me pondo nervosa. Não consigo que meus talharins acabem enrolados no garfo, ficam todos soltos e me ponho perdida.


- Claro, e não queremos que nos rodeiem um montão de talharins gigantes que deixem tudo feito um asco, verdade?


Hermione riu porque sabia que não falava precisamente dos talharins.


- Ensina-me, como faz?


Harry tomou um gole de vinho e deixou a taça a um lado.


E se deslizou entre o sofá e Hermione.


- Harry… - lhe advertiu ela.


- Só vou ensinar te o que quer.


- Hum… - exclamou dúbia. De todos os modos, não podia evitar sentir que sua proximidade lhe impregnasse até os ossos, até a alma. A calidez do peito de Harry se estendeu por suas costas quando a rodeou com seus maravilhosos braços.


Ao sentar-se atrás dela, ele dobrou os joelhos, de modo que ficaram a cada lado de seu corpo e quando se inclinou para frente, Hermione notou sua ereção lhe pressionando no quadril. Esta vez não se surpreendeu. Curiosamente, estava começando a acostumar-se.


Sentia o poder e a força de Harry enquanto seu corpo fibroso e esbelto se acomodava atrás dela, deixando-a sem fôlego e muito insegura.


Uns sentimentos estranhos e intensos começaram a estender-se em seu interior, jamais lhe tinha ocorrido algo assim. O que tinha Harry que a fazia sentir-se tão protegida e feliz?


Se, se tratava da maldição, deveriam lhe mudar o nome, porque não havia nada malévolo nas sensações que a embargavam.


- Muito bem. - lhe disse Harry, e seu fôlego lhe roçou a orelha fazendo que uma descarga elétrica a transpassasse. Imediatamente, segurou-lhe as mãos e os dois juntos sustentaram os talheres.


Fechou os olhos, enquanto aspirava ao doce aroma de flores que desprendia o cabelo de Hermione. Estava empregando toda sua força de vontade para concentrar-se na tarefa de lhe ensinar a comer talharim, e esquecer-se do muito que desejava lhe fazer amor.


Ela deslizou provocativamente os dedos entre os seus, intensificando desse modo as sensações que sua pele cálida e suave produziam em Harry. Um novo tipo de desespero se apropriou dele. Um que não era capaz de nomear. Sabia o que queria dela, e não se tratava só de seu corpo.


Mas não se atrevia a pensar nisso.


Não se atrevia a ter esperanças.


Hermione não estava a seu alcance. Seu coração dizia, e sua alma também. Nem todo o desejo do mundo poderia mudar um fato essencial: não se merecia uma mulher como ela.


Jamais tinha merecido…


Abriu os olhos e lhe mostrou o modo de usar a colher para ajudar a enrolar os talharins no garfo.


- Vê? - murmurou lhe aproximando o garfo aos lábios - É simples.


Ela abriu a boca e Harry introduziu com cuidado o garfo. Enquanto o tirava, deslizando-o entre seus lábios, sentiu que experimentava uma nova forma de tortura.


O coração pulsava a um ritmo frenético e selvagem, e seu sentido comum lhe dizia que se afastasse dela.


Mas não podia. Levava tanto tempo sem companhia. Tanto tempo sem ter um amigo…


Não podia deixá-la agora. Não sabia como fazê-lo.


Assim seguiu lhe dando de comer.


Hermione se reclinou entre seus braços. Afastou as mãos das suas e deixou que ele tomasse o controle. Enquanto mastigava os talharins, segurou um pedaço de pão e o ofereceu a Harry. Lhe mordiscou os dedos ao colocá-lo na boca.


Hermione sorriu e lhe acariciou o queixo enquanto mastigava. Uf! A forma em que se esticava esse músculo sob sua mão… adorava como se movia seu corpo, como se relaxavam e se contraíam seus músculos, por muito pequeno que fosse o esforço.


Uma mulher jamais poderia cansar-se de olhá-lo.


Tomou um gole de vinho e, enquanto isso, Harry lhe roubou alguns talharins.


- Ei você! - disse-lhe brincando - Isso é meu.


Seus celestiais olhos azuis resplandeceram ao sorrir, e lhe ofereceu de novo o garfo para que seguisse comendo.


Enquanto mastigava, Hermione lhe aproximou a taça de vinho aos lábios.


Infelizmente, não calculou bem e a afastou muito rápido, e com isso o vinho se derramou por seu queixo e caiu sobre a camisa.


- Sinto muito! - exclamou, lhe limpando o queixo com os dedos. Sua incipiente barba lhe raspava a pele - Jesus! Que bagunça!


A ele não pareceu incomodar absolutamente. Segurou-lhe a mão e se dedicou a lamber o vinho que caía por seus dedos.


Hermione deixou escapar um gemido. Harry lhe lambia os dedos e os mordiscava com muita suavidade e ela se estremecia da cabeça aos pés.


Um a um, foi limpando meticulosamente. E quando acabou, levantou-lhe o queixo e capturou seus lábios.


Mas não foi o beijo exigente e feroz ao que ela estava acostumada e que utilizava para seduzi-la e devorá-la.


Este foi suave e tranqüilo. Terno. Os lábios de Harry eram delicados, mas exigentes.


Então se afastou.


- Ainda tem fome? - perguntou-lhe.


- Sim. - balbuciou Hermione, sem referir-se à comida, e sim aos apetites que seu corpo estava experimentando junto a ele.


Harry lhe ofereceu mais talharins.


Quando lhe aproximou a taça novamente para acalmar sua sede, Harry lhe cobriu a mão com a sua enquanto a observava com olhos risonhos.


Assim seguiram, dando-se de comer e deleitando-se em sua mútua companhia, até o final do filme. Harry pareceu muito interessado nas lutas finais.


- Suas armas são fascinantes. - comentou.


- Suponho que para um general devem ser.


Ele a olhou de esguelha e seguiu atento ao filme.


- O que é o que mais você gosta do Matrix?


- O figurino.


Ele assentiu.


- Tem influências do Platão.


- Conhece o Platão? - perguntou-lhe surpreendida.


- Estudei-o quando era jovem.


- Sério?


Não pareceu divertido pela conversação.


- Era usado para ensinar algumas coisas entre surra e surra.


- Não está falando sério, Harry.


- Sim.


Uma vez acabado o filme, ajudou recolher a louça até a cozinha.


Quando ela carregava a lava-louça, soou o telefone.


- Não demorarei nada. - lhe disse enquanto corria para a sala para responder.


- Hermione, é você?


Ficou gelada ao escutar a voz do Rodney Carmichael.


- Olá, senhor Carmichael. - o saudou friamente.


Nesse momento, teria matado a Luanne por partir da cidade.


Tão somente tinha tido uma sessão com o Rodney, na quarta-feira, mas tinha sido suficiente para fazer que desejasse contratar a um detetive particular que procurasse Luanne e a trouxesse de volta.


O moço lhe dava calafrios.


- Onde esteve hoje, Hermione? Não estará doente, verdade? Poderia te levar…


- Lisa não mudou suas consultas?


- Sim, mas estava pensando que podiam…


- Olhe senhor Carmichael, não atendo a meus pacientes em casa. Verei-lhe na hora de sua sessão. De acordo?


A linha ficou em silêncio.


- Hermione?


Ela saltou e chiou ao escutar a voz de Harry a suas costas.


Ele a observava com curiosidade, com uma expressão que muito bem poderia ter encontrado divertida se não tivesse estado tão aterrorizada.


- Está bem? - perguntou-lhe ele.


- Sim, sinto. - disse, pendurando o telefone - Era esse paciente do que te falei. Rodney Carmichael. Tira-me de gonzo.


- O que?


- Que me põe muito nervosa. - pela primeira vez, agradecia muitíssimo a presença de Harry. Se ele não estivesse, teria ido a casa de Gina e Draco, em busca de sua hospitalidade durante o fim de semana – Venha. - lhe disse enquanto apagava a luz da cozinha - Vamos acima e começo a te ensinar a ler?


Harry negou com a cabeça.


- Não abandona, verdade?


- Não.


- Muito bem. - lhe respondeu, seguindo-a escada acima - Aceito que me dê aulas se puser a negligé verm…


- Não, não e não. - disse ela, detendo-se em metade da escada e girando-se para olhá-lo - Temo que isso não vai ser possível.


Ele se aproximou e acariciou o cabelo que lhe caía sobre o ombro.


- Não sabe que necessito uma musa que me anime a aprender? E que melhor musa que você vestida com…?


Hermione lhe colocou os dedos sobre os lábios para impedir que seguisse falando.


- Se me puser isso, duvido muito que vás aprender algo que já não saiba. - Lhe mordiscou os dedos.


- Prometo me comportar bem.


Sabendo que era uma idéia péssima, deixou que a convencesse.


- Será melhor que te comporte. - lhe advertiu, lhe olhando por cima do ombro enquanto acabava de subir os degraus.


Hermione entrou no enorme closet que seu pai tinha convertido em biblioteca anos atrás, e rebuscou nas prateleiras até encontrar seu velho conto do Peter Pan.


Harry rebuscou em suas gavetas até encontrar o deplorável traje.


Mudaram objetos no centro do quarto. Hermione correu de volta do banheiro e trocou de roupa, mas logo que se contemplou no espelho, com o diáfano objeto vermelho, foi incapaz de mover-se. Puaj! Se Harry a via desse jeito sairia dando pulos do quarto.


Incapaz de suportar a humilhação de vê-lo decepcionado por seu corpo, tirou a negligé e pôs sua singela camisola rosa. Envolveu-se em seu grosso penhoar antes de retornar à habitação.


Harry meneou a cabeça.


- Por que te puseste isso?


- Olhe, não sou idiota. Não tenho o tipo de corpo que faz que os homens babem.


- O que está tentando me dizer? Que é um homem?


Ela franziu o cenho ante sua lógica.


- Não.


- Então como sabe que seu corpo não acorda o desejo de um homem?


- Porque não sou cega. Certo? Os homens não babam por mim do mesmo modo que as mulheres fazem contigo. Maldita seja! Considero-me afortunada quando se dão conta de que sou uma mulher.


- Hermione. - resmungou, levantando-se. Ficou em pé e se deteve os pés da cama - Vêem aqui. - lhe ordenou.


Ela obedeceu.


Harry a colocou exatamente em frente do espelho de corpo inteiro.


- O que vê? - perguntou-lhe.


- A ti.


Lhe sorriu.


Inclinando-se, apoiou o queixo sobre o ombro de Hermione.


- O que vê quando te olha?


- Vejo alguém que precisa perder de seis a nove quilos e comprar um carregamento de creme anti-manchas para fazer desaparecer as sardas.


A ele não pareceu fazer graça.


Passou-lhe as mãos pela cintura, até a parte dianteira do penhoar, onde descansava o nó do cinto.


- Me deixe que te diga o que eu vejo. - ronronou sobre sua orelha, enquanto colocava as mãos sobre o cinto, sem abri-lo - Vejo um formoso cabelo, escuro como a noite. Suave e abundante. Tem o cabelo ideal para que caia em cascata sobre o ventre nu de um homem, para enterrar o rosto nele e aspirar seu aroma.


Hermione começou a tremer.


- Tem um rosto com forma de coração, semelhante ao de um pequeno pulso, com lábios cheios e sensuais que pedem a gritos ser beijados. E com respeito a suas sardas, são fascinantes. Acrescentam um toque juvenil a seu encanto que te faz única e irresistível.


Não soava tão mal dito por ele.


Desabotoou-lhe o penhoar e fez uma careta ante a visão da camisola rosa. Abrindo-o de tudo, seguiu falando.


- O que temos aqui? - resmungou, devorando-a com os olhos.


Antes de poder pensar sequer em protestar, Harry lhe baixou o penhoar pelos braços e o deixou cair ao chão, a seus pés. Voltou a apoiar o queixo em seu ombro enquanto seus olhos a contemplavam através do espelho.


Levantou-lhe a camisola.


- Harry. - disse ela, lhe agarrando a mão.


Seus olhares se encontraram no espelho. Hermione não pôde mover-se, já que a paixão e a ternura que se refletiam nos olhos de Harry a puseram em um estado de transe.


- Quero verte, Hermione. - lhe disse em um tom que deixava às claras que não admitiria um não por resposta.


Antes de poder voltar a pensar com claridade, lhe tirou a camisola e passou suas mãos sobre a pele nua de seu estômago.


- Seus seios não são pequenos. - sussurrou, incorporando-se atrás dela - Têm o tamanho perfeito para a mão de um homem. - e para demonstrar sua afirmação, aproximou as mãos e os cobriu com elas.


- Harry. - balbuciou Hermione com um gemido e o corpo abrasado - Recorda sua promessa.


- Estou-me comportando bem. - respondeu ele com voz rouca.


Apoiando-se sobre seus duros peitorais, Hermione observou sem fôlego no espelho como Harry deixava seus seios e lhe acariciava as costelas, descendo até os quadris e uma vez ali, colocava as mãos sob o elástico de suas calcinha.


- Tem um corpo formoso, Hermione. - lhe disse enquanto lhe acariciava o púbis.


Pela primeira vez em toda sua vida, acreditou. Harry lhe mordiscou o pescoço enquanto suas mãos brincavam com os cachos escuros de sua virilha.


- Harry. - choramingou, sabendo que se não o detinha agora não seria capaz de fazê-lo mais tarde.


- Shh! - disse-lhe ao ouvido - Já te tenho.


E, então, separou as ternas dobras de seu corpo e acariciou seu sexo.


Hermione gemeu, consumida pela paixão. Harry capturou seus lábios e a beijou plena e profundamente.


De forma instintiva, deu-se a volta entre seus braços para saboreá-lo melhor.


Levantou-a do chão, sem abandonar seus lábios, enquanto a levava até a cama. De algum modo, as arrumou para acomodá-la sobre o colchão e tombar-se sobre ela sem deixar de beijá-la.


Certamente tinha um grande talento.


E uf! Hermione se sentia arder com suas carícias. Com seu aroma escandalosamente sensual. Com a sensação de seu corpo estendido junto a ela. Começou a tremer de pés a cabeça enquanto lhe separava as coxas com os joelhos e se colocava ainda vestido, sobre ela.


Sentir seu peso era algo maravilhoso. Seu corpo duro e viril, enquanto esfregava seus esbeltos quadris contra ela. Até através dos jeans, podia sentir sua ereção pressionando sobre sua virilha. Como se estivessem atraídas por um ímã, seus quadris se levantaram compassando-se ao movimento de Harry.


- Isso Hermione. - murmurou sobre seus lábios, enquanto seguia roçando seu membro inchado contra ela de um modo tão magistral que Hermione soube que já teria chegado ao clímax se estivesse dentro dela - Sente minhas carícias. Sente meu desejo por ti, só por ti. Não lute contra ele.


Hermione voltou a gemer quando Harry abandonou seus lábios e deixou um abrasador caminho de beijos por sua garganta, até chegar a seus seios, que começou a sugar com suavidade.


Hermione delirava de prazer enquanto enterrava as mãos nos cachos negros de Harry.


Ele atormentou implacavelmente seus seios com a língua.


Todo seu corpo tremia pelo tremendo esforço que lhe supunha manter-se vestido. Queria introduzir-se nela com tanto desespero que sua prudência se desvanecia pouco a pouco.


Com cada aposta de seus quadris contra os de Hermione, lhe dava vontade de gritar pela agonia do desejo insatisfeito. Era a tortura mais deliciosa que jamais tinha experimentado.


E tudo piorou ao sentir a Hermione deslizar as mãos por suas costas, e as introduzir em seus bolsos traseiros para aproximá-lo ainda mais, apertando-o com força.


Harry se estremeceu ante a sensação.


- Sim, OH, sim! - ofegava Hermione quando ele aumentou o ritmo de suas investidas.


Harry sentiu que todo lhe dava voltas. Tinha que afundar-se nela. E se não podia fazer o de uma maneira, por todos os templos de Atenas que o faria de outra.


Separou-se dela e se moveu para baixo, passando os lábios por seu estômago e lhe beijando os quadris enquanto lhe tirava a calcinha.


Hermione tremia de pés a cabeça ao sentir o poder que ele ostentava nesse momento.


- Por favor. - lhe suplicou, incapaz de suportá-lo mais.


Afastou-lhe as coxas com os cotovelos. Hermione o permitiu sem protestar. Colocou as mãos embaixo dela e lhe levantou os quadris até que lhe passou as pernas por cima de seus ombros.


Os olhos lhe abriram de par em par no mesmo instante em que Harry a tomou na boca.


Hermione enterrou as mãos no cabelo dele e jogou a cabeça para trás, gemendo de prazer ante as carícias tão íntimas que a língua de Harry lhe prodigalizava. Jamais tinha experimentado algo assim. Uma e outra vez, penetrando-a com a língua implacavelmente, ele a lambia, atormentava-a, pinçava em seu interior até deixá-la sem fôlego, exausta.


Harry fechou os olhos e grunhiu quando provou seu sabor. E desfrutou da sensação. Os murmúrios de prazer que escapavam da garganta de Hermione ressonavam em seus ouvidos. Percebia como ela reagia ante cada carícia sensual de sua língua, cuidadosamente executada. De fato, sentia como lhe tremiam as coxas e as nádegas, como se estremeciam contra seus ombros e suas bochechas.


Hermione se retorcia de modo muito erótico em resposta as suas carícias.


Com a respiração entrecortada, Harry quis lhe mostrar exatamente o que se esteve perdendo. Quando saísse do quarto essa noite, Hermione não voltaria a encolher-se de temor ante suas carícias.


Ela choramingou quando moveu a mão devagar para introduzir o polegar em sua vagina, enquanto continuava lambendo-a.


- Harry! - ofegou com um involuntário estremecimento de seu corpo.


Ele moveu o dedo e a língua ainda mais rápido, mais profundo, aumentando a pressão enquanto girava e girava. Hermione sentia que a cabeça lhe dava voltas pelo roçar da barba de Harry em suas coxas, em seu sexo.


E, quando pensava que já não poderia suportá-lo mais, alcançou o clímax de forma tão violenta que jogou a cabeça para trás e gritou enquanto seu corpo se convulsionava pelas contínuas ondas de prazer.


Mas Harry não se deteve, seguiu lhe prodigalizando carícias até que teve outro novo orgasmo, quase seguido ao primeiro.


A terceira vez que gozou pensou que morreria.


Débil, e totalmente saciada, sacudia a cabeça a um e outro lado, sobre o travesseiro, enquanto ele continuava seu implacável assalto.


- Harry, por favor. - lhe suplicou enquanto seu corpo seguia experimentando contínuos espasmos por suas carícias - Não posso mais.


Só então ele se afastou.


Hermione se sentia palpitar da cabeça até os pés, e respirava entrecortadamente. Jamais tinha conhecido um prazer tão intenso.


Harry riscou um caminho de beijos desde suas coxas até sua garganta, e ali ficou.


- Me diga a verdade, Hermione. - lhe disse ao ouvido - Há sentido algo assim antes?


- Não. - sussurrou ela com honestidade, duvidava que muitas mulheres tivessem conhecido algo semelhante ao que ela acabava de experimentar. Possivelmente não houvesse nenhuma - Não tinha nem idéia de que pudesse ser assim.


Com um olhar faminto, Harry a contemplou como se queria devorá-la.


Ela sentiu a pressão de sua ereção sobre o quadril e caiu na conta que ele não tinha chegado ao orgasmo. Tinha mantido sua promessa.


Com o coração lhe pulsando frenético ante o descobrimento, quis lhe proporcionar quão mesmo ela acabava de viver. Ou ao menos, algo que lhe aproximasse.


Baixando a mão, começou a lhe desabotoar as calças.


Harry lhe segurou a mão e a levou aos lábios para lhe beijar a palma com muita ternura.


- Sua intenção é boa, mas não te incomode.


- Harry. - lhe disse em tom de recriminação - Sei que é muito doloroso para um homem se não se…


- Não posso. - insistiu ele, interrompendo-a de novo.


Hermione o olhou carrancuda.


- Que não pode o que?


- Ter um orgasmo.


Hermione abriu a boca, atônita. Estaria dizendo a verdade? De todos os modos, seus olhos tinham uma expressão mortalmente séria.


- É parte da maldição. - lhe explicou ele - Posso te dar prazer, mas se me toca agora, só conseguirá me fazer mais dano.


Sofrendo por ele, acariciou-lhe a bochecha.


- Então, por que…?


- Porque queria fazê-lo.


Não acreditava. Não. Afastou a mão de seu rosto e olhou para outro lado.


- Quererá dizer por que tinha que fazê-lo. Pela maldição também, não é certo?


Ele a segurou pelo queixo e a obrigou a lhe olhar aos olhos.


- Não. Estou lutando contra a maldição, se não fosse assim, estaria dentro de ti agora mesmo.


- Não o entendo.


- Eu tampouco. - lhe confessou olhando-a aos olhos, como se procurasse nela a resposta - Te deite comigo. – sussurrou - Por favor.


Hermione fez uma careta de dor ante o sofrimento que destilava aquela singela petição. Seu pobre Harry. O que lhe tinham feito? Como podiam lhe fazer isso a alguém como ele?


Harry segurou o livro e o deu a Hermione.


- Leia para mim.


Ela abriu o conto enquanto ele colocava os travesseiros na cabeceira da cama.


Estirou-se no colchão e fez que Hermione se tombasse a seu lado. Sem dizer uma só palavra, tirou a manta e a rodeou em um terno gesto com seu braço.


O aroma de sândalo a assaltou de novo, enquanto começava a lhe ler a história de Wendy e Peter Pan.


Estiveram assim durante uma hora.


- Eu adoro sua voz. Sua forma de falar. - lhe disse enquanto Hermione se detinha para passar uma página.


Ela sorriu.


- Devo dizer o mesmo de ti. Tem a voz mais cativante que jamais escutei.


Harry lhe tirou o livro das mãos e o deixou sobre a mesinha de noite. Hermione levantou o olhar até seus olhos. O desejo os fazia mais brilhantes, e a contemplava com um desejo que a deixou sem respiração.


Então, para seu assombro, beijou-a brandamente na ponta do nariz.


Esticou o braço, segurou controle remoto e baixou as luzes até deixar o quarto em penumbra. Hermione não sabia o que dizer enquanto ele se aninhava atrás dela e a abraçava pelas costas.


Harry lhe afastou o cabelo do rosto e apoiou a cabeça no travesseiro, ao lado da sua.


- Eu adoro seu aroma. - lhe sussurrou, abraçando-a com força.


- Obrigado. - respondeu ela em um murmúrio.


Não estava segura, mas lhe dava a impressão de que Harry sorria.


Se aninhou ainda mais, aproximando-se da calidez de seu corpo, mas os jeans lhe rasparam as pernas.


- Não está incômodo vestido? Não deveria te mudar de roupa?


- Não. - respondeu tranqüilamente - Deste modo, sei que minha colherinha permanecerá afastada de você…


- Nem te atreva dizê-lo. - disse com uma gargalhada - Não te ofenda, mas seu irmão é asqueroso.


- Sabia que havia uma razão para que eu gostasse tanto.


Hermione lhe tirou controle remoto das mãos.


- Boa noite, Harry.


- Boa noite, carinho.


Hermione desligou a luz.


Imediatamente, notou como Harry se esticava. Sua respiração se converteu em um ofego entrecortado e se separou dela.


- Harry?


Ele não respondeu.


Preocupada, Hermione ligou a luz para poder lhe ver. Abraçava-se com força o torso, com os braços cruzados sobre o peito. Tinha a frente coberta de suor e um olhar aterrado e selvagem enquanto se esforçava por respirar.


- Harry?


Ele observou o quarto como se acabasse de despertar de um pesadelo espantoso. Hermione viu como levantava um braço e colocava a mão na parede, para assegurar-se que tudo era real, não uma alucinação.


Umedeceu-se os lábios, passou-se a mão pelo peito e engoliu em seco.


E então, Hermione o entendeu.


A escuridão. Por isso não tinha apagado as luzes, mas sim tinha baixado a intensidade.


- Sinto-o Harry, não sabia.


Ele seguia sem falar.


Hermione o abraçou, surpreendida de que um homem tão forte procurasse consolo nela como se não pudesse fazer outra coisa. Harry apoiou a cabeça sobre seus seios.


Com os dentes apertados, Hermione sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas. E nesse instante soube que jamais lhe deixaria retornar a esse livro. Nunca.


De algum modo, romperiam a maldição. E, quando tudo tivesse acabado, esperava que Harry pudesse vingar do responsável por seu sofrimento.


 


 


CAPÍTULO 9


 


Hermione permaneceu imóvel durante horas, escutando a respiração tranqüila e compassada de Harry, enquanto dormia a seu lado. Tinha colocado uma perna entre suas coxas e lhe rodeava a cintura com um braço.


A sensação de seu corpo, envolvendo-a, a fazia palpitar de desejo.


E seu aroma…


O que mais gostava de nesses momentos era dar a volta e enterrar o nariz no aroma quente e amadeirado de sua pele. Ninguém a tinha feito sentir-se assim jamais. Tão querida, tão segura.


Tão desejável.


E se perguntava como era possível, tendo em conta que apenas se conheciam. Harry chegava a um pedaço de seu interior que ia mais à frente do mero desejo físico.


Era tão forte, tão autoritário… E tão divertido. A fazia rir e lhe encolhia o coração.


Esticou o braço e passou os dedos com suavidade pela mão que tinha colocada sob seu queixo. Tinha umas mãos preciosas. Longas e bronzeadas. Até relaxadas durante o sonho, sua força era inegável. E a magia que operavam em seu corpo…


Um milagre.


Passou o polegar por seu anel de general e começou a perguntar-se como teria sido Harry então. A menos que a maldição tivesse alterado sua aparência física, não parecia ser muito mais velho, não aparentava mais de trinta.


Como poderia ter liderado um exército a uma idade tão pouca? Mas claro, Alexandre Magno apenas tinha idade para barbear-se quando começou suas campanhas.


Harry devia ter tido uma aparência magnífica no campo de batalha. Hermione fechou os olhos e tentou imaginar-lhe a cavalo, lutando contra seus inimigos. Podia ver uma vívida imagem do general vestido com a armadura e com a espada em alto enquanto lutava corpo a corpo com os romanos.


- Jasão?


Hermione se esticou ao escutar o murmúrio. Harry estava dormido.


Girou sobre o colchão e o olhou.


- Harry?


Ele adotou uma postura rígida e começou a falar em uma confusa mescla de inglês e grego clássico.


- Não! Okhee! Okhee! Não! - e se incorporou até ficar sentado na cama.


Hermione não podia saber se estava dormido ou acordado.


Tocou-lhe o braço instintivamente e, lançando uma maldição, ele a segurou com força e a apertou até pô-la sobre suas coxas. Depois voltou a jogá-la à cama, com um olhar selvagem e os lábios franzidos.


- Maldito seja! - grunhiu.


- Harry. - ofegou Hermione, lutando por libertar-se enquanto ele a pegava com mais força pelo braço - Sou eu, Hermione!


- Hermione? - repetiu com o cenho franzido, tentando enfocar o olhar.


Separou-se dela piscando. Levantou as mãos e as observou como se fossem dois apêndices estranhos que não nunca tivesse visto. Depois cravou os olhos em Hermione.


- Tenho-te feito mal?


- Não, estou bem. E você?


Ele não respondeu.


- Harry? - disse enquanto lhe tocava.


Afastou-se dela como se separasse de uma criatura venenosa.


- Estou bem. Era um sonho ruim.


- Um sonho ruim ou uma má lembrança?


- Uma má lembrança que me persegue em sonhos. - murmurou com a voz carregada de dor e se levantou - Deveria dormir em outro lugar.


Hermione o segurou pelo braço antes que pudesse partir e o aproximou de volta à cama.


- Isso é o que sempre fez no passado?


Ele assentiu.


- Contaste seus pesadelos a alguém?


Harry a olhou horrorizado. Por quem o tinha tomado?


Por um menino chorão que necessitava a sua mãe?


Sempre tinha guardado a angústia em seu interior. Como lhe tinham ensinado. Só durante as horas de sonho as lembranças podiam transpassar as barreiras que ele mesmo tinha erguido. Só quando dormia era débil.


No livro não havia ninguém que pudesse resultar ferido quando lhe assaltava o pesadelo. Mas uma vez libertado de seu confinamento, sabia que não era muito inteligente dormir ao lado de alguém que podia acabar inadvertidamente ferido enquanto estava preso no sonho.


Poderia matar de forma acidental.


E essa idéia o aterrorizava.


- Não. – sussurrou - Não o contei nunca a ninguém


- Então, conta-me.


- Não. - respondeu com firmeza - Não quero voltar a vivê-lo.


- Se o reviver cada vez que sonha, qual é a diferença? Me deixe entrar em seus sonhos, Harry. Me deixe te ajudar.


Poderia fazê-lo? Poderia ter esperança?


Sabe que não.


Mas ainda assim…


Queria purgar os demônios. Queria dormir uma noite completa, livre da tortura, com um sonho tranqüilo.


- Conta me. - insistiu isso brandamente.


Hermione percebia sua relutância enquanto se unia a ela na cama. Permaneceu sentado na beirada, com a cabeça entre as mãos.


- Já me perguntaste o que fiz para que me amaldiçoassem. Fizeram-no porque traí ao único irmão que jamais conheci. A única família que tive na vida.


A angústia de sua voz impregnou muito fundo em Hermione. Desejava desesperadamente lhe acariciar as costas, para reconfortá-lo, mas não se atreveu se por acaso ele voltava a apartar-se de novo.


- O que fez?


Harry mexeu no cabelo e deixou enterrado o punho nele. Com a mandíbula mais rígida que o aço e o olhar fixo no tapete respondeu:


- Permiti que a inveja me envenenasse.


- Como?


Permaneceu calado um momento antes de voltar a falar.


- Conheci o Jasão pouco depois de que minha madrasta me enviasse a viver nos barracões.


Hermione apenas se recordava uma conversação com a Gina em que lhe explicava que os barracões espartanos eram os lugares onde se obrigava a viver os meninos, afastados de seus lares e de suas famílias. Sempre os tinha imaginado como uma espécie de internado.


- Quantos anos tinha?


- Sete.


Incapaz de imaginar que a obrigassem a apartar-se de seus pais a essa idade, Hermione ofegou.


- Não havia nada de estranho na decisão. - disse ele sem olhá-la - E era grande para minha idade. Além disso, a vida nos barracões era imensamente melhor que a que levava junto a minha madrasta.


Hermione percebia o veneno que destilava sua voz e se perguntou como teria sido a mulher.


- Então, Jasão vivia contigo nos barracões?


- Sim. - murmurou ele - Cada barracão estava dividido em grupos, e cada um escolhia a um líder. Jasão era o líder de meu grupo.


- O que faziam esses grupos?


- Fomos uma espécie de unidade militar. Estudávamos, limpávamos nosso barracão, mas sobre tudo, arrumávamo-nos isso entre todos para poder sobreviver.


Hermione se sobressaltou ante essa palavra tão dura.


- Sobreviver a que?


- Ao estilo de vida espartano. - respondeu Harry com voz áspera - Não sei se conhece algo sobre os costumes das pessoas de meu pai, mas não viviam com os luxos habituais do resto dos gregos. Os espartanos só queriam uma coisa de seus filhos: que nos convertêssemos na força militar mais impressionante do mundo antigo. Para nos preparar, ensinavam-nos a sobreviver com as necessidades mais básicas. Davam-nos uma só túnica que devíamos conservar durante todo um ano, e se danificava, a perdíamos, ou acabava por ficar pequena, ficávamos sem ela. Tínhamos que nos fazer nossa própria cama. E uma vez que chegávamos à puberdade, não nos permitia levar nenhum tipo de calçado.


Riu com amargura.


- Ainda posso recordar como me doíam os pés durante o inverno. Tínhamo-nos proibido acender fogo, e tampouco podíamos nos cobrir com uma manta, assim é que nos envolvíamos os pés com farrapos para evitar que nos congelassem durante a noite. Pela manhã tirávamos os cadáveres dos meninos que tinham morrido de frio.


Hermione se encolheu de espanto ante o mundo que Harry descrevia. Tentava imaginar-se como devia ter sido viver assim. Pior ainda, recordou a manha de criança que pegou aos treze anos porque se encaprichou de uns sapatos de oitenta dólares que, segundo sua mãe, eram muito para ela, e à mesma idade, Harry teria estado procurando farrapos. A injustiça daquilo a fazia pedaços.


- Só eram meninos.


- Jamais fui um menino. - lhe respondeu com simplicidade - Mas isso não era tudo, o pior era que apenas não nos davam o suficiente de comer. Estávamos obrigados a roubar ou a morrer de fome.


- E os pais o permitiam?


Ele a olhou por cima do ombro, seus olhos tinham uma expressão irônica.


- Consideravam-no um dever cívico. E, posto que meu pai era o stratgoi da Esparta, a maioria dos professores e dos meninos me desprezaram de primeiro momento. Davam-me muito menos comida que ao resto.


- O que era seu pai? - perguntou-lhe, não acabava de compreender o término grego que Harry tinha empregado.


- O general supremo, se o prefere. - inspirou profundamente e continuou - Por causa de sua posição, e de sua reputação de homem cruel, eu era um pária para meu grupo. Enquanto eles se uniam para poder roubar comida, me deixavam de lado, e tinha que me engenhar isso para sobreviver. Um dia, pescaram ao Jasão roubando comida. Quando retornaram aos barracões foram castigá-lo. Assim é que dei um passo à frente e me joguei toda a culpa.


- Por quê?


Harry se deu de ombros, lhe subtraindo importância ao assunto.


- Estava tão fraco pela surra anterior que pensei que não viveria se lhe davam outra.


- E por que lhe tinham golpeado antes?


- Era o modo de começar o dia. Logo que nos tiravam das camas, davam-nos uma boa sova.


Hermione fez uma careta de dor.


- Então, por que deixou que lhe batessem em seu lugar, se você também estava ferido?


- Sendo o filho de uma deusa, agüentava as surras mais duras.


Ela fechou os olhos enquanto recordava as palavras que Gina havia dito essa mesma tarde. Esta vez, não pôde resistir o impulso de aproximar-se dele. Pôs a mão sobre o bíceps. Harry não se afastou. Ao contrário, cobriu-lhe a mão com a sua e lhe deu um ligeiro apertão.


- Desde esse dia em adiante, Jasão me considerou seu irmão, e fez que outros me aceitassem. Embora minha mãe e meu pai tinham outros filhos, nunca tinha tido um irmão antes.


Ela sorriu.


- O que ocorreu depois?


O bíceps se contraiu sob sua mão.


- Decidimos unir forças para conseguir o que necessitávamos. Ele distraía às pessoas e eu roubava, assim, se nos pegavam, eu me levava os golpes.


Por quê? Tinha Hermione na ponta da língua, mas a mordeu. No fundo, conhecia a resposta: Harry estava protegendo a seu irmão.


- O tempo foi passando - continuou ele - e notei que seu pai saía furtivamente do povo para observá-lo de longe. O amor e o orgulho em seu rosto eram algo indescritível. Sua mãe fazia o mesmo. Supunha-se que nos devíamos nos arrumar para conseguir comida, mas alguns dias, Jasão encontrava coisas que seus pais lhe tinham deixado. Pão fresco, lagosta assada, uma jarra de leite… e às vezes, dinheiro.


- Que terno.


- Sim, era-o, mas cada vez que me dava conta do que faziam por ele, a realidade me destroçava. Queria que meus pais sentissem o mesmo por mim. Teria dado gostosamente minha vida para que meu pai me olhasse uma só vez sem ódio, ou minha mãe se preocupasse comigo para vir ver-me. O mais perto que estive dela foi em seu templo da Thimaria. Estava acostumado a passar horas contemplando sua estátua, e me perguntando se era assim realmente. Me perguntando se pensava alguma vez em mim.


Hermione se sentou atrás dele, abraçou-o pela cintura e pôs o queixo sobre seu ombro.


- Alguma vez viu sua mãe quando foi pequeno?


Lhe rodeou os braços com os seus e jogou a cabeça para trás, até deixá-la repousar sobre o ombro de Hermione. Ela sorriu ante o gesto. Embora estivesse tenso e nervoso, estava-lhe confiando coisas que jamais tinha compartilhado com outra pessoa.


E sabê-lo proporcionava uma sensação de incrível intimidade.


- Não a vi nunca. - confessou em voz baixa - Enviava a outros, mas ela jamais se apresentou diante de mim. Sem importar o muito que lhe implorasse, sempre se negava. Depois de um tempo, deixei de pedir-lhe. E ao final, também deixei de entrar em seus templos.


Hermione lhe plantou um beijo terno no ombro. Como podia sua mãe havê-lo ignorado? Como podia ser capaz uma mãe de não atender o rogo de um filho?


Pensava em seus próprios pais. No amor e a ternura que lhe tinham prodigalizado. E, pela primeira vez, depois de tantos anos, deu-se conta que seus sentimentos com respeito a sua trágica morte estavam totalmente equivocados. Sempre tinha pensado que teria sido muito melhor não conhecer seu carinho para não perder de modo tão cruel.


Mas não era assim. Embora as lembranças de sua infância e de seus pais eram agridoces, reconfortavam-na.


Harry não tinha conhecido a ternura de um abraço. A segurança de saber que, fizesse o que fizesse, seus pais sempre estariam ali.


Não podia imaginar como teria sido crescer do modo que ele o fez.


- Mas tinha ao Jasão. - sussurrou, perguntando-se se teria sido suficiente para ele.


- Sim. Depois da morte de meu pai, quando eu tinha quatorze anos, Jasão foi o bastante amável para deixar ir a sua casa quando davam permissão. Foi em uma dessas visitas quando vi pela primeira vez a Penélope.


Hermione sentiu uma pequena pontada de ciúmes ao escutar o nome de sua esposa.


- Era tão formosa… - murmurou ele - E estava prometida ao Jasão.


Hermione ficou paralisada ante suas palavras.


OH! A coisa não ia bem.


- Pior ainda, - lhe disse lhe acariciando o braço com suavidade - estava apaixonada por ele. Cada vez que íamos de licença, jogava-se em braços do Jasão para beijá-lo. Dizia-lhe o muito que significava para ela. Quando nos partíamos, pedia-lhe em voz baixa que tomasse cuidado, e lhe deixava comida para que a encontrasse.


Harry se deteve enquanto recordava a imagem do Jasão quando voltava para os barracões com os presentes do Penélope.


«Algum dia te casará, Harry,» dizia seu amigo enquanto fazia ornamento dos presentes «mas jamais terá uma esposa como a minha para te esquentar a cama.»


Embora seu amigo não o dissesse, Harry conhecia o motivo de que falasse assim. Nenhum pai responsável entregaria a sua filha em matrimônio a um homem deserdado, sem família que o reconhecesse.


Cada vez que seu amigo pronunciava essas palavras, sua alma se fazia em pedaços. Havia ocasiões que suspeitava que Jasão jogava sal em suas feridas devido ao ciúmes. Penélope o olhava mais da conta quando pensava que seu prometido não notava. Pode ser que ele tivesse seu coração, mas ao igual ao resto das mulheres, ela o comia com os olhos cada vez que estava perto.


Por esse motivo Jasão deixou de convidá-lo a sua casa. E que lhe proibir de retornar ao único lar que tinha conhecido, acabou por destroçá-lo.


- Deveria ter deixado que se casassem. - seguiu Harry, enquanto passava o braço pela cabeça de Hermione e enterrava o rosto em seu pescoço para inalar o doce aroma de sua pele - Então sabia, mas não podia suportá-lo. Ano atrás ano, veria como ela o amava. Veria como sua família o adorava, enquanto eu não tinha um lar onde acudir.


- Por quê? - perguntou Hermione - Disse que tinha irmãos, não lhe teriam deixado ficar com eles?


Ele negou com a cabeça.


- Os filhos de meu pai odiavam de morte. Sua mãe me teria permitido ficar com eles, mas me negava a pagar o preço que pedia em troca. Não tinha nada naqueles dias, exceto minha dignidade.


- Agora também a tem, - murmurou ela, abraçando-o com mais força pela cintura - fui testemunha dela.


Soltando-a, deixou passar suas palavras e esticou a mandíbula.


- O que ocorreu ao Jasão? - seguiu Hermione. Queria que seguisse falando enquanto estivesse de humor - Morreu em combate?


Ele soltou uma amarga gargalhada.


- Não. Quando fomos o suficientemente maiores para nos unir ao exército, mantive-o a salvo no campo de batalha. Tinha prometido ao Penélope e a sua família que não permitiria que lhe ocorresse nada.


Hermione sentiu o coração de Harry pulsando com rapidez sob seus braços.


- Conforme passavam os anos, pronunciavam meu nome com temor e respeito. Minhas vitórias se convertiam em lenda, e se contavam uma e outra vez. Quando retornava a Thimaria, acabava dormindo na rua, ou na cama de qualquer mulher que me abrisse a porta para passar a noite. Desse modo passava o tempo até que retornava à batalha.


A Hermione ardiam os olhos pelas lágrimas, a voz de Harry estava carregada de dor. Como podiam havê-lo tratado assim?


- O que passou para que mudassem as coisas? - perguntou-lhe.


Ele suspirou.


- Uma noite, enquanto procurava um lugar para dormir, tropecei-me com eles dois na rua. Estavam abraçando-se como dois apaixonados. Desculpei-me rapidamente, mas ao me afastar, escutei ao Jasão falando com o Penélope.


Todo seu corpo ficou rígido entre os braços de Hermione e o coração começou a lhe pulsar com mais rapidez.


- O que disse? - urgiu-lhe Hermione.


Os olhos de Harry adotaram um olhar sombrio.


- Lhe perguntou por que nunca ficava em casa de meus irmãos. Jasão riu e lhe respondeu: «Ninguém quer a Harry. É o filho da Afrodite, a Deusa do Amor, e nem sequer ela suporta estar perto dele.»


Hermione foi incapaz de respirar enquanto escutava as cruéis palavras. Imaginou como sentiu-se Harry ao ouvir.


Ele tomou ar com brutalidade.


- Tinha-lhe guardado as costas mais vezes das que podia recordar. Tinham-me ferido em batalha em incontáveis ocasiões por protegê-lo, incluindo uma vez em que uma lança me atravessou o lado. E ali estava ele, burlando-se de mim. Não pude suportar a injustiça. Tinha acreditado que fomos irmãos. E suponho que, ao final, fomos, já que me tratou do mesmo modo que o resto de minha família. Eu sempre tinha sido um enteado bastardo. Só e repudiado. Não entendia por que ele tinha tantas pessoas que o queriam e eu não tinha a ninguém. Ferido e zangado por suas palavras, fiz o que jamais deveria ter feito: invocar ao Eros.


Hermione podia imaginar-se facilmente o que tinha ocorrido.


- Fez que Penélope se apaixonasse por ti.


Ele assentiu.


- Disparou ao Jasão com uma flecha de chumbo que matou seu amor pelo Penélope, e lhe disparou com uma de ouro para que se apaixonasse por mim. Supunha-se que tudo devia acabar aí, mas…


Balançando-o com suavidade entre seus braços, Hermione aguardou a que encontrasse as palavras exatas.


- Demorei dois anos em convencer a seu pai para que lhe permitisse casar-se com um bastardo deserdado, sem influências familiares. Para então, minha lenda tinha aumentado e tinha sido ascendido. Finalmente consegui acumular riquezas suficientes para fazer que Penélope vivesse como uma rainha. E, no que se referia a ela, não reparei em gastos. Tínhamos jardins, escravos e tudo o que lhe desejava muito. Dava-lhe liberdade e independência, como jamais teve nenhuma outra mulher da época.


- Mas não era suficiente?


Ele negou com a cabeça.


- Eu necessitava algo mais e sabia que lhe ocorria algo. Até antes que Eros interviesse, sempre foi excessivamente veemente. Dependia do Jasão de um modo proibido para as espartanas e, em uma ocasião em que foi ferido, raspou totalmente a cabeça como mostra de sua dor. Mais tarde, uma vez Eros disparou suas flechas, Penélope passava por compridos períodos de depressão, ou de fúria. Eu fazia tudo o que podia por ela, e tentava que fosse feliz.


Hermione lhe acariciou o cabelo enquanto o escutava.


- Dizia que me queria, mas eu percebia que não se interessava por mim do mesmo modo que o tinha feito pelo Jasão. Entregava-me seu corpo de forma generosa, mas não havia verdadeira paixão em suas carícias. Soube desde a primeira vez que a beijei. Tentei me enganar a mim mesmo, me dizendo que não importava. Muito poucos homens, naquele tempo, achavam o amor no matrimônio. Além disso, ausentava-me durante meses, às vezes, inclusive anos, enquanto dirigia meu exército. Mas ao final, suponho que me pareço muito a minha mãe, porque sempre desejei mais.


Hermione sofria enormemente por ele.


- E então chegou o dia em que Eros também me traiu.


- Traiu-te? Como? - perguntou ansiosa, sabendo que esse era a origem da maldição.


- Ele e Priapus estiveram bebendo a noite posterior a que eu matasse ao Livius. Eros, bêbado, contou-lhe o que tinha feito por mim. Logo que Priapus escutou a história, soube como vingar-se. Foi ao Inframundo e segurou água da Lacuna da Memória para oferecer-lhe ao Jasão. E assim que tocou seus lábios, recordou seu amor pelo Penélope. Priapus lhe contou o que eu tinha feito e lhe entregou mais água para que a desse de beber a ela.


Harry sentia como seus lábios articulavam as palavras, mas perdeu o controle da narração. Em lugar de tentar pensar no que ia contar, fechou os olhos e reviveu aquele desgraçado dia.


Acabava de entrar na casa procedente dos estábulos, quando viu o Penélope e Jasão no átrio. Beijando-se.


Atônito, deteve-se na metade de caminho, enquanto uma onda de nervosismo se apoderava dele ao comprovar a paixão daquele abraço.


Até que Jasão levantou o olhar e o viu na porta.


No instante em que seus olhos se encontraram, Jasão curvou os lábios.


- Ladrão desprezível! Priapus me contou sua traição. Como pôde?


Com o rosto desfigurado pelo ódio, Penélope se equilibrou sobre o Harry e o esbofeteou.


- Asqueroso bastardo, mataria-te pelo que tem feito.


- Eu o matarei. - gritou Jasão enquanto desembainhava sua espada.


Harry tentou afastar Penélope, mas ela se negou.


- Por todos os deuses! Dei a luz a seus filhos. - disse enquanto tentava lhe arranhar o rosto.


Harry a sustentou pelos pulsos.


- Penélope, eu…


- Não me toque! - gritou-lhe escapando de suas mãos - Me dá asco. Acredite que uma mulher decente ia querer-te à luz do dia? É desprezível. Repulsivo. - Separou-se dele e se aproximou do Jasão. - Lhe corte a cabeça. Quero me banhar em seu sangue até apagar o rastro de seu aroma em minha pele.


Jasão brandiu a espada.


Harry deu um salto para trás, ficando fora do alcance da arma.


De forma instintiva, procurou sua própria espada, mas se deteve. Quão último desejava era derramar o sangue do Jasão.


- Não quero lutar contigo.


- Por que não? Violou a minha mulher e lhe fez levar sua semente, quando deveriam ter sido meus filhos aos que desse a luz! Recebi-te em meu lar com os braços abertos. Dava-te uma cama quando ninguém te queria perto, e assim me paga?


Harry o olhou com incredulidade.


- Pago-te? Tem a mais mínima idéia das ocasiões nas que te salvei a vida durante as batalhas? De quantas surras me deram em seu lugar? Pode sequer as contar? E te atreveu a te burlar de mim.


Jasão riu cruelmente.


- Todos, exceto Kyrian, burlavam-se de ti, idiota. De fato, era o único que te defendia, com tanto empenho que às vezes me fazia me expor o que fariam juntos quando estavam a sós.


Suprimindo a ira que lhe teria deixado totalmente exposto e vulnerável ao ataque do Jasão, agachou-se para esquivar a seguinte estocada.


- Deixa, Jasão. Não me obrigue a fazer algo do que nos arrependeríamos mais tarde.


- Do único que me arrependo é de ter dado capacidade a um ladrão em minha casa. - bramou Jasão com ira, elevando a espada de novo.


Harry tentou agachar-se, mas Penélope se aproximou dele por atrás e deu um empurrão.


A espada do Jasão lhe deu nas costelas. Gemendo de dor, Harry tirou sua própria espada e a brandiu de tal modo que teria deixado a seu amigo sem cabeça se lhe tivesse alcançado.


Jasão tentou alcançá-lo, mas Harry se limitou a defender-se enquanto tentava afastar ao Penélope do alcance das espadas.


- Não o faça, Jasão. Sabe que sua habilidade com a espada é inferior à minha.


Seu amigo intensificou o ataque.


- Não vou deixar que siga com ela, então.


Os segundos seguintes se aconteceram com incomum rapidez, mas ainda assim, Harry via passar a imagem por sua cabeça com diáfana nitidez.


Penélope o segurou por braço livre ao mesmo tempo que Jasão atacava. A espada não feriu o Harry de milagre depois do empurrão que lhe deu sua esposa. Totalmente desequilibrado, tentou libertar-se do Penélope, mas com ela no meio, o que conseguiu foi tropeçar-se para frente, de uma vez que Jasão avançava para eles.


No instante em que chocaram, sentiu como sua espada se afundava no corpo de seu amigo.


- Não! - gritou Harry, extraindo a lâmina do ventre do Jasão enquanto Penélope deixava escapar um atormentado chiado de angústia.


Lentamente, Jasão caiu ao chão.


Ajoelhando-se, Harry jogou sua espada a um lado e segurou a seu amigo.


- Deuses do Olimpo! O que têm feito?


Cuspindo sangue e tossindo, Jasão lhe lançou um olhar acusador.


- Eu não fiz nada. Foi você o que me traiu. Fomos irmãos e me roubou o coração.


Jasão tragou dolorosamente enquanto seus pálidos olhos atravessavam a Harry.


- Jamais teve nada que não roubasse antes.


Harry começou a tremer, consumido pela culpa e a agonia. Jamais tinha tido intenção de que acontecesse algo assim. Nunca tinha querido que alguém saísse ferido, e menos ainda Jasão. Quão único desejava era alguém que lhe amasse. Só queria um lar onde fosse bem-vindo.


Mas Jasão tinha razão. Ele era o único culpado. De tudo.


Os chiados do Penélope ressonavam em seus ouvidos. Segurou-o por cabelo e começou a bater com todas suas forças. Com um olhar selvagem, tirou a adaga que Harry levava no cinturão.


- Quero-te morto! Morto!


Afundou-lhe a adaga no braço, e voltou a tirá-la para atacar de novo. Ele a segurou a tempo.


Com um forte puxão, desfez-se dele e se afastou.


- Não. - lhe disse com um olhar desencaixado - Quero que sofra. Tirou-me o que mais queria. Agora eu farei o mesmo contigo. - e saiu correndo.


Afligido pela dor e a fúria, Harry não pôde mover-se enquanto via como a vida abandonava o corpo de seu amigo.


Então, as palavras de sua esposa se filtraram entre a neblina que confundia sua mente.


- Não! - rugiu enquanto ficava em pé - Não o faça!


Chegou à porta dos aposentos do Penélope a tempo para escutar os gritos dos meninos. Com o coração em um punho, tentou abri-la, mas ela a tinha trancado por dentro.


Quando conseguiu abri-la, era muito tarde.


Muito tarde…


Harry se levou as mãos ao rosto, pressionando com força os olhos, enquanto o horror do acontecido naquele dia o alagava de novo, mas agora sentia as carícias de Hermione nas costas, e se sentia reconfortado.


Jamais seria capaz de esquecer a imagem de seus filhos, o medo no coração. A agonia mais absoluta.


Quão único tinha amado no mundo eram seus filhos.


E só eles o tinham amado.


Por quê? Por que tiveram que sofrer por causa de seus enganos? Por que teve Priapus que torturá-lo fazendo que eles sofressem?


E como pôde permitir Afrodite que todo aquilo acontecesse? Uma coisa era que não fizesse caso a ele, mas deixar que seus filhos morressem…


Por isso foi aquele dia em seu templo. Tinha planejado matar ao Priapus. Lhe arrancar a cabeça dos ombros e cravá-la em uma lança.


- O que ocorreu? - perguntou-lhe Hermione, devolvendo-o à presente.


- Quando entrei no quarto era muito tarde. - disse com a garganta quase fechada pela dor - Nossos filhos estavam mortos, sua própria mãe os tinha assassinado. Penélope tinha aberto os pulsos e jazia junto a eles. Chamei um médico para que tentasse deter a hemorragia. - então fez uma pausa - Enquanto exalava seu último fôlego, cuspiu-me à cara.


Hermione fechou os olhos, consumida pela dor de Harry. Era pior do que tinha imaginado.


Santo Deus! Como tinha sobrevivido?


Tinha escutado numerosos relatos de tragédias ao longo de sua vida, mas nenhum podia comparar-se com o que Harry tinha sofrido. E passou sozinho, sem ninguém que o ajudasse. Sem ninguém que o amasse.


- Sinto tanto. - sussurrou ela lhe acariciando o peito para consolá-lo.


- Ainda não posso acreditar que estejam mortos. - murmurou ele com a voz rota de dor - Me perguntou que fazia enquanto estava no livro. Recordar as carinhas de meus filhos, de meu filho e de minha filha. Recordar seus braçinhos ao redor de meu pescoço. Recordar como saíam correndo a meu encontro cada vez que retornava pra casa, depois de uma batalha. E reviver cada um dos momentos desse dia, desejando ter feito algo para salvá-los.


Hermione piscou para afastar as lágrimas. Não era de se admirar que jamais tivesse falado a ninguém disso.


Harry tomou uma profunda baforada de ar.


- Os deuses nem sequer me concedem cair na loucura para poder escapar a minhas lembranças. Não me permitem semelhante alívio.


Depois dessas palavras, não voltou a falar. Limitou-se a ficar imóvel entre os braços de Hermione.


Surpreendida por sua fortaleza, esteve sentada atrás dele durante horas, abraçando-o. Não sabia que mais podia fazer.


Pela primeira vez em anos, suas habilidades de psicóloga lhe falharam por completo.


 


Quando despertou, a luz do sol entrava em torrentes pelas janelas. Demorou um minuto em recordar o acontecido a noite anterior.


Sentou-se na cama e tentou tocar a Harry, mas estava sozinha.


- Harry? - chamou-o.


Ninguém respondeu.


Jogando de um lado o edredom, levantou-se e se vestiu depressa.


- Harry? - voltou a chamá-lo, enquanto descia as escadas.


Nada. Nem um som, além dos batimentos do coração frenéticos de seu coração.


O pânico começou a abrir-se passo em sua cabeça. Lhe teria acontecido algo?


Entrou correndo na sala de estar, o livro estava sobre a mesinha de café. Passando as páginas com rapidez, viu que a folha onde tinha estado o desenho de Harry seguia em branco. Aliviada pelo fato de que não tivesse retornado ao livro, continuou procurando na a casa.


Onde estava?


Foi à cozinha e notou que a porta traseira estava entreaberta. Franziu o cenho, sentindo-se preocupada, e a abriu de tudo para sair ao alpendre.


Deu uma olhada ao pátio até que viu os meninos dos vizinhos sentados na grama, ao lado dos sebes que separavam ambas as casas. Mas o que mais lhe admirou foi observar a Harry sentado com eles, lhes ensinando um jogo com pedras e palitos.


Os dois meninos e uma das meninas estavam sentados a seu lado, escutando atentamente, enquanto sua irmã pequena - de tão somente dois anos - engatinhava entre eles.


Hermione sorriu ante a aprazível imagem. A calidez a invadiu de repente, e se perguntou se Harry teria sido assim com seus próprios filhos.


Abandonou o alpendre e caminhou para eles. Bobby era o maior dos meninos, com nove anos, depois vinha Tommy, com oito e Katie que acabava de cumprir seis. Seus pais se mudaram à vizinhança fazia dez anos, recém casados e, embora tinham uma boa relação, jamais tinham passado de ser mais que amigáveis vizinhos.


- Então, o que ocorreu? - perguntou Bobby, quando chegou o turno de Harry.


- Bom, o exército estava preso, - continuou Harry, movendo uma das pedras com um pau - traído por um dos seus: um jovem hoplita que tinha vendido a seus companheiros porque queria converter-se em centurião romano.


- Eram os melhores. - lhe interrompeu Bobby.


Harry fez uma careta zombadora.


- Não eram nada comparados com os espartanos.


- Acima Esparta! - gritou Tommy - Assim anima nosso mascote do colégio.


Bobby lhe deu um empurrão a seu irmão, e o golpeou na cabeça.


- Está interrompendo a história.


- Não deve golpear a seu irmão, jamais. - disse Harry com brutalidade, mas ainda assim, com certa ternura - Se supõe que os irmãos devem proteger-se, não fazer dano.


A ironia de suas palavras lhe encolheu o coração. Era uma pena que ninguém tivesse ensinado a seus irmãos essa lição.


- Sinto. - se desculpou Bobby - O que passou depois?


Antes que Harry pudesse lhe responder, o bebê caiu e esparramou os palitos e as pedras. Os meninos começaram a lhe gritar, mas Harry os tranqüilizou enquanto levantava o Allison e a punha de novo em pé.


Acariciou levemente o nariz da pequena e a fez rir. Depois retornou ao jogo.


Enquanto chegava o turno ao Bobby para mover a pedra, Harry retomou a história onde a tinha deixado.


- O general macedônio observou as colinas que o rodeavam, estavam presos. Os romanos os tinham encurralado. Não havia modo de flanqueá-los, nem de retroceder.


- Renderam-se? - perguntou Bobby.


- Nunca. - respondeu Harry com convicção - A morte antes que a desonra.


Fez uma pausa enquanto as palavras reverberavam em sua cabeça. Era a inscrição que adornava seu escudo. Como general, tinha vivido honrando esse lema.


Como escravo, fazia muito que o tinha esquecido.


Os meninos se aproximaram um pouco mais.


- Morreram? - perguntou Katie.


- Alguns sim. - respondeu Harry, tentando afastar as lembranças que afluíam a sua mente. Lembranças de um homem que, uma vez, foi o dono de seu próprio destino - Mas não antes de fazer fugir aos romanos.


- Como? - perguntaram os meninos, ansiosos.


Desta vez, Harry segurou ao bebê antes que voltasse a interrompê-los.


- A ver. - começou Harry enquanto dava a Allison sua bola vermelha. A menina se sentou sobre o joelho que tinha dobrado, e ele a sujeitou lhe passando uma mão pela cintura - Enquanto cavalgavam para eles, o general macedônio surpreendeu aos romanos, que esperavam que ele reunisse a seus homens em posição de falange, o qual lhes teriam convertido em uma presa fácil para os arqueiros e a cavalaria. Em lugar de fazer o previsível, o general ordenou a seus homens que se dispersassem e apontassem com as lanças aos cavalos, para romper as linhas da cavalaria romana.


- E funcionou? - perguntou Tommy.


Inclusive Hermione estava interessada na história. Harry assentiu.


- Os romanos não esperavam esse movimento tático em um exército treinado. Completamente despreparadas, as tropas romanas se dispersaram.


- E o general macedônio?


- Soltou um poderoso grito de guerra enquanto cavalgava em seu cavalo Mania, atravessando o campo até chegar à colina onde os generais romanos estavam. Eles deram a volta para enfrentá-lo, mas não foi muito inteligente de sua parte. Com a fúria que sentia no coração, devida à traição que tinha sofrido, pulou sobre eles e só deixou a um sobrevivente.


- Por quê? - perguntou Bobby.


- Queria que entregasse uma mensagem.


- Qual? - inquiriu Tommy.


Harry sorriu ante as ávidas perguntas.


- O general fez farrapos o estandarte romano e depois usou um pedaço para ajudar ao romano a enfaixar as feridas. Com um sorriso letal, olhou fixamente ao homem e lhe disse: «Roma delenda est», Roma está destruída. E, então, enviou ao general romano de volta a sua casa, amarrado, para que entregasse a mensagem ao Senado Romano.


- Uau! - exclamou Bobby impressionado - Oxalá fosse meu professor de história no colégio. Assim eu tenho certeza que aprenderia.


Harry alvoroçou o cabelo negro do menino.


- Se te faz sentir melhor, não me interessava o tema na sua idade. Quão único queria era fazer travessuras.


- Olá, senhorita Hermione! - saudou-a Tommy quando por fim se deu conta de sua presença - Escutou a história do senhor Harry? Diz que os romanos eram moços maus.


Harry olhou a Hermione, que estava a uns metros de distância, e lhe sorriu.


- Estou segura de que ele sabe.


- Pode arrumar meu pulso? - pediu-lhe Katie, oferecendo-lhe.


Harry soltou a Allison e segurou o pulso. Pôs o braço em seu lugar e a devolveu.


- Obrigado. - lhe disse Katie enquanto se jogava em seu pescoço e lhe dava um forte abraço.


O desejo que refletiu o rosto de Harry fez que em Hermione desse uma espetada no coração. Sabia que nesse momento, ele estava vendo o rosto de sua própria filha ao olhar Katie.


- De nada, pequena. - lhe respondeu com voz rouca, afastando-se dela.


- Katie, Tommy, Bobby? O que estão fazendo aí?


Hermione levantou o olhar enquanto Emily rodeava a casa.


- Não estarão incomodando à senhorita Hermione, verdade?


- Não, para nada. - lhe respondeu Hermione. Emily não pareceu escutá-la porque seguiu arrebanhando aos meninos.


- E o que está fazendo Allison aqui? Supunha-se que devia estar no pátio traseiro.


- Ouça mamãe! - gritou Bobby aproximando-se dela à carreira - Sabe jogar ao Parcelon? O senhor Harry nos ensinou.


Hermione riu a gargalhadas enquanto os cinco retornavam ao jardim dianteiro, com o Bobby falando sem parar. Harry tinha os olhos fechados e parecia estar saboreando o som das vozes infantis.


- É todo um conta contos. - lhe disse Hermione quando lhe aproximou.


- Não acredito.


- A sério. - lhe respondeu ela com ênfase - Sabe? Tem-me feito pensar. Bobby tem razão, seria um professor estupendo.


Harry lhe sorriu satisfeito.


- De general a professor. Por que não me mudar o nome ao de Catão, o Velho e me insultar enquanto está em classe?


Ela riu.


- Não está tão ofendido como quer me fazer acreditar.


- E como sabe?


- Pela expressão de seu rosto, e pela luz que há em seus olhos. - lhe segurou o braço e o levou de volta ao alpendre - Deveria pensar seriamente nessa possibilidade. Gina conseguiu sua licenciatura no Tulane e conhece muitas pessoas ali. Quem melhor para ensinar História Antiga que alguém que a conheceu de primeira mão?


Não lhe respondeu. Em lugar disso, Hermione notou como movia os pés, descalços, sobre a terra.


- O que está fazendo? - perguntou-lhe.


- Desfrutando da sensação da grama. - respondeu ele com um sussurro - As folhas me fazem cócegas nos dedos.


Ela sorriu ante o infantil de sua atitude.


- Para isso saiu?


Ele assentiu.


- Eu adoro sentir o sol no rosto.


Hermione sabia, no fundo de seu coração, que tinha podido desfrutá-lo em contadas ocasiões.


- Vamos, prepararemos umas terrinas de cereais e comeremos no alpendre.


Ela subiu em primeiro lugar os cinco degraus que levavam até o alpendre, e lhe deixou sentado em sua cadeira de balanço de vime para encarregar do café da manhã.


Quando retornou, Harry tinha a cabeça apoiada no respaldo e os olhos fechados, sua expressão era serena.


Como não queria incomodá-lo, retrocedeu.


- Sabe que todo meu corpo percebe sua presença? Todos meus sentidos são conscientes de sua proximidade. - lhe confessou enquanto abria os olhos e a olhava com um desejo abrasador.


- Não sabia. - disse ela nervosa, lhe oferecendo a terrina. Ele o segurou, mas não voltou a falar do tema. Começou a comer em silêncio.


Absorvendo o calor do sol, Harry escutava a suave brisa e se recreava com a presença próxima e relaxante de Hermione.


Despertou-se ao amanhecer para contemplar, através das janelas, a saída do sol. E tinha passado uma hora desfrutando de do contato do corpo de Hermione.


Ela o tentava de um modo que jamais tinha experimentado. Por um só minuto se permitiu sonhar com a possibilidade de permanecer nesta época.


E depois o que?


Só tinha uma «habilidade» que podia lhe ser útil neste mundo moderno, e não era o tipo de homem que pudesse viver alegremente da caridade de uma mulher.


Não depois de…


Apertou os dentes enquanto as lembranças o abrasavam.


Aos quatorze anos, tinha trocado sua virgindade por uma terrina de papa de aveia fria e uma taça de leite azedo. Inclusive agora, com todo o tempo que tinha transcorrido, podia sentir as mãos da mulher lhe tocando o corpo, lhe tirando a roupa, agarrando-se febrilmente enquanto lhe ensinava como lhe dar prazer.


« Ooooh!» Cantarolou a mulher «É muito bonito, verdade? Se alguma vez quiser mais papa, só tem que vir para ver-me quando meu marido não esteja em casa»


Sentiu-se tão sujo depois… tão usado.


Durante os anos seguintes, dormiu em mais ocasiões entre as sombras dos portais que em uma cama acolhedora, porque não gostava de voltar a pagar esse preço por uma comida e um pouco de comodidade.


E se fosse de novo livre, não iria querer…


Fechou os olhos com força. Não se via neste mundo. Era muito diferente. Muito estranho.


- Já acabaste?


Levantou os olhos e viu Hermione de pé junto a ele, com a mão estendida esperando a terrina.


- Sim, obrigado. - lhe respondeu enquanto o dava.


- Vou tomar uma ducha rápida. Voltarei em uns minutos.


Contemplou-a enquanto partia, seus olhos se atrasaram nas pernas nuas. Ainda podia sentir o sabor de sua pele nos lábios. E o doce aroma de seu corpo.


Hermione o obcecava. Não se tratava dos efeitos da maldição. Havia algo mais. Algo que jamais tinha experimentado antes.


Pela primeira vez, depois de dois mil anos, voltava a sentir-se como um homem, e esse sentimento vinha acompanhado de um desejo tão profundo que lhe partia em dois o coração.


Desejava-a. de corpo e alma.


E queria seu amor.


A idéia o assustou.


Mas era certo. Não havia voltado a experimentar esse profundo e doloroso desejo de sentir um terno abraço desde que era pequeno. Necessitava que alguém lhe dissesse que o amava, e que o fizesse de coração, não pelo efeito de um feitiço.


Jogando a cabeça para trás, soltou uma maldição. Quando ia aprender?


Tinha nascido para sofrer. O Oráculo do Delfos o havia dito.


«Sofrerá como nenhum homem sofreu jamais»


«Mas me amará alguém?»


«Não nesta vida.»


E se afastou dali totalmente arrasado pela profecia. Que pouco tinha imaginado então, o sofrimento que lhe aguardava.


«É o filho da Deusa do Amor, e nem sequer ela suporta estar perto dele.»


A verdade fez que se encolhesse de dor. Hermione jamais o amaria. Ninguém o faria. Seu destino não era que o libertassem de seu sofrimento. Pior ainda, seu destino tinha uma trágica tendência a derramar o sangue de todos os que se aproximavam dele.


A dor lhe rasgava o peito enquanto pensava na possibilidade de que algo acontecesse a Hermione.


Não poderia permiti-lo. Tinha que protegê-la a todo custo. Embora isso significasse perder sua liberdade.


Com essa idéia em mente, foi em sua busca.


Hermione estava tirando o sabão dos olhos. Ao abri-los, sobressaltou-se quando viu que Harry a observava através da abertura das cortinas da ducha.


- Deste-me um susto de morte! - exclamou.


- Sinto muito.


Ele permaneceu ao lado da banheira de patas, tamanho extragrande, vestido só com os boxers e apoiado sobre a parede, com a mesma pose que tinha no livro: os largos ombros jogados para trás e os braços relaxados a ambos os lados do corpo.


Hermione umedeceu os lábios ao contemplar os esculturais músculos de seu peito e de seu torso. Espontaneamente, seu olhar desceu até os boxers vermelhos e amarelos.


Bom, dizer que nenhum homem estaria bem com eles tinha sido um engano. Porque Harry estava fenomenal. Em realidade, não havia palavras que descrevessem com exatidão quão muito bom estava com eles.


E aquele sorriso travesso, meio zombador, que exibia nesses momentos, derreteria o coração da mais frígida das mulheres. Esse homem a punha muito, muito quente.


Nervosa, Hermione caiu na conta de que estava completamente nua diante dele.


- Necessita algo? - perguntou-lhe enquanto se cobria os seios com a esponja.


Para sua consternação, ele tirou os boxers e se meteu na banheira com ela.


O cérebro de Hermione se converteu em mingau, afligida pela poderosa e masculina presença de Harry. Esse incrível sorriso cheio de covinhas curvava seus lábios, e fazia que o coração lhe acelerasse e que começasse a tremer.


- Só queria ver-te. - disse em voz baixa e terna - Tem idéia do que me faz quando te passa as mãos pelos seios nus?


Apreciando o tamanho de sua ereção, Hermione tinha uma idéia bastante aproximada.


- Harry…


- Mmm?


Esqueceu o que ia dizer quando ele aproximou a cabeça até seu pescoço. Estremeceu-se por completo ao sentir que sua língua lhe abrasava a pele.


Gemeu pela sobrecarga sensorial que punham as carícias das mãos de Harry, unidas à sensação da água quente da ducha. Apenas foi consciente de que lhe tirava a esponja que ainda cobria seus seios, e levava um deles à boca.


Gemeu de prazer ao sentir a língua de Harry girar ao redor do endurecido mamilo, roçando-o levemente e fazendo-a arder.


Ajudou-a sentar-se na banheira e a jogou para trás, apoiando-a no respaldo. O contraste da fria porcelana nas costas e do quente corpo de Harry por diante, enquanto a água caía sobre eles, excitou-a de um modo que jamais tivesse acreditado possível.


Nunca antes tinha apreciado o enorme tamanho da antiga banheira, mas, nesse momento, não a mudaria por nada do mundo.


- Me toque, Hermione. - lhe disse com voz rouca, lhe agarrando a mão e aproximando-lhe até seu inchado membro - Quero sentir suas mãos sobre mim.


Harry estremeceu quando ela acariciou a dureza aveludada de seu pênis.


Fechou os olhos enquanto as sensações o afligiam. As carícias de Hermione não se limitavam ao plano físico, percebia-as também a um nível indefinível. Incrível.


Queria mais dela. Queria-o tudo dela.


- Eu adoro sentir suas mãos sobre minha pele. - balbuciou enquanto ela tomava entre suas mãos. Pelos deuses! Desejava-a tanto que lhe doía todo o corpo. Como desejava que, tão somente uma vez, fizesse o amor a ele.


Que lhe fizesse o amor com o coração.


A dor voltou a rasgá-lo. Não importava quantas vezes tivesse relações sexuais, o resultado sempre era o mesmo. Sempre acabava ferido. Se não se tratava de seu corpo, era no profundo de sua alma.


«Nenhuma mulher decente te quererá à luz do dia.»


Era verdade, e sabia.


Hermione percebeu sua tensão.


- Tenho te feito mal? - perguntou enquanto afastava a mão.


Ele negou com a cabeça e lhe colocou as mãos a ambos os lados do pescoço para beijá-la profundamente. Subitamente o beijo trocou, intensificando-se, como se estivesse tentando provar algo ante os dois.


Deslizou a mão pelo braço de Hermione, até capturar a sua e enlaçar os dedos. Depois, moveu as mãos unidas e a acariciou entre as pernas.


Hermione gemeu enquanto ele a tocava com as mãos entrelaçadas. Era o mais erótico que tinha jamais experimentado.


Tremia dos pés a cabeça enquanto ele aumentava o ritmo das carícias. Quando introduziu os dedos de ambos em seu interior, Hermione gritou de prazer.


- Isso é, - lhe murmurou ao ouvido - nos sinta aos dois unidos.


Sem fôlego, Hermione se segurou ao ombro de Harry com a mão livre e o corpo em chamas. Deus, era um amante incrível!


De repente, ele retirou as mãos e lhe levantou uma das pernas para passar-lhe pela cintura.


Hermione lhe deixou fazer, até que se deu conta de suas intenções. Estava preparando-se para penetrá-la.


- Não! - ofegou enquanto o empurrava - Harry, não pode.


Seus olhos flamejavam de necessidade e desejo.


- Só quero isto de ti, Hermione. Me deixe te possuir.


Ela esteve a ponto de ceder.


Mas então, algo estranho passou a seus olhos. Um véu escuro caiu sobre eles, e as pupilas lhe dilataram por completo.


Ficou imóvel. Respirava entre ofegos e fechou os olhos como se estivesse lutando com um inimigo invisível.


Lançando uma maldição, afastou-se dela.


- Corre! - gritou.


Hermione não o duvidou.


Saiu como pôde de debaixo dele, segurou a toalha e correu para a porta. Mas não pôde abandoná-lo.


Deteve-se na entrada e olhou para trás. Viu como Harry se agachava até ficar apoiado nas mãos e os joelhos, e se agitava como se o estivessem torturando.


Escutou-o golpear a banheira com o punho fechado enquanto grunhia de dor.


O coração de Hermione martelava frenético ao vê-lo lutar. Se soubesse o que podia fazer…


Finalmente, caiu exausto à banheira.


Aterrorizada, e sem poder deixar de tremer, Hermione entrou no banheiro de novo e deu três cautelosos passos para a banheira, preparada para sair correndo se ele tentava agarrá-la.


Estava estendido de lado, com os olhos fechados. Respirava com dificuldade e parecia débil e esgotado enquanto a água caía sobre ele, esmagando as mechas douradas sobre seu rosto.


Fechou a torneira.


Harry não se moveu.


- Harry?


Abriu os olhos.


- Assustei-te?


- Um pouco. - lhe respondeu com franqueza.


Ele respirou fundo, entrecortadamente, e se sentou devagar. Não a olhou. Tinha os olhos cravados em algo que estava a suas costas, por cima de seu ombro.


- Não vou ser capaz de lutar contra isso. - disse, depois de uma longa pausa. Então a olhou - Nos estamos enganando, Hermione. Me deixe te possuir enquanto estou calmo.


- Isso é o que quer de verdade?


Harry apertou os dentes ao escutar sua pergunta. Não, não era o que queria. Mas o que desejava estava além de seu alcance.


Queria coisas que os deuses não tinham disposto para ele. Coisas que nem sequer se atrevia a nomear, porque o simples feito de pronunciar fazia sua ausência ainda mais insuportável.


- Eu gostaria de poder morrer.


Hermione retrocedeu ante a sincera resposta. Como desejava poder consolá-lo. Afastar seu sofrimento.


- Sei. - lhe disse, com a voz rouca pelas lágrimas que não se atrevia a derramar. Passou-lhe os braços ao redor dos fortes e esbeltos ombros, e o abraçou com força.


Para sua surpresa, Harry apoiou a bochecha sobre a sua. Nenhum dos dois pronunciou uma palavra enquanto se abraçavam. Finalmente, ele se afastou.


- É melhor que nos detenhamos antes que… - não acabou a frase, mas não era necessário que o fizesse. Hermione já tinha sido testemunha das conseqüências, e não tinha nenhum desejo de repetir a experiência.


Deixou-o no banheiro e foi vestir-se. Harry saiu lentamente da banheira e se secou com uma toalha. Escutava a Hermione em seu quarto, estava abrindo a porta do armário. Em sua mente, imaginou nua e a visão o avivou.


Uma demolidora onda de desejo o assaltou, golpeando-o com tal força que esteve a ponto de cair de costas ao chão.


Segurou-se ao lavabo enquanto lutava consigo mesmo.


- Não posso seguir vivendo assim. – balbuciou - Não sou um animal.


Levantou os olhos e se contemplou no espelho. Era a viva imagem de seu pai. Olhou seu rosto com ódio.


Podia sentir as chicotadas nas costas, enquanto seu pai o golpeava até que quase não podia ficar em pé.


«Não te atreva a chorar, menino bonito. Nem um só soluço. Pode que seja o filho de uma deusa, mas este é o mundo no que vive, e aqui não mimamos aos meninos bonitos como você.»


No fundo de sua mente, via o olhar de desprezo de seu pai enquanto o golpeava com o punho até jogá-lo no chão, e depois o levantava pelo pescoço até quase asfixiá-lo. Ele chutava e tentava defender-se com os punhos, mas aos quatorze anos era muito jovem e inexperiente para evitar os golpes do general.


Com o rosto desfigurado por uma careta de desprezo, seu pai lhe tinha lhe cortado na bochecha com uma adaga, afundando-a até o osso. E tudo porque tinha pego a sua esposa olhando-o enquanto comiam.


«Vejamos se agora te deseja.»


A lacerante dor do corte foi insuportável, e a hemorragia não se deteve em todo o dia. À manhã seguinte, a ferida tinha desaparecido sem deixar rastro.


A ira de seu progenitor tinha sido incomensurável.


- Harry?


Sobressaltado, deu um pequeno salto ao escutar uma voz esquecida desde fazia dois mil anos.


Deu uma olhada à estadia, mas não viu nada.


Sem estar muito seguro de ter escutado a voz, falou em voz baixa.


- Athena?


A deusa se materializou diante dele, no vão da porta. Embora levava roupas modernas, tinha o cabelo negro recolhido sobre a cabeça, ao estilo grego, com mechas frisadas que lhe caíam sobre os ombros. Seus pálidos olhos azuis se encheram de ternura ao sorrir.


- Venho em representação de sua mãe.


- Ainda não é capaz de me enfrentar?


Athena afastou o olhar.


Harry sentiu o repentino impulso de rir a gargalhadas. Por que se incomodava em esperar que sua mãe queria vê-lo?


Deveria estar acostumado.


Athena brincava com um de seus cachos, envolvendo-lhe no dedo, enquanto o observava com uma estranha expressão de melancolia no rosto.


- Que conste que te teria ajudado de soubesse disto. Foi meu general favorito.


De repente, compreendeu o que tinha ocorrido tantos séculos atrás.


- Utilizou-me em sua guerra contra Priapus, verdade?


Viu a culpa refletida nos olhos da deusa antes que ela pudesse ocultá-la.


- O fato, feito está.


Com os lábios franzidos pela ira, olhou-a furioso.


- Ah, sim? Por que enviou a essa batalha quando sabia que Priapus me odiava?


- Porque sabia que podia ganhar e eu odiava aos romanos. Foi o único general que tinha que podia desfazer-se do Livius, e assim o fez. Jamais me senti mais orgulhosa de ti que aquele dia, quando lhe cortou a cabeça.


Cegado pela amargura, era incapaz de acreditar o que estava escutando.


- Agora me diz que estava orgulhosa?


Ela ignorou sua pergunta.


- Sua mãe e eu falamos com o Clotho para que te ajude.


Harry se paralisou ao escutá-la. Clotho era a Parca encarregada das vidas dos humanos. A tecelã do destino.


- E?


- Se consegue romper a maldição, poderemos te devolver a Macedônia, retornará ao mesmo dia em que foi amaldiçoado a permanecer no pergaminho.


- Posso retornar? - repetiu, aniquilado pela incredulidade.


- Mas não te permitirá voltar a lutar. Se o fizer, poderia mudar o curso da história. Se lhe enviarmos de volta, deverá jurar que viverá retirado em sua vila.


Sempre havia uma armadilha. Deveria havê-lo recordado antes de pensar que podiam ajudá-lo.


- Com que propósito, então?


- Viverá em sua época. No mundo que conhece. - dizendo isto, deu uma olhada ao banheiro - Ou pode permanecer aqui, se o preferir. A escolha é tua.


Harry soprou.


- Grande escolha.


- É melhor que não ter nenhuma.


Seria certo? Já não estava seguro de nada.


- E meus filhos? - perguntou. Queria, não, desejava voltar a ver sua família, às duas únicas pessoas que tinham significado algo para ele.


- Sabe que não podemos mudar isso.


Harry amaldiçoou a Athena. Os deuses sempre conseguiam atormentá-lo lhe tirando tudo o que lhe importava. Jamais lhe tinham concedido nada.


Athena esticou o braço e o acariciou ligeiramente na bochecha.


- Escolhe com cuidado. - sussurrou, e se desvaneceu.


- Harry? Com quem falas?


Piscou ao escutar a Hermione no corredor.


- Com ninguém. - respondeu - Falo sozinho.


- Ah! - exclamou ela, aceitando a mentira sem problemas. - Estava pensando em te levar de novo ao Bairro Francês esta tarde. Podemos visitar o Aquário. O que te parece?


- Claro. - respondeu ele, saindo do banho.


Hermione franziu o cenho, mas não disse nada enquanto se dirigia para as escadas.


Harry foi mudar-se à habitação. Enquanto punha as calças, fixou-se nas fotografias que Hermione tinha no closet. Parecia uma menina tão feliz… tão livre. Gostava especialmente uma em que sua mãe lhe passava os braços ao redor do pescoço e ambas riam a gargalhadas.


Nesse momento, soube o que devia fazer. Não importava o muito que desejasse outras coisas, jamais poderia ficar com ela. O havia dito ela mesma a noite que o invocaram.


Tinha sua própria vida. Uma em que ele não estava incluído.


Não, Hermione não necessitava a alguém como ele. A alguém que só atrairia a indesejada atenção dos deuses sobre sua cabeça.


Romperia a maldição e aceitaria a oferta de Athena.


Não pertencia a esta época. Seu mundo era a antiga a Macedônia. E a solidão.


 


 


CAPÍTULO 10


 


Algo ia mal. Hermione o notava no ambiente enquanto conduzia para o Bairro Francês. Harry ia sentado junto a ela, olhando pela janela.


Tinha tentado várias vezes fazê-lo falar, mas não havia modo de que separasse os lábios. Tudo o que lhe ocorria era que estava deprimido pelo acontecido no banheiro. Devia ser duro para um homem habituado a manter um férreo controle de si mesmo perder daquele modo.


Estacionou o carro no estacionamento público.


- Vá, que calor faz! - exclamou ao sair e sentir-se imediatamente assaltada pelo ar carregado e denso.


Deu uma olhada a Harry, que estava realmente deslumbrante com os óculos de sol escuros que lhe tinha comprado. Uma fina capa de suor lhe cobria a pele.


- Faz muito calor para ti? - perguntou-lhe, pensando em quão mau o estaria passando com os jeans e a pólo.


- Não vou morrer, se referir a isso. - respondeu mordazmente.


- Estamos um pouco irritados, não?


- Sinto. - se desculpou ao chegar a seu lado - Estou pagando meu mau humor contigo, quando não tem culpa de nada.


- Não importa. Estou acostumada a ser o bode expiatório. De fato, converti-o em minha profissão.


Já que não podia lhe ver os olhos, Hermione não sabia se suas palavras lhe tinham feito graça ou não.


- Isso é o que fazem seus pacientes?


Ela assentiu.


- Há dias que são horripilantes. Mas prefiro que me grite uma mulher a que o faça um homem.


- Têm-lhe feito mal alguma vez? - O afã de amparo de sua voz a deixou perplexa. E encantada. Tinha querido ter a alguém que a cuidasse.


- Não. - respondeu, tentando dissipar a evidente tensão de seu corpo. Esperava que nunca lhe fizessem mal, mas depois da chamada do Rodney, não estava muito segura, e era bastante possível que esse moço acabasse com sua boa sorte.


Está sendo ridícula. Só porque o homem punha os cabelos arrepiados não significa que seja perigoso.


A expressão do rosto de Harry era dura e muito séria.


- Acredito que deveria te buscar uma nova profissão.


- Talvez. - lhe disse evasivamente. Não tinha nenhuma intenção de deixar seu trabalho - Vejamos, aonde vamos primeiro?


Ele se deu de ombros despreocupadamente.


- Dá-me exatamente igual.


- Então, vamos ao Aquário. Pelo menos há ar condicionado. - e agarrando-o do braço, cruzou o estacionamento e se encaminhou pelo Moonwalk para o lugar.


Harry permaneceu em silêncio enquanto ela comprava entradas e o guiava para o interior. Não disse nada até que estiveram passeando pelos túneis subaquáticos, que lhes permitiam observar as distintas espécies marinhas em seu hábitat natural.


- É incrível. - balbuciou quando uma enorme raia passou sobre suas cabeças. Tinha uma expressão infantil, e a luz que faiscava em seus olhos a encheu de calidez.


Subitamente, soou sua busca. Soltou uma maldição e olhou o número. Uma chamada do escritório um sábado?


Que estranho.


Tirou o móvel da bolsa e chamou.


- Olá, Hermione! - disse-lhe Beth, logo que desprendeu - Escuta, estou em meu consultório. Ontem à noite entrou alguém no escritório.


- Não! Quem faria algo assim?


Hermione captou o olhar curioso nos olhos de Harry. Ofereceu-lhe um sorriso inseguro, e seguiu escutando ao Beth Livingston, a psiquiatra que compartilhava o consultório com Luanne e com ela.


- Nem idéia. Há uma equipe da polícia procurando rastros e tudo está certo. Por isso vi, não levaram nada importante. Tinha um pouco de valor em seu consultório?


- Só o computador.


- Está ainda ali. Algo mais? Dinheiro, qualquer outra coisa?


- Não, nunca deixo objetos de valor aí.


- Espera, o oficial quer falar contigo.


Hermione esperou até escutar uma voz masculina.


- Doutora Granger?


- Sim, sou eu.


- Sou o oficial Allred. Parece que se levaram seu organizador Rodolex e alguns arquivos. Sabe de alguém que pudesse estar interessado neles?


- Pois não. Necessita que vá para lá?


- Não, não. Estamos procurando rastros, mas se lhe ocorre algo, por favor, nos chame. - e passou o telefone a Beth.


- Quer que vá? - perguntou-lhe.


- Não. Não há nada que possa fazer. Em realidade, é bastante aborrecido.


- Certo, me avise à busca se necessitar algo.


- Farei.


Hermione desligou o telefone e o devolveu à bolsa.


- Passou algo? - perguntou Harry.


- Alguém entrou ontem à noite em meu escritório.


Ele franziu o cenho.


- Para que?


- Nem idéia. - a pausa de Hermione fez que o cenho de Harry se intensificasse, enquanto ela pensava nos possíveis motivos - Não posso imaginar para que alguém ia querer meu Rodolex. Desde que me comprei o Palm Pilot, nem sequer o usei. É muito estranho.


- Temos que ir?


Ela agitou a cabeça.


- Não.


Harry deixou que Hermione o guiasse ao redor dos diferentes aquários, enquanto lia as estranhas inscrições que explicavam detalhes sobre as distintas espécies e seus habitats.


Pelos deuses! Como gostava de escutar o som de sua voz ao ler. Havia algo muito relaxante na voz de Hermione. Passou-lhe um braço pelos ombros enquanto passeavam. Lhe rodeou a cintura e enganchou um dedo em uma das penças do cinto.


O gesto conseguiu debilitá-lo. Deu conta de que passava as horas desejando sentir o roçar de seu corpo. E a sensação seria muito mais prazenteira se ambos estivessem nus nesse mesmo momento.


Quando lhe sorriu, o coração lhe acelerou descontroladamente. O que tinha esta mulher que despertava algo nele que jamais havia sentido?


Mas no fundo sabia. Era a primeira mulher que o via. Não a sua aparência física, nem suas proezas de guerreiro. Ela via sua alma.


Jamais tinha pensado que podia existir uma pessoa assim.


Hermione o tratava como a um amigo. E seu interesse em ajudá-lo era genuíno. Ou ao menos parecia.


É parte de seu trabalho.


Ou era de verdade?


Podia uma mulher tão maravilhosa e compassiva como ela preocupar-se realmente por um tipo como ele?


Hermione se deteve diante de outra inscrição. Harry ficou atrás dela e lhe passou ambos os braços pelos ombros. Lhe acariciou distraidamente os antebraços enquanto lia.


Com o corpo em chamas pelo desejo que despertava nele, inclinou o queixo até apoiá-la sobre sua cabeça e escutar desse modo a explicação, enquanto observava como nadavam os peixes. O aroma de sua pele invadiu seus sentidos e desejou voltar para sua casa, onde poderia lhe tirar a roupa.


Não era capaz de recordar quando tinha sido a última vez que desejou tanto a uma mulher como lhe ocorria com Hermione. De fato, não acreditava possível que algo assim lhe tivesse ocorrido antes. Desejava perder-se em seu interior. Sentir suas unhas lhe arranhando as costas enquanto gritava ao chegar ao clímax.


Que as Parcas tivessem piedade dele. Hermione estava sob sua pele.


E estava apavorado. Ela ocupava um lugar em seu coração que acabaria destroçando-o se lhe faltava. Só ela podia acabar realmente com ele. Fazê-lo em pedaços.


Era quase meio-dia quando saíram do Aquário. Hermione se encolheu logo que voltaram para a rua, assaltada pela onda de calor. Em dias como este, perguntava-se como poderia as pessoas sobreviver antes que se inventasse o ar condicionado.


Olhou a Harry e sorriu. Por fim tinha encontrado a alguém a quem perguntar.


- Me diga uma coisa, o que faziam para sobreviver em dias tão calorosos como este?


Ele arqueou uma sobrancelha com um gesto arrogante.


- Hoje não faz calor. Se quer saber o que é o calor, tenta atravessar um deserto com todo seu exército, levando a armadura e com apenas o meio odre de água para te manter.


Ela fez um gesto compassivo.


- Abrasador, suponho.


Ele não respondeu.


Hermione deu uma olhada à praça, lotada de gente.


- Quer que vamos ver a Gina e demos uma volta pela praça? Deve estar em sua banca. No sábado está acostumada ser um de seus melhores dias.


- Vamos.


Agarrados pela mão, desceram a rua até chegar a Jackson Square. Como era de esperar, Gina estava em seu posto com um cliente. Hermione começou a afastar-se para não interromper, mas Gina a viu e lhe fez um gesto para que se aproximasse.


- Ouça Hermione, lembra-te do Rony? Bom, melhor do doutor Weasley, da faculdade.


Hermione duvidou em aproximar-se do reconhecer ao moço corpulento, entrando já nos quarenta.


Que se o recordava? Tinha-lhe dado uma nota muito baixo em sua disciplina, com o qual, baixou-lhe a média de todo o curso. Sem mencionar que o homem tinha um ego tão grande como o território do Alaska, e adorava fazer acontecer um mau momento a seus alunos. De fato, ainda recordava a uma pobre garota que pôs-se a chorar quando ele deu o sádico exame final que tinha preparado. O cara riu, literalmente a gargalhadas, quando viu a reação da garota.


- Olá! - saudou Hermione tentando não demonstrar sua antipatia. Supunha que o homem não podia evitar ser detestável. Como bom licenciado pela universidade do Harvard, devia pensar que o mundo girava a seu redor.


- Senhorita Granger. - a saudou com o mesmo tom depreciativo tão insuportável que ela recordava à perfeição.


- Em realidade deveria me chamar doutora Granger. - o corrigiu, encantada ao ver como abria os olhos pela surpresa.


- Desculpe-me. - lhe disse com um tom de voz que distava muito de parecer arrependido.


- Rony e eu estávamos conversando sobre a Antiga Grécia. - explicou Gina, dedicando um diabólico sorriso a Harry - Sou da opinião de que Afrodite era filha de Urano.


Rony pôs os olhos em branco.


- Não me cansarei de te dizer que, segundo a opinião mais entendida, era filha do Zeus e Dione. Quando vais aceitar o e a te unir a nós?


Gina o ignorou.


- Me diga, Harry, quem tem razão?


Rony percorreu a Harry de cima abaixo com um arrogante olhar. Hermione sabia que quão único via nele era a um homem excepcionalmente bonito, que parecia tirado de um anúncio de automóveis.


- Jovem, tem lido você alguma vez ao Homero? Sabe quem é?


Hermione suprimiu uma gargalhada ante a pergunta. Estava desejando escutar a resposta de Harry.


Ele riu com vontades.


- Tenho lido ao Homero em profundidade. As obras que lhe atribuem não são mais que um amálgama de lendas, fundidas com dados reais ao longo dos séculos, e cujos verdadeiras origens se perderam nas brumas do tempo. Muito ao contrário que a Teogonía do Hesíodo, a qual escreveu com a ajuda direta do Clio.


O doutor Weasley disse algo em grego clássico.


- É mais que uma simples opinião, doutor. - lhe respondeu Harry em inglês - É um fato provado.


Rony voltou a olhá-lo com atenção, mas Hermione sabia que ainda não estava muito disposto a acreditar que alguém com o aspecto de Harry pudesse lhe dar uma lição em seu próprio campo.


- E você como sabe?


Harry lhe respondeu em grego.


Pela primeira vez desde que conhecia aquele homem, fazia já mais de uma década, Hermione lhe viu totalmente surpreso.


- Meu deus! – ofegou - Fala grego como se fosse sua língua materna.


Harry olhou a Hermione com um sorriso sincero, estava-se divertindo.


- Já lhe disse isso. - lhe disse Gina - Conhece os deuses gregos melhor que qualquer outra pessoa.


O doutor Weasley viu então o anel de Harry.


- É isso o que acredito que é? – inquiriu - Um anel de general?


Harry assentiu.


- Sim.


- Importa-lhe se dou uma olhada?


Harry o tirou e o ofereceu. O doutor Weasley conteve o fôlego.


- Macedônio? Acredito que do século II AC.


- Exato.


- É uma reprodução incrível. - comentou Rony, enquanto o devolvia.


Harry o pôs de novo.


- Não é uma reprodução.


- Não pode ser! - ofegou Rony incrédulo - Não pode ser original, é excessivamente antigo.


- Tinha-o um colecionador particular. - apontou Gina. Rony não deixava de olhá-la para, ao momento, voltar a centrar sua atenção no Harry.


- Como o conseguiu? - perguntou-lhe.


Harry demorou para responder enquanto recordava o dia em que o deram. Kyrian da Tracia e ele tinham sido ascendidos de uma vez, depois de salvar, virtualmente os dois sozinhos, a cidade do Temópolis das garras dos romanos.


Tinha sido uma batalha longa, sangrenta e brutal. Seu exército se dispersou, deixando-os sós, Kyrian e a ele para defender a cidade. Harry tinha esperado que Kyrian o abandonasse também, mas o idiota lhe tinha sorrido, sustentando uma espada em cada mão, e lhe havia dito: «É um formoso dia para morrer. O que te parece se matarmos alguns bastardos romanos antes de pagar ao Caronte?»


Kyrian da Tracia, um lunático total e absoluto, sempre tinha tido mais guelra que cérebro.


Quando tudo teve acabado, beberam até acabar debaixo das mesas. E à manhã seguinte, despertaram com a notícia da ascensão.


Pelos deuses! De todas as pessoas que tinha conhecido na Macedônia, Kyrian era a quem mais sentia falta. Era o único que sempre lhe guardou as costas e o defendeu.


- Foi um presente. - respondeu Harry ao Rony.


Ele deu uma olhada à mão de Harry, com os olhos carregados de cobiça.


- Consideraria você a possibilidade de vendê-lo? Eu estaria disposto a pagar o que pedisse.


- Nunca. - respondeu Harry, recordando as feridas que tinha recebido durante a batalha do Temópolis - Não sabe pelo que passei consegui-lo.


Rony meneou a cabeça.


- Oxalá alguém me fizesse alguma vez um presente como esse. Tem a mais ligeira idéia do que lhe dariam por ele?


- A última vez que o comprovei, ofereceram-me meu peso em ouro.


Rony soltou uma gargalhada e deu uma palmada sobre a mesa da Gina.


- Muito bom. Esse era o preço para libertar um general capturado, verdade?


- Para aqueles covardes que não eram capazes de morrer lutando, sim.


Os olhos do Ben mostraram um novo respeito ao observar a Harry.


- Sabe a quem pertenceu?


Gina respondeu.


- A Harry Potter, da Macedônia. Ouviste falar dele em alguma ocasião, Rony?


Ele ficou com a boca aberta e os olhos como pratos.


- Está falando a sério? É que não sabe quem foi?


Gina pôs uma expressão estranha. Assumindo que não sabia, Rony continuou falando.


- Tesio disse dele que ia ser o novo Alexandre Magno. Harry era filho do Diocles da Esparta, também conhecido como Diocles o Açougueiro. Esse homem faria que o Marquês do Sade parecesse Ronald McDonald. Segundo os rumores, Harry nasceu de uma relação entre a Afrodite e o general, depois de que Diocles salvasse um dos templos da deusa de ser profanado. A opinião mais estendida hoje em dia é que sua mãe foi uma das sacerdotisas do templo.


- De verdade? - perguntou Hermione.


Harry pôs os olhos em branco.


- A ninguém interessa quem pôde ser o tal Harry. Esse moço morreu faz séculos.


Rony o ignorou e seguiu alardeando de seus conhecimentos.


- Os romanos o conheciam como Augusto Harrius Punitor… - olhou a Hermione e acrescentou para que ela o entendesse: - Harry, o Executor. Ele e Kyrian da Tracia deixaram um rastro sangrento ao longo de todo o Mediterrâneo, durante a quarta guerra de Macedônia contra Roma. Harry desprezava aos romanos, e jurou que veria a cidade arrasada sob seu exército. Ele e Kyrian estiveram a ponto de conseguir que Roma se ajoelhasse diante deles.


A mandíbula de Harry se relaxou um pouco.


- Sabe o que ocorreu a Kyrian da Tracia?


Rony deixou escapar um assobio.


- Não teve um final agradável. Foi capturado, os romanos o crucificaram no ano 47 a.C.


Harry retrocedeu ao escutá-lo. Com um olhar afligido e brincando com o anel, disse:


- Esse homem era, sem dúvida, um dos melhores guerreiros que jamais existiram. Amava a luta como nenhum outro que tenha conhecido. - moveu a cabeça - Recordo que uma vez Kyrian conduziu seu carro até atravessar uma barreira de escudos, rompendo os pescoços dos soldados romanos e permitindo que seus homens os derrotassem com tão somente um punhado de baixas. - franziu o cenho - Não posso acreditar que o capturassem.


Rony encolheu os ombros com um gesto indiferente.


- Bom, uma vez desaparecido Harry, Kyrian era o único geral macedônio digno de dirigir um exército, por isso os romanos foram atrás dele com tudo o que tinham.


- O que passou a Harry? - perguntou Hermione, intrigada pelo que os historiadores opinavam do tema.


Harry a olhou furioso.


- Ninguém sabe. - lhe respondeu Rony - É um dos grandes mistérios do mundo antigo. Aqui temos a um general que ninguém pode derrotar no campo de batalha e, de repente puf! Desaparece sem deixar rastro. - tamborilou com um dedo sobre a mesa da Gina - A última vez que lhe viu foi na batalha da Conjara. Em um brilhante movimento tático, enganou ao Livius, que perdeu sua, até então, inexpugnável posição. Foi uma das maiores derrota na história do Império Romano.


- E a quem importa? - queixou-se Harry.


Rony ignorou a interrupção.


- Depois da batalha, supõe-se que Harry mandou dizer ao Scipio, o Jovem que lhe perseguiria, em vingança pela derrota que acabava de lhe infligir ao exército macedônio. Aterrorizado, Scipio abandonou sua carreira militar na Macedônia e partiu como voluntário à Península Ibérica, para seguir lutando ali. - o professor agitou a cabeça - Mas antes que Harry pudesse levar a cabo a ameaça, desvaneceu-se. Encontraram a toda sua família assassinada em seu próprio lar. E aí é onde a coisa fica interessante. - olhou então a Gina. - Os escritos macedônios que chegaram até nossos dias, afirmam que Livius o feriu de morte durante a batalha, e que enlouquecido por uma incrível dor, retornou cavalgando para casa para assassinar a sua família e evitar, deste modo, que seu inimigo tomasse como escravos. Os textos romanos asseguram que Scipio enviou a vários de seus soldados, que atacaram a Harry na metade da noite. Supostamente, mataram-no junto ao resto de sua família, esquartejaram-no e ocultaram os pedaços de seu corpo.


Harry soprou ante a idéia.


- Scipio era um covarde e um fanfarrão. Jamais se teria atrevido a atacar-m…


- Bom! - exclamou Hermione, interrompendo a Harry antes que se delatasse - Faz um tempo esplêndido, verdade?


- Scipio não era nenhum covarde. - lhe respondeu Rony - Ninguém pode discutir seus êxitos na Península Ibérica.


Hermione viu como o ódio se refletia nos olhos de Harry.


Mas Rony não pareceu notá-lo.


- Jovem, o valor desse anel que leva é incalculável. Eu adoraria saber como pode conseguir algo assim. E a esse respeito, mataria por saber o que ocorreu a seu dono original.


Hermione olhou incômoda a Gina.


Harry fez uma careta sarcástica ao Rony.


- Harry Potter, da Macedônia desatou a ira dos deuses e foi castigado por sua arrogância.


- Suponho que essa poderia ser outra explicação. - nesse momento, soou o alarme de seu relógio - Caramba! Tenho que recolher a minha esposa.


Ficou em pé e ofereceu a mão a Harry.


- Não nos apresentaram adequadamente. Sou Ben Lewis.


- Harry. - lhe respondeu, aceitando a saudação.


O doutor Weasley riu. Até que se deu conta que Harry não brincava.


- Sério?


- Puseram-me o nome de seu general macedônio, poderia-se dizer.


- Seu pai deve ter sido como o meu. Dois amantes de toda Grécia.


- Em realidade, em meu caso sua lealdade ia para a Esparta.


Rony riu com mais gana. Jogou um olhar rápido a Gina.


- Por que não o traz para a próxima reunião do Sócrates? Eu adoraria que os meninos o conhecessem. Não é muito freqüente encontrar a alguém que conhece a história grega tão profundamente como eu.


Dito isto, voltou a dirigir-se a Harry.


- Foi um prazer. No vemos então. - disse a Gina.


- Bom. - começou a dizer Gina uma vez que Rony desapareceu entre a multidão - Meu amigo, obtiveste o impossível. Acaba de deixar impressionado a um dos investigadores da Antiga Grécia mais importantes deste país.


Harry não pareceu impressionar-se muito, mas Hermione sim o fez.


- Gina, acredite que é possível que Harry possa trabalhar como professor na faculdade, uma vez acabada a maldição? Estava pensando que pod…


- Não Hermione. - a interrompeu ele.


- Que não o que? Vai necessitar…


- Não vou ficar aqui.


O olhar frio e vazio que tinha naquele momento era a mesma com a que a tinha olhado a noite em que o convocaram. E partiu Hermione ao meio.


- O que quer dizer? - inquiriu ela.


Ele desviou o olhar.


- Athena me fez uma oferta para me devolver ao meu tempo. Uma vez que rompamos a maldição, enviará-me de novo a Macedônia.


Hermione se esforçou por seguir respirando.


- Entendo. - disse, embora estava morrendo por dentro. - Usará meu corpo e depois irá. - E seguiu com um nó na garganta - Ao menos não terei que pedir a Gina que me leve a casa depois.


Harry retrocedeu como se o tivesse esbofeteado.


- O que quer de mim, Hermione? Por que iria querer que ficasse aqui?


Ela não conhecia a resposta. Quão único sabia era que não queria que partisse. Queria que ficasse.


Mas não contra sua vontade.


- Te vou dizer algo. - lhe disse. Começava a zangar-se ante a idéia de que ele desaparecesse - Não quero que fique. De fato, me está ocorrendo uma coisa, que tal se vai para casa da Gina por uns dias? - e então olhou a sua amiga - Importaria-te?


Gina abria e fechava a boca como um peixe lutando por respirar. Harry esticou um braço para Hermione.


- Hermione…


- Não me toque. - lhe advertiu apartando seu próprio braço - Me dá asco.


- Hermione! - exclamou Gina - Não posso acreditar que você…


- Não importa. - disse Harry com voz fria e carente de emoção - Ao menos não me cuspiu à cara com seu último fôlego.


Tinha-o ferido. Hermione podia vê-lo em seus olhos, mas ela também se sentia muito ferida. Terrivelmente ferida.


- Até mais tarde. - disse a Gina e partiu, deixando ali Harry.


Gina deixou escapar o ar lentamente enquanto observava a Harry, que contemplava com Hermione se afastava deles. Seu corpo estava totalmente rígido e tinha um tic na mandíbula.


- Onde põe o olho, põe a bala. Um golpe direto ao coração. Uma ferida em carne viva.


Harry lhe cravou um olhar francamente hostil.


- Me diga, Oráculo. Quais deveriam ter sido minhas palavras?


Gina embaralhou suas cartas.


- Não sei. - lhe respondeu melancolicamente - Imagino que não teria sido tão mal se tivesse sido honesto.


Harry esfregou os olhos e se sentou na cadeira, em frente a Gina. Não tinha tido intenção de ferir Hermione.


E jamais poderia esquecer esse olhar, enquanto lhe cuspia as horríveis palavras: «Não me toque. Dá-me asco.»


Esforçou-se por seguir respirando, agüentando a agonia. As Parcas seguiam burlando-se dele.


Deviam ter um dia aborrecido no Olimpo.


- Quer que te leia as cartas? - perguntou-lhe Gina, devolvendo-o ao presente.


- Claro, por que não? - respondeu. Não ia dizer lhe nada que não soubesse.


- O que quer saber?


- Alguma vez…? - se deteve antes de formular a mesma pergunta que fizesse, séculos atrás, ao Oráculo do Delfos -… conseguirei romper a maldição? - perguntou em voz baixa.


Gina embaralhou as cartas, e tirou três dela. Abriu uns olhos como pratos.


Harry não necessitava que as interpretasse. Já o via por si mesmo: uma torre destroçada por um raio, um coração atravessado por três espadas, e duas pessoas encadeadas e arrastadas por um demônio.


- Não passa nada. - disse a Gina - Jamais pensei que pudesse sair bem.


- Isso não é o que nos dizem as cartas. – sussurrou - Mas tem toda uma batalha por diante.


Harry soltou uma amarga gargalhada.


- Manejo bem as batalhas. - era a dor que sentia no coração o que ia acabar com ele.


 


Hermione limpou as lágrimas do rosto enquanto entrava no caminho de acesso ao jardim. Apertou os dentes ao descer do carro, e fechou a porta com um forte golpe.


Ao inferno com o Harry. Podia ficar preso no livro para toda a eternidade. Ela não era um pedaço de carne a sua inteira disposição.


Como pod…?


Procurou no bolso as chaves da entrada.


- E como não ia fazê-lo? - murmurou. Tirou a chave e abriu a porta.


A ira a consumia. Estava sendo irracional e sabia. Harry não tinha a culpa de que Paul tivesse sido um porco egoísta. Como tampouco era culpado de que ela temesse ser utilizada.


Estava culpando a Harry por algo no que não tinha participado, mas ainda assim…


Só queria a alguém que a amasse. Alguém que quisesse ficar a seu lado.


E tinha esperado que ao ajudar, Harry ficasse perto e…


Fechou a porta e meneou a cabeça. Por muito que desejasse que as coisas fossem diferentes, nada ia mudar, já que não estava escrito que fossem de outro modo. Tinha escutado o que Rony contou a respeito da vida de Harry. A história que o mesmo Harry contou aos meninos sobre a batalha.


Recordava o modo em que tinha cruzado a rua como uma exalação para salvar ao menino.


Ele tinha nascido para liderar um exército. Não pertencia a esta época. Pertencia a seu mundo antigo.


Era muito egoísta de sua parte tentar mantê-lo a seu lado, como se fosse um mascote que acabasse de resgatar.


Subiu as escadas penosamente, com o coração destroçado. Teria que afastar-se dele. Era tudo o que podia fazer. Porque, no fundo, sabia que quanto mais soubesse a respeito de Harry, mais carinho lhe pegaria. E se ele não tinha intenção de ficar, acabaria muito ferida.


Tinha subido a metade da escada, quando alguém bateu na porta principal. Por um instante, lhe levantou o ânimo ao pensar que podia ser Harry, até que chegou à porta e viu a silhueta de um homem baixinho esperando no alpendre.


Entreabriu a porta e emitiu um ofego.


Era Rodney Carmichael.


Levava um traje marrom escuro, com uma camisa amarela e gravata vermelha. O cabelo curto e negro estava penteado para trás e lhe dedicava um radiante sorriso.


- Olá Hermione!


- Senhor Carmichael. - o saudou glacialmente, embora o coração lhe pulsava a toda pressa. Havia algo definitivamente horripilante neste tipo fino - O que está fazendo aqui?


- Passava por aqui e me detive para saudá-la. Me ocorreu que pod…


- Tem que partir.


Ele franziu o cenho.


- Por quê? Só quero falar contigo.


- Porque não atendo a meus pacientes em casa.


- Certo, mas eu não sou…


- Senhor Carmichael. - lhe disse com brutalidade - Tem que partir. Se não o fizer, chamarei à polícia.


Sem fazer muito caso à ira de Hermione, assentiu com a cabeça, demonstrando ter a paciência de um santo.


- Vá! Então deve estar ocupada. Posso passar por aqui mais tarde. Eu também tenho muito que fazer. Venho logo então? Podemos jantar juntos.


Totalmente muda de assombro, Hermione o olhou fixamente aos olhos.


- Não.


Ele sorriu ante a negativa.


- Vamos, Hermione. Não seja assim. Sabe que nascemos um para o outro. Se me deixar…


- Parta!


- Muito bem, mas voltarei. Temos muito do que falar. - deu a volta e desceu a escadas do alpendre.


Com o coração martelando no peito, ela fechou a porta e passou o trinco de segurança.


- Vou te matar, Luanne. - disse enquanto se dirigia à cozinha. Ao passar pela sala de estar, uma sombra na janela chamou sua atenção.


Era Rodney.


Aterrada, segurou o telefone e chamou à polícia.


Demoraram quase uma hora em chegar. Rodney permaneceu no jardim todo o tempo, de janela em janela, observando-a através das frestas das persianas. Até que não viu que o carro de polícia subia pelo caminho de entrada não desapareceu pelo pátio traseiro.


Hermione tomou uma profunda baforada de ar para acalmar seus nervos e abriu a porta para que entrassem os agentes.


Ficaram o tempo suficiente para lhe informar de que não podiam fazer nada para manter ao Rodney afastado dela. O melhor que podia fazer era conseguir uma ordem de afastamento, mas já que era ela que devia encarregar do tratamento do Rodney até que Luanne retornasse, era algo totalmente inútil.


- Sinto, - se desculpou o policial na porta, enquanto os acompanhava - mas não há nenhuma lei que nos permita lhe ajudar a livrar-se dele. Poderia solicitar uma ordem de detenção por invasão, mas a menos que tenha antecedentes não servirá de nada.


O agente, um homem jovem, olhou-a compassivo.


- Sei que não lhe vai servir de muito consolo, mas podemos tentar patrulhar a zona com mais freqüência. Embora o verão seja uma época especialmente ocupada para nós. A modo pessoal, aconselho-lhe que vá a casa de um amigo durante um tempo.


- De acordo, muito obrigado. - logo que partiram, correu por toda a casa, assegurando portas e janelas com os ferrolhos e fechos.


Intranqüila, lançava olhadas em torno de seu próprio lar, esperando ver o Rodney entrar através de um buraco na parede, como se tratasse de uma barata.


Se tão somente soubesse realmente se o moço era ou não perigoso… Seu relatório do hospital psiquiátrico mencionava um comportamento desviado e perseguidor a mulheres, às que acossava, mas jamais feria fisicamente. Limitava-se a aterrorizar a suas vítimas lhes impondo sua presença continuamente, pelo qual tinha sido enviado ao hospital para começar a tratar-se.


Como psicóloga, Hermione sabia que não havia nada especialmente perigoso no Rodney, mas como mulher estava assustada.


Quão último queria era acabar como uma estatística mais.


Não, não podia ficar ali esperando que o moço retornasse e a encontrasse sozinha.


Apressou-se a subir as escadas para fazer a bagagem.


 


 


CAPÍTULO 11


 


Gina observava como Harry se passeava nervoso, por diante de seu posto, enquanto fazia uma leitura para um turista. Deus santo! Poderia passar todo o dia observando-o caminhar. Esse modo de andar fazia saltar os olhos das órbitas, e lhe dava desejos terríveis de sair correndo para casa, pegar o Draco e lhe fazer algumas coisas pecaminosas.


Uma e outra vez, as mulheres se aproximavam dele, mas Harry não demorava para tirá-las do meio. Era certamente divertido ver todas essas garotas pavoneando-se a seu redor enquanto ele permanecia alheio a seus estratagemas. Nunca lhe tinha parecido possível que um homem atuasse assim.


Mas claro, até ela podia chegar a enjoar de chocolate se comia demais.


E pelo modo em que as mulheres respondiam à presença de Harry, deduziu que ele já tinha sofrido mais de uma dor de barriga causado por uma indigestão. A verdade é que parecia muito preocupado.


E Gina se sentia fatal pelo que tinha feito a ambos, a ele e a Hermione. Sua idéia parecia bastante singela em princípio. Se tivesse refletido um pouco mais…


Mas como ia adivinhar quem era Harry? Claro, que seu nome podia ter feito soar algum timbre em sua mente, de todos os modos, sua especialidade era a Idade de Bronze grega que, até para a época de Harry, era a Pré-história.


E tampouco tinha acreditado que o moço do livro fosse realmente humano. Pensara que era alguma classe de gênio ou criatura mágica, sem passado nem sentimentos.


Senhor! Quando colocava a pata o fazia até o fundo.


Meneando a cabeça, observou como Harry rechaçava outra oferta, esta vez procedente de uma atrativa ruiva. O homem era um verdadeiro ímã de estrogênios.


Acabou a leitura.


Harry esperou uns minutos e se aproximou da mesa.


- Me leve até Hermione.


Não era uma petição, não. Estava segura de que era o mesmo tom de voz que empregava para dirigir a seu exército em metade de uma batalha.


- Disse que…


- Não me importa o que disse. Preciso vê-la.


Gina envolveu o baralho no lenço negro de seda. Que demônios? Tampouco é que necessitasse que sua melhor amiga voltasse a lhe falar.


- Vai direto a seu funeral.


- Oxalá. - disse em voz tão baixa que ela não pôde estar segura de ter escutado corretamente.


Ajudou-a recolher seus pertences para colocá-los no carrinho, e levar tudo até o pequeno espaço que tinha alugada para guardá-lo.


Sem perda de tempo, chegaram a casa de Hermione.


Estacionaram no caminho do jardim quando Hermione estava guardando suas malas.


- Olá, Hermione! - saudou Gina - Aonde vai?


Ela olhou furiosa a Harry.


- Parto-me por uns dias.


- Onde? - perguntou-lhe sua amiga.


Hermione não respondeu.


Harry saiu do carro e se aproximou dela. Ia arrumar as coisas, custasse o que custasse.


Hermione jogou uma bolsa ao porta-malas e se afastou de Harry.


Ele a segurou por um braço.


- Não respondeste à pergunta.


Ela escapou de sua mão.


- E o que vais fazer, me bater se não o fizer? - disse-lhe, olhando-o com os olhos entrecerrados.


Harry se encolheu ante o evidente rancor.


- E porque vai partir? - Então se deu conta. A Hermione estava custando horrores conter as lágrimas. Tinha os olhos úmidos e brilhantes. A culpa o assaltou - O sinto, Hermione. - murmurou enquanto cobria sua bochecha com a mão - Não pretendia te fazer dano.


Hermione observou a batalha que mantinham o arrependimento e o desejo no rosto de Harry. Sua carícia era tão terna e tão suave… Por um instante, esteve a ponto de acreditar que, em realidade, ele se preocupava com ela.


- Eu também o sinto. – sussurrou - Já sei que não tem culpa.


Ele soltou uma brusca e amarga gargalhada.


- Em realidade, tudo o que acontece é minha culpa.


- Né! Posso confiar em vós? - perguntou Gina.


Harry olhou a Hermione com ardente intensidade, apanhando seu olhar e fazendo-a tremer.


- Quer que vá? - perguntou-lhe.


Não, não queria. Essa era a base de todo o problema. Não queria que voltasse a abandoná-la. Jamais.


Hermione segurou as mãos de Harry entre as suas e as separou de seu rosto.


- Tudo está solucionado, Gina.


- Nesse caso, vou pra casa. Vemo-nos.


Hermione apenas foi consciente de que sua amiga punha em marcha o carro e se afastava. Toda sua atenção estava posta no Harry.


- Agora me vais dizer aonde vai? - perguntou-lhe.


Pela primeira vez, desde que a polícia partiu, Hermione sentiu que podia respirar. Com a presença de Harry, o medo se desvaneceu como a névoa sob o sol.


Sentia-se segura.


- Recorda o que te contei sobre o Rodney Carmichael?


Ele assentiu.


- Esteve aqui faz um momento. Ele… ele me inquieta.


A expressão gélida e severa que adotou o rosto de Harry a deixou atônita.


- Onde está agora?


- Não sei. Esfumaçou-se ao chegar a polícia. Por isso partia. Ia ficar em um hotel.


- Ainda quer partir?


Hermione negou com a cabeça. Com ele ali, sentia-se completamente a salvo.


- Pegarei sua bolsa. - lhe disse. Tirou-a e fechou o porta-malas.


Hermione se encaminhou para a casa.


Passaram o resto do dia em uma aprazível solidão. Ao chegar a noite, tombaram-se diante do sofá, reclinados sobre as almofadas.


Hermione apoiou a cabeça no duro ventre de Harry enquanto acabava de lhe ler Peter Pan e fazia todo o possível para não distrair-se com o maravilhoso aroma que desprendia seu corpo. E com o maravilhosamente bem que estava, apoiada sobre seus abdominais.


Tinha que utilizar-se de toda sua força de vontade para não dar volta e explorar os firmes músculos de seu torso com a boca.


Harry lhe acariciava lentamente o cabelo enquanto a observava. Senhor, suas mãos faziam que lhe ardesse a pele. Faziam-lhe desejar arrancar a roupa e saborear cada centímetro de seu corpo.


- Fim. - disse ela, fechando o livro.


O abrasador olhar de Harry lhe tirou o fôlego.


Estirou-se e arqueou levemente as costas, apoiando-se com mais força sobre ele.


- Quer que te leia algo mais?


- Sim, por favor. Sua voz me relaxa.


Ela o olhou fixamente por um instante e, depois, sorriu. Não recordava que nenhum outro elogio tivesse significado tanto para ela como aquele.


- Tenho a maioria dos livros em meu quarto. - lhe disse enquanto ficava em pé - Vamos, mostrarei-te meu tesouro escondido e encontraremos algo que nós gostemos.


Seguiu-a escada acima.


Hermione notou que Harry observava a cama com desejo e depois olhava a ela.


Fingiu não dar-se conta e abriu a porta do enorme closet. Ligou a luz e passou uma mão com carinho pelas estantes que seu pai tinha colocado tantos anos atrás.


Seu pai e seu melhor amigo o tinham passado o dia enquanto colocavam as estantes. Os dois eram professores, e tinham o quarto feito um desastre. Seu pai acabou com duas unhas negras antes que tudo estivesse terminado. Sua mãe não tinha deixado de rir e de chamar a seu marido «carpinteiro profissional», mas a ele não parecia importar. A expressão de orgulho em seu rosto quando tudo esteve terminado, e os livros de Hermione colocados na estante, ficou impressa para sempre no coração de sua filha.


Como adorava esse lugar. Aqui era onde realmente sentia o amor de seus pais. Aqui se refugiava e fugia dos problemas e sofrimentos que a perseguiam.


Cada livro guardado ali era uma lembrança especial, e todos eles formavam parte de seu mundo. Olhou a sua esquerda e viu Shanna, com a que tinha começado sua afeição à novela romântica. The Wolfling, a tinha introduzido na ficção científica. E seu adorado Bimbos do Sol Morto, sua primeira novela de mistério.


Também estavam ali as velhas novelas de seus pais, e as três cópias dos livros de texto que seu pai tinha escrito antes que ela nascesse.


Este era seu santuário e Harry era, sem contar a seus pais, a primeira pessoa que punha um pé nele.


- Leva tempo colecionando livros. - comentou ele enquanto jogava uma olhada às estantes.


Ela assentiu.


- Foram meus melhores amigos enquanto crescia. Acredito que o amor pela leitura é o melhor presente que meus pais me deram. - levantou o livro do Peter Pan - Este era de meu pai, de quando era menino. É minha posse mais apreciada.


Devolveu-o a uma das estantes e segurou um exemplar de Beleza Negra.


- Minha mãe me lia este uma e outra vez.


Fez um pequeno percurso, lhe mostrando seus livros.


- Rebeldes. - sussurrou com adoração - Era meu livro favorito no instituto. Ah! Junto com este, Pode demandar a seus pais por abuso de autoridade?


Harry riu.


- Já vejo que significam muito para ti. Te ilumina o rosto quando falas deles.


Algo em seu olhar disse a Hermione que ele estava pensando em outro modo de fazer que se iluminasse…


Tragando saliva ante a idéia, deu a volta e rebuscou na estante da direita, onde guardava os clássicos, enquanto Harry seguia olhando os da esquerda.


- O que te parece este? - perguntou-lhe ele, com uma de suas novelas românticas na mão.


Hermione soltou uma risada nervosa ao ver o casal que se abraçava meio nua na capa.


- Senhor! Parece-me que não.


Ele olhou a capa e levantou uma sobrancelha.


- Certo. - disse Hermione lhe tirando o livro da mão - Tem descoberto meu mais profundo segredo. Sou uma viciada nas novelas românticas, mas o último que precisa é que te leia uma apaixonada cena de amor em voz alta. Muitíssimo obrigado, mas não.


Harry lhe olhou fixamente os lábios.


- Preferiria recriar uma apaixonada cena de amor contigo. - disse em voz baixa, aproximando-se dela.


Hermione começou a tremer. Tinha as costas pega a estante e não podia retroceder mais. Harry colocou um braço sobre sua cabeça e aproximou seu corpo ao dele, até deixá-los unidos. Então, baixou a cabeça e se aproximou de sua boca.


Hermione fechou os olhos. A presença de Harry alagava todos seus sentidos. Rodeava-a de uma forma extremamente perturbadora.


Por uma vez, ele manteve as mãos quietas e se limitou a tocá-la tão somente com os lábios. Dava igual. A cabeça de Hermione começou a girar de todos os modos.


Como tinha podido sua esposa escolher a outro homem tendo-o a ele? Como podia rechaçá-lo uma mulher em seu são julgamento? Este homem era o paraíso.


Harry aprofundou o beijo, explorando sua boca com a língua. Hermione sentia os batimentos do coração de seu coração enquanto ele se aproximava ainda mais e seus músculos a envolviam.


Jamais tinha sido tão consciente da presença de outro ser humano. Ele a punha ao limite, a fazia experimentar sensações que não sabia que pudessem existir.


Harry se retirou um pouco e apoiou a bochecha sobre a de Hermione. Seu fôlego caía sobre seu cabelo e lhe arrepiava a pele.


- Tenho uns desejos horríveis de estar dentro de ti, Hermione. – murmurou - Quero sentir suas pernas ao redor de meu corpo, sentir seus seios debaixo de mim, te escutar gemer enquanto te faço o amor lentamente. Quero que seu aroma fique impresso em meu corpo e que seu fôlego me queime a pele.


Todo seu corpo se esticou antes de separar-se dela.


- Mas já estou acostumado a desejar coisas que não posso ter. - sussurrou.


Lhe tocou o braço. Harry segurou sua mão, a levou aos lábios e depositou um rastro de pequenos beijos sobre os nódulos.


O desejo que se refletia em seu bonito rosto fazia que a Hermione doesse todo o corpo.


- Busca um livro e me comportarei.


Engoliu em seco enquanto ele se afastava. Então, fixou-se em seu velho exemplar de Ilíada. Sorriu. Lhe ia encantar, estava segura.


Segurou-o e baixou as escadas.


Harry estava sentado diante do sofá.


- Adivinha o que encontrei! - exclamou Hermione excitada.


- Não tenho a mais remota idéia.


Ela o sustentou em alto e sorriu.


- A Ilíada!


Harry se animou imediatamente e as covinhas relampejaram em seu rosto.


- Me cante, OH Deusa!


- Muito bem. - respondeu ela, sentando-se a seu lado - E isto vais gostar ainda mais: é uma versão bilíngüe, com o original grego e a tradução inglesa.


E o deixou para que o visse.


A expressão de Harry foi quão mesma se lhe tivessem entregue o tesouro de um rei. Abriu o livro e imediatamente, seus olhos voaram sobre as páginas enquanto passava a mão reverentemente pelas folhas, cobertas com a antiga escritura grega.


Era incapaz de acreditar que estivesse vendo de novo seu idioma escrito, depois de tanto tempo. Fazia uma eternidade que não o lia em outro lugar que não fosse seu braço.


Sempre lhe tinham encantado A Ilíada e A Odisséia. De menino, tinha passado horas escondido atrás dos barracões, lendo pergaminhos uma e outra vez, ou escapulindo-se para escutar aos bardos na praça da cidade.


Entendia muito bem o que sentia Hermione por seus livros. Ele tinha sentido o mesmo em sua juventude. A mais mínima oportunidade, escapava a seu mundo de fantasia, onde os heróis sempre triunfavam, os demônios e vilãos eram aniquilados, e os pais e as mães amavam a seus filhos.


Nas histórias não havia fome nem dor, a não ser liberdade e esperança. Foi através dessas histórias que aprendeu o que eram a compaixão e a ternura. A honra e a integridade.


Hermione se ajoelhou junto a ele.


- Sente falta de seu lar, verdade?


Harry afastou o olhar. Só sentia falta de seus filhos.


Ao contrário que ao Kyrian, a luta nunca lhe tinha atraído. O fedor da morte e o sangue, os gemidos dos moribundos. Só tinha lutado porque era o que se esperava dele. E tinha liderado um exército porque, como bem disse Platão, cada ser humano está capacitado por natureza para realizar uma atividade a qual se entrega. Por sua natureza, Harry sempre tinha sido um líder e não podia seguir as ordens de ninguém.


Não, não sentia falta, mas…


- Foi tudo que conheci.


Hermione lhe roçou o ombro, mas foi a preocupação que refletiam seus olhos cinza o que lhe desarmou.


- Queria que seu filho fosse um soldado?


Ele negou com a cabeça.


- Jamais quis que truncassem sua juventude como ocorreu a tantos de meus homens. - respondeu com a voz rouca - Bastante irônico, não é certo? Nem sequer lhe teria permitido que jogasse com a espada de madeira que Kyrian lhe deu de presente em seu aniversário, nem lhe tivesse deixado tocar a minha enquanto estivesse em casa.


Hermione enlaçou as mãos em seu pescoço e atirou dele para aproximá-lo. Suas carícias eram tão incrivelmente relaxantes… Faziam que a solidão doesse ainda mais.


- Como se chamava?


Harry engoliu em seco. Não tinha pronunciado os nomes de seus filhos desde dia de sua morte. Não se tinha atrevido, mas não obstante, queria compartilhá-los com Hermione.


- Atolycus. Minha filha se chamava Callista.


Hermione o olhou com um sorriso triste, como se compartilhasse sua dor pela perda.


- Tinham uns nomes preciosos.


- Eram uns meninos preciosos.


- Se pareciam em algo a ti, acredito.


Isso tinha sido o mais formoso que ninguém jamais lhe havia dito.


Harry lhe passou a mão pelo cabelo, deixando que as mechas se escorressem sobre sua palma. Fechou os olhos e desejou poder ficar assim para sempre.


O medo de ter que abandoná-la o estava destroçando. Nunca lhe tinha gostado da idéia de ser engolido por aquele desolado inferno que era o livro, mas agora, ao pensar que jamais voltaria a vê-la, que jamais voltaria a cheirar o doce aroma de sua pele, que suas mãos jamais voltariam a roçar o suave rubor de suas bochechas…


Não podia suportá-lo. Era muito.


Pelos deuses! E tinha acreditado até então que estava maldito…


Hermione se afastou um pouco, beijou-o brandamente nos lábios e segurou o livro.


Harry tragou. Ela queria resgatá-lo e, pela primeira vez durante todos aqueles séculos, queria ser resgatado.


Estendeu-se no chão para que Hermione pudesse apoiar a cabeça nele. Adorava senti-la assim. Sentir seu cabelo estendendo-se sobre os braços e o torso.


Estiveram estendidos no chão até as primeiras horas da madrugada, Harry a escutava enquanto lia a Odisséia e narrava as histórias do Aquiles.


Observava como o cansaço ia fazendo nela, mas continuava lendo. Finalmente, fechou os olhos e dormiu.


Harry sorriu e tirou o livro das mãos para deixá-lo a um lado. Acariciou-lhe a bochecha com a palma da mão durante um instante.


Não tinha sono. Não queria desperdiçar nem um segundo só do tempo que tinha para estar a seu lado. Queria contemplá-la, tocá-la. Absorvê-la. Porque entesouraria essas lembranças durante toda a eternidade.


Nunca tinha passado uma noite assim: deitado tranqüilamente no chão junto a uma mulher, sem que ela montasse seu corpo e lhe exigisse que a tocasse e a possuísse.


Em sua época, os homens e as mulheres não estavam acostumados passar muito tempo juntos. Durante as temporadas que passou em seu lar, Penélope lhe falava em raras ocasiões. De fato, não tinha demonstrado muito interesse nele.


Pelas noites, quando a buscava, não o rechaçava. Mas, não obstante, não estava ansiosa por suas carícias. Sempre tinha conseguido enrolá-la para que seu corpo lhe respondesse apaixonadamente, mas não assim seu coração.


Deslizou as mãos pelo cabelo negro de Hermione, extasiado pela sensação de ter entre os dedos. Seu olhar se deteve sobre seu anel. Brilhava tenuamente, captando a escassa luz da estadia.


Em sua mente, via-o coberto de sangue. Recordava como lhe cravava no dedo enquanto brandia a espada em meio de uma batalha. Esse anel o tinha significado tudo para ele, e não lhe tinha resultado fácil consegui-lo. O tinha ganho com o suor de sua frente e com numerosas feridas que sofreu seu corpo. Havia-lhe lado muito, mas tinha merecido a pena.


Durante um tempo foi respeitado, embora não o amassem. Em sua vida como mortal, isso tinha sido essencial.


Suspirando, jogou a cabeça para trás para apoiar-se na almofada do sofá que tinha posto sobre o chão e fechou os olhos.


Quando por fim se deslizou entre as neblinas do sonho, não foram os rostos do passado os que povoaram sua mente, foi a imagem de uns claros olhos cinza que riam com ele, de uma negra juba que se esparramava por seu peito e de uma voz suave que lia palavras que lhe pareciam familiares embora, de algum modo, estranhas.


 


Hermione se espreguiçou languidamente ao despertar. Abriu os olhos e se surpreendeu ao dar-se conta de que tinha a cabeça sobre o abdômen de Harry. Ele tinha a mão enterrada em seu cabelo e, pela respiração relaxada e profunda, soube que ainda estava dormindo.


Levantou o olhar para seu rosto. Tinha uma expressão tranqüila, quase infantil.


E então foi consciente de algo: não tinha tido o pesadelo. Tinha dormido toda a noite.


Sorrindo, tentou levantar-se muito devagar para não despertá-lo.


Não funcionou. Logo que levantou a cabeça, Harry abriu os olhos e a abrasou com um intenso olhar.


- Hermione. - disse em voz baixa.


- Não queria despertar.


Ela assinalou as escadas com o polegar.


- Ia acima me dar uma ducha. Deveria fechar a porta?


Percorreu-a com olhos ardentes.


- Não, acredito que posso me comportar.


Ela sorriu.


- Parece-me que já ouvi isso antes.


Harry não respondeu.


Hermione subiu e se deu uma ducha rápida.


Uma vez que acabou, foi a seu quarto e se encontrou a Harry deitado na cama, folheando seu exemplar de Ilíada.


Olhou-a com expressão absorta ao dar-se conta de só levava posta uma toalha. Um lascivo sorriso fez que suas covinhas aparecessem em todo seu esplendor, e a temperatura do corpo de Hermione ascendeu vários graus.


- Ponho-me a roupa e…


- Não. - lhe disse com tom autoritário.


- Que não o que? - perguntou incrédula.


A expressão de Harry se suavizou.


- Preferiria que te vestisse aqui.


- Harry…


- Por favor.


Hermione ficou muito nervosa ante a petição. Jamais tinha feito algo assim em sua vida. E se sentia envergonhada.


- Por favor, por favor… - voltou a lhe rogar com um leve sorriso.


Que mulher lhe diria que não a uma expressão como essa?


Olhou-o com receio.


- Não te atreva a rir. - lhe disse enquanto abria vacilante a toalha.


Harry olhou seus seios com olhos famintos.


- Pode estar completamente segura de que a risada é o último que me passa pela mente nestes momentos.


E então, levantou-se da cama e se aproximou da cômoda, onde Hermione guardava a roupa interior, com os movimentos graciosos de um predador. Um estranho calafrio percorreu as costas de Hermione enquanto observava como a mão de Harry rebuscava entre suas calcinhas até encontrar as de seda negra que Gina lhe tinha agradável de brincadeira.


Harry as tirou e se ajoelhou no chão diante dela, com toda a intenção de ajudá-la a colocar.  Sem fôlego e totalmente entregue à sedução, Hermione olhou seus cachos loiros enquanto levantava uma perna para deixar que lhe passasse a calcinha pelo pé.


Depois de suas mãos, que deslizavam a seda subindo por sua perna, seus lábios deixavam um caminho de beijos que a fizeram estremecer-se. Para maior devastação de todos seus sentidos, abriu as mãos e as colocou sobre suas coxas com os dedos totalmente estendidos. E o que foi ainda pior, uma vez que a calcinha esteve colocada em seu lugar, acariciou-a levemente entre as pernas antes de afastar-se.


Continuando, tirou o sutiã negro.


Como um pulso sem vontade própria, deixou que o pusesse. As mãos de Harry roçaram os mamilos, enquanto grampeava o gancho dianteiro, uma vez fechado, deslizou-as sob o cetim e a acariciou com deleite, lhe arrepiando a pele.


Harry inclinou a cabeça e capturou seus lábios. Podia sentir o fogo consumindo-o, lhe exigindo que a possuísse. Lhe exigindo que aliviasse a dor de sua virilha embora fosse por um instante.


Hermione gemeu quando ele aprofundou o beijo e se deixou levar por completo. Harry a levantou em braços para estendê-la sobre a cama. De forma instintiva, lhe rodeou a cintura com as pernas e gemeu ao sentir os duros abdominais pressionando sobre seu sexo.


Harry lhe passou as mãos pelas costas. A visão de seu corpo úmido e nu estava gravada a fogo em sua mente. Tinha chegado a um ponto sem retorno quando um brilho de luz cegadora iluminou o quarto.


Com os olhos doloridos pelo resplendor, Harry se separou dela.


- Foste você? - perguntou-lhe ela sem fôlego, olhando-o entusiasmada.


Risonho, Harry negou com a cabeça.


- Oxalá me pudesse atribuir isso, mas estou bastante seguro de que tem outra origem.


Deu uma olhada à habitação e seus olhos se detiveram sobre a cama. Piscou.


Não podia ser…


- O que é isso? - perguntou Hermione, girando-se para olhar a cama.


- É meu escudo. - respondeu Harry, incapaz de acreditá-lo.


Fazia séculos que não via seu escudo. Atônito, contemplou-o fixamente. Estava no centro da cama e emitia débeis brilhos sob a luz.


Conhecia cada entalhe e arranhão que havia nele, recordava cada um dos golpes que os tinham produzido.


Temeroso de estar sonhando, esticou o braço para tocar o relevo em bronze de Athena e sua coruja.


- E sua espada também?


Harry lhe segurou a mão antes que pudesse tocá-la.


- Essa é a Espada do Cronos. Não a toques jamais. Se alguém que não levar seu sangue a toca, sua pele ficará marcada para sempre com uma terrível queimadura.


- Sério? - perguntou, baixando-se da cama para afastar-se da espada.


- Sério.


Hermione olhou à cama com o cenho franzido.


- O que fazem aqui?


- Não sei.


- E quem os envia?


- Não sei.


- Pois não me está ajudando muito.


Harry não pareceu captar seu sarcasmo. Em lugar de dar-se por irritado, Hermione o observou contemplar seu escudo. Passava a mão sobre ele como um pai que olhe com adoração a um filho há tempo perdido.


Segurou sua espada e a depositou no chão, debaixo da cama.


- Não esqueça que está aqui. - lhe disse muito sério - Tenha muito cuidado de não tocá-la.


Sua expressão se voltou mais carrancuda ao incorporar-se. Olhou de novo o escudo.


- Deve ser obra de minha mãe. Só ela ou um de seus filhos me poderiam enviar isso. - Claro.


- E por que ia fazer?


Harry entrecerrou os olhos enquanto recordava o resto da lenda que rodeava a sua espada.


- Estou seguro de que enviou minha espada se por acaso tenho que me enfrentar com o Priapus. A Espada do Cronos também é conhecida como a Espada da Justiça. Não acabará com sua vida, mas fará que ocupe meu lugar no livro.


- Está falando a sério?


Harry assentiu.


- Posso tocar o escudo?


- Claro.


Hermione passou a mão sobre as incrustações douradas e negras que formavam a imagem de Athena e a coruja.


- É muito bonito. - disse maravilhada.


- Kyrian o mandou fazer quando me nomearam General Supremo.


Hermione acariciou a inscrição gravada sob a figura de Athena.


- O que diz aqui?


- «A morte antes que a desonra». - disse com um nó na garganta.


Harry sorriu com melancolia ao recordar ao Kyrian junto a ele durante as batalhas.


- O escudo do Kyrian dizia: «Os despojos para o vencedor». Estava acostumado a me olhar antes da luta, e dizer: «Você leva a honra, adelfos, e eu fico com os despojos».


Hermione permaneceu em silencio ao escutar o estranho tom de sua voz. Tentando imaginar sua aparência com o escudo em alto, aproximou-se um pouco mais.


- Kyrian? O homem que foi crucificado?


- Sim.


- Apreciava-o muito, verdade?


Ele sorriu com tristeza.


- Levou-lhe um tempo acostumar-se a mim. Eu tinha vinte e três anos quando seu tio o atribuiu a minha tropa, depois de me advertir concisamente do que me aconteceria se deixava que Sua Alteza fosse ferido.


- Era um príncipe?


Harry assentiu.


- E não tinha medo de nada. Apenas se chegava aos vinte anos e lutava ou se metia em brigas sem estar preparado, sem acreditar que pudessem lhe fazer dano. Dava-me a sensação de que cada vez que me dava a volta, tinha que tirá-lo a força de algum estranho contratempo. Mas resultava muito difícil não apreciá-lo. Apesar de seu caráter exaltado, tinha um grande senso de humor e era completamente leal. - Passou a mão pelo escudo - Oxalá tivesse estado ali para poder salvá-lo dos romanos.


Hermione lhe acariciou o braço em um gesto pormenorizado.


- Estou segura de que os dois juntos teriam sido capazes de sair de qualquer atoleiro.


Os olhos de Harry se iluminaram ao escutá-la.


- Quando nossos exércitos partiam juntos, éramos invencíveis. - Esticou a mandíbula ao olhá-la - Era questão de tempo que Roma fosse nossa.


- Por que depreciavam tanto ao Império Romano?


- Jurei que destruiria Roma no mesmo dia que conquistaram Primária. Kyrian e eu fomos enviados para ajudá-los na luta, mas quando chegamos era muito tarde. Os romanos tinham rodeado a cidade e tinham assassinado grosseiramente a todas as mulheres e aos meninos. Jamais tinha visto uma carnificina semelhante. - Seu olhar se obscureceu - Estávamos tentando enterrar aos mortos quando os romanos fizeram uma emboscada.


Hermione ficou gelada ao escutá-lo.


- O que ocorreu?


- Derrotei ao Livius e estava a ponto de matá-lo no momento em que interveio Priapus. Lançou um raio a meu cavalo e caí no meio das tropas romanas. Estava seguro de ia morrer quando Kyrian apareceu do nada. Fez retroceder Livius até que pude me pôr em pé de novo. Livius chamou a seus homens em retirada e desapareceu antes que pudéssemos acabar com ele.


Hermione foi consciente da proximidade de Harry. Estava atrás dela, tão perto que podia sentir o calor que emanava dele. Colocou os braços em ambos lados de seu corpo, apanhando-a entre ele e a cama, e se apoiou sobre suas costas.


Ela apertou os dentes ante a ferocidade do desejo que a invadiu. Harry não a estava tocando, mas seus sentidos estavam tão afetados como se suas mãos a acariciassem. Ele inclinou a cabeça e lhe mordiscou o pescoço.


A sensação de sua língua sobre a pele conseguiu que todos seus hormônios cobrassem vida. Arqueou as costas enquanto um estremecimento lhe percorria os seios. Se não o detinha…


- Harry. - balbuciou, sua voz não conseguiu transmitir a advertência que pretendia.


- Sei. - sussurrou ele - Vou me dar uma ducha fria.


Enquanto saía do quarto, Hermione o escutou grunhir uma palavra em voz baixa:


- Sozinho.


 


Depois de tomar o café da manhã, Hermione decidiu lhe ensinar a conduzir.


- Isto é ridículo. - protestou Harry enquanto Hermione estacionava no estacionamento do instituto.


- Venha já! - burlou-se ela - Não sente curiosidade?


- Não.


- Que não?


Harry suspirou.


- Esta bem, um pouco.


- Bom, então imagina as histórias sobre a grande besta de aço que conduziu ao redor de um estacionamento que poderá lhes contar a seus homens quando retornar a Macedônia.


Harry a olhou perplexo.


- Isso significa que está de acordo com que me parta?


Não, quis lhe gritar. Mas em lugar disso, suspirou. No fundo, sabia que jamais poderia lhe pedir que abandonasse tudo o que tinha sido para ficar com ela.


Harry Potter da Macedônia era um herói. Uma lenda.


Jamais poderia ser um homem de caráter tranqüilo do século vinte e um.


- Sei que não posso fazer que fique comigo. Não é um cachorrinho abandonado que me seguiu a casa.


Harry se esticou ao escutá-la. Tinha razão. Por isso lhe resultava tão difícil abandoná-la. Como podia separar-se da única pessoa que o via como a um homem?


Não sabia por que queria ensiná-lo a conduzir, mas de todas formas, notava que se sentia feliz compartilhando seu mundo com ele. E, por alguma razão que não queria analisar muito a fundo, gostava de fazê-la feliz.


- Muito bem. Ensina-me a dominar a esta besta.


Hermione saiu do carro para que Harry pudesse sentar-se no assento do condutor.


Logo que Harry se sentou, ela fez uma careta ao ver um homem de quase um metro noventa, encolhido para poder acomodar-se em um assento disposto para uma mulher de um e cinqüenta e cinco.


- Sinto muito, me esqueci de mover o assento.


- Não posso me mover nem respirar, mas não se preocupe, estou bem.


Ela riu.


- Há uma alavanca sob o assento. Puxe-a e poderá movê-lo para trás.


Harry o tentou, mas o espaço era tão estreito, que não a alcançava.


- Espera, eu o farei.


Jogou a cabeça para trás quando Hermione se inclinou por cima de sua coxa e apertou os seios sobre sua perna para lhe passar o braço entre os joelhos. Seu corpo reagiu imediatamente, endurecendo-se e começando a arder.


Quando ela apoiou a bochecha sobre sua virilha ao puxar a alavanca, Harry pensou que estava a ponto de morrer.


- Deste-te conta de que está na posição perfeita para…?


- Harry! - exclamou ela, retrocedendo para ver o avultamento de seu jeans. Seu rosto adquiriu um brilhante tom vermelho - O sinto.


- Eu também. - respondeu ele em voz baixa.


Infelizmente, ainda tinha que mover o assento, assim Harry se viu forçado a suportar a postura uma vez mais.


Apertando os dentes, levantou um braço e se segurou ao encosto com força. Era o único que podia fazer para não ceder a selvagem luxúria.


- Está bem? - perguntou-lhe ela, uma vez que colocou o assento em seu lugar e voltou para dele.


- Claro! - respondeu ele com tom sarcástico - Tendo em conta que caminhei sobre brasas que resultaram menos dolorosas que o que está suportando neste momento minha virilha, estou fenomenal.


- Já te pedi perdão.


Ele a olhou fixamente.


Hermione lhe deu uns tapinhas no braço.


- Venha, chega bem aos pedais?


- Eu adoraria chegar até os teus…


- Harry! - exclamou de novo Hermione. Era um homem verdadeiramente libidinoso - Quer te concentrar?


- De acordo, já me estou concentrando.


- Em meus seios, não.


Harry baixou o olhar para o colo de Hermione.


- Nem aí tampouco.


Para sua surpresa, fez um beicinho semelhante ao de um menino zangado. A expressão era tão estranha nele que Hermione não teve mais remedeio que rir de novo.


- OK. -lhe disse ela - O pedal que está a sua esquerda, é a embreagem, o do meio é o freio e o da direita, o acelerador. Lembra-te do que te explicado sobre eles?


- Sim.


- Bem. Agora, o primeiro que tem que fazer é apertar a embreagem e colocar a marcha. - E dizendo isto, colocou a mão sobre a alavanca de mudanças, situada entre os dois assentos, e lhe ensinou como devia movê-la.


- Sério, Hermione. Não deveria acariciar isso dessa forma diante de mim. É uma crueldade por sua parte.


- Harry! Importaria-te emprestar atenção? Estou tentando te ensinar a mudar de marcha.


Ele soprou.


- Queria que me trocasse as marchas do mesmo modo.


Com um brilho malicioso nos olhos, soltou a embreagem antes da conta e o carro pulou.


- Supõe-se que isto não deveria acontecer, verdade? - perguntou.


- Não, a menos que queira ter um acidente.


Ele suspirou e o tentou de novo.


Uma hora mais tarde, depois que tivesse saído para dar uma volta ao redor do estacionamento sem golpear os postes e sem que o carro ficasse danificado, Hermione se deu por vencida.


- Menos mal que foi melhor general que condutor.


- Ha, há. - exclamou ele sarcasticamente, mas com um brilho no olhar que indicou a Hermione que não estava ofendido - Quão único alegarei em minha defesa é que o primeiro veículo que conduzi foi um carro de guerra.


Hermione lhe sorriu.


- Bom, nestas ruas não estamos em guerra.


Com um olhar cético, lhe respondeu:


- Eu não diria isso depois de ter visto as notícias da noite. - Desligou o motor - Acredito que deixarei que conduza um momento.


- Muito inteligente por sua parte. Não posso me permitir comprar um carro novo de nenhuma forma.


Saiu do carro para mudar de assento, mas ao cruzar-se à altura do porta-malas, Harry a sustentou para lhe dar um beijo tão tórrido que ela acabou enjoada. Lhe segurou as mãos e as sustentou sobre seus estreitos quadris enquanto mordiscava seus lábios.


Santo Deus! Uma mulher podia acostumar-se a isso com muita facilidade. Muita, muita facilidade.


Harry se separou.


- Quer me levar a casa para que te mordisque outras coisas?


Sim, isso era o que queria. E por isso não se atrevia. De fato, o beijo a tinha deixado tão transtornada que não podia nem pensar.


Harry sorriu ante o olhar extraviado e faminto de Hermione. Estava observando seus lábios como se ainda pudesse saboreá-los. Nesse momento, desejou-a mais que nunca. Desejou poder lhe arrancar o elástico do cabelo e deixar que sua juba se esparramasse sobre seu peito, uma vez estivesse estendida sobre ele.


Como desejava estar de volta em sua casa onde pudesse lhe tirar a bermuda e escutar seus doces murmúrios de prazer enquanto o…


- O carro, - disse ela, piscando como se despertasse de um sonho - íamos entrar no carro.


Harry lhe deu um pequeno beijo na bochecha.


Uma vez dentro do carro e com os cintos de segurança fechados, Hermione o olhou de soslaio.


- Sabe uma coisa? Acredito que há duas coisas em Nova Orleans que deveria experimentar.


- Em primeiro lugar, tenho que te possuir em um…


- É que não vai parar?


Harry limpou a garganta.


- Está bem. Qual é sua lista?


- Bourbon Street e a música moderna. E de uma delas nos podemos encarregar agora mesmo. - E ligou o rádio.


Riu ao reconhecer Hot Blooded do Foreigner. O que apropriado, dado seu passageiro.


Harry o escutou, mas não pareceu muito impressionado.


Hermione trocou a emissora.


Ele franziu o cenho.


- O que tem feito?


- Troquei de emissora. Quão único terá que fazer é apertar os botões.


Ele brincou e trocou de emissora um momento, até que encontrou Love Hurts do Nazareth.


- Sua música é interessante.


- Faz ter saudades da tua casa?


- Dado que a maioria da música que escutava procedia das trompetistas e os tambores que nos acompanhavam à batalha, não. Acredito que sou capaz de apreciar isto.


- O que? - perguntou ela brincalhona - A música ou o fato de que o amor faz mal?


O rosto de Harry adquiriu uma expressão séria, deixando de lado o humor.


- Considerando que não conheci nunca o que é o amor, não saberia te dizer se fizer mal ou não. Mas imagino que ser amado não deve fazer tanto dano como não sê-lo.


O peito de Hermione se encolheu ante suas palavras.


- Então, - disse ela trocando de tema - o que quer fazer quando retornar a sua casa?


- Não sei.


- Provavelmente irá lhe dar uma boa patada no traseiro ao Scipio, verdade?


Ele riu ante a idéia.


- Isso eu gostaria.


- Por quê? O que te fez?


- Cruzou-se em meu caminho.


Vale, não era isso o que ela esperava escutar.


- E você não gosta que ninguém se cruze em seu caminho, certo?


- Gosta a ti?


Ela pesou a pergunta antes de responder.


- Suponho que não.


Para quando chegaram ao Bourbon Street, a rua tinha sido invadida pela multidão típica de um domingo pela tarde. Hermione enxugou o rosto, lutando contra o intenso calor.


Olhou a Harry, que apenas suava, as gotinhas de suor lhe conferiam um novo atrativo. O cabelo úmido lhe frisava ao redor do rosto e com esses óculos obscuros… Ooooh, Senhor!


É obvio que seu atrativo ficava ainda mais enfatizado graças à camiseta branca, de mangas curtas, que aderia aos ombros e ao tablete de chocolate que tinha por abdominais. Enquanto deixava que seu olhar vagasse até o botão de seu jeans, desejou lhe haver comprado uns mais largos.


Mas dado seu sedutor modo de andar, que dizia muito a respeito de sua confiança em si mesmo, Hermione duvidava muito de que uns jeans mais largos pudessem ocultar tão tremenda sensualidade.


Harry deteve o passar junto a um clube de strip-tease. A seu favor Hermione teve que admitir que nem sequer ofegou ao olhar às mulheres tão escandalosamente vestidas, que rebolavam depois do vidro, mas sua surpresa foi bastante evidente.


Lhe olhando como se queria devorá-lo, uma exótica bailarina mordeu o lábio inferior e passou a língua por ele de forma sugestiva, enquanto tocava os seios. Fez-lhe um gesto com um dedo para que entrasse em local.


Harry se deu a volta.


- Alguma vez tinha visto algo assim, verdade? - perguntou Hermione, tentando dissimular o mal-estar que sentia ante os gestos da mulher, e o alívio que a invadiu ao ver a reação de Harry.


- Roma. - respondeu simplesmente.


Ela riu.


- Não eram tão decadentes, ou sim?


- Surpreenderia-te saber quanto. Pelo menos aqui ninguém faz uma orgia em… - e sua voz se perdeu ao passar junto a um casal que estava montando em uma esquina - Deixa-o.


Hermione riu a gargalhadas.


- Ooooh Senhor! - exclamou uma prostituta, ao passar junto a outro clube, fazendo um gesto a Harry - Entra e lhe faço isso grátis.


Ele meneou a cabeça sem deter-se. Hermione o segurou da mão e o deteve.


- Comportavam-se assim as mulheres antes da maldição?


Ele assentiu.


- Por isso o único amigo que tive foi Kyrian. Os homens que conhecia não podiam agüentar a atenção que me davam, as mulheres me perseguiam ali onde estivéssemos, tentando me arrancar a armadura.


Hermione se deteve pensar por um momento.


- E você não está seguro de que todas essas mulheres lhe amassem, verdade?


Olhou-a com uma faísca de diversão.


- O amor e a luxúria não são o mesmo. Como pode amar a alguém a quem não conhece?


- Suponho que tem razão.


Seguiram caminhando pela rua.


- Me conte coisas sobre seu amigo. Por que não lhe importava que as mulheres ficassem com a boca aberta ao ver-te?


Harry sorriu, mostrando suas covinhas.


- Kyrian estava profundamente apaixonado por sua esposa, e não lhe importava nenhuma outra mulher. Jamais me viu como um competidor.


- Conheceu sua esposa?


Harry negou com a cabeça.


- Embora nunca falamos, acredito que os dois intuíamos que seria uma má idéia.


Hermione percebeu a mudança em seu rosto. Estava recordando ao Kyrian, seguro.


- Culpa-te pelo que lhe passou, verdade?


Ele apertou os dentes enquanto imaginava o que devia haver sentido seu amigo ao ser capturado pelos romanos. Considerando a vontade que tinham tido de apanhá-los, não havia dúvida do que o tinham feito sofrer antes de matá-lo.


- Sim. - respondeu em voz baixa - Sei que tenho culpa. Se não tivesse despertado a ira do Priapus, teria estado ali para ajudar Kyrian a lutar contra eles.


E sabia com absoluta certeza que a desgraça do Kyrian provinha do fato de ter sido tão estúpido para ser seu amigo.


Lançou um suspiro.


- Uma vida brilhante que não deveria ter acabado assim. Se tão somente tivesse aprendido a controlar sua ousadia, teria chegado a ser um magnífico governador. - disse, agarrando a mão de Hermione e lhe dando um ligeiro apertão.


Caminharam em silêncio, enquanto Hermione tentava pensar no modo de animá-lo.


Ao passar pela Casa do Vudu de Marie Laveau, ela se deteve e o arrastou ao interior.


Explicou-lhe as origens do vudu enquanto percorriam o museu de miniaturas.


- Uuuh! - disse agarrando um boneco de vodu de uma estante - Quer vesti-lo como Priapus e lhe cravar alguns alfinetes?


Harry riu.


- Por que não imaginar que é Rodney Carmichael?


Hermione suprimiu um sorriso.


- Isso seria muito pouco profissional por minha parte, não é certo?... Mas me resulta muito tentador.


Deixou o boneco em seu lugar e se fixou no mostrador de vidro, onde estavam colocados os amuletos e a bijuteria. No centro, havia um colar de contas negras, azuis e verdes, trançadas de um modo tão intrincado que davam a sensação de ser um fino fio negro.


- Traz boa sorte a quem o leva. - lhe disse a vendedora ao perceber o interesse de Hermione - Gostaria de ver de perto?


Hermione assentiu.


- Funciona?


- Sim! Está traçado seguindo um poderoso desenho.


Hermione não estava muito segura de que devesse acreditar-lhe, mas então recordou que, fazia apenas uma semana, jamais teria acreditado que duas mulheres bêbadas pudessem devolver à vida a um general Macedônio.


Pagou à mulher e se aproximou de Harry.


- Te agache. - lhe disse.


Ele a olhou com ceticismo.


- Vamos! - apressou-lhe ela - Me dê o gosto, anda.


A vendedora riu ao ver Hermione colocar o amuleto a Harry no pescoço.


- Esse menino não necessita nenhum tipo de sorte para aumentar seu encanto. O que precisa é um feitiço que disperse a atenção de todas essas mulheres que lhe estão olhando o traseiro agora que está agachado.


Hermione olhou por cima do ombro de Harry e observou a três mulheres que babavam ao lhe olhar o traseiro. Pela primeira vez, sentiu um horrível golpe de ciúmes.


Mas a sensação se evaporou por completo quando Harry lhe deu um carinhoso beijo na bochecha antes de incorporar-se. Com um olhar diabólico, passou-lhe um braço ao redor dos ombros em um gesto possessivo.


Ao passar junto às mulheres, Hermione não pôde suprimir um travesso impulso. Deteve-se junto a elas e as interpelou.


- Por certo, nu está muitíssimo melhor.


- E você que não perde oportunidade de comprová-lo, carinho. - comentou Harry enquanto punha os óculos de sol e começava a andar com o braço ainda sobre seus ombros.


Lhe passou a mão pela cintura e a meteu no bolso dianteiro da calça, enquanto ele a atraía mais para seu corpo.


- Sabe uma coisa? - sussurrou-lhe ao ouvido - Se baixasse a mão um pouquinho mais, não me importaria absolutamente.


Lhe deu um pequeno apertão, mas deixou a mão onde estava.


Os olhares de inveja das mulheres os perseguiram enquanto se afastavam caminhando pela calçada.


Para jantar, Hermione levou Harry a Marisqueria do Mike Anderson. Fez uma careta ao ver que depositavam um prato de ostras para o Harry sobre a mesa.


- Ow! - exclamou ela quando ele comeu uma.


Muito ofendido, Harry soprou.


- Estão deliciosas.


- Eu não acho.


- Isso é porque não sabe como tem que as comer.


- Claro que sei. Abre a boca e deixa que esse inseto viscoso se deslize por sua garganta.


Harry bebeu um gole de sua cerveja.


- Essa é uma forma de comer.


- Assim acaba de fazê-lo você.


- Certo, mas você não gostaria de provar outro modo?


Ela mordeu o lábio, indecisa. Algo no comportamento de Harry lhe indicava que podia ser perigoso aceitar seu desafio.


- Não sei.


- Confia em mim?


- Não muito. - soprou ela.


Ele se deu de ombros e deu outro gole à cerveja.


- Você perde isso.


- Ok, está bem! - rendeu-se ela, muito curiosa para continuar negando-se - Mas se me derem ânsias, recorda que lhe adverti isso.


Harry puxou a cadeira de Hermione com os pés até colocá-la a seu lado, tão perto que suas coxas se roçavam. Secou as mãos nos jeans, e segurou a ostra menor.


- Muito bem então. - lhe sussurrou ao ouvido e lhe passou o outro braço pelos ombros - Joga a cabeça para trás.


Hermione obedeceu. Ele deslizou os dedos por sua garganta, lhe causando uma onda de calafrios. Ela tragou, surpreendida pela ternura de suas carícias. Surpreendida pelo bem que se sentia com ele a seu lado.


- Abre a boca. - lhe disse em voz baixa, enquanto lhe roçava o pescoço com o nariz.


Ela voltou a obedecer.


Harry deixou que a ostra escorregasse até sua boca. Quando Hermione a tragou e começou a descer por sua garganta, Harry passou a língua por seu pescoço em direção contrária.


Hermione se estremeceu ante a inesperada sensação. Os mamilos lhe endureceram e um milhão de calafrios percorreram sua pele. Era incrível! E pela primeira vez, não lhe importou para nada o sabor da ostra.


- Gostou? - perguntou-lhe, brincalhão.


Ela não pôde evitar sorrir.


- É incorrigível.


- Isso tento.


- E o consegue às mil maravilhas.


Antes que Harry pudesse responder, soou seu telefone móvel.


- Puf! - soprou enquanto o tirava da bolsa. Quem quer que fosse, já podia ter algo importante que lhe dizer.


Respondeu.


- Hermione?


Ela se encolheu ao escutar a voz do Rodney.


- Senhor Carmichael, como conseguiu este número de telefone?


- Estava anotado em seu Rodolex. Vim a sua casa ver-te, mas não está. - e suspirou - Estava desejando passar o dia contigo. Temos uma conversação pendente. Mas não passa nada. Posso me reunir contigo, está no Bairro Francês com sua amiga a vidente?


O medo a paralisou.


- Como conhece minha amiga?


- Sei muitas coisas de ti, Hermione. Mmm! - resmungou em voz baixa - Perfuma as gavetas de sua roupa íntima com perfume de rosas.


O terror a possuiu por completo e não pôde mover-se. Começaram a lhe tremer as mãos.


- Está em minha casa?


Podia ouvir como abria e fechava as gavetas de sua cômoda, através do telefone. De repente, o moço soltou uma maldição.


- Puta. - espetou Rodney - Quem é ele? Com quem diabos estiveste deitando?


- Isso…


A comunicação se cortou.


Hermione estava tremendo, tanto que apenas podia respirar quando desligou o telefone.


- O que acontece? - perguntou-lhe Harry, com o cenho franzido pela preocupação.


- Rodney está em minha casa. - lhe disse com voz tremente. Marcou imediatamente o número da polícia para notificá-lo.


- Encontraremo-nos ali. - lhe informou o agente - Não entre em seu domicílio até que cheguemos.


- Não se preocupe, não o farei.


Harry lhe segurou as mãos.


- Está tremendo.


- Não me diga! Resulta que tenho a um psicopata metido em minha casa, farejando minha lingerie e me insultando. Por que ia tremer?


Seus olhos de azul profundo a tranqüilizaram com um olhar protetor. Apertou-lhe as mãos brandamente.


- Sabe que não vou permitir que te faça mal.


- Agradeço-lhe isso muito, Harry. Mas este homem está…


- Morto se aproxima de ti. Sabe que não te abandonarei.


- Pelo menos não até a próxima lua cheia.


Harry afastou o olhar e ela assimilou a verdade.


- Não passa nada. - disse ela com valentia - Posso me encarregar disto, de verdade. Estive sozinha durante anos. Esta não é a primeira vez que um cliente me acossa. E duvido muito que vá ser o último.


Os olhos de Harry lançaram labaredas azuis quando a olhou.


- Quantos de seus pacientes lhe acossaram?


- Não é seu problema, a não ser o meu.


Harry seguiu olhando-a como se estivesse a ponto de estrangulá-la.


 


 


CAPÍTULO 12


 


Chegaram a casa ao mesmo tempo que a polícia.


O jovem e musculoso agente olhou com suspeita a Harry.


- Quem é?


- Um amigo. - lhe respondeu Hermione.


O policial esticou a mão para ela.


- De acordo, me dê as chaves e nos deixe dar uma olhada. O agente Reynolds ficará com vocês aqui fora até que revistemos tudo.


Hermione entregou obedientemente o jogo de chaves.


Começou mordiscar as unhas enquanto observava como o policial entrava em seu lar.


Por favor, que Rodney Carmichael esteja dentro ainda.


Mas não estava. O policial saiu pouco depois meneando a cabeça.


- Caramba! - exclamou Hermione em voz baixa.


O agente Reynolds a acompanhou até a casa e Harry os seguiu um pouco atrasado.


- Necessitamos que entre e dê uma olhada para ver se falta algo.


- Fez algum desastre? - perguntou ela.


- Só nos dormitórios.


Com o coração em um punho, Hermione entrou em sua casa e subiu as escadas para ir a seu quarto.


Harry a seguiu e observou como se mantinha rígida e distante. Tinha o rosto tão pálido que as sardas pareciam muito mais evidentes. Poderia matar ao moço que lhe tinha feito isto. Nenhuma mulher deveria passar tanto medo, especialmente em seu próprio lar.


Quando chegaram ao piso superior, Harry viu que a porta do quarto do final do corredor estava entreaberta. Hermione correu para ali.


- Não! - ofegou.


Apressou-se a segui-la.


Harry começou a vê-lo tudo vermelho ao contemplar o sofrimento que refletia o rosto de Hermione. Podia sentir sua dor no coração como se fosse o seu próprio.


As lágrimas se deslizavam por suas bochechas enquanto observava a desordem. O colchão estava atirado no chão, os lençóis rasgados, as gavetas abertas e seu conteúdo espalhado, como se Zéfiro tivesse passado por ali em metade de um arranque de mau humor.


Harry lhe colocou as mãos sobre os ombros para reconfortá-la.


- Como pôde fazer isto a seu quarto? - perguntou Hermione.


- De quem é este quarto? - perguntou o agente Reynolds - Acreditava que vivia sozinha.


- E o faço. Esta era o quarto de meus pais. Morreram faz tempo. - olhou a um e outro lado, incrédula. Uma coisa era que fosse atrás dela, mas por que tinha feito isto?


Contemplou a roupa espalhada pelo chão, roupa que lhe trazia para a memória tantas lembranças maravilhosas… As camisas que seu pai levava a trabalho, o pulôver favorito de sua mãe e que sempre lhe pedia emprestado, quão brincos seu pai tinha dado a sua mãe em seu último aniversário de bodas. Tudo estava esparramado pelo quarto, como se não tivesse valor algum.


Mas para ela eram objetos muito valiosos. Era o único que ficava deles. A dor lhe rasgava o coração.


- Como pôde fazê-lo? - perguntou, enquanto a raiva se abria passo em seu interior.


Harry a atraiu para seus braços e a sustentou com força.


- Não passa nada, Hermione. - murmurou sobre seu cabelo.


Mas sim que acontecia. Hermione duvidava poder superar aquilo alguma vez. Não podia deixar de pensar nas mãos desse animal tocando a roupa de sua mãe ou rasgando os lençóis. Como se tinha atrevido!


Harry olhou ao agente de polícia.


- Não se preocupe, - disse o homem - encontraremos ao moço.


- E depois o que? - perguntou Harry.


- Isso terá que decidir um tribunal.


Harry o olhou de cima abaixo e soltou um grunhido, enojado. Tribunais. Não entendia como um tribunal moderno podia permitir que um animal assim estivesse solto.


- Sei que tudo isto é duro. - comentou o agente - Mas necessitamos que comprove se levou algo, doutora Granger.


Ela assentiu.


A Harry surpreendeu a coragem que demonstrou ao se desprender de seu abraço e limpar as lágrimas. Começou a inspecionar todo aquele desastre. Ele se ajoelhou a seu lado, queria estar perto se por acaso o necessitava de novo.


Depois de comprová-lo todo o chalé, Hermione cruzou os braços sobre o peito e lançou um rápido olhar ao agente.


- Não falta nada. - lhe disse, e saiu do quarto para ir ao seu.


Entrou nele com muita apreensão. Uma rápida olhada lhe indicou que seu dormitório tinha sofrido os mesmos danos que o de seus pais. Tinha registrado meticulosamente tanto a roupa de Harry como a sua. Toda a lingerie estava atirada pelo chão, tinha esmigalhado os lençóis e o colchão estava inclinado.


Oxalá Rodney tivesse encontrado a espada de Harry sob a cama e tivesse cometido o engano de tocá-la. Isso sim teria sido uma justa recompensa.


Mas não a tinha visto. De fato, o escudo ainda seguia apoiado sobre a parede, junto à cama, onde ele o deixou.


Hermione se sentia quase violada ao contemplar toda sua roupa espalhada pelo quarto, como se as mãos do Rodney houvessem tocado seu corpo.


Nesse momento, viu a porta do closet ligeiramente aberta. Estava morta de medo enquanto se aproximava para abri-la e olhar no interior. Então se sentiu como se o moço lhe tivesse arrancado o coração e o tivesse esmagado.


- Meus livros. - murmurou.


Harry cruzou o quarto para ver o que Hermione estava olhando. Ficou sem respiração ao chegar junto a ela.


Todos os livros tinham sido destroçados.


- Meus livros não. - balbuciou, caindo de joelhos.


Tremia-lhe a mão ao passá-la sobre as folhas dos livros que seu pai tinha escrito. Eram insubstituíveis. Jamais poderia abri-los de novo e escutar sua voz lhe falando do passado. Não poderia abrir Beleza Negra e ouvir sua mãe enquanto o lia.


Tudo tinha desaparecido.


Rodney Carmichael acabava de matar de novo a seus pais.


Hermione se fixou então no que ficava de sua exemplar de Ilíada. Os olhos lhe encheram de lágrimas ao recordar a expressão de Harry enquanto passava suas páginas. As horas que tinham passado juntos enquanto ela o lia. Tinham sido momentos muito especiais, mágicos, os dois tombados frente ao sofá, perdidos na história, como se tivessem estado em um reino particular, só deles. Seu próprio paraíso.


- Destroçou-os todos. – murmurou - Deus! Deve ter ficados horas aqui.


- Senhora, só são…


Harry segurou ao agente Reynolds pelo braço e o tirou do quarto.


- Para ela são muito mais que simples livros. - lhe disse entre dentes - Não se atreva a burlar-se de sua dor.


- Vá! - exclamou o homem envergonhado - O sinto.


Harry voltou junto a Hermione.


Soluçava incontrolavelmente enquanto passava as mãos sobre as folhas soltas.


- Por que o tem feito?


Ele a levantou, tirou-a do closet e a deitou na cama. Ela não o soltou. Aferrava-se a ele com tanta força que a Harry custava trabalho respirar, e chorava como se o coração estivesse rompendo-se o a pedaços.


Nesse momento, Harry quis matar ao homem que lhe tinha feito isto.


Soou o telefone.


Hermione gritou e lutou para incorporar-se.


- Shh. - lhe disse Harry, enquanto lhe limpava as lágrimas e a sustentava, impedindo que se movesse - Não passa nada. Estou aqui, contigo.


O agente Reynolds lhe passou o telefone.


- Responda, se por acaso é ele.


Harry olhou com fúria ao homem. Como podia ser tão insensível? Como podia lhe pedir que falasse com esse cão raivoso?


- Olá, Gina. - saudou Hermione, e voltou a estalar em lágrimas enquanto contava a sua amiga o que tinha acontecido.


A mente de Harry bulia ao pensar no homem que tinha invadido a casa de Hermione e a tinha ferido tão profundamente. O que mais lhe preocupava era que o moço sabia onde golpear. Conhecia Hermione. Sabia o que era importante para ela.


E isso o fazia muito mais perigoso do que a polícia suspeitava.


Ela desligou o telefone.


- Sinto muito ter perdido o controle, - disse limpando as lágrimas - foi um dia muito comprido.


- Sim, senhora, entendemos.


Harry observou como se recompunha, Hermione tinha uma força de vontade que muito poucos homens possuíam.


Acompanhou à polícia pelo resto da casa.


- Não deve ter visto este livro. - disse um dos agentes com o livro de Harry na mão, oferecendo-lhe a ela.


Harry o segurou das mãos de Hermione. Ao contrário do agente, ele não estava tão seguro. Se o bastardo tinha tentado rompê-lo, teria levado uma desagradável surpresa.


Não podia ser destruído. Ele mesmo tinha tentado fazê-lo em incontáveis ocasiões ao longo dos séculos. Mas nem sequer o fogo fazia trinca nele. O livro lhe fez recordar as palavras de Hermione.


Ele iria em alguns dias e ela ficaria sozinha, sem ninguém que a protegesse. E essa idéia o adoecia.


 


Os agentes partiram no mesmo instante que Gina chegava em seu carro. Saiu do Jipe acompanhada de um homem alto e loiro que levava o braço em uma tipóia. Gina virtualmente correu até a porta.


- Está bem? - perguntou a Hermione enquanto a abraçava com força.


- Sim. - lhe respondeu ela. Olhou sobre seu ombro e então saudou o homem - Olá Draco.


- Olá Hermione. Viemos te dar uma mão.


Apresentou a Harry e os quatro entraram na casa.


Harry deteve a Gina logo que estiveram dentro, e a levou à parte.


- Pode mantê-la um momento aqui embaixo?


- Por quê?


- Tenho que me ocupar de algo.


Gina franziu o cenho.


- Claro, não há problema.


Esperou até que Gina e seu marido sentaram a Hermione no sofá. Então, foi à cozinha, segurou algumas sacolas de lixo e se encaminhou ao closet.


Tão rápido como pôde, começou a ordenar todo aquele desastre para que Hermione não tivesse que vê-lo de novo. Mas com cada pedaço de papel que tocava, sua ira crescia.


Uma e outra vez via em sua mente a terna expressão de Hermione enquanto procurava um livro entre toda sua coleção. Se fechava os olhos podia ver seu cabelo esparramado sobre seu peito enquanto lia.


Nesse momento, quis o sangue deste moço.


- Caramba! - exclamou Draco da porta - Isto o tem feito ele?


- Sim.


- Cara, louco psicopata.


Harry não disse nada e continuou jogando os papéis à sacola. Sua alma gritava, clamando vingança. O que sentia para o Priapus era uma leve sombra do que nesses momentos passava por sua mente.


Uma coisa era fazer dano a ele. Mas ferir Hermione…


Já podiam ter as Parcas compaixão desse moço, porque ele não pensava ter nenhuma.


- Leva muito saindo com Hermione?


- Não.


- Isso me parecia. Gina não te mencionou, mas pensando-o bem, tampouco se mostrou tão preocupada porque Hermione ficasse sozinha desde seu aniversário. Suponho que lhes conheceram então.


- Sim.


- Sim, não, sim. Não é muito falador, verdade?


- Não.


- OK, agarrei-o. Até mais tarde.


Harry se deteve quando encontrou o Peter Pan. Segurou-a e apertou os dentes. A dor o assaltou de novo. Esse livro era o preferido de Hermione.


Apertou-o com força um instante e depois o jogou na bolsa com o resto.


 


Hermione não foi consciente do tempo que passou sentada no sofá, sem mover-se. Só sabia que se encontrava muito mal. O golpe do Rodney tinha sido muito forte.


Gina lhe trouxe uma xícara de chocolate quente.


Ela tentou beber, mas lhe tremiam tanto as mãos que teve medo de derramá-lo e o deixou a um lado.


- Suponho que preciso limpar tudo.


- Harry já está fazendo. - lhe disse Draco, que estava sentado na poltrona fazendo zapping.


Grace franziu o cenho.


- O que? Desde quando?


- Está lá em cima recolhendo tudo no closet.


Boquiaberta pela surpresa, Hermione subiu em sua busca.


Harry estava no quarto de seus pais. Da porta, observou como acabava de pôr ordem e se endireitava. Dobrou as calças de seu pai de um modo que faria que Martha Stewart fizesse uma careta de dor, colocou-os na gaveta e fechou.


A ternura a invadiu ante a imagem do que fora um legendário general, arrumando sua casa para evitar que ela sofresse. Sua delicadeza lhe chegou ao coração.


Harry levantou os olhos e descobriu a Hermione. A funda preocupação que refletiam seus olhos azuis a reconfortou.


- Obrigado. - disse ela.


Ele deu de ombros.


- Não tinha outra coisa que fazer. - Embora disse com um tom despreocupado, algo em sua atitude traía sua pretendida indiferença.


- Ainda assim, agradeço-lhe isso muito. - disse ela enquanto entrava e olhava todo o trabalho que tinha feito. Com o coração na garganta, colocou as mãos sobre a cama de mogno - Era a cama de minha avó. - lhe disse - Ainda escuto a voz de minha mãe quando me contava como meu avô a fez para ela. Era carpinteiro.


Com a mandíbula tensa, Harry contemplou a mão de Hermione.


- É duro, verdade?


- O que?


- Deixar que os seres amados se vão.


Hermione sabia que Harry falava do fundo de seu coração. O coração de um pai que tinha saudades de seus filhos.


Embora o pesadelo já não lhe perseguisse pelas noites, lhe ouvia sussurrar seus nomes, e se perguntava se era consciente da freqüência com a que sonhava com eles. Perguntava-se quantas vezes ao dia pensava neles e sofria por sua morte.


- Sim, - lhe respondeu em voz baixa - mas você sabe melhor que eu, não é certo?


Harry não respondeu.


Hermione deixou que seu olhar vagasse pelo quarto.


- Suponho que já vai sendo hora de seguir adiante, mas te juro que ainda posso escutá-los, senti-los.


- É seu amor o que percebe. Ainda está dentro de ti.


- Sabe? Acredito que tem razão.


- Né! - gritou Gina da porta, interrompendo-os - Draco está pedindo uma pizza, gostaria de comer algo?


- Sim. - respondeu Hermione.


- E você? – perguntou Gina a Harry.


Harry sorriu a Hermione.


- Eu adoraria comer pizza.


Hermione soltou uma gargalhada ao recordar como Harry lhe tinha pedido pizza a noite que o invocaram.


- Ok, - disse Gina - pizza para todos.


Harry deu a Hermione os anéis de sua mãe.


- Encontrei-os no chão.


Aproximou-se da cômoda para guardá-los, mas se deteve. Em lugar disso, os colocou na mão direita e, pela primeira vez depois de alguns anos, sentiu-se reconfortada ao vê-los.


Ao sair do quarto, Julian fechou a porta.


- Não, - lhe disse Hermione - deixa-a aberta.


- Está segura?


Ela assentiu.


Quando entraram em seu dormitório, viu que Harry também o tinha arrumado. Mas ao contemplar as estantes que tinham guardado seus livros, agora vazias, lhe rompeu de novo o coração.


Nesta ocasião não protestou quando Harry fechou a porta.


 


Horas mais tarde e depois de ter comido, Hermione pôde convencer a Gina e ao Draco de que se fossem.


- Estou bem, de verdade. - lhes assegurou por enésima vez na porta. Agradecida pela presença de Harry, colocou a mão sobre seu braço - Além disso, tenho a Harry.


Gina a olhou com severidade.


- Se necessitar algo, chama-me.


- Farei.


Sem sentir-se segura de tudo, Hermione fechou a porta principal e subiu à habitação. Harry a seguiu.


Tombaram-se na cama, um junto ao outro.


- Sinto-me tão vulnerável… - sussurrou.


Lhe acariciou o cabelo.


- Sei. Fecha os olhos e dorme tranqüila. Estou aqui. Eu te manterei a salvo.


Rodeou-a com seus braços e ela suspirou, reconfortada. Ninguém a tinha consolado nunca como ele o fazia.


Demorou horas em dormir. Quando o fez, estava rendida.


 


Despertou com um silencioso grito.


- Estou aqui, Hermione.


Escutou a voz de Harry a seu lado e se acalmou imediatamente.


- Graças a Deus que é você. – murmurou - Tive um pesadelo.


Harry depositou um ligeiro beijo em seu ombro.


- Sei.


Lhe deu um apertão na mão antes de sair da cama e preparar-se para ir ao trabalho.


Quando tentou vestir-se, tremiam-lhe tanto as mãos que não foi capaz de abotoar a camisa.


- Me deixe. - se ofereceu Harry, lhe apartando as mãos para poder fazê-lo ele - Não tem por que estar assustada, Hermione. Não deixarei que esse moço te faça nada.


- Sei. Sei que a polícia o apanhará e, então, tudo terá acabado.


Ele não respondeu, e seguiu ajudando-a a colocar a roupa.


Uma vez que estiveram preparados, Hermione conduziu até o consultório, situado no centro da cidade. Tinha um nó tão grande no estômago que lhe custava respirar. Mas não podia encerrar-se. Não ia deixar que Rodney controlasse sua vida. Ela era a que levava as rédeas e ninguém ia mudar isso. Não sem lutar.


Não obstante, estava muito agradecida pela presença de Harry. Reconfortava-a de tal modo que não queria pensar muito a fundo no por que.


- Como se chama isto? - perguntou Harry quando entraram em antigo elevador do edifício, de finais do século.


Lhe ensinou como apertar para fechar a porta e, imediatamente, percebeu o desconforto de Harry ao ficar presos.


- É um elevador. - lhe explicou Hermione - Aperta estes botões e sobe ao andar que queira. Eu trabalho no último piso, que é o oitavo. - E apertou o botão de desenho antigo.


Harry ficou ainda mais nervoso quando começaram a subir.


- É seguro?


Ela levantou uma sobrancelha e o olhou com curiosidade.


- Não posso acreditar que o homem que se enfrentava sem medo aos exércitos romanos esteja agora assustado de um simples elevador.


Harry lhe dedicou um olhar irritado.


- Sei o que são os romanos, mas isto me é desconhecido.


Hermione lhe rodeou o braço com o seu.


- Não é muito complicado. - Assinalou a abertura do teto - Sobre essa portinhola há uns cabos que sobem e baixam a cabine, e também há um telefone. - disse, assinalando o inter-comunicador situado sob os botões - Se o elevador fica parado, quão único terá que fazer é apertar o botão do telefone e, a equipe de emergência acudirá imediatamente.


Os olhos de Harry se obscureceram.


- E está acostumado a ficar parado com muita freqüência?


- A verdade, não. Levo trabalhando neste edifício quatro anos e não passou nenhuma só vez.


- E se não estava dentro, como sabe?


- Os elevadores têm um alarme que se ativa se ficam parados. Confia em mim, se ficamos presos aqui dentro alguém nos ouvirá.


Harry deixou vagar seu olhar ao redor do reduzido espaço e, pela luz que havia em seus olhos Hermione soube as malvadas idéias que lhe passavam pela cabeça.


- Pode fazer que se detenha de propósito?


Ela riu a gargalhadas.


- Sim, mas não quero que me pilhem em flagrante delito no trabalho.


Ele inclinou a cabeça e depositou um leve beijo em sua bochecha.


- Mas ser pilhado em flagrante delito no trabalho pode ser muito divertido.


Hermione o abraçou com força. O que havia nele que o fazia sentir-se feliz? Sem importar o que ocorresse, Harry sempre conseguia que as coisas fossem muito mais divertidas. Mais brilhantes.


- É mau. - lhe disse, e se separou dele a contra gosto.


- Certo, mas você adora.


Ela voltou a rir.


- Tem toda a razão. Eu adoro que seja mau.


As portas se abriram e Hermione se encaminhou para sua consulta, situada muito perto do elevador. Harry a seguiu.


Lisa os olhou quando entraram e abriu os olhos de par em par. Seus lábios desenharam um amplo sorriso ao contemplar a Harry.


- Doutora Hermione. - disse, brincando com uma mecha loira de seus cabelos - Seu namorado é uma bomba.


Meneando a cabeça, Hermione os apresentou e, depois, mostrou a Harry seu consultório. Ele ficou de pé, observando através das janelas enquanto Hermione ligava o computador e deixava a bolsa na gaveta de seu escritório.


Ela se deteve o perceber que Harry a olhava fixamente.


- De verdade vais passar-te todo o dia aqui?


Ele se deu de ombros.


- Não tenho nada melhor que fazer.


- Te vais aborrecer.


- Asseguro-te que estou mais que acostumado ao aborrecimento.


O mau era que Hermione sabia. Colocou uma mão sobre sua bochecha ao imaginar-lhe dentro do livro, sozinho, preso na mais completa escuridão.


Ficou nas pontas dos pés e o beijou com ternura.


- Obrigado por me acompanhar hoje. Não acredito que tivesse podido estar aqui, senão fosse por ti.


Ele mordiscou seus lábios.


- É um prazer.


Lisa a chamou pelo inter-comunicador.


- Doutora Hermione, seu paciente das oito está aqui.


- Esperarei fora. - lhe disse Harry.


Hermione lhe deu um apertão na mão antes de deixar que partisse.


Durante a seguinte hora, não foi capaz de concentrar-se em seu paciente. Seus pensamentos voavam ao homem que a aguardava fora, e não paravam de dar voltas ao muito que significava para ela.


E a quão aborrecível encontrava o fato de que partisse.


Logo que acabou a sessão, acompanhou a seu paciente à porta.


Lisa estava ensinando a Harry a fazer solitários no computador.


- Doutora Hermione, - lhe disse - sabe que Harry não tinha jogado antes ao solitário?


Hermione trocou um sorriso faiscante com o Harry.


- Sério?


Lisa se separou de Harry para dar uma olhada à agenda.


- Por certo, seu paciente das três foi cancelado. E a das nove chamou para dizer que chegará uns minutos tarde.


- De acordo. - Hermione assinalou à porta com o polegar - Enquanto jogam, vou um momento ao carro. Esqueci meu Palm Pilot.


Harry levantou o olhar.


- Eu irei.


Hermione negou com a cabeça.


- Eu posso fazê-lo.


Sem lhe responder, ele rodeou o escritório da Lisa e estendeu a mão para que Hermione lhe desse as chaves.


- Eu irei. - disse com um tom que não admitia réplicas.


Como não tinha vontades de discutir, deu-lhe as chaves.


- Está sob meu assento.


- Certo, não demorarei nada.


Hermione lhe fez uma saudação militar.


Com gesto de poucos amigos, saiu do escritório e se encaminhou para o elevador, ao final do corredor.


Ia apertar o botão quando se deteve. Pelos deuses! Como odiava essa coisa estreita e quadrada.


E a idéia de estar ali dentro, sozinho…


Deu uma olhada a seu redor e viu as escadas. Sem duvidá-lo nem um instante, dirigiu-se para elas.


Hermione estava tentando encontrar o relatório do Rachel em sua maleta, mas caiu na conta de que tinha deixado alguns arquivos no assento traseiro do carro.


- Onde tenho hoje a cabeça? - repreendeu-se. Mas não fez falta que pensasse muito a resposta. Seus pensamentos estavam divididos entre dois homens que tinham alterado sua vida por completo.


Zangada consigo mesma por não ser capaz de concentrar-se, segurou a maleta e saiu da consulta, atrás de Harry.


- Aonde vai, Doutora? - perguntou-lhe Lisa.


- Deixei-me alguns informe no carro. Não demoro.


Lisa assentiu.


Hermione se aproximou do elevador. Ainda estava rebuscando na maleta em busca dos arquivos quando se abriram as portas.


Sem emprestar muita atenção, entrou ao elevador e, de forma automática, apertou o botão da planta baixa.


Quando as portas se fecharam, precaveu-se de que não estava sozinha.


Rodney Carmichael estava em frente, olhando-a fixamente.


- Vai me dizer quem é ele?


Hermione ficou gelada enquanto a invadiam o terror e a fúria. Sentia desejos de despedaçá-lo! Mas embora sua altura fosse escassa para ser um homem, ainda lhe tirava uma cabeça.


E era muito instável.


Ocultando o pânico, lhe falou com calma.


- O que faz você aqui?


Ele fez uma careta.


- Não me respondeste. Quero saber de quem era a roupa que havia em sua casa.


- Isso não é de sua incumbência.


- Não diga tolices! - chiou.


Balançava-se a bordo da loucura e quão último Hermione precisava era que ele se afundasse no abismo enquanto estivessem presos no elevador.


- Tudo o que te rodeia é meu assunto.


Hermione tentou fazer-se com o controle da situação.


- Me escute, senhor Carmichael. Não lhe conheço de nada, e você não me conhece. Não entendo por que se obcecou comigo, mas quero que esta situação chegue a seu fim.


Ele apertou o botão que detinha o elevador.


- Agora, me vais escutar, Hermione. Nascemos um para o outro. Sabe isso igual a mim.


- Muito bem. - lhe respondeu ela, tentando apaziguá-lo - vamos discutir isto em consulta. - E apertou o botão para que o elevador começasse a mover-se de novo.


Ele voltou a detê-lo.


- Falaremos aqui.


Hermione tomou uma profunda baforada de ar, as mãos começavam a lhe tremer. Tinha que sair dali sem zangá-lo ainda mais.


- Estaríamos muito mais cômodos em meu consultório.


Nesta ocasião, quando ela foi apertar o botão lhe segurou a mão.


- Por que não fala comigo? - perguntou-lhe ele.


- Estamos falando. - respondeu Hermione enquanto se aproximava lentamente ao inter-comunicador.


- Mas falas com ele, verdade? Passas horas rindo e fazendo Deus sabe que coisas com ele. Me diga quem é.


- Senhor Carmichael…


- Rodney! – gritou - Maldita seja! Meu nome é Rodney.


- OK, Rodney. Vamos a…


- É que te pôs suas sujas mãos em cima, verdade? - perguntou-lhe enquanto a aprisionava no canto, de costas ao telefone - Quantas vezes te deitaste com ele desde que me conheceu?


Hermione estremeceu ante o selvagem olhar daqueles olhos, pequenos e brilhantes. Estava perdendo o controle de sua mente.


Hermione tentou pegar o fone, mas antes de poder aproximar à orelha, ele o segurou.


- Que diabos está fazendo? - perguntou-lhe ele.


- Necessita ajuda.


Rodney estrelou o fone contra o painel de botões.


- Não necessito nenhuma ajuda. Só necessito que fale comigo. É que não me ouve? Só necessito que fale comigo! - gritou, enquanto estrelava o telefone contra o painel, enfatizando cada palavra com um golpe.


Aterrorizada, Hermione contemplou como o fone se fazia em pedaços. Rodney começou a puxar o próprio cabelo.


- Beijou-te, sei. - Repetia uma e outra vez a mesma frase, enquanto arrancava o cabelo a puxões.


Santo Deus! Estava presa com um louco.


E não havia saída.


 


Harry retornou ao consultório de Hermione com o Palm Pilot.


- Onde está Hermione? - perguntou a Lisa ao não encontrá-la em seu escritório.


- Não se encontrou com ela? Saiu uns minutos depois que você. Ia a seu carro.


Harry franziu o cenho.


- Está segura?


- Claro. Disse que deixou umas pastas ou algo.


Antes de poder lhe perguntar qualquer outra coisa, uma atrativa mulher afro americana vestida com um conservador traje negro e com uma maleta na mão, entrou no escritório.


Deteve-se na porta e tirou um sapato com um chute, para esfregar o calcanhar.


- Definitivamente, hoje é segunda-feira. - disse a Lisa - Só faltava ter que subir oito andares pela escada porque o elevador ficou parado entre os andares. E agora, que maravilhosas notícias tem para mim?


- Olá, doutora Beth. - a saudou Lisa alegremente, enquanto passava a mão sobre o livro de entrevistas - Seu paciente das nove é Rodney Carmichael.


Harry ficou paralisado.


- OH, não. Espere. - disse Lisa - Esse é da doutora Hermione. A sua…


- Disse Rodney Carmichael? - perguntou-lhe à secretária.


- Sim. Chamou para mudar a consulta.


Harry não esperou a que Lisa terminasse de falar. Jogou o Palm Pilot sobre o escritório e saiu correndo do escritório para o elevador. Com o coração pulsando tresloucado, só podia pensar em chegar até Hermione o mais rápido possível.


Foi então quando compreendeu que o ruído que tinha estado escutando era um alarme.


Um calafrio de terror lhe percorreu as costas ao compreender o que tinha acontecido. Rodney tinha detido o elevador com Hermione dentro. Estava seguro.


De repente, escutou-se um grito sufocado depois das portas fechadas do elevador.


Com a visão nublada pela fúria e o medo, puxou as portas até as abrir.


E ficou gelado.


Não se via o elevador. Só um abismo negro, muito parecido ao livro. Pior ainda, baixar por ali seria como descer para seu inferno. Um inferno escuro, asfixiante e estreito.


Lutou para poder respirar e superar o medo.


Em seu coração, sabia que Hermione estava ali abaixo. Só com um louco e sem ninguém que a ajudasse.


Apertando os dentes, deu um passo para trás e tomou impulsionou para alcançar de um salto os cabos.


 


Hermione afastou ao Rodney com um violento empurrão.


- Não vou compartilhar-te com ninguém! - grunhiu ele, agarrando-a de novo pelo braço - É minha.


- Não pertenço a ninguém. - respondeu ela, dando-lhe uma joelhada na virilha.


O homem caiu de joelhos ao chão.


Desesperada, Hermione tentou subir pelas barras laterais para poder alcançar a portinhola do teto. Se pudesse chegar até ali…


Rodney a segurou pela cintura e a estrelou de costas contra o canto.


Com o rosto contraído pela fúria, colocou os braços a ambos os lados de Hermione.


- Me diga como se chama o homem que esteve dentro de ti, Hermione! Diga-me isso para que saiba a quem tenho que matar.


Com um arrepiante olhar em seus olhos vazios, começou a arranhar o rosto e o pescoço até fazer-se sangrar.


- Não sabe que é minha mulher? Vamos estar juntos. Sei como cuidar de ti. Sei o que necessita. Sou muito melhor que ele!


Hermione se agachou, para afastar-se um pouco dele, tirou os sapatos de salto e os segurou. Não é que fossem as melhores armas, mas eram melhor que nada.


- Quero saber com quem estiveste! - chiou ele.


No mesmo instante em que Rodney dava um passo para trás, a portinhola se abriu. Hermione olhou para cima.


Harry pulou do vão e caiu agachado como um sigiloso predador. Rodeava-o uma aura de perigosa tranqüilidade, mas a expressão de seus olhos era ainda mais aterrorizante. Iluminados pela ira do inferno, estavam cravados em Rodney com mortal determinação, e lançavam fogo.


Ficou em pé lentamente, até endireitar de tudo.


Rodney ficou paralisado ao ser consciente da altura de Harry.


- Quem diabos é você?


- O homem com que ela esteve.


Rodney abriu a boca pela surpresa.


Harry olhou a Hermione para assegurar-se de que se encontrava sã e salva, e voltou sua atenção de novo ao Rodney, lançando um rugido.


Esmagou ao moço contra a parede com tanta força que Hermione pensou que tinham deixado um sinal nos painéis de madeira.


Harry o segurou pela camisa e voltou a golpeá-lo contra a parede.


Quando falou, a frieza de sua voz fez que Hermione se estremecesse.


- É uma pena que não seja o suficientemente grande para poder te matar, porque quero ver-te morto. - lhe disse apertando os punhos - Mas pequeno ou não, se voltar a te encontrar perto de Hermione outra vez ou faz que derrame uma só lágrima mais, não haverá força neste mundo nem no mais à frente que me impeça de te fazer em migalhas. Entendeste?


Rodney lutou inutilmente para escapar dos punhos de Harry.


- É minha! Matarei-te antes que se interponha entre nós.


Harry inclinou a cabeça como se não pudesse acreditar o que acabava de ouvir.


- Está louco?


Rodney lançou uma patada ao ventre de Harry.


Harry lhe deu um murro na mandíbula com os olhos escurecidos. Rodney caiu desmaiado ao chão.


Enquanto Harry se agachava junto ao moço, Hermione suspirou aliviada. Tudo tinha acabado.


- É melhor que te mantenha inconsciente. - o ameaçou Harry.


Endireitou-se e abraçou a Hermione até quase esmagá-la.


- Está bem, Hermione?


Ela não podia respirar, mas nesse momento, não lhe importava.


- Sim, e você?


- Melhor, agora que sei que está bem.


Uns minutos depois, a polícia conseguiu abrir as portas do elevador e Hermione viu que tinham ficado presos entre dois andares.


Harry a levantou pela cintura e ela segurou a mão que lhe tendia um policial para ajudá-la a chegar até o chão.


Uma vez esteve fora do elevador, franziu o cenho enquanto observava aos três agentes que estavam ajudando a Harry a tirar o corpo inconsciente do Rodney.


- Como souberam que estávamos aí?


O agente de mais idade retrocedeu um passo e deixou que os outros dois homens levantassem ao Rodney para tirá-lo.


- A operadora do serviço de emergências nos chamou. Disse que parecia haver uma guerra no elevador.


- E foi. - respondeu ela nervosa.


- A quem algemamos?


- Ao que está inconsciente.


Enquanto Hermione esperava que Harry chegasse a seu lado, observou a escuridão que reinava no vão do elevador, por onde ele tinha baixado para chegar até ela. Era um espaço muito reduzido.


Recordou o olhar no rosto de Harry, a noite que desligou a luz. E a expressão alterada que tinha pouco antes, quando subiram a seu consultório.


Ainda assim, tinha vindo a resgatá-la.


Afligida, sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas.


Foi capaz de passar por isso para me proteger.


Logo que saiu do elevador, Hermione o abraçou com força.


Harry tremia por causa da força das emoções que sentia. Estava tão aliviado ao vê-la sã e salva… A segurou pela cintura e a beijou.


- Não!


Harry a soltou no mesmo instante que Rodney escapava de uma patada do policial. As algemas lhe penduravam de uma dos pulsos enquanto pegava a pistola do agente e apontava.


Acostumado a reagir em meio a uma batalha, Harry segurou a Hermione e a empurrou para a esquerda no instante em que Rodney disparava.


O disparo passou roçando-os, e foi seguido por outros dois mais. Outro dos agentes, o de mais idade, tinha disparado ao Rodney.


Hermione tentou aproximar-se, mas Harry a impediu.


Manteve-a pega a ele, com o rosto enterrado em seu peito, enquanto observava como Rodney morria.


- Não olhe, Hermione. – sussurrou - Há certas lembranças que não precisa conservar.


 


 


CAPÍTULO 13


 


- Sim, Gina. - lhe respondeu Hermione por telefone enquanto se vestia para ir trabalhar - Já passou uma semana. Estou bem.


- Pois não o parece. - replicou Gina incrédula - Tem a voz tremente.


E realmente ainda não o tinha superado de tudo. Mas estava bem, graças a Harry e ao fato de não ter visto morrer ao pobre Rodney Carmichael.


Uma vez a polícia teve acabado com os interrogatórios, Harry a levou pra casa e ela tinha procurado não pensar muito no acontecido.


- De verdade. Estou bem.


Harry entrou no quarto.


- Vais chegar tarde. - Tirou-lhe o fone da mão e lhe ofereceu uma bolacha - Acaba de se vestir. - lhe disse, e começou a falar com a Gina.


Hermione franziu o cenho quando Harry saiu do quarto, já não podia escutar a conversação.


Enquanto se vestia, caiu na conta da cômoda que se sentia junto a Harry. Adorava ter a seu redor, cuidá-lo e que ele a cuidasse. A reciprocidade de sua relação era maravilhosa.


- Hermione, - lhe disse, aparecendo a cabeça pela porta - vais chegar tarde.


Ela riu e pôs os sapatos de salto.


- Já vou, já vou.


Quando atravessaram a porta principal Hermione viu que ele não se pôs os sapatos.


- Não vais vir hoje comigo?


- Necessita-me?


Ela duvidou. No fundo adorava almoçar junto a ele e brincar entre paciente e paciente. Mas claro, seguro que para ele sentar-se horas seguidas esperando-a era muito aborrecido.


- Não.


Lhe deu um beijo faminto.


- Até a noite.


A contra gosto, apressou-se para o carro.


Foi um dos dias mais compridos da história. Hermione o passou sentada no escritório, contando os segundos que faltavam para acompanhar a seus pacientes até a porta.


Às cinco em ponto, jogou a pobre Rachel do escritório, recolheu rapidamente todas suas coisas e partiu a casa.


Não demorou muito em chegar. Franziu o cenho quando viu a Gina, que a esperava no alpendre dianteiro.


- Passou algo? - perguntou-lhe Hermione ao aproximar-se.


- Nada de importância. Mas te darei um conselho: rompe a maldição. Harry é um tesouro.


Hermione a olhou ainda mais carrancuda enquanto Gina se afastava para seu Jipe. Confusa, abriu a porta para entrar em casa.


- Harry? - chamou-o.


- Estou no quarto.


Hermione subiu as escadas. Encontrou-o deitado sobre a cama em uma postura muito mais que deliciosa, com a cabeça apoiada em uma mão. Havia uma rosa vermelha diante dele. Estava incrivelmente sedutor e maravilhoso com aquelas covinhas e essa luz em seus celestiais olhos azuis, que nesses momentos eram decididamente perversos.


- Tem toda a aparência do gato que comeu ao canário. - lhe disse em voz baixa - O que estivestes fazendo Gina e você hoje?


- Nada.


- Nada. - repetiu ela, cética. E por que não acreditava? Porque Harry tinha a aparência de um menino que acaba de fazer uma travessura.


Seu olhar baixou até a rosa.


- É para mim?


- Sim.


Ela sorriu ante sua direta e cortante resposta. Deixou cair seus sapatos ao lado da cama e se tirou as meias.


Ao levantar o olhar, captou o olhar de Harry que tinha estirado o pescoço para não perder nada. Ele voltou a sorrir.


Hermione segurou a rosa e aspirou seu doce aroma.


- É uma surpresa encantadora. - disse, beijando-o na bochecha - Obrigado.


- Alegra-me que você goste. - sussurrou, lhe acariciando o queixo.


Hermione afastou com relutância e cruzou o quarto para depositar a rosa sobre a cômoda, e abrir a gaveta superiora.


Ficou paralisada. Sobre a roupa havia um pequeno exemplar do Peter Pan, adornado com um grande laço vermelho.


Boquiaberta, segurou-o e desatou o laço. Ao passar a primeira página, seu coração deixou de pulsar um instante.


- OH meu Deus! É uma primeira edição, e assinada!


- Você gosta?


- Que se eu gosto? - respondeu-lhe com os olhos umedecidos - Harry!


Jogou-se sobre ele e depositou uma chuva de beijos sobre seu rosto.


- É tão maravilhoso! Obrigado!


E pela primeira vez, Hermione o viu envergonhado.


- Isto é… - sua voz se desvaneceu ao olhar para o closet. A porta estava entreaberta e a luz do interior acesa.


Não podia haver…


Muito lentamente, Hermione se aproximou. Abriu a porta e olhou dentro.


Os olhos lhe encheram de lágrimas de alegria e a invadiu uma onda de calidez. As estantes estavam de novo cheias de livros. A mão lhe tremia enquanto acariciava os lombos de sua nova coleção.


- Isto é um sonho? - sussurrou.


Sentiu a Harry atrás dela. Não a estava tocando, mas podia percebê-lo com cada poro, com cada sentido de seu corpo. Não era nada físico, mas conseguia que a terra tremesse sob seus pés. E a deixava sem fôlego.


- Não pudemos encontrá-los todos, especialmente as edições de bolso, mas Gina me assegurou que conseguimos os mais importantes.


Uma única lágrima desceu pela bochecha de Hermione ao ver as cópias dos livros de seu pai. Como os tinham podido consegui-los?


O coração lhe pulsava com força enquanto via seus títulos favoritos: Os três Mosqueteiros, Beowulf, A Letra Escarlate, O Lobo e a Pomba, Mestre do desejo, Amores em Perigo… e seguiam e seguiam até deixá-la aturdida.


Afligida e com uma sensação de enjôo, deixou que as lágrimas corressem por seu rosto.


Deu a volta e se lançou aos braços de Harry.


- Obrigado. – soluçou - Como…? Como o tem feito?


Ele se deu de ombros, e levantou uma mão para lhe enxugar as lágrimas. Nesse momento, Hermione se deu conta de que algo faltava em sua mão.


- Seu anel não. - murmurou enquanto contemplava o sinal esbranquiçado no dedo de sua mão direita, onde tinha levado o anel - Me diga que não o tem feito.


- Só era um anel, Hermione.


Não, não o era. Ela recordava a expressão de seu rosto quando o doutor Weasley quis comprá-lo.


«Jamais» - havia dito ele - «Não sabe pelo que passou consegui-lo»


Mas Hermione sim sabia depois de ter escutado as histórias de seu passado. E o tinha vendido por ela.


Tremendo, ficou nas pontas dos pés e o beijou com ferocidade.


Harry ficou gelado ao sentir seus lábios. Jamais tinha se entregue a ele daquele modo. Fechou os olhos, afundou as mãos em seu cabelo para deixar que lhe acariciasse os braços, e gemeu ante o assalto de Hermione.


A cabeça de Harry começou a dar voltas ao saborear sua boca, ao sentir o corpo de Hermione pego ao dele, ao ser consciente da ferocidade de seu beijo, que nunca antes tinha experimentado, jamais lhe tinham beijado assim…


Até sua alma maldita estremeceu.


Nesse momento, desejou poder permanecer sereno durante mais tempo. Não queria viver outro segundo mais separado de Hermione. Não podia imaginar-se um só dia sem que ela estivesse a seu lado.


Harry notou como, pouco a pouco, perdia o controle. A loucura o assaltava dolorosamente, atravessava-lhe a cabeça ao mesmo tempo que a virilha.


Ainda não! Gritou sua mente. Não queria que esse momento terminasse. Agora não. Não quando ela estava tão perto.


Tão perto… mas não tinha opção.


Separou-se da má vontade.


- Já vejo que te gostou do presente, não?


Ela riu.


- É obvio que me gostou. Harry, está louco. - Passou-lhe os braços ao redor da cintura e apoiou a cabeça sobre seu peito.


Harry estremeceu enquanto umas desconhecidas emoções faziam vibrar seu corpo. Envolveu-a entre seus braços e sentiu como seus corações pulsavam ao uníssono.


Se pudesse, ficaria assim, abraçando-a para toda a eternidade. Mas não podia. Retrocedeu um passo. Ela o olhou com uma sobrancelha elevada. Harry desligou com uma carícia as rugas de preocupação que se formaram na frente de Hermione.


- Não te estou rechaçando, carinho. - lhe sussurrou - O que ocorre é que não me sinto muito bem neste momento.


- É a maldição?


Ele assentiu.


- Posso te ajudar?


- Me dê um minuto para controlá-lo.


Hermione se mordeu o lábio enquanto o observava aproximar-se da cama. Era a única vez que Harry não parecia mover-se com sua habitual elegância e fluidez. Dava a impressão de que mal podia respirar, como se tivesse uma terrível dor de estômago. Segurou com tanta força o poste da cama que os nódulos lhe puseram brancos.


A dor se apoderou de Hermione ante aquela imagem e quis reconfortá-lo. Queria ajudá-lo mais que nunca. De fato queria… O queria a ele. E ponto.


Abriu a boca ante o repentino impacto de seus pensamentos. Amava-o.


Profunda, verdadeira e totalmente. Amava-o. Como não ia amar?


Com o coração enlouquecido, Hermione deslizou o olhar sobre os livros do closet. As lembranças a assaltaram: Harry a noite que apareceu e lhe ofereceu, Harry lhe fazendo o amor na ducha, Harry tranqüilizando-a, fazendo-a rir, Harry descendo pela portinhola do elevador para resgatá-la, Harry deitado na cama com a rosa, observando-a enquanto ela descobria seus presentes.


Gina tinha razão. Era o maior dos tesouros e não queria deixá-lo partir.


Esteve a ponto de dizer-lhe, mas se conteve. Não era o momento. Não quando estava suportando uma tremenda agonia. Não quando era tão vulnerável.


Ele quereria sabê-lo.


Ou não?


Hermione considerou as conseqüências de sua possível confissão. A Harry não gostava desta época, estava claro. Queria ir pra casa. Se lhe confessava quais eram seus sentimentos, ele ficaria por essa razão, mas não seria, porque quase o faria por obrigação. Possivelmente algum dia acabasse ressentido com ela por lhe haver negado a possibilidade de retornar ao mundo que uma vez conheceu. Ao que tinha sido.


Ou pior ainda, e se sua relação não funcionava?


Como psicóloga, sabia melhor que ninguém os problemas que podiam ocasionar-se em um casal, e como podiam acabar destruindo-a.


Uma das causas mais freqüentes de ruptura era a falta de interesses comuns, casais que se mantinham unidos pela simples atração física e que acabavam separando-se.


Harry e ela eram completamente diferentes. Ela era uma psicóloga do século XXI e ele era um maravilhoso general macedônio do século II a.C. Era como falar de emparelhar a um peixe e um pássaro!


Jamais tinham existido duas pessoas mais diferentes no mundo que tivessem sido obrigadas a permanecer juntas.


Nesse momento estavam desfrutando da novidade da relação. Mas não se conheciam absolutamente. E se dentro de um ano descobriam que não estavam apaixonados?


E se ele mudava uma vez acabada a maldição?


Harry lhe havia dito que na Macedônia era um homem totalmente distinto. O que ocorreria se parte de seu encanto ou da atração que sentia por ela se deviam à maldição? Segundo Cupido, a maldição fazia que Harry se sentisse irremediavelmente atraído para ela.


E se rompiam a maldição e ele se convertia em uma pessoa diferente? Em alguém que não queria estar com ela?


O que passaria então?


Uma vez rechaçasse a oportunidade de retornar a seu lar, Hermione sabia que não teria outra ocasião de voltar.


Esforçou-se por respirar quando caiu na conta de que jamais poderia lhe dizer: «Tentemos e vejamos se funcionar». Porque uma vez tomassem a decisão, não haveria volta atrás.


Hermione tragou e desejou ser capaz de ver o futuro, como Gina. Mas até ela se equivocava às vezes. Não podia permitir um equívoco, Harry não merecia.


Não, teria que haver outra razão de peso para que ele ficasse. Ele teria que amá-la tanto como ela o amava.


E isso era tão provável quanto o céu se derrubasse sobre a terra nos próximos dez minutos.


Fechou os olhos e se encolheu ante a verdade. Harry jamais seria dela. De uma forma ou outra, teria que deixá-lo partir.


E isso acabaria com ela.


Harry soltou um suspiro entrecortado e soltou o poste da cama. Olhou a Hermione com um leve sorriso.


- Isso doeu. - lhe disse.


- Dei-me conta. - lhe respondeu Hermione aproximando-se dele, mas Harry se afastou como se acabasse de tocar a uma serpente.


Ela deixou cair a mão.


- Vou preparar o jantar.


Harry a observou enquanto saía do quarto. Desejava tanto ir atrás dela que apenas podia conter-se. Mas não se atrevia.


Necessitava um pouco mais de tempo para serenar-se. Mais tempo para aplacar o fogo maldito que ameaçava devorando-o.


Meneou a cabeça. Como podiam as carícias de Hermione lhe insuflar tanta força e ao mesmo tempo deixá-lo tão débil?


 


Hermione acabava de preparar uma sopa de sobre e uns sanduíches quando Harry entrou na cozinha.


- Sente-se melhor?


- Sim. - lhe respondeu enquanto se sentava à mesa.


Hermione remexeu sua sopa com a colher e o observou comer. Seu cabelo refletia a luz do sol do entardecer e o fazia parecer ainda mais claro. Sentava-se com uma postura muito erguida, e o mais leve de seus movimentos despertava uma onda de desejo nela. Poderia passar todo o dia contemplando o desse modo e não se cansaria.


Não. O que em realidade desejava era levantar-se da cadeira, aproximar-se dele, sentar-se em seu colo e lhe passar as mãos por essas maravilhosas ondas douradas enquanto o beijava ardorosamente.


Deixa-o já! Se não se controlava, sucumbiria à tentação!


- Sabe? - disse-lhe insegura - Estive pensando… E se ficasse aqui? Tão mal seria viver em minha época?


O olhar que lhe dedicou fez que se sufocasse.


- Já falamos nisto. Este é não é meu mundo, não o compreendo, não entendo seus costumes. Sinto-me estranho, e odeio essa sensação.


Hermione limpou a garganta. De acordo, não voltaria a mencionar o tema.


Suspirando, segurou o sanduíche e começou a comer embora o único que gostava de era discutir.


Uma vez acabada o jantar, Harry a ajudou a limpar a cozinha.


- Quer que te leia? - perguntou-lhe.


- Claro. - lhe respondeu.


Mas Hermione sabia que algo ia mal. Estava-lhe ocultando algo, mostrava-se quase frio.


Não o tinha visto assim desde que o conheceu.


Hermione subiu, segurou seu livro novo do Peter Pan e voltou a baixar. Harry já estava deitado no chão, empilhando as almofadas.


Ela se acomodou no chão, perpendicular a ele e recostou a cabeça sobre seu estômago. Passou a primeira página e começou a ler.


Harry escutou a voz suave e melodiosa de Hermione, e não deixou de olhá-la um só instante. Observava como seus olhos dançavam sobre as páginas enquanto lia.


Prometeu não tocá-la, mas contra sua vontade, esticou um braço e começou a lhe acariciar o cabelo. O contato de seu cabelo sobre a pele o inflamou e fez que sua virilha se endurecesse ainda mais, desejando dolorosamente possuí-la.


Enquanto os escuros e sedosos fios acariciavam seus dedos, deixou que a voz de Hermione o afastasse dali e o levasse a um lugar acolhedor. Sentia-se nesse lar esquivo que tinha açoitado durante toda a eternidade.


Um lugar aonde só existiam eles. Sem deuses nem maldições.


Maravilhoso.


Hermione arqueou uma sobrancelha quando notou que a mão de Harry se separava de seu cabelo e lhe desabotoava o botão superior da camisa. Conteve a respiração e aguardou espectador, mas ainda assim não estava muito segura de suas intenções.


- O que está…?


- Segue lendo. - lhe disse enquanto acabava de desabotoar o botão.


Com o corpo cada vez mais acalorado, Hermione leu o seguinte parágrafo. Harry lhe desabotoou o seguinte botão.


- Harry…


- Lê.


Ela leu outro parágrafo enquanto sua mão descia até o seguinte botão. Suas ações lhe faziam perder o controle e respirava entrecortadamente com o coração pulsando a um ritmo cada vez mais frenético.


Levantou o olhar e se encontrou com os olhos famintos de Harry.


- O que é isto? Uma sessão de leitura com strip-tease incluído? Eu leio um parágrafo e você desabotoa um botão?


Como resposta, Harry deslizou uma cálida mão por cima do sutiã até cobrir com ternura um de seus seios. Hermione gemeu de prazer quando ele começou a acariciá-la por cima do cetim e a pele de seus braços se arrepiou ante o calor que emanava dele.


- Lê. - lhe ordenou de novo.


- Sim, claro. Como se pudesse ler enquanto você…


Nesse momento, Harry lhe desabotoou o fechamento dianteiro do sutiã e cobriu seu peito nu com uma mão.


- Harry!


- Leia, Hermione. Por favor.


Como se fosse possível!


Mas a súplica que tingia sua voz lhe chegou ao coração. Obrigando-se, concentrou-se no livro e Harry seguiu passando as mãos sobre sua pele.


Suas carícias eram relaxantes e doces. Sublime. Não se pareciam em nada às que usava para inflamá-la e seduzi-la, eram algo muito diferente. Além dos limites da carne. Envolviam diretamente ao coração.


Depois de um tempo, acostumou-se aos círculos que Harry riscava ao redor de seus seios, de seus mamilos e de seu umbigo. Perdeu-se no instante, na estranha intimidade que estavam compartilhando.


Acabou o livro perto das dez. Harry passou os nódulos sobre um endurecido mamilo enquanto ela deixava o livro a um lado.


- Seus seios são preciosos.


- Alegra-me que diga isso. - Escutou que o estômago de Harry rugia sob sua orelha - Me dá a sensação de que tem fome.


- A fome que tenho não pode ser saciada com comida.


O rosto de Hermione adquiriu um tom escarlate.


Ele deslizou as mãos desde seu umbigo até a garganta, uma vez ali riscou a linha da mandíbula e subiu até o cabelo. Com os polegares, desenhou o contorno de seus lábios.


- Que estranho. – disse - Só quando me beija chego ao bordo do abismo.


- Como?


Baixou as mãos de novo até seu ventre.


- Adoro a sensação de sua pele contra a minha. A suavidade de seu corpo sob minha mão. - lhe confessou em voz baixa - Mas só quando seus lábios roçam os meus sinto que perco o controle. A que acredite que se deverá?


- Não sei.


Nesse momento soou o telefone.


Harry lançou uma maldição.


- Odeio essas interrupções.


- Eu estou começando a odiá-los também.


Harry retirou a mão para que Hermione pudesse levantar-se.


Ela a segurou e a voltou a pôr sobre seu peito.


- Deixa que soe.


Ele sorriu ante sua atitude e inclinou a cabeça, aproximando a à sua. Seus lábios estavam tão perto que Hermione podia sentir seu fôlego no rosto. De repente, Harry retrocedeu bruscamente.


Ela viu a agonia, o desejo em seus olhos um instante antes que os fechasse e apertasse os dentes como se lutasse para conter-se.


- Vá responder o telefone. - sussurrou, libertando-a. Hermione ficou em pé, tremiam-lhe tanto as pernas que apenas se sustentava. Cruzou o quarto e segurou o sem fio enquanto tampava os seios com a camisa.


- Olá, Gina.


Harry a escutou falar com o coração pesado como o chumbo, lutando contra o fogo que o arrasava.


Quão último queria era deixar este refúgio. Jamais tinha desfrutado tanto em sua vida como desde que conheceu Hermione. E agora estava ansioso por passar com ela cada segundo do tempo que dispunham para estar juntos.


- Espera e lhe pergunto. - Hermione voltou para seu lado – Gina e Draco querem saber se gostaria de sair com eles no sábado.


- Você decide. - lhe respondeu Harry, esperando que declinasse o convite.


Ela sorriu e se colocou de novo o telefone na orelha.


- Isso sonha genial, Gina. Será muito divertido… Certo. Vemo-nos então. - Deixou o telefone em seu lugar - Vou me dar uma ducha rápida antes de ir à cama. Ok?


Harry assentiu. Observou-a subir as escadas. Desejava mais que nunca voltar a ser mortal.


Daria tudo por poder segui-la nesse momento, tombar-se junto a ela na cama e enterrar-se profundamente em seu corpo.


Fechando os olhos poderia jurar que era capaz de sentir a umidade de Hermione rodeando-o.


Remexeu o cabelo. Quantos dias mais poderia suportar esta tortura?


Mas queria lutar contra ela. Negava-se a render-se, a entregar sua prudência um segundo antes do prazo que as Parcas tinham decretado.


 


Hermione sentiu a presença de Harry. Girou-se e o viu de pé junto à banheira, completamente nu.


Hermione deixou que seu olhar se deliciar com avidez em cada centímetro daquele corpo bronzeado, mas foi seu sorriso, cálida e fascinante, a que lhe roubou o coração e a deixou sem fôlego.


Sem dizer uma só palavra, ele se meteu na ducha.


- Sabe? - comentou com uma naturalidade que a deixou pasmada - Esta manhã encontrei algo interessante.


Ela observou como a água escorregava sobre ele, lhe molhando o cabelo até convertê-lo em uma massa de cachos úmidos que caíam sobre seu rosto.


- Sim? - respondeu ela, resistindo ao impulso de levantar o braço e pegar um de seus cachos. Ou melhor ainda, mordiscá-lo.


- Mmm. - murmurou Harry, deslizando a mão pelo cordão da ducha até tirar a de seu suporte na parede. Girou até encontrar a posição de uma ligeira massagem - Date a volta.


Hermione duvidou antes de lhe obedecer.


Harry deslizou seu olhar por suas costas nuas e úmidas. Jamais tinha visto uma mulher mais tentadora em todos os dias de sua vida.


Era tudo o que tinha sonhado, mas que não podia nem sequer desejar. Não se atrevia. Era um sonho longínquo.


Baixou os olhos até suas voluptuosas curvas. Tinha as pernas ligeiramente abertas. Uma imagem dele separando-lhe e inundando-se nela abriu passo em sua mente.


Esforçando-se por manter a respiração, aproximou a ducha até os ombros de Hermione.


- Isso é estupendo. - murmurou ela.


Harry não podia falar. Mantinha a mandíbula fortemente apertada para controlar as vorazes exigências de seu corpo. Sua necessidade de tocá-la era tão funda que fazia que a fome e a sede que padecia enquanto permanecia no livro fossem uma brincadeira.


Hermione deu a volta para olhá-lo, seu rosto resplandecia. Esticou o braço para pegar a esponja que se encontrava no suporte, atrás de Harry. Ele não se moveu enquanto o lavava, passando as mãos por seu peito e seu abdômen, avivando a fogueira do desejo que sentia por ela.


Conteve a respiração, antecipando o momento em que sua mão baixasse mais e mais.


Hermione mordeu o lábio ao tocar os duros abdominais. Olhou para cima e viu que Harry a observava. Tinha os olhos meio fechados e parecia estar saboreando cada carícia que suas mãos deixavam sobre seu corpo.


Desejando agradá-lo, passou a esponja sobre os cachos escuros de sua virilha. Harry ofegou quando tomou entre suas mãos com suavidade. Ela sorriu ao sentir o repentino estremecimento que agitou seu corpo.


A expressão de supremo prazer que se via em seu rosto fez que Hermione se sentisse deslumbrada. Com o coração acelerado, deslizou a mão para cima, para poder acariciar seu membro inchado.


Escutou como a ducha golpeava a banheira um segundo antes que ele a envolvesse entre seus braços e enterrasse os lábios em seu pescoço.


Hermione tremeu ante a sensação de seus corpos úmidos, nus e entrelaçados. O amor que sentia por ele fluiu por suas veias, rogando que acontecesse um milagre que lhes permitisse passar a vida juntos.


Nesse instante, desejou poder senti-lo em seu interior. Sentir como o tomava posse de seu corpo da mesma forma que tomou seu coração.


Enquanto a torturava com os lábios, deliciosamente enterrou uma coxa entre suas pernas e a sensação do pêlo sobre sua carne fez que o sentido comum de Hermione acabasse por derreter-se.


Enfebrecida, Hermione se esfregou contra sua coxa e se deleitou ao mover-se contra os duros músculos que se contraíam sob suas pernas enquanto seguia lambendo seu pescoço. Quanto amava a este homem. Como desejava lhe escutar dizer que significava para ele tanto como ele para ela.


Harry passou as mãos ao longo das costas de Hermione e logo as moveu para o frente.


Seu olhar a abrasava enquanto a ajudava a sentar-se na banheira.


- O que está h…? - sua pergunta acabou com um ofego ao sentir a língua de Harry na orelha.


Hermione percebeu a tensão nos músculos de seu braço dele quando segurou a ducha e voltou a atormentar seu corpo com seu pulsante calor. Moveu-o lentamente, riscando círculos sensuais sobre seus seios e seu ventre. Avivada pela estimulação da água e o corpo de Harry, Hermione lutava por respirar.


Harry tremia pela necessidade. Queria dar prazer a Hermione como jamais tinha querido fazê-lo com ninguém. Desejava vê-la retorcer-se embaixo dele. Escutá-la gritar quando chegasse ao clímax.


Harry lhe separou as coxas com o cotovelo e deixou que a água da ducha caísse diretamente entre suas pernas.


Hermione emitiu um entrecortado gemido ao ser assaltada por uma indescritível onda de prazer.


- Harry? - ofegou, enquanto seu corpo se estremecia. Os dedos de Harry a penetraram e começaram a mover-se em seu interior de uma vez que os jorros de água intensificavam suas carícias.


Jamais, jamais tinha experimentado um pouco parecido. Harry girava o pulso fazendo que a água caísse sobre ela em pequenos movimentos circulares, até que já não pôde mais.


Quando alcançou o orgasmo um segundo depois, gritou aliviada.


Harry sorriu e manteve seu corpo completamente imóvel para não possuí-la. Ainda não tinha acabado com ela. Jamais poderia acabar com ela.


Com as mãos, a língua e a ducha fez que Hermione desfrutasse de cinco orgasmos mais.


- Por favor. - lhe rogou ela depois do último - Tenha compaixão. Não posso mais.


Decidindo que já tinham tido os dois, suficiente tortura, Harry girou e cortou a água.


Hermione era incapaz de mover-se. Qualquer sensação, por pequena que fosse, a fazia estremecer-se. Observou como Harry ficava de pé entre suas pernas e a olhava com um leve sorriso.


- Acaba de me matar. – balbuciou - Agora tem que enterrar o cadáver.


Ele riu ante a brincadeira. Saiu da banheira, esticou os braços e a levantou.


Hermione ficou encantada ao sentir sua pele nua enquanto a levava até a cama e a secava com a toalha.


Muito lentamente e com muito cuidado, utilizou o penhoar de um modo que Hermione juraria que a ninguém lhe tinha feito antes. Passou-o sensualmente por seus ombros, seus braços e seus seios, e depois desceu até o estômago riscando sensuais espirais.


- Abre suas pernas para mim, Hermione.


Sem força de vontade alguma, ela obedeceu.


Hermione gemeu ao sentir a felpuda peça sobre a trêmula carne de seu sexo. Subitamente o penhoar foi substituído pelos dedos de Harry.


- Harry, por favor. Não acredito que possa suportá-lo de novo.


Ele não fez conta. Nem sequer seu próprio corpo teve em conta sua opinião. E para sua surpresa, um novo orgasmo a assaltou.


Harry se inclinou e lhe sussurrou ao ouvido:


- Poderíamos seguir assim toda a noite.


Ela o olhou aos olhos e então se deu conta do alcance da maldição: seu membro estava ainda completamente ereto e tinha a frente coberta de suor.


Como podia suportar vê-la gozar uma e outra vez sabendo que ele não poderia fazê-lo?


Pensando tão somente no amor que sentia por ele, incorporou-se até ficar sentada e o beijou.


Harry se voltou atrás com um movimento violento. Caiu ao chão a agitando-se como se lhe golpeassem.


Aterrorizada pelo que tinha feito, Hermione desceu da cama.


- Sinto. - disse ao chegar junto a ele - Esqueci.


Harry se girou nesse instante para olhá-la. Tinha os olhos daquela espantosa cor escura.


Tremia como se estivesse lutando por afastar-se da loucura. Foi o medo no rosto de Hermione o que finalmente o ajudou a acalmar-se.


Afastou-se dela como se fosse venenosa.


Hermione o observou enquanto utilizava os degraus de sua cama como apoio para ficar em pé.


- Cada vez é pior. - disse com voz afogada.


Hermione não podia falar. Não podia suportar vê-lo sofrer daquela maneira. E odiava a si mesmo por havê-lo levado até o bordo do abismo.


Sem olhá-la sequer, Harry recolheu sua roupa e saiu do quarto.


Passaram vários segundos antes que Hermione pudesse mover-se. Quando finalmente conseguiu ficar de pé, abriu a cômoda para tirar um pouco de roupa e seus olhos ficaram cravados sobre a caixa que continha os grilhões.


Quantos dias mais teriam antes que o perdesse para sempre?


 


 


CAPÍTULO 14


 


Os dias seguintes foram os melhores da vida de Hermione. Uma vez se acostumou à regra que Harry impôs, que proibia os beijos e as carícias íntimas e incitantes, desenvolveram uma relação agradável que foi quase uma surpresa para ela.


Passava os dias no trabalho, almoçava freqüentemente com Harry e Gina, e dedicava as noites a tombar-se entre seus maravilhosos braços.


Entretanto, com cada dia que passava, saber que ia abandonar ao final do mês a deixava destroçada.


Como ia suportar?


Embora a idéia não abandonava nunca sua mente, negou-se a pensar nisso constantemente. Viveria o momento e se preocuparia do manhã quando chegasse.


No sábado de noite foram com a Gina e Draco no Tip’s, no Bairro Francês. Embora com bastante mais afluência de turistas que o original Tippitinas’s, era a noite do Zydeco e ela queria que Harry escutasse a música que Nova Orleans fazia famosa.


- Né! - Disse-lhes Gina enquanto se aproximavam da mesa, no fundo do local - Começava a me perguntar se ia deixar-nos sozinhos.


Hermione se sentiu avermelhar ao recordar o motivo de seu atraso. Algum dia destes aprenderia a fechar a porta do banho enquanto tomava banho…


- Olá Harry, Hermione. - lhes saudou Draco.


Hermione sorriu ao ver o gesso do braço do Draco que Gina tinha decorado com pintura fluorescente.


Harry inclinou a cabeça a modo de saudação enquanto retirava uma cadeira para que Hermione se sentasse e, depois, fez o próprio a seu lado. Assim que apareceu o garçom pediram cervejas e nachos, e Gina começou a seguir o ritmo da música golpeando a mesa com a mão.


- Vamos, Gi. - disse Draco mal-humorado - Será melhor que dancemos antes que tenha que te matar por esse ruído insuportável.


Com uma ligeira pontada de inveja, Hermione observou como se afastavam.


- Você gostaria de dançar? - perguntou-lhe Harry.


Lhe encantava dançar, mas não queria que Harry passasse um mau momento. Em sua mente não havia dúvidas de que ele não sabia dançar música moderna. Mas, ainda assim, foi um convite muito terno por sua parte.


- Não, não passa nada.


Mas ele não a escutou. Ficou em pé e lhe estendeu a mão.


- Sim, claro que vai dançar.


Logo que chegaram à pista de baile, Hermione compreendeu que aquele homem dançava tão bem como beijava.


Harry conhecia cada passo e dava a sensação de que tinha nascido dançando. De fato, seus movimentos eram elegantes sem perder o toque masculino e fascinante. Hermione nunca tinha visto ninguém dançar assim. E pelos invejosos olhares femininos que sentia cravadas nela, podia imaginar-se que todas aquelas mulheres tampouco tinham presenciado nada semelhante.


Quando o grupo terminou de tocar se sentia excitada e estava sem fôlego.


- Como…?


- Foi o presente do Terpsícore. - lhe respondeu Harry enquanto lhe passava o braço pelos ombros e a mantinha fortemente pega a seu corpo.


- De quem?


- Da deusa da dança.


Hermione sorriu.


- Me recorde que lhe envie uma nota de agradecimento.


Ao começar a seguinte canção, Harry olhou fixamente a sua esquerda e franziu o cenho.


- Passa algo? - perguntou ela, enquanto seguia a direção de seu olhar.


Ele meneou a cabeça e se esfregou os olhos.


- Devo estar vendo visões.


- O que viu?


Harry voltou a olhar entre a multidão, procurando o homem loiro e alto que acabava de ver pela extremidade do olho. Embora logo que tinha captado sua imagem, juraria que se tratava do Kyrian da Tracia.


Com algo mais de um e noventa de estatura, ao Kyrian sempre tinha resultado difícil perder-se entre a multidão e, além disso, seu modo de andar era bastante distintivo, já que tinha uma aura letal.


Mas pensar que Kyrian estivesse nessa época era algo impossível. Devia ser a loucura que voltava a fazer racho nele, agora começava a ver visões.


- Nada. - respondeu.


Afastou o tema de sua mente e a olhou com um sorriso. A seguinte canção era lenta e a atraiu para seus braços, mantendo-a muito perto de seu corpo, ao tempo que se moviam brandamente ao ritmo da música. Hermione lhe rodeou o pescoço e apoiou a cabeça em seu peito, podia inalar o quente aroma a sândalo que desprendia Harry. Não sabia como, mas aquele aroma conseguia que perdesse a cabeça por completo e que a boca lhe enchesse de água.


Com a bochecha apoiada sobre a cabeça de Hermione, Harry começou a lhe acariciar o cabelo enquanto ela escutava os batimentos do coração de seu coração. Hermione poderia ficar assim para sempre.


Mas a peça terminou logo. E depois de duas canções rápidas, Hermione teve que retornar a seu assento. Simplesmente, não tinha a resistência de Harry.


Ao encaminhar-se para a mesa, deu-se conta de que Harry nem sequer tinha a respiração alterada, mas isso sim, sua frente estava coberta de suor.


Lhe afastou a cadeira. Sentou-se muito perto dela e segurou sua jarra de cerveja para tomar um grande gole.


- Harry! - disse Gina com uma gargalhada - Não tinha nem idéia de que podia te mover assim.


Draco pôs os olhos em branco.


- Pensamentos luxuriosos de novo, Gi?


Gina lhe deu um murro a seu marido no estômago.


- Sabe que não é isso. Você é o único brinquedo com o que gosta de jogar.


Draco olhou a Harry com ceticismo.


- Sim, claro.


Hermione viu como o rosto de Harry se escurecia.


- Está bem? - perguntou-lhe.


Lhe respondeu com seu sorriso infestado de covinhas e a ela lhe esqueceu a pergunta.


Permaneceram sentados em silêncio escutando ao grupo, enquanto Harry e Hermione se ofereciam nachos o um ao outro.


Quando Hermione afastou a mão dos lábios dele, Harry a capturou e a levou de novo à boca para chupar um pouco de queijo que lhe tinha ficado pego na ponta de um dedo. Passou a língua sobre sua pele e Hermione sentiu que o corpo lhe estalava em chamas.


Não pôde mais que rir ao notar como o desejo a consumia. Como desejava haver ficado em casa. Adoraria tirar a roupa a Harry e lamber queijo fundido sobre seu corpo toda a noite!


Definitivamente, ia acrescentar Cheez Whiz à lista da compra.


Com os olhos brilhantes, Harry levou a mão de Hermione até seu colo e começou a lhe mordiscar o pescoço antes de apartar-se e tomar outro gole de cerveja.


- Gina. - lhe disse Draco chamando a atenção de sua esposa, que estava olhando a Hermione e Harry. Ofereceu-lhe um guardanapo - Seguro que quer te limpar a baba que te goteja pelo queixo.


Gina pôs os olhos em branco.


- Mione, preciso ir ao banheiro. Vamos.


Harry se voltou para trás para deixá-la passar. Observou como Hermione se perdia entre a multidão e, quase imediatamente, as mulheres começaram a aproximar-se.


O estômago lhe contraiu. Por que sempre tinham que revoar a seu redor? Nesse momento, desejou que por uma vez em sua vida pudesse sentar-se tranqüilo sem ter que manter a raia um punhado de mulheres, das quais nem sequer conhecia seus nomes, antes que começassem a acossá-lo.


- Olá nenê. - paquerou uma atrativa loira, que foi primeira em chegar a seu lado - Gosto de como dança. Que tal se…?


- Não estou sozinho. - lhe respondeu ele, entrecerrando os olhos a modo de advertência.


- Com ela? - riu a mulher enquanto assinalava com um dedo para o lugar por onde Hermione havia desaparecido - Vá. Pensei que tinha perdido uma aposta ou algo assim.


- Eu pensei que o fazia por pena. - comentou outra mulher que se aproximou junto a uma morena.


Dois homens surgiram nesse momento de entre a multidão.


- O que fazem aqui vocês três? - perguntaram os moços a suas companheiras.


As mulheres contemplaram contritas a Harry.


- Nada. - ronronou a loira, olhando-o por última vez antes de dar volta e partir.


Os homens o olharam furiosos.


Ele levantou uma sobrancelha com um gesto zombador e tomou outro gole de cerveja com total normalidade. Os moços deram conta de que a idéia de brigar com ele era bastante estúpida, porque se reuniram com suas garotas e partiram.


Harry suspirou aborrecido. Não importava a época em que se encontrasse, algumas coisas não mudavam.


- Ouça. - lhe repreendeu Draco elevando-se um pouco por cima da mesa - Sei que ultimamente passa muito tempo com minha mulher. Por seu bem, espero que não te esteja metendo em meu território. Entendeste-me?


Harry tomou uma funda baforada de ar. Draco não, ele não.


- Se por acaso não notou, só estou interessado em Hermione.


- Sim, claro. - resmungou Draco - Não tente me confundir, Hermione me cai muito bem, mas não sou idiota. Não posso acreditar que seja o tipo de homem que se conforma com um hambúrguer quando tem um montão de suculentos lombos de vitela esperando-o.


- Sinceramente, importa-me uma merda o que acredita.


Hermione vacilou quando Gina e ela retornaram junto a Harry e Draco. A tensão de Harry era evidente. Sustentava a cerveja com tanta força que se surpreendia de que a garrafa não tivesse estalado, feita pedacinhos.


- Draco. - lhe disse Gina enquanto lhe acontecia os braços ao redor do pescoço - Te importaria muito se dançar com o Harry?


- Caramba, claro que me importa.


Imediatamente, Harry se desculpou e se aproximou do bar.


Hermione o seguiu com rapidez.


Pediu outra cerveja quando ela chegou a seu lado.


- Está bem? - perguntou-lhe.


- Estupendamente.


Mas não o parecia. Definitivamente, não parecia estar bem.


- Sabe uma coisa? Sei quando não está sendo sincero comigo. E agora confessa Harry. O que acontece?


- Deveríamos partir.


- Por quê?


Harry lançou um rápido olhar a Gina e Draco.


- Acredito que seria o mais sensato.


- Por quê?


Harry grunhiu.


Antes que pudesse lhe responder, três homens apareceram atrás dele e, por suas expressões, Harry intuiu que não estavam muito contentes.


Pior ainda, parecia que Harry era a fonte de todos seus problemas.


O maior era um monstruoso fisioculturista, sete centímetros mais baixo que Harry, mas bastante musculoso e volumoso. Fez uma espécie de careta ao olhar as costas de Harry de cima abaixo. E, nesse instante, Hermione o reconheceu.


Paul.


O coração começou a lhe pulsar com rapidez. Fisicamente, tinha mudado muitíssimo com os anos. Tinha o rosto mais redondo, com rugas prematuras ao redor dos olhos, e tinha perdido muito cabelo. Mas ainda conservava o mesmo sorriso zombador.


- Este era o que estava com Amber. - lhe disse um de seus acompanhantes.


Uma calma mortal rodeou a Harry, fazendo que Hermione se estremecesse de medo. Ela não sabia do que era capaz e, por isso estava vendo, Paul não tinha trocado por dentro tanto como por fora. Um garotão de anúncio, rodeado de seguidores, que sempre se movia com seu séquito. Tudo o que fazia tinha que ser notório para deixar claro seu poder. Com esse ego de fanfarrão de praia, estava claro que não iria até que conseguisse enredar a Harry em uma briga.


Quão único esperava era que seu general tivesse mais sentido comum e não caísse na armadilha.


- Necessitam algo? - perguntou, sem olhar ao Paul nem a seus amigos.


Paul riu e aplaudiu a um dos seus no peito.


- Que sotaque é esse? Tem voz de apito. Pensava que o menino bonito ia atrás de minha garota, mas por sua pinta e por sua voz, acredito que ia atrás de um de vós.


Harry se girou e olhou furioso ao Paul. A qualquer outra pessoa com melhor senso, esse olhar a teria feito retirar-se.


Paul, é obvio, carecia de bom senso. Não tinha tido nunca nenhum pingo de sentido comum.


- O que passa contigo, menino bonito? - burlou-se Paul - Te ofendi? - Olhou a seus amigos e meneou a cabeça - O que pensava, é uma joaninha covarde com voz de apito.


Harry soltou uma gargalhada sinistra.


- Venha Harry. - lhe repreendeu Hermione, agarrando-o do braço antes que as coisas ficassem pior - Vamos.


Paul a olhou com aquela risadinha zombadora e então a reconheceu.


- Vá, vá, vá. Hermione Alexander Granger. Faz muito que não nos vemos. - Deu-lhe uma palmada nas costas ao moço moreno que estava a seu lado - Ouça, Tom, lembra-te de Hermione, a da faculdade? Sua calcinha branca me fizeram ganhar nossa aposta.


Harry ficou paralisado ante suas palavras.


Hermione sentia que a velha dor voltava, mas se negou a demonstrá-lo. Jamais lhe daria esse gosto ao Paul de novo.


- Não admira que fora atrás de Amber. - seguiu Paul - Provavelmente queria provar a uma mulher que não estivesse todo o momento chorando enquanto a transa.


Harry girou para o Paul com tal rapidez que Hermione apenas se foi capaz de perceber o movimento. Paul se moveu um pouco, mas Harry se agachou e lhe lançou um murro às costelas que o enviou até a multidão, que se amontoava uns metros atrás deles. Com uma maldição, jogou-se em plena carreira para o Harry. Ele se inclinou um pouco, deu-lhe uma rasteira e o empurrou fazendo-o voar pelos ares.


Paul aterrissou sobre as costas.


Antes que pudesse mover-se, Harry colocou o pé sobre sua garganta e lhe sorriu com tal frieza que Hermione começou a tremer da cabeça aos pés.


Paul segurou o pé de Harry com as duas mãos e tentou apartá-lo. Começou a agitar-se pelo esforço, mas Harry não se afastou.


- Sabia… - lhe perguntou Harry com um tom de voz tão pragmático que era realmente atemorizante -… que só são necessários pouco mais de dois quilos para te esmagar o esôfago por completo?


Os olhos e os braços do Paul começaram a inchar-se quando Harry exerceu mais pressão sobre seu pescoço.


- Cara, por favor. - suplicou Paul enquanto tentava tirar o pé de Harry de cima - Por favor, não me faça mal, vale?


Hermione conteve o fôlego, aterrada, ao ver que Harry lhe pisava ainda com mais força.


Tom se aproximou deles.


- Lhe faça - advertiu Harry - e tiro o seu coração para que seu amigo o coma.


Hermione ficou gelada ao ver o olhar dos olhos de Harry. Este não era o homem terno que fazia o amor pelas noites. Este era o rosto do general que uma vez tinha mandado ao inferno aos romanos mais valentes.


Não duvidava nem por um só instante que Harry podia levar a cabo a ameaça. E por quão rápido o sangue abandonou o rosto do Tom, Hermione soube que o homem também acreditou.


- Por favor. - voltou a implorar Paul, começando a chorar - Por favor, não me faça mal.


Hermione engoliu em seco enquanto essas palavras a assaltavam, quão mesmas ela pronunciou chorando na cama do Paul.


Foi então quando Harry a olhou aos olhos. Ela viu a fúria e o desejo de acabar com o Paul. Por ela.


- Deixa-o, Harry. - lhe disse em voz baixa - Não vale a pena. A seu lado não vale nada.


Harry olhou ao Paul com os olhos entrecerrados.


- Os covardes inúteis como você são esquartejados como treinamento ali de onde venho.


Quando Hermione pensava que ia matar Paul, Harry afastou o pé.


- Te levante.


Esfregando o pescoço, Paul ficou em pé lentamente.


O olhar gélido e letal de Harry fez que Paul se encolhesse.


- Deve-lhe uma desculpa a minha mulher.


Paul limpou o nariz com o dorso da mão.


- Sinto muito.


- Diga-o como se o sentisse de verdade. - o ameaçou Harry em voz baixa.


- Sinto muito, Hermione. De verdade. Sinto-o muitíssimo.


Antes que ela pudesse responder, Harry passou um braço por seus braços em um gesto possessivo e saíram a passo tranqüilo do local.


Nenhum deles falou até que chegaram ao carro. Hermione notava que algo ia muito mal com o Harry. Estava totalmente tenso, como a corda de um arco.


- Oxalá tivesse deixado matá-lo. - disse Harry, enquanto ela procurava as chaves do carro no bolso dos jeans.


- Harry…


- Não tem nem idéia do que me custa deixá-lo partir. Não sou o tipo de homem que está acostumado a deixar de lado uma situação como esta. - confessou enquanto golpeava com força o teto do carro com a palma da mão para depois girar-se rapidamente e lançar um grunhido - Maldita seja, Hermione! Houve uma época em que me alimentava das vísceras de moços como esse. E passei que isso a…


Harry duvidou um instante quando dois mil anos de lembranças reprimidas afluíram a sua mente. Voltou a ver-se como o respeitado líder que foi. O herói da Macedônia. O homem que uma vez conseguiu que legiões completas de romanos se rendessem ante a simples aparição de seu estandarte.


E depois viu no que se converteu. Em uma casca vazia. Em um cobiçado mascote, submetido à vontade daquela que o invocasse.


Durante dois mil anos tinha vivido sem emoções e sem pronunciar mais que um punhado de palavras.


Tinha encontrado o ponto exato que lhe permitia sobreviver. E se tinha deixado arrastar.


Até que Hermione chegou e descobriu sua faceta humana…


Ela observou a miríade de emoções que cruzaram pelo rosto de Harry. Ira, confusão, horror e, finalmente, uma terrível agonia. Aproximou-se até o outro lado do carro, onde ele estava, mas não deixou que o tocasse.


- É que não vê? - perguntou-lhe com um tom brusco por causa das intensas emoções - Já não sei quem sou. Na Macedônia sabia quem era, depois me converti nisto. - disse, enquanto levantava o braço para que Hermione pudesse ver as palavras que Priapus gravou a fogo - E você mudou tudo. - acabou, olhando-a fixamente.


A angústia que refletiam seus olhos rasgava a Hermione.


- Por que tiveste que me mudar, Hermione? Por que não me deixou como estava? Tinha aprendido, à força de vontade, a não sentir nada. Simplesmente vinha a este mundo, fazia o que me ordenavam e partia. Não desejava nada. E agora… - olhou a seu redor, como um homem imerso em um pesadelo do que não pode escapar.


Ela esticou o braço.


- Harry…


Negando com a cabeça, ele se afastou de sua mão.


- Não! - exclamou, passando a mão no cabelo - Não sei aonde pertenço. Não entende.


- Então, explique-me isso. - lhe suplicou Hermione.


- Como vou explicar-te o que é caminhar entre dois mundos e ser desprezado por ambos? Não sou humano, nem tampouco um deus, sou um híbrido abominável. Não tem idéia de como cresci: minha mãe entregou a meu pai, que entregou a sua esposa, que entregava a qualquer que estivesse perto para me afastar de seu olhar. E durante os últimos vinte séculos não fui mais que uma moeda de permuta, algo que se podia comprar e vender. Passei toda minha vida procurando um lugar ao que pudesse chamar lar. Procurando a alguém que me quisesse pelo que sou, não por meu rosto nem por meu corpo. - A tortura que refletiam seus olhos feria Hermione como uma queimadura.


- Eu te quero, Harry.


- Não, não é certo. Como pode querer-me?


Ela ficou boquiaberta ante sua pergunta.


- Melhor perguntar como não ia querer. Meu deus, jamais em minha vida desejei estar junto a alguém como agora desejo estar contigo.


- É luxúria, nada mais.


Isso sim conseguiu zangá-la. Como se atrevia a desprezar seus sentimentos como se fossem algo corriqueiro! O que sentia por ele era muito mais profundo que a mera luxúria, era algo que lhe chegava até a alma.


- Não me diga o que sinto ou o que não. Não sou uma menina.


Harry meneou a cabeça, incapaz de acreditar suas palavras. Tratava-se da maldição. Tinha que ser isso. Ninguém podia amá-lo. Ninguém o tinha feito nunca, desde dia em que nasceu.


Mas que Hermione o amasse…


Seria um milagre. Seria…


A glória. E ele não tinha nascido para saboreá-la.


«Sofrerá como nenhum outro homem o tem feito.»


Só se tratava de outro estratagema dos deuses. Outro cruel engano concebido para castigá-lo.


E já estava cansado. Exausto e esgotado pela luta. Só queria escapar ao sofrimento. Procurava um porto onde refugiar-se daqueles aterradores sentimentos que o assaltavam cada vez que a olhava.


Hermione apertou os dentes ao ver a negativa nos olhos de Harry. Mas, quem podia culpá-lo?


Tinham-no ferido em incontáveis ocasiões. Mas de algum modo, de alguma forma, conseguiria lhe provar o muito que significava para ela.


Tinha que fazê-lo. Porque perdê-lo significaria a morte para ela.


 


 


CAPÍTULO 15


 


Harry manteve a distância entre eles o que ficava do fim de semana. Por muito que Hermione tentava derrubar a barreira que o rodeava, ele a afastava sem duvidá-lo.


Nem sequer queria que lhe lesse.


Totalmente desconsolada, foi ao trabalho na segunda-feira pela manhã, mas nem sequer deveria haver-se incomodado em ir à consulta. Não podia concentrar-se em outra coisa que não fossem seus celestiais olhos azuis, carregados de confusão.


- Hermione Alexander Granger?


Hermione levantou o olhar do escritório e viu uma mulher loira, incrivelmente formosa, de pouco mais de vinte anos que estava parada no vão da porta. Parecia que acabava de sair de um desfile de modas na Europa, com aquele traje de seda vermelha do Armani e as meias e os sapatos a jogo.


- Sinto-o. - lhe disse Hermione - Minha hora de visitas acabou. Se quiser voltar amanhã…


- Tenho aspecto de necessitar a uma sexóloga?


Ao primeiro olhar, não. Mas claro, Hermione tinha aprendido há muito tempo a não fazer julgamentos apressados sobre os problemas das pessoas.


Sem que a convidasse, a mulher entrou tranqüilamente a sua sala com um andar presunçoso e elegante que lhe parecia estranhamente familiar. Caminhou para a parede onde estavam pendurados os títulos e certificados de Hermione.


- Impressionante. - lhe disse. Mas seu tom expressava justamente o contrário.


Voltou-se para observar concisamente a Hermione e, pela careta zombadora em seu rosto, esta soube que a mulher a encontrava seriamente deficiente.


- Não é o bastante formosa para ele, sabe? Muito baixa e muito rechonchuda. E onde encontraste esse vestido?


Completamente ofendida, Hermione adotou uma postura rígida.


- Como diz?


A mulher ignorou sua pergunta.


- Me diga, não te incomoda estar perto de um homem como Harry, sabendo que se tivesse oportunidade, jamais quereria estar contigo? Tem um corpo tão bem formado, é tão elegante… Tão forte e cruel… Sei que nunca antes tiveste atrás de ti um homem como ele, e jamais voltará ao ter.


Atônita, Hermione não era capaz de falar.


E tampouco teve que fazê-lo, a mulher seguiu sem deter-se.


- Seu pai era como ele. Imagine a Harry com o cabelo loiro, um pouco mais baixo e de aparência mais vulgar, não tão refinado. Mas ainda assim, esse homem tinha umas mãos que… Mmm… - Sorriu pensativamente, com o olhar perdido - É obvio Diocles tinha todo o corpo marcado por horríveis cicatrize das batalhas, tinha uma espantosa que lhe atravessava a bochecha esquerda. - Entrecerrou os olhos com ira - Jamais esquecerei o dia que tentou marcar a Harry com uma adaga, para lhe fazer essa mesma cicatriz. Nesse momento desejei que vivesse o suficiente para arrepender-se dessa infração, mas me assegurei de que não o fizesse. Harry é fisicamente perfeito, e jamais permitirei que ninguém danifique a beleza que eu lhe dei. - A fria e calculadora olhada que Afrodite dedicou a Hermione fez que esta se estremecesse. - Não compartilharei a meu filho contigo.


A possessividade das palavras da deusa despertou a ira de Hermione. Como se atrevia a aparecer agora e a dizer tal coisa?


- Se Harry significa tanto para ti, por que o abandonou?


Afrodite a olhou furiosa.


- Acredite que me deixaram outra opção? Zeus se negou a lhe dar a ambrosia, nenhum mortal pode viver no Olimpo. Antes que pudesse sequer protestar, Hermes me tirou ele dos braços e o entregou a seu pai.


Hermione viu o horror no rosto da Afrodite ao recordar aquele momento.


- Minha dor por sua perda ia além dos limites humanos. Inconsolável, encerrei-me para me afastar de tudo. Quando fui capaz de enfrentar a todos eles de novo, tinham passado quatorze anos na terra. Apenas reconheci ao bebê que eu tinha amamentado. E ele me odiava. - Seus olhos brilharam como se estivesse lutando por conter as lágrimas. - Não tem idéia do que é ser mãe, e que esse filho que levaste em seu ventre amaldiçoe até seu próprio nome.


Hermione compreendia sua dor, mas era a Harry a quem amava, e seu sofrimento era o que mais lhe preocupava.


- Alguma vez tentou lhe dizer como se sentia?


- É obvio que o fiz. - espetou a deusa - Enviei Eros com meus presentes. Devolveu-me, com uma mensagem que um filho não deveria lhe dizer a sua mãe jamais.


- Estava ferido.


- E eu também. - gritou Afrodite. Todo seu corpo tremia de fúria.


Desconfiada e bastante assustada pelo que uma deusa zangada pudesse fazer com ela, Hermione observou como Afrodite fechava os olhos e respirava fundo para acalmar-se.


Quando voltou a falar, fez com voz dura e o corpo tenso.


- Ainda assim, enviei de novo ao Eros com mais presentes para o Harry. Rechaçou-os todos. Vi-me obrigada a presenciar como jurava lealdade e serviço a Athena em vingança. - Resmungou o nome da deusa como se a desprezasse. - Foi em seu nome que conquistou cidades com os dons que eu lhe outorguei quando nasceu: a força de Ares, a moderação do Apolo e as benções das Musas e as Graças. Inclusive o inundei no rio Styxx para me assegurar de que nenhuma arma humana pudesse matá-lo ou deixá-lo marcado e, a diferença do que fez Thetis com o Aquiles, afundei também seus tornozelos para que não tivesse nem um só ponto vulnerável. - Meneou a cabeça como se ainda não pudesse acreditar o que Harry fez. - Fiz tudo o que esteve em minhas mãos por esse menino, e ele não me demonstrou a mais mínima gratidão. Nem o respeito que merecia. Finalmente, deixei de tentá-lo. Já que rechaçava meu amor, assegurei-me de que ninguém o amasse jamais.


O coração de Hermione se deteve o escutar o egoísmo da deusa.


- Que fez o que?


Afrodite levantou o queixo, altiva, como uma rainha orgulhosa de seus frite e sangrentas façanhas.


- Amaldiçoei-lhe do mesmo modo que ele o fez comigo. Assegurei-me de que nenhuma mulher humana pudesse olhá-lo sem desejar seu corpo, e de que todo homem que estivesse a seu redor o invejasse profundamente.


Hermione não podia acreditar o que estava ouvindo. Como podia uma mãe ser tão cruel?


E logo que esse pensamento se afastou de sua mente, assaltou-a outro ainda mais horrível:


- Você foi a culpada de que Penélope morresse, verdade?


- Não, isso foi obra de Harry. É obvio que eu estava enfurecida quando Eros me contou o que tinha feito por seu irmão, e também porque Harry tinha ido a ele e não a mim. - Já que não podia desfazer o que a flecha do Eros tinha conseguido, decidi diminuir seus efeitos. O que Harry teve com o Penélope foi algo insípido, e ele sabe. - Afrodite se aproximou até a janela e contemplou a cidade. - Se Harry tivesse ido a mim alguma vez, teria deixado que Penélope o amasse. Mas não o fez. Observei-o aproximar-se dela, noite atrás noite, tomando-a uma e outra vez, e percebi seu mal-estar, sua angústia porque sabia que sua esposa não o amava. E ainda seguia me rechaçando e me amaldiçoando. Foram as lágrimas que derramei por ele ao longo dos anos o que pôs ao Priapus em seu contrário. Sempre foi o mais leal de meus filhos. Devia detê-lo logo que soube que queria o sangue de Harry, mas não o fiz. Ansiava que a ira do Priapus conseguisse que Harry me buscasse e implorasse minha ajuda. -Apertou os dentes. - Mas não o fez.


Hermione compreendia sua dor, mas isso não mudava o que lhe tinha feito a seu filho.


- Como é que Harry acabou sendo amaldiçoado?


A deusa engoliu em seco.


- Tudo começou a noite que Athena contou ao Priapus que não existia outro homem mais valente e forte que Harry. Ela o desafiou a enfrentar a seu melhor general com o Harry. Dois dias mais tarde, contemplei como Harry cavalgava para a batalha e soube que não perderia. Quando venceu ao exército romano, Priapus se enfureceu. Eros deu com a língua nos dentes e lhe contou o que tinha feito. Imediatamente, Priapus foi em busca de Jasão e Penélope. Eu não sabia as repercussões que ia ter. - envolveu a cintura com os braços. - Nunca tive intenção de que os meninos morressem. Não imagina as vezes que me pergunto ao fim do dia por que deixei que ocorresse aquilo.


- Não houve nenhum modo de evitá-lo?


Afrodite negou tristemente com a cabeça.


- Inclusive meus poderes estão limitados pelas Parcas. Quando Harry se dirigiu a meu templo, depois de vê-los todos mortos, contive o fôlego pensando que por fim ia em busca de minha ajuda. E então viu essa porca com a túnica do Priapus que se jogou em seus braços e lhe pediu que tomasse sua virgindade antes que tivesse lugar a cerimônia em que seria reclamada por meu outro filho. Se Harry tivesse pensado com claridade, sei que a teria rechaçado. - O rosto da deusa escureceu pela fúria. - Se não tivesse sido por Alexandria, esse dia meu filho tivesse vindo a mim. Sei que teria pedido minha ajuda. Mas era muito tarde. Tudo acabou no mesmo momento em que se derramou nela.


- E ainda assim te negou a ajudá-lo?


- Como podia escolher entre dois de meus filhos?


Hermione se horrorizou ante a pergunta.


- E não foi isso o que fez quando permitiu que encerrassem a Harry em um pergaminho?


Os olhos da Afrodite brilharam com tal malícia que Hermione deu um passo atrás.


- Harry foi quem me rechaçou. Tudo o que tinha que fazer era me pedir ajuda e eu a teria dado.


Hermione não podia acreditar o que estava ouvindo. Para ser uma deusa, Afrodite era bastante egoísta e sem nenhum sentido.


- Toda esta tragédia porque nenhum dos dois quis rebaixar-se a suplicar ao outro. Não posso acreditar que concedesse a Harry a força de Ares e logo o amaldiçoara por essa força que você mesma lhe outorgou. Em lugar de esperá-lo ou de enviar a outros em seu nome, não te ocorreu alguma vez ir em pessoa?


Afrodite a olhou furiosa e indignada.


- Eu sou a Deusa do Amor, como quer que me arraste? Tem a mais ligeira idéia de quão embaraçoso é para mim que meu próprio filho me odeie?


- Embaraçoso? Tem ao resto do mundo para te amar. Harry não tem a ninguém.


Afrodite se aproximou dela, furiosa.


- Te afaste dele. Advirto-lhe isso.


- Por quê? Por que me ameaça quando não o fez com Penélope?


- Porque ele não a amava.


Hermione ficou paralisada.


- Está me dizendo…?


A deusa se esfumou.


- Venha já! - gritou Hermione olhando ao teto - Não pode te esfumaçar em meio de uma conversa!


- Hermione?


A voz do Beth fez que desse um coice. Girando-se imediatamente, viu-a aparecendo pela porta.


- Com quem está falando? - perguntou-lhe Beth.


Hermione fez um gesto abrangendo a sala e depois pensou que não seria muito inteligente lhe dizer a sua companheira a verdade.


- Comigo mesma.


Beth a olhou sem acreditar.


- Tem o costume de gritar a ti mesma?


- Às vezes.


Beth levantou uma de suas escuras sobrancelhas.


- Parece-me que necessita uma sessão. - comentou enquanto se afastava.


Fazendo caso omisso de sua companheira, Hermione não perdeu tempo em recolher suas coisas. Estava desejando chegar a casa para ver o Harry.


 


Logo que abriu a porta soube que algo ia mal. Harry não saiu a recebê-la.


- Harry? - chamou-o.


- Vamos.


Hermione deixou as chaves e o correio sobre a mesa, e subiu os degraus de dois em dois.


- Não vais acreditar quem passou hoje pela… - sua voz se desvaneceu ao chegar à porta de seu dormitório e ver o Harry com uma mão encadeada as barras da cama, estendido no centro do colchão, sem camisa e com a frente coberta de suor. - O que está fazendo? - perguntou-lhe morto de medo.


- Não posso lutar mais, Hermione. - lhe respondeu respirando entrecortadamente.


- Tem que tentá-lo.


Ele meneou a cabeça.


- Necessito que me encadeie a outra mão. Não chego.


- Harry…


Ele a interrompeu com uma amarga e brusca gargalhada.


- Não é irônico? Tenho que te pedir que me encadeie quando todas as demais o faziam livremente às poucas horas de me apresentar diante delas. - Olhou-a diretamente aos olhos - Faz, Hermione. Não poderia seguir vivendo se te fizesse mal.


Com o coração em um punho, ela cruzou o quarto até chegar junto à cama.


Quando esteve bastante perto, Harry esticou o braço e acariciou sua bochecha. Aproximou-a até ele e a beijou, tão profundamente que Hermione pensou que ia deprimir-se.


Foi um beijo feroz e exigente. Um beijo que falava de desejo. E de promessas.


Harry mordiscou seus lábios e a afastou.


- Faz.


Hermione passou o grilhão de prata pelas barras da cabeceira.


O alívio de Harry foi evidente. Até esse momento, Hermione não se deu conta de quão tenso tinha estado durante na semana anterior. Apoiou a cabeça no travesseiro e, com dificuldade, respirou fundo.


Hermione se aproximou e lhe passou uma mão pela frente.


- Deus santo! - ofegou. Estava tão quente que quase lhe fez uma queimadura - O que posso fazer?


- Nada, mas obrigado por perguntar.


Hermione foi para o closet em busca de sua roupa. Quando começou a desabotoá-la blusa, Harry a deteve.


- Por favor, não o faça diante de mim. Se vir seus seios… - Jogou a cabeça para trás como se alguém lhe tivesse aplicado um ferro escaldante.


Hermione foi consciente nesse momento de quão acostumada estava a sua presença, não tinha pensado em despir-se em outro lado.


- Sinto. - se desculpou.


Trocou-se no banheiro e molhou umas toalhas para colocar-lhe na frente.


Voltou para o quarto para refrescá-lo.


Acariciou-lhe o cabelo, empapado de suor.


- Está ardendo.


- Sei. Sinto-me como se estivesse em um leito de brasas.


Gemeu quando Hermione lhe aproximou a toalha fria.


- Não me contaste que tal te foi o dia. - lhe disse sem fôlego.


Hermione ofegou ao sentir que o amor e a felicidade a invadiam. Todos os dias Harry o fazia essa pergunta. Todos os dias contava as horas para retornar pra casa junto a ele.


Não sabia o que ia fazer quando partisse.


Obrigando-se a não pensar nisso, concentrou-se em cuidá-lo.


- Não há muito que contar. - sussurrou. Não queria curvá-lo com o que sua mãe lhe tinha confessado. Não enquanto estivesse assim. Já o tinham ferido o bastante, e não seria ela a que aumentasse sua dor - Tem fome? - perguntou-lhe.


- Não.


Hermione se sentou a seu lado. Passou toda a noite lhe lendo e refrescando-o.


Harry não dormiu. Não pôde. Só era consciente da pele de Hermione quando o tocava e de seu doce perfume floral. Invadia seus sentidos e fazia que a cabeça lhe desse voltas. Todas as fibras de seu corpo lhe exigiam que a possuísse.


Com os dentes apertados, puxou as correntes de prata que capturavam seus pulsos e lutou contra a escuridão que ameaçava devorá-lo. Não queria render-se.


Não queria fechar os olhos e desperdiçar o pouco tempo que ficava para estar junto a Hermione enquanto ainda estivesse cordato. Se deixava que a escuridão o consumisse não despertaria até estar de volta no livro. Sozinho.


- Não posso perdê-la. - murmurou. A simples idéia de perdê-la fazia pedaços o pouco que ficava de coração.


O relógio de parede deu três. Hermione tinha dormido fazia muito pouco. Tinha a cabeça e a mão apoiadas sobre seu abdômen e seu fôlego lhe acariciava o estômago.


Podia sentir seu cabelo lhe roçando a pele, a calidez de seu corpo filtrando-se por seus poros até lhe chegar à alma.


O que daria de poder tocá-la…


Fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e se permitiu sonhar pela primeira vez há séculos. Sonhou passando noites inteiras junto a Hermione.


Sonhou que chegava o dia em que podia amá-la como se merecia. Um dia em que ele seria livre para poder entregar-se a ela. Sonhou em ter um lar junto a Hermione.


E sonhou com meninos de alegres olhos cinza, e doces e travessos sorrisos.


Ainda estava sonhando quando a luz do amanhecer começou a filtrar-se pelas janelas e o relógio deu seis. Hermione despertou.


Esfregou a bochecha sobre seu peito, acariciando o de tal modo que para o Harry supôs uma tortura.


- Bom dia. - o saudou sorridente.


- Bom dia.


Hermione se mordeu o lábio ao passear o olhar sobre seu corpo e enrugou a frente pela preocupação.


- Está seguro que temos que fazer isto? Não te posso libertar um pouco?


- Não! - exclamou com ênfase.


Hermione segurou o telefone e marcou o número da consulta para falar com o Beth.


- Não irei por uns dias, pode atender alguns de meus pacientes?


Harry franziu o cenho ao escutá-la.


- É que não vai trabalhar? - perguntou-lhe assim que pendurou.


Hermione não podia acreditar que lhe fizesse essa pergunta.


- E te deixar aqui tal como está?


- Estarei bem.


Ela o olhou como se tornou completamente louco.


- E se passasse algo?


- Como o que?


- Pode haver um incêndio ou alguém pode entrar e te fazer qualquer coisas enquanto está aí indefeso.


Harry não discutiu. Entusiasmou-lhe o fato de vê-la tão disposta a ficar junto a ele.


No meio da tarde, Hermione foi testemunha de que a maldição piorava. Cada centímetro do corpo de Harry estava coberto de suor. Os músculos dos braços estavam totalmente tensos e logo que falava, quando o fazia, apertava os dentes.


Mas seguia olhando-a com um sorriso, e seus olhos eram quentes e alentadores enquanto seus músculos se contraíam com contínuos espasmos e suportava o sofrimento que ameaçava devorando-o.


Hermione seguiu refrescando-o, mas logo que aproximava a toalha a sua pele se esquentava tanto que logo que não era capaz de tocá-la depois.


Quando chegou a meia-noite Harry delirava.


Observou impotente como se agitava e amaldiçoava como se um ser invisível estivesse lhe arrancando a pele a tiras. Hermione nunca tinha visto algo assim. Estava lutando tanto que quase temia que derrubasse a cama.


- Não posso suportar isto. - sussurrou. Baixou correndo as escadas e chamou a Gina.


 


Uma hora depois, Hermione abriu a porta a Gina e a sua irmã Tiyana. Com o cabelo negro e os olhos azuis, Tiyana não se parecia em nada a Gina. Era uma das poucas sacerdotisas brancas de vudu, tinha uma loja de artigos mágicos e era guia turística pelo cemitério as sextas-feiras de noite.


- Não sabem quanto lhes agradeço que tenham vindo. - lhes disse Hermione ao fechar a porta, uma vez passaram ao saguão.


- Não é nada. - lhe respondeu Gina.


Tiyana levava um timbal sob o braço e ia vestida com um singelo vestido marrom.


- Onde está?


Hermione as levou ao andar superior.


Tiyana pôs um pé no quarto e ficou paralisada ao ver o Harry sobre a cama preso de contínuas convulsões e amaldiçoando a todo o panteão grego.


A cor abandonou seu rosto.


- Não posso fazer nada por ele.


- Tiyana. -a repreendeu Gina - Tem que tentá-lo.


Com os olhos abertos como pratos pelo medo, Tiyana meneou a cabeça.


- Quer um conselho? Sela este quarto e deixa-o até que retorne de onde veio. Há algo tão maligno e poderoso observando-o que não me atrevo a lhe fazer frente. - Olhou a Gina - Não percebe o ódio?


Hermione começou a tremer ao escutar a Tiyana, e seu coração começou a pulsar cada vez mais rápido.


- Gina? - chamou a sua amiga. Necessitava desesperadamente que alguém aliviasse o sofrimento de Harry de algum modo. Tinha que haver algo que elas pudessem fazer.


- Sabe que não posso lhe ajudá-lo. - disse Gina - Meus feitiços nunca funcionam.


Não! Gritou sua mente. Não podiam abandonar o daquele modo.


Olhou a Harry enquanto este lutava por libertar-se dos grilhões.


- Há alguém a quem pode ir em busca de ajuda?


- Não. - respondeu Tiyana - De fato, nem sequer posso permanecer aqui. Não te ofenda, mas tudo isto me põe os cabelos em ponta. - Lançou um olhar categórico a sua irmã - E você sabe muito bem a que tipo de atrocidades me enfrento diariamente.


- Sinto muito, Grace. - se desculpou Gina, lhe acariciando o braço - Investigarei e verei o que posso descobrir, de acordo?


Com o coração em um punho, Hermione não teve mais remédio que as acompanhar à porta.


Quando a fechou, deixou-se cair sobre ela com cansaço.


O que ia fazer?


Não podia limitar-se a aceitar que não havia ajuda possível para o Harry. Tinha que haver algo que pudesse aliviar sua dor. Algo no que ela ainda não tivesse pensado.


Subiu as escadas e voltou junto a ele.


- Hermione? - Harry a chamou com um gemido tão agônico que seu coração acabou de fazer-se aos pedaços.


- Estou a seu lado, carinho. - lhe disse, lhe acariciando a frente.


Ele deixou escapar um grunhido selvagem, como o de um animal preso em uma armadilha, e se lançou sobre ela.


Aterrorizada, Hermione se afastou da cama.


Dirigiu-se ao closet, com as pernas trementes, e segurou o exemplar da Odisséia.


Aproximou a cadeira de balanço à cama e começou a ler.


Pareceu relaxá-lo. Ao menos não se revolvia com tanta força.


Com o passo dos dias, a esperança de Hermione se murchava. Harry estava no certo ao afirmar que não havia modo algum de romper a maldição se não conseguia superar a loucura.


Não podia suportar vê-lo sofrer, horas atrás hora, sem nenhum momento de alívio. Não era de se admirar que odiasse a sua mãe. Como podia Afrodite deixá-lo passar por isso sem mover um só dedo para ajudá-lo?


E tinha sofrido daquele modo durante séculos…


Hermione estava totalmente fora de si.


- Como podem permiti-lo! - gritou zangada, olhando ao teto. - Eros! - chamou-lhe - Me ouve? Athena? Há alguém? Como permitem que sofra assim? Se o amarem um pouco, por favor, ajudem.


Tal e como esperava, ninguém respondeu.


Deixou descansar a cabeça sobre a mão e tentou pensar em algo que pudesse ajudá-lo. Certamente haveria algo que…


Uma luz cegadora atravessou o quarto.


Perplexa, levantou o olhar e se encontrou com a Afrodite que acabava de materializar-se junto à cama. Se tivesse encontrado com um burro na cozinha não se surpreendeu tanto.


A deusa perdeu a cor do rosto ao contemplar como seu filho se revolvia, agitado pelos espasmos, sofrendo uma horrível agonia. Esticou uma mão para ele e a retirou com brutalidade, deixando-a cair enquanto apertava o punho.


Nesse momento olhou a Hermione.


- Quero-lhe. - disse em voz baixa.


- Eu também.


Afrodite cravou o olhar no chão, mas Hermione foi testemunha de sua luta interior.


- Se o liberto, separará-o de mim para sempre. Se não o fizer, as duas o perderemos. - Afrodite a olhou aos olhos - Estive pensando a respeito do que me disse e acredito que tem razão. O fiz forte e jamais devia castigá-lo por isso. Quão único desejava é que me chamasse mãe. - Olhou a seu filho. - Só queria que me quisesse, Harry. Um pouquinho, nada mais.


Hermione engoliu em seco ao ver a dor no rosto da Afrodite quando acariciou a mão de Harry.


Ele gemeu, como se o roçar lhe tivesse queimado a pele.


Afrodite retirou a mão.


- Me prometa que o cuidará muito, Hermione.


- Tanto como ele me permita isso, prometo-o.


Afrodite assentiu e colocou a mão sobre a frente de Harry. Ele jogou a cabeça para trás, como se acabasse de ser alcançado por um raio. A deusa inclinou a cabeça e o beijou com ternura nos lábios.


Imediatamente, Harry se relaxou e seu corpo ficou imóvel.


Os grilhões se abriram e ainda assim não se moveu. O coração de Hermione deixou de pulsar ao dar-se conta de que Harry não respirava. Aterrorizada, esticou uma tremente mão para tocá-lo.


Ele inspirou com brutalidade.


Enquanto Afrodite estendia a mão para o Harry, Hermione percebeu em seus olhos a necessidade de sentir o amor de um filho que nem sequer sabia que estava ali. Era o mesmo olhar ofegante que freqüentemente captava nos olhos de Harry quando ele não era consciente de que o estava observando.


Como era possível que duas pessoas que se necessitavam tão desesperadamente não fossem capazes de arrumar as coisas?


Afrodite desapareceu no mesmo instante que Harry abriu os olhos.


Hermione se aproximou dele. Tremia tanto que batia os dentes. A febre tinha desaparecido e sua pele estava tão fria como o gelo.


Recolheu o edredom do chão e o cobriu com ele.


- O que passou? - perguntou Harry com voz insegura.


- Sua mãe te liberou.


Harry pareceu emudecer pela surpresa.


- Minha mãe? Esteve aqui?


Hermione assentiu com a cabeça.


- Estava preocupada contigo.


Harry não podia acreditar o que estava escutando. Seria certo?


Mas, por que sua mãe ia ajudar agora se sempre havia lhe virado as costas quando mais a tinha necessitado? Não tinha sentido.


Com o cenho franzido, tentou baixar-se da cama.


- Não, nem pensar. - disse Hermione com brutalidade - Acabo de fazer que ponha bem e não vou a…


- Preciso ir ao banheiro urgentemente. - a interrompeu ele.


- Ah!


Hermione o ajudou a descer da cama. Estava tão fraco que não se agüentava em pé e ela o sustentou até atravessar o corredor. Harry fechou os olhos e inalou o doce aroma de Hermione. Temeroso de lhe fazer dano, tentou não apoiar-se muito nela.


Seu coração se enterneceu ao ver a forma em que ela o cuidava, ao perceber a sensação de seus braços lhe envolvendo a cintura enquanto o ajudava a caminhar.


Sua Hermione. Como ia suportar separar-se dela?


Uma vez atendeu suas necessidades, lhe preparou um banho quente e o ajudou a meter-se na banheira.


Harry a contemplou enquanto o lavava. Parecia-lhe impossível que tivesse permanecido a seu lado todo aquele tempo. Não recordava quase nada dos últimos dias, mas se lembrava do som de sua voz atravessando a escuridão para reconfortá-lo.


Tinha-a ouvido pronunciar seu nome a gritos e, em ocasiões, estava seguro de haver sentido sua mão sobre a pele, ancorando-o à prudência.


Suas carícias tinham sido sua salvação.


Fechando os olhos, desfrutou da sensação das mãos de Hermione deslizando-se sobre sua pele enquanto o lavava. Percorriam-lhe o peito, os braços e o abdômen. E quando roçaram acidentalmente sua ereção, não pôde evitar dar um coice ante a intensidade com a que percebeu a carícia.


Como a desejava…


- Me beije. - balbuciou Harry.


- Não será perigoso?


Lhe sorriu.


- Se pudesse me mover já estaria comigo na banheira. Asseguro-te que neste momento estou tão indefeso como um bebê.


Vacilante, ela umedeceu os lábios e lhe acariciou uma mão, seu roçar foi suave e terno. Olhou-o fixamente aos lábios como se pudesse devorá-lo, e Harry sentiu que o frio desaparecia ao contemplar seus olhos.


Hermione se inclinou e o beijou com ânsia. Ele gemeu ao sentir seus lábios, desejava muito mais. Necessitava suas carícias.


Para sua surpresa, obteve o que desejava.


Hermione se afastou um instante de seus lábios, o suficiente para tirar a roupa e ficar nua ante ele. Lentamente e com movimentos sedutores, meteu-se na banheira e se sentou escarranchado sobre sua cintura.


Harry voltou a gemer ao sentir seu pêlo púbico sobre o estômago. Hermione o beijou de novo, tão ardentemente que ele acreditou que se abrasava.


Maldição, nem sequer podia abraçá-la! Não podia mover os braços. E necessitava com desespero rodeá-la com força.


Ela deveu perceber sua frustração porque se incorporou com um sorriso.


- Agora, me toca te mimar. - sussurrou antes de enterrar os lábios em seu pescoço.


Fechou os olhos enquanto Hermione deixava um rastro de beijos sobre seu peito. Quando chegou ao mamilo tudo começou a lhe dar voltas ao sentir a língua de Hermione brincando e sugando-o. Nada tinha conseguido estremecê-lo do modo que o faziam suas carícias. Não recordava nenhuma ocasião em que alguém tivesse feito o amor a ele.


E nenhuma mulher se entregou daquele modo. Nem lhe tinha dado tanto.


Conteve a respiração no momento que ela introduziu a mão entre seus corpos.


- Oxalá pudesse te fazer o amor. - sussurrou Harry.


Ela levantou a cabeça para olhá-lo aos olhos.


- Faz cada vez que me toca.


Sem saber como, conseguiu abraçá-la, embora os braços não deixavam de lhe tremer, e a atraiu para seu peito para reclamar seus lábios.


Escutou-a tirar o plugue com o pé enquanto aprofundava o beijo ainda mais e atormentava com leves carícias seu membro inchado.


Harry sentiu vertigem ao notar a mão dela sobre seu membro. Ansiava suas carícias, desejava-as de um modo que não era capaz de definir.


Uma vez que a banheira se esvaziou, Hermione abandonou seus lábios para lhe abrasar a pele com diminutos beijos, descendo pelo peito. Harry jogou a cabeça para trás e a apoiou no bordo enquanto lhe passava a língua pelo estômago e o quadril.


E então, para sua surpresa, levou seu membro à boca. Ele grunhiu e lhe sujeitou a cabeça com ambas as mãos, deleitando-se nas sensações que provocavam a língua e a boca de Hermione, lambendo e rodeando seu membro. Nenhuma outra mulher tinha feito isso antes. Limitaram-se a tomar o que podiam dele, sem lhe oferecer nada em troca.


Até que Hermione chegou.


Sua boca arrasou com as brechas de seu bom senso e venceu o pouco que ficava de sua resistência. Tremia-lhe todo o corpo pela ternura que ela estava demonstrando.


- Sinto-o. - se desculpou Hermione, afastando-se dele - Outra vez está tremendo de frio.


- Não é pelo frio. - lhe respondeu com voz rouca - É por ti.


O sorriso de Hermione lhe atravessou o coração. Voltou a inclinar-se e prosseguiu com seu implacável assalto.


Quando terminou, Harry acreditou ter sofrido uma intensa sessão de tortura. Não poderia sentir-se mais satisfeito embora não tivesse chegado ao clímax.


Hermione o ajudou a sair da banheira. Ainda lhe tremiam as pernas e teve que apoiar-se nela para chegar à habitação.


Ela o sustentou até que esteve deitado e, depois, cobriu-o com todas as mantas que encontrou. Depositou um beijo terno sobre sua frente e acomodou a roupa da cama.


- Tem fome?


Harry só foi capaz de assentir com a cabeça.


Ela se separou de seu lado o tempo para esquentar uma tigela de sopa. Quando retornou, ele estava profundamente adormecido.


Deixou a tigela na mesinha de noite e se deitou junto a ele. Abraçou-o e ficou adormecida.


 


Harry demorou três dias para recuperar toda sua força. Durante todo esse tempo, Hermione esteve a seu lado. Ajudando-o.


Não compreendia o motivo da devoção que lhe professava. E sua força. Era a mulher que tinha esperado toda sua vida. E com cada dia que passava, era consciente de que o amor que sentia por ela crescia um pouco mais. Necessitava-a seu lado.


- Tenho que dizer-lhe. - disse a si mesmo enquanto se secava com uma toalha. Não podia permitir que passasse um dia mais sem que ela soubesse o que significava para ele.


Deixou o banheiro e atravessou o corredor até chegar ao dormitório de Hermione. Estava falando com a Gina.


- É obvio que não lhe contei o que sua mãe me disse. Jesus!


Harry retrocedeu um passo e se apoiou contra a parede enquanto escutava a Hermione.


- O que se supõe que devo lhe dizer? «Por certo, Harry, sua mãe me ameaçou»?


Ele sentiu que acabavam de lhe dar um golpe no peito e começou a ver tudo negro. Entrou no quarto.


- Quando falaste com minha mãe? - inquiriu.


Hermione levantou o olhar, surpreendida.


- Isto… Gina, tenho que desligar. Adeus. - Deixou o fone em seu lugar.


- Quando falaste com ela? - insistiu.


Hermione encolheu os ombros descuidadamente.


- O dia que começou a te sentir mal.


- O que te disse?


Ela voltou a encolher os ombros, esta vez com acanhamento.


- Não foi uma verdadeira ameaça, só me disse que não te compartilharia comigo.


A ira o atravessou. Como tinha se atrevido! Quem demônios sua mãe acreditava que era para exigir que Hermione ou ele mesmo a obedecessem?


Que imbecil tinha sido ao pensar que o coração da Afrodite se abrandou.


Quando ia aprender?


- Harry. - o repreendeu Hermione, ficando em pé e aproximando-se dele, ao pé da cama - Ela mudou. Quando veio a te libertar…


- Não, Hermione. - a interrompeu - A conheço muito melhor que você.


E sabia do que sua mãe era capaz. Sua crueldade fazia que as ações de seu pai parecessem meras travessuras.


Com o coração abatido, compreendeu que jamais poderia confessar a Hermione o que sentia por ela.


E o que era ainda pior, não podia ficar com ela. Se algo tinha aprendido a respeito dos deuses era que jamais o deixariam viver em paz.


Quanto tempo demorariam para fazer mal a Hermione? Quanto tempo lhe levaria ao Priapus pô-la contra ele? Ou quando se vingaria sua mãe de ambos?


Cedo ou tarde, cobrariam-lhe por ser feliz. Não lhe cabia a menor duvida. E a simples idéia de que Hermione pudesse sofrer…


Não. Jamais poderia arriscar-se.


 


Os dias passaram voando enquanto eles permaneciam tanto tempo juntos como lhes resultava possível.


Harry ensinou a Hermione cultura clássica grega e algumas formas muito interessantes de desfrutar de do Reddi-wip e calda de chocolate. Hermione lhe ensinou a despejar ao contrário no Monopólio e a ler em inglês.


Depois de mais algumas aulas de condução, e de uma nova embreagem, Hermione reconheceu que Harry não tinha futuro à frente de um volante.


A Hermione parecia que mal tinha passado o tempo e, entretanto, o último dia do prazo de Harry chegou tão rápido que a deixou aterrorizada.


A noite anterior a esse fatídico dia, fez o mais surpreendente dos descobrimentos: não podia viver sem Harry.


Cada vez que pensava em retomar sua antiga vida, sem ele, acreditava morrer de dor.


Mas finalmente compreendeu que a decisão era de Harry, e só dele.


- Por favor, Harry. - lhe sussurrou enquanto ele dormia a seu lado - Não me abandone.


 


 


CAPÍTULO 16


 


Nenhum dos dois falou muito em todo o dia. De fato, Harry a evitou constantemente.


Isso, mais que nenhum outro detalhe, lhe fez imaginar qual era a decisão que tinha tomado.


Hermione tinha o coração destroçado. Como podia abandoná-la depois de tudo o que tinham passado juntos? Depois de tudo o que tinham compartilhado?


Não podia suportar a idéia de perdê-lo. A vida sem ele seria intolerável.


Ao entardecer, encontrou-o sentado na cadeira de balanço do alpendre, contemplando o sol uma última vez. Seu rosto tinha uma expressão tão dura que apenas podia reconhecer ao homem alegre que tinha chegado a amar tanto.


Quando o silêncio se fez muito insuportável, falou-lhe:


- Não quero que me abandone. Quero que fique aqui, em minha época. Posso cuidar de ti, Harry. Tenho muito dinheiro e te ensinarei tudo o que deseje saber.


- Não posso ficar. - lhe respondeu entre dentes - É que não entende? Todos os que estiveram perto de mim alguma vez foram castigados pelos deuses: Jasão, Penélope, Callista, Atolycus. - Olhou-a como se estivesse aturdido - Pelo Zeus! Kyrian acabou crucificado.


- Desta vez será diferente.


Ficou em pé e a olhou com dureza.


- Tem razão. Será diferente. Não vou ficar aqui para ver como morre por minha culpa.


Passou por seu lado e entrou na casa.


Hermione apertou os punhos, desejando estrangulá-lo.


- É um… teimoso!


Como podia ser tão insuportável?


Nesse momento notou que o diamante da aliança de casamento de sua mãe lhe cravava na palma da mão. Abriu-a e o olhou durante um bom momento. Estava a ponto de conseguir que o passado deixasse de atormentá-la. Pela primeira vez em sua vida tinha um futuro no que pensar. Um futuro que a enchia de felicidade.


E não estava disposta a permitir que Harry o jogasse tudo pela janela.


Mais decidida que nunca, abriu a porta da casa e sorriu maliciosamente.


- Não vais te libertar de mim, Harry Potter da Macedônia. Pode que tenha vencido aos romanos, mas te asseguro que a meu lado são uns adoentados.


 


Harry estava sentado na sala, com seu livro no colo. Passava a palma da mão sobre a antiga inscrição, desprezando-a mais que nunca.


Fechou os olhos e recordou a noite que Hermione o convocou. Recordou o que sentia quando não tinha consciência de sua própria identidade. Quando não era mais que um simples escravo sexual grego.


Fazia muito, muito tempo que se achava perdido em um lugar escuro e temível, e Hermione o tinha encontrado.


Com sua fortaleza e sua bondade tinha conseguido desafiar quão pior havia nele e lhe havia devolvido a humanidade. Só ela tinha percebido seu coração e tinha decidido que valia a pena lutar por ele.


Fica com ela.


Pelos deuses! Que fácil parecia. Que singelo. Mas não se atrevia. Já tinha perdido a seus filhos. Hermione era a proprietária do que ficava de coração, e perdê-la por culpa de seu irmão…


Seria o mais doloroso que jamais enfrentou.


Até ele tinha um ponto débil. Agora conhecia o rosto e o nome da pessoa que poderia lhe fazer cair de joelhos.


Hermione.


Tinha que afastar-se dela para que estivesse a salvo.


Sentiu-a entrar no quarto. Abriu os olhos e a viu de pé, no vão da porta, olhando-o fixamente.


- Gostaria de poder destruir esta coisa. - grunhiu ao devolver o livro a mesinha.


- Depois de esta noite não terá necessidade de fazê-lo.


Suas palavras lhe doeram. Como podia fazer isto por ele? Não suportava a idéia de que alguém a utilizasse e aqui estava ele, usando-a do mesmo modo que tinham usado a ele tantas e tantas vezes.


- Ainda está disposta a me deixar utilizar seu corpo para que possa partir?


A sinceridade de seu olhar o deixou paralisado.


- Se desse modo conseguimos que seja livre, sim.


A seguinte pergunta lhe atravessava na garganta, mas tinha que saber a resposta.


- Chorará quando eu for?


Hermione afastou o olhar e ele viu a verdade em seus olhos. Não era muito melhor que Paul. Era exatamente igual a aquele egoísta.


Mas, depois de tudo, era filho de seu pai. Cedo ou tarde, o mau sangue sempre fazia presença.


Hermione deu a volta e partiu, deixando-o só com seus pensamentos. Deixou que seus olhos vagassem pela sala. Quando olhou em frente do sofá, o coração encolheu.


Como ia sentir falta das noites passadas ali junto a Hermione, escutando sua voz. Sua risada.


Mas sobre tudo, sentiria falta de suas carícias.


Era muito tentador ficar, mas não podia fazê-lo. Não tinha sido capaz de proteger a seus filhos, como ia proteger a Hermione?


- Harry?


Sobressaltou-se ao escutar a voz de Hermione que o chamava do piso de acima.


- O que?


- São onze e meia. Não deveria subir?


Harry olhou o vulto que se avolumava sob os jeans. Tinha chegado a hora de lhe dar utilidade.


Deveria estar encantado. Era o que tinha querido no primeiro instante em que a viu.


Mas, por alguma razão, doía-lhe o fato de tomá-la assim.


Pelo menos não lhe fará mal.


Não?


De fato, duvidava muito que Paul a tivesse feito sofrer tanto como ele estava a ponto de fazer.


- Harry?


- Vou. - respondeu, obrigando-se a abandonar o sofá.


Na porta, voltou a cabeça para olhar tudo por última vez.


Inclusive agora podia ver a imagem de Hermione tombada no sofá, com os seios cobertos de creme enquanto ele, muito lentamente, lambia-os até não deixar nem rastro de creme. Podia escutar sua risada e ver o brilho de seus olhos cada vez que a levava ao clímax.


«Não me abandone, Harry», tinha-lhe sussurrado a noite anterior enquanto ele supostamente dormia, e suas palavras lhe tinham abrasado. Agora lhe estavam partindo em dois o coração.


- Harry?


Dando a volta, encaminhou-se para as escadas e se apoiou no corrimão. Seria a última vez que subiria estes degraus. A última vez que cruzaria o corredor para chegar ao dormitório de Hermione.


E a última vez que a veria em sua cama…


Com o coração na garganta, deu-se conta de que mal podia respirar.


Por que tinha que ser assim?


Soltou uma amarga gargalhada. Quantas vezes tinha feito essa mesma pergunta?


Deteve-se ao chegar à porta. O quarto estava iluminado pela tênue luz das velas, mas o que mais lhe impressionou foi ver Hermione com a negligé vermelha que ele tinha eleito.


Estava arrebatadora.


De repente, sentiu que a língua acabava de cair até o chão e que era imperante enrolá-la de novo para colocá-la na boca.


- Não vai isso ser fácil, verdade? - perguntou-lhe com voz rouca.


Lhe dedicou um sorriso travesso.


- Deveria fazê-lo?


Totalmente embevecido por ela, Harry era incapaz de mover um músculo enquanto observava como se aproximava.


- Não tem muita roupa?


Antes que pudesse responder, ela segurou a barra inferior de sua camisa e a levantou até passar por sua cabeça. Uma vez a jogou no chão, esticou um braço e colocou a mão em seu peito, sobre o coração. Nesse instante, para Harry era a mulher mais formosa do mundo. Nem sequer a beleza de sua mãe podia competir com a de Hermione.


Permaneceu imóvel como uma estátua enquanto ela deslizava as mãos sobre sua pele, lhe provocando calafrios. 


Não, não ia ficar nada fácil.


Harry notou que ela tentava lhe desabotoar o botão da calça.


- Hermione. - lhe advertiu, e lhe afastou as mãos.


- Mmm? - murmurou ela, com os olhos obscurecidos pela paixão.


- Não importa.


Ela se afastou e subiu à cama. Harry conteve o fôlego ao vislumbrar seu traseiro nu através da diáfana gaze da negligé.


Tombou-se de lado e o olhou fixamente.


Depois de despojar-se dos jeans, uniu-se a ela. Fez que se estendesse de costas e, nessa posição, o profundo decote deixou à vista um de seus seios. Harry se aproveitou da situação.


- OH, Harry! - gemeu Hermione.


Sentiu-a estremecer-se baixo ele quando passou a língua ao redor do endurecido mamilo. Seu corpo era fogo líquido e gritava lhe exigindo que a possuísse. Mas não só desejava sua carne. Queria a ela.


E abandoná-la o destroçaria.


Harry tragou e se afastou. Tinha estado esperando esta noite durante uma eternidade. Tinha passado a eternidade esperando a esta mulher.


Com muita ternura acariciou seu rosto, guardando na memória cada pequeno detalhe.


Sua preciosa Hermione.


Jamais a esqueceria.


Sua alma chorava a gritos pelo que estava a ponto de lhe fazer. Separou-lhe as coxas com os joelhos.


Estremeceu-se involuntariamente ao sentir sua pele nua sob a sua. E, nesse momento, cometeu o engano de olhá-la aos olhos.


O sofrimento que viu neles o deixou sem fôlego.


«Jamais teve nada que não roubasse antes». Se esticou ao escutar as palavras do Jasão em sua cabeça. Quão último queria era lhe roubar algo à mulher que tinha lhe entregado tanto.


Como vou fazer lhe isto?


- A que está esperando? - perguntou-lhe ela.


Harry não sabia. Quão único tinha claro era que não podia afastar o olhar de seus tristes olhos cinza. Uns olhos que chorariam se a utilizava para depois abandoná-la. Uns olhos que chorariam de felicidade se ficasse.


Mas se ficasse, sua família a destruiria.


E, nesse instante, soube o que devia fazer.


Hermione lhe envolveu a cintura com as pernas.


- Harry, se apresse. O tempo se acaba.


Ele não falou. Não podia fazê-lo. Em realidade, não confiava em si mesmo, e podia dizer algo que o fizesse mudar de opinião.


Ao longo dos séculos tinha sido muitas coisas: órfão, ladrão, marido, pai, herói, lenda e, finalmente, escravo.


Mas jamais tinha sido um covarde.


Não. Harry Potter da Macedônia jamais tinha sido um covarde. Era o general que tinha contemplado vitorioso a legiões inteiras de romanos, e lhes tinha desafiado entre gargalhadas a que lhe matassem e lhe cortassem a cabeça, se podiam.


Esse era o homem que Hermione tinha encontrado, e esse era o homem que a amava. E esse homem se negava a lhe fazer dano.


Hermione tentou mover os quadris para que o membro de Harry se afundasse nela, mas ele não deixou.


- Sabe o que mais sentirei falta? - perguntou-lhe, enquanto deslizava uma mão entre seus corpos e lhe acariciava o clitóris.


- Não. - murmurou Hermione.


- O aroma de seu cabelo cada vez que enterro meu rosto nele. O modo em que te agarra para mim e gritas quando goza. O som de sua risada. E sobre tudo, sua imagem ao despertar cada manhã, com o sol te banhando o rosto. Jamais poderei esquecê-lo.


Afastou a mão e moveu os quadris para encontrar as de Hermione. Mas, em lugar de penetrá-la, tudo ficou em uma prazenteira carícia que fez gemer a ambos.


Baixou a cabeça até a orelha de Hermione e lhe mordiscou o pescoço.


- Sempre te amarei. - lhe sussurrou.


Hermione o ouviu respirar fundo no mesmo momento em que o relógio deu meia-noite.


Com um brilhante brilho, Harry desapareceu.


Horrorizada, Hermione permaneceu imóvel esperando despertar. Mas seguiu escutando as badaladas do relógio e se deu conta de que não era um sonho.


Harry tinha ido.


Foi-se de verdade.


- Não! - gritou enquanto se sentava na cama. Não podia ser! - Não!


Desceu da cama com o coração martelando com força no peito e correu até a sala. O livro estava ainda sobre a mesinha de café. Passou as páginas e viu que Harry estava no mesmo lugar que antes, só que agora não sorria diabolicamente e levava o cabelo curto.


Não, não e não! Repetia sua mente uma e outra vez. Por que tinha feito isso? Por quê?


- Como pudeste? - Perguntou-lhe enquanto abraçava o livro contra seu peito - Eu te teria dado a liberdade, Harry. Não teria me importado. Deus! Harry, por que fez isto? – soluçou - Por quê?


Mas no fundo sabia. A ternura que tinha visto em seus olhos falava por si mesmo. Tinha-o feito para não feri-la como Paul.


Harry a amava. E, do momento que chegou a sua vida, não tinha feito outra coisa que protegê-la. Cuidá-la.


Até o final. Mesmo que desse modo se negasse a possibilidade de ficar livre de uma tortura eterna, ela tinha sido mais importante.


Hermione não suportava pensar no sacrifício que Harry acabava de fazer. Via-se condenado a passar a eternidade na escuridão. Só e sofrendo uma agonia.


Lhe tinha contado que passava fome e sede enquanto estava preso no livro. E em sua mente o via sofrer do mesmo modo que o tinha visto em sua cama. Recordou as palavras que disse depois.


«Isto não é nada comparado com o que se sente dentro do livro»


E agora estava ali. Sofrendo.


- Não! – gritou - Não permitirei que te faça isto, Harry. Ouve-me?


Abraçou com força o livro e se dirigiu a toda pressa à parte traseira da casa. Abriu os vidros que davam ao jardim e correu para um claro iluminado pela lua cheia.


- Retorna para mim, Harry Potter da Macedônia, Harry Potter da Macedônia, Harry Potter da Macedônia! - repetiu-o uma e outra vez, rogando por que aparecesse.


Não ocorreu nada. Nada de nada.


- Não! Por favor, não!


Com o coração destroçado, voltou para a sala.


- Por quê? Por quê? - soluçava, ajoelhada no chão sem deixar de balançar-se para diante e para trás. - Harry! - sussurrou com a voz rota enquanto as lembranças a assaltavam. Harry rindo com ela, abraçando-a. Harry sentado tranqüilamente, pensando. Seu coração pulsando desenfreado no mesmo ritmo que o seu.


Queria-o de volta.


Necessitava-o de volta.


- Não quero viver sem ti. - balbuciou dirigindo-se ao livro - Me entende, Harry? Não posso viver sem ti.


De repente, uma luz cegadora iluminou a estadia.


Com a boca aberta, Hermione levantou o olhar esperando encontrar-se com o Harry.


Mas não era ele. Tratava-se de Afrodite.


- Me dê o livro. - lhe ordenou com o braço estendido.


Hermione o abraçou com mais força.


- Por que lhe faz isto? - inquiriu Hermione - Já não sofreu bastante? Eu não o teria afastado de ti. Preferiria que estivesse contigo antes que retornasse ao livro. - limpou as lágrimas - Está sozinho aí dentro. Só na escuridão. – sussurrou - Por favor, não deixe que permaneça aí. Me envie ao livro com ele, por favor. Por favor!


Afrodite baixou a mão.


- Faria isso por ele?


- Faria tudo por ele.


A deusa a observou com os olhos entrecerrados.


- Me dê o livro.


Cega pelas lágrimas, Hermione o deu enquanto rezava para que Afrodite a ajudasse a reunir-se com ele.


Ela suspirou com força e abriu o livro.


- Eu vou pagar por esse inferno.


Subitamente, outro cintilar cegador iluminou a sala e Hermione teve que fechar os olhos. A cabeça começou a lhe dar voltas e tudo pareceu girar a seu redor, fazendo que seu estômago protestasse.


Por isso passava Harry cada vez que alguém o invocava? Não sabia com certeza, mas já era bastante aterrorizante e por si só supunha uma tortura.


E, então, a luz desapareceu.


Hermione caiu a um profundo fosso onde a escuridão era um ente com vida que a afogava, lhe impedindo de respirar e fazendo que lhe ardessem os olhos.


Tentou incorporar-se para frear a queda e sentiu embaixo dela uma superfície amaciada que lhe parecia familiar.


A luz voltou e se encontrou em sua cama, com o Harry sobre ela.


Ele olhou ao redor, perplexo.


- Como…?


- Será melhor que esta vez não chateiem. - lhes disse Afrodite da porta - Não quero nem pensar no que me farão os de lá cima se tentar isto de novo.


E se esfumaçou.


Harry deixou de olhar o vão da porta e cravou os olhos em Hermione.


- Hermione, eu…


- Te cale, Harry - lhe ordenou, não queria perder mais tempo - e ensina-me como querem os deuses, que um homem ame a uma mulher.


Dizendo isto, segurou-o pela cabeça e o aproximou para lhe dar um beijo apaixonado e profundo.


Ele o devolveu com ferocidade, e com um poderoso e magistral arremesso se introduziu nela.


Jogou a cabeça para trás e grunhiu quando o úmido corpo de Hermione lhe deu boas vindas, envolvendo-o com seu calidez. O impacto que sofreram seus sentidos foi tão poderoso que estremeceu da cabeça aos pés. Pelos deuses, era muito melhor do que tinha imaginado.


Recordava as palavras que lhe tinha dirigido.


«Não quero viver sem ti, Harry. Entende-o? Não posso viver sem ti.»


Com a respiração entrecortada, olhou-a e ficou subjugado ao sentir a Hermione, cálida e estreita, ao redor de seu membro. Deslizou a mão por seu braço, até capturar sua mão e aferrá-la com força.


- Estou te fazendo mal?


- Não. - lhe respondeu com um olhar terno e sincero. Levou a mão de Harry aos lábios e a beijou - Jamais me fará mal estando comigo.


- Se o fizer, diga-me isso e me deterei.


Ela o rodeou com os braços e as pernas.


- Se te ocorre sair daí antes do amanhecer te perseguirei durante toda a eternidade para te dar uma surra.


Harry riu, não restava a menor duvida.


Hermione passou a língua pelo pescoço e se deleitou ao sentir como vibrava entre seus braços.


Ele levantou os quadris, muito lentamente, torturando-a com o movimento e, sem prévio aviso, afundou-se nela com tanta força que Hermione acreditou morrer de prazer.


Conteve o fôlego ao senti-lo por completo dentro dela. Era uma sensação incrível. Era maravilhoso sentir as investidas desse corpo ágil e forte.


Fechou os olhos e desfrutou do movimento dos músculos de Harry, que se contraíam e se relaxavam sobre seu corpo. Entrelaçou as pernas com as suas e a enfeitiçou o comichão que produzia o pêlo masculino.


Jamais havia sentido nada parecido. Limitava-se a respirar e a expressar com seu corpo o amor que sentia por ele. Era dele. Embora logo a abandonasse, desfrutaria deste momento de glória junto a ele.


Extasiada pelo peso de seu corpo sobre ela, passou-lhe as mãos pelas costas até chegar aos quadris e o empurrou, incitando-o a ir mais rápido.


Harry mordeu os lábios quando sentiu que Hermione lhe cravava as unhas nas costas. Como era possível que umas mãos tão pequenas tivessem o poder de vencê-lo?


Jamais entenderia como tampouco entenderia por que o amava.


Mas agradecia na alma.


- Me olhe, Hermione. - lhe disse, afundando-se profundamente nela de novo - Quero ver seus olhos.


Hermione obedeceu. Harry tinha os olhos entrecerrados e, por seu modo de respirar e a expressão de seu rosto, soube que estava desfrutando de cada certeira investida. Ela sentia como lhe contraíam os abdominais cada vez que se movia.


Levantou os quadris para sair ao encontro das furiosas arremetidas. Nada podia ser melhor que ter a Harry sobre ela, beijando-a com paixão e deslizando-se dentro e fora de seu sexo.


Quando acreditou que já não poderia resisti-lo mais, seu corpo estalou em milhares de estremecimentos de prazer.


- Harry! - gritou, arqueando mais seu corpo para ele - Sim, OH, sim!


Ele se afundou nela até o fundo e permaneceu imóvel, observando-a enquanto os músculos de sua vagina se contraíam a seu redor.


Quando ela abriu os olhos, encontrou-se com seu diabólico sorriso.


- Gostou disso, verdade? - perguntou-lhe, mostrando suas covinhas e rodando seus quadris para que ela o sentisse dentro.


A Hermione custou um enorme esforço não gemer de prazer.


- Esteve bem.


- Bem? - perguntou-lhe com um sorriso - Acredito que terei que seguir tentando-o.


Deu a volta e a arrastou consigo, com cuidado de que seu membro não a abandonasse.


Gemeu ao encontrar-se sobre ele. Harry esticou um braço e desfez o laço que fechava o decote da negligé. A diminuta parte de tecido se abriu.


O olhar de puro gozo que transmitiam seus olhos foi muito mais prazenteira para Hermione que senti-lo em seu interior. Sorrindo, levantou os quadris e baixou para absorvê-lo por inteiro.


Ela o sentiu estremecer-se.


- Gostou disso, verdade?


- Esteve bem. - Mas a voz estrangulada traía seu tom despreocupado.


Ela soltou uma gargalhada.


Harry levantou os quadris nesse momento e se introduziu ainda mais nela.


Hermione gemeu de prazer ao sentir que a enchia por inteiro. Ao sentir a dureza de seu corpo e a força que ostentava. E ela ainda queria mais. Queria ver o rosto de Harry quando chegasse ao clímax. Queria ser ela a que lhe desse o que fazia séculos que não experimentava.


- Se seguirmos a este ritmo vamos estar extenuados quando chegar o amanhecer, sabia? - disse-lhe ele.


- Não me importa.


- Mas te vais sentir dolorida.


Ela contraiu os músculos da vagina para rodeá-lo com mais força.


- Ah, sim?


- Nesse caso… - ele deslizou a mão muito lentamente pelo corpo de Hermione até chegar a seu umbigo, e baixou ainda mais separando os úmidos cachos de seu púbis para lhe acariciar o clitóris.


Mordeu os lábios enquanto os dedos de Harry brincavam com ela, acoplando-se ao ritmo que impunham seus quadris. Cada vez mais rápido, mais fundo e com mais força.


Segurou-a pela cintura e a ajudou a seguir o frenético ritmo. Como desejava poder abandonar o corpo de Hermione o tempo suficiente para lhe ensinar algumas posturas mais. Mas não estava permitido.


Por agora.


Mas quando chegasse o amanhecer…


Sorriu ante a perspectiva. Assim que amanhecesse tinha toda a intenção de lhe mostrar uma nova forma de utilizar o Reddi-wip, teriam que comprar muito chantilly.


Hermione perdeu a noção do tempo enquanto seus corpos se acariciavam e se deleitavam em sua mútua companhia. Sentiu que o quarto começava a girar sob suas peritas carícias, e se deixou levar pela maravilhosa sensação de expressar o amor que sentia por ele.


Os dois estavam cobertos de suor, mas não deixaram de saborear-se, seguiam desfrutando da paixão que ao fim compartilhavam.


Esta vez, quando Hermione gozou, desabou sobre ele.


A profunda risada de Harry reverberou por seu corpo enquanto passava suas mãos por suas costas, seus quadris e por suas pernas.


Hermione se estremeceu.


Estava extasiado pelo fato de ter a Hermione nua e tombada sobre ele. Sentia seus seios esmagados sobre seu torso. Seu amor por ela brotava do mais fundo de sua alma.


- Poderia ficar assim deitado para sempre. - disse em voz baixa.


- Eu também.


Rodeou-a com os braços e a atraiu ainda mais para ele. Notou como suas carícias se acalmavam e sua respiração se fazia mais relaxada e uniforme.


Em uns minutos esteve completamente adormecida.


Beijou-a na cabeça e sorriu enquanto se assegurava de que seu membro não abandonasse o lugar onde devia estar.


- Dorme preciosa. – sussurrou - Ainda falta muito para o amanhecer.


 


Hermione despertou com a sensação de ter algo quente que a enchia por completo. Quando começou a mover-se, foi consciente de uns braços fortes como o aço que a imobilizavam.


- Com cuidado. - lhe advertiu Harry - Não a mova.


- Adormeci? - balbuciou, surpreendida de ter feito tal coisa.


- Não importa. Não perdeu grande coisa.


- De verdade? - perguntou-lhe ela meneando os quadris e acariciando-o com todo o corpo.


Ele soltou uma gargalhada.


- Ok, de acordo. Perdeu-te algumas coisinhas.


Incorporou-se e o olhou aos olhos. Riscou a linha da mandíbula, levemente áspera pela barba incipiente com um dedo que Harry capturou e mordiscou assim que chegou aos lábios.


Subitamente, ele se incorporou e ficou sentado com ela em seu colo.


- Mmm, eu gosto. - disse enquanto lhe passava as pernas ao redor da cintura.


- Mmm, sim. - concordou ele e começou a mover brandamente os quadris.


Baixando a cabeça, capturou um de seus seios e lambeu o duro mamilo. Brincou com ela e a torturou docemente antes de soprar sobre a umedecida pele, que se arrepiou sob seu quente fôlego.


Deixou esse seio e se dirigiu ao outro. Hermione embalou sua cabeça, aproximando-o ainda mais a ela, completamente extasiada por suas carícias. Nesse momento se deu conta de que o céu começava a clarear.


- Harry! – exclamou - Está amanhecendo.


- Sei. - lhe respondeu, tombando-a de costas sobre a cama.


Olhou-o aos olhos enquanto se acomodava sobre ela sem deixar de mover os quadris.


Contemplava-a totalmente enfeitiçado. Percebia sua ternura e seu amor. Ninguém o tinha conhecido como ela e jamais teria acreditado possível que alguém pudesse obtê-lo. Tinha-o acariciado em um lugar que ninguém havia tocado antes.


No coração.


E então desejou muito mais. Desesperado por tê-la por completo, seguiu movendo-se dentro dela.


Necessitava mais.


Hermione o envolveu com seus braços e enterrou o rosto em seu ombro ao sentir que acelerava o ritmo de suas arremetidas. Mais e mais rápido, mais e mais forte, até que ela ficou sem fôlego pelo frenético ritmo.


De novo, o suor os cobria. Hermione lambeu o pescoço de Harry, embriagada por seus gemidos. Ele gemeu de prazer.


E ainda seguia afundando-se nela, uma e outra vez, até que Hermione pensou que não poderia suportá-lo mais.


Cravou-lhe os dentes no ombro enquanto alcançava o orgasmo rápida e grosseiramente. Harry não diminuiu seus ataques quando Hermione tombou sobre o colchão.


Mordeu o lábio com força e se moveu ainda mais rápido, fazendo que ela gozasse de novo, e esta vez com mais intensidade que a anterior.


Quando o primeiro raio de sol atravessava janelas do quarto, escutou que Harry grunhia e o viu fechar os olhos.


Com uma arremetida profunda e certeira, derramou-se nela e todo seu corpo se convulsionou entre os braços de Hermione. Harry era incapaz de respirar e a cabeça lhe dava voltas a causa do êxtase que acaba de sentir, a intensidade de seu orgasmo tinha sido incrível. Doía-lhe todo o corpo, mas ainda assim, não recordava ter experimentado com antecedência semelhante prazer. A noite passada o tinha deixado exausto, e estava esgotado pelas carícias de Hermione.


Tinham quebrado a maldição.


Levantou a cabeça e viu que Hermione lhe sorria.


- Conseguimos? - perguntou-lhe ela.


Antes que pudesse responder, o braço começou a lhe doer como se lhe estivessem marcando com um ferro candente. Gemendo, separou-se dela e o cobriu com a mão.


- O que acontece? - perguntou-lhe ela ao ver que se afastava.


Perplexa, observou como um resplendor alaranjado lhe cobria todo o braço. Quando afastou a mão, a inscrição grega tinha desaparecido.


- Aí está. - balbuciou Hermione - O conseguimos.


O sorriso se alargou no rosto de Harry.


- Não. - disse ele, lhe roçando a bochecha com os dedos - Você o fez.


Rindo, Hermione se jogou em seus braços. Ele a abraçou com força enquanto se beijavam em um caótico frenesi.


Já tinha acabado!


Era livre. Por fim, depois de tantos séculos, voltava a ser um homem mortal.


E era Hermione a que o tinha conseguido. Sua fé e sua fortaleza tinham revelado o melhor de si mesmo.


Ela o tinha salvado.


Hermione voltou a rir e girou na cama até ficar em cima dele.


Mas a alegria lhe durou pouco já que outro brilho, ainda mais brilhante que os anteriores, atravessou o quarto.


Sua risada morreu imediatamente. Percebeu a malévola presença antes que Harry se esticasse entre seus braços.


Sentando-se na cama, obrigou a Hermione a ficar atrás dele e se colocou entre ela e o bonito homem que os observava dos pés da cama.


Ela engoliu em seco quando viu o homem alto e moreno que os olhava furioso. Estava claro que tinha todas as intenções de matá-los ali mesmo.


- Bastardo presunçoso! - gritou o homem - Como te atreveste a pensar que podia ser livre!


Imediatamente, Hermione soube que estava ante o Priapus.


- Deixa-o, Priapus. - lhe respondeu Harry com uma nota de advertência na voz - Já acabou tudo.


Priapus soprou.


- Acredite que pode me dar ordens? Quem acredita que é, mortal?


Harry sorriu com malícia.


- Sou Harry Potter da Macedônia, da Casa do Diocles da Esparta, filho da deusa Afrodite. Sou o Libertador da Grécia, Macedônia, Tebas, Punjab e Conjara. Meus inimigos me conheciam como Augustus Harrius Punitor e tremiam ante minha simples presença. E você, irmão, é um deus menor e pouco conhecido, que não significava nada para os gregos e ao que os romanos apenas se tomaram em conta.


A ira do inferno transfigurou o rosto do Priapus.


- É hora de que aprenda qual é seu lugar, irmãozinho. Tirou-me à mulher que ia dar a luz a meus filhos e que asseguraria a imortalidade de meu nome. Agora eu te tirarei à tua.


Harry se jogou sobre o Priapus, mas já era muito tarde. Tinha desaparecido levando a Hermione.


 


 


CAPÍTULO 17


 


Em um abrir e fechar de olhos, Hermione passou de estar sentada nua em seu quarto a encontrar-se tombada em um leito circular, situado em uma estadia que tinha todo o aspecto de ser a tenda de um harém em metade de um deserto. Estava coberta por uma peça de seda de cor vermelha intensa, tão leviana e suave que se escorria sobre sua pele como se tratasse de água.


Tentou mover-se, mas não pôde. Aterrorizada, abriu a boca para chiar.


- Não te incomode. - lhe recomendou Priapus, aproximando-se do leito. Deslizou os olhos sobre seu corpo com um faminto olhar, antes de subir à cama e colocar-se de joelhos ao lado de Hermione - Não pode fazer nada a menos que eu o deseje. - Passou-lhe um dedo, ossudo e frio, pela bochecha, como se queria comprovar a textura e a calidez de sua pele - Entendo por que te deseja Harry. Tem fogo no olhar. Inteligência. Valor. É uma pena que não tenha nascido na época do Império Romano. Poderia me haver proporcionado inumeráveis campeões que liderassem meus exércitos.


Priapus suspirou enquanto sua mão descia até o vão da garganta de Hermione.


- Mas assim é a vida e assim são os caprichos das Parcas. Suponho que terei que me conformar te utilizando até que me canse de ti. Se me der prazer até que chegue esse momento, pode que depois permita que Harry fique contigo. No caso de que te siga querendo depois de que meus filhos tenham quebrado seu corpo.


Seus olhos ardiam de desejo, e Hermione não podia deixar de tremer sob seu escrutínio.


O egoísmo do Priapus lhe resultava incrível. Igual a sua vaidade. Aterrorizada, quis falar, mas ele o impediu.


Céu santo! Tinha poder absoluto sobre ela!


Uma força invisível a levantou para colocá-la de costas sobre os almofadões enquanto Priapus tirava a túnica.


Os olhos de Hermione se abriram como pratos ao lhe ver nu e com uma ereção completa. O terror a assaltou de novo.


- Agora pode falar. - lhe disse enquanto se aproximava para recostar-se junto a ela.


- Por que quer fazer isto a Harry?


A ira obscureceu os olhos do deus.


- Por quê? Já o escutou. Seu nome era reverenciado por tudo aquele que o escutava, enquanto que o meu apenas se pronunciava até nos templos de minha mãe. Inclusive agora se burlam de mim. Meu nome se perdeu na antigüidade, ao contrário de sua lenda, que se conta uma e outra vez ao longo e largo mundo. Mas eu sou um deus e ele não é outra coisa que um bastardo a quem nem sequer lhe está permitido habitar no Olimpo.


- Afasta as mãos dela. Sempre foste tão inútil que acabaste relegado no esquecimento. Nem sequer merece lhe limpar os sapatos.


O coração de Hermione começou a pulsar mais rápido ao escutar a voz de Harry. Levantou a cabeça de entre os almofadões e o viu ao pé do estrado onde estavam eles. Só levava postos os jeans e ia armado com o escudo e a espada.


- Como…? - perguntou Priapus enquanto descia da cama.


Harry lhe dedicou um perverso sorriso.


- A maldição desapareceu e estou recuperando meus poderes. Agora posso lhes localizar e lhes invocar. A qualquer de vós.


- Não! - gritou Priapus, e imediatamente, apareceu coberto por sua armadura.


Hermione lutou por livrar-se daquela força que a mantinha imobilizada enquanto Priapus pegava sua espada e seu escudo, situados na parede em que se apoiava o leito, e atacava a Harry.


Hipnotizada pelo espetáculo, observou como lutavam os dois irmãos.


Jamais tinha visto nada semelhante. Harry girava agilmente, como se estivesse executando uma macabra dança que devolvesse os golpes do Priapus, um por um. O chão e a cama tremiam pela intensidade da luta.


Não era de se admirar que Harry tivesse chegado a ser um personagem legendário.


Mas depois de uns minutos, viu como se cambaleava e baixava o escudo.


- O que te passa? - burlou-se seu irmão, utilizando o escudo para empurrá-lo - Ah, esquecia-o! Pode que a maldição tenha desaparecido, mas ainda está debilitado. Demorará dias em recuperar toda sua força.


Harry meneou a cabeça e levantou o escudo.


- Não necessito toda minha força para acabar contigo.


Priapus riu.


- Valentes palavras, irmãozinho. - E baixou a espada, que se estrelou diretamente sobre o escudo de Harry.


Hermione conteve o fôlego enquanto observava como os golpes começavam de novo.


Quando pensava que Harry ia ganhar, Priapus utilizou uma tática para desestabilizá-lo: deixou que ganhasse terreno. Logo que Harry perdeu o amparo da parede em um de seus lados, Priapus brandiu a espada e a afundou no ventre de seu irmão. Harry deixou cair sua espada.


- Não! - chiou Hermione aterrada.


Com o rosto transfigurado pela incredulidade, Harry cambaleou para trás, mas não pôde ir muito longe com a espada do Priapus afundada em seu corpo e seu irmão ainda sustentando-a.


- Volta para ser humano. - lhe espetou enquanto afundava a espada um pouco mais e retorcia a lâmina. Levantou um pé para apoiá-lo no quadril de Harry e lhe deu uma patada.


Livre da espada, Harry cambaleou e caiu. Seu escudo ressonou com força ao golpear o chão a seu lado.


Priapus não deixou de rir enquanto se aproximava de Harry.


- É possível que nenhuma arma humana possa acabar contigo, irmãozinho, mas não é imune a uma arma imortal.


A força que imobilizava a Hermione desapareceu nesse instante, libertando-a. Tão rápido como pôde, cruzou o quarto até chegar junto a Harry, que jazia em um atoleiro de sangue. Respirava de forma laboriosa e não deixava de tremer.


- Não! - soluçou Hermione enquanto sustentava sua cabeça no colo. Contemplava, horrorizada, a ferida aberta em seu lado.


- Minha preciosa Hermione. - disse Harry, enquanto levantava uma mão ensangüentada para lhe roçar a bochecha.


Ela limpou o sangue que emanava de seus lábios.


- Não me abandone, Harry. - rogou.


Ele fez uma careta de dor, deixou cair a mão e lutou por respirar.


- Não chore por mim, Hermione. Não o mereço.


- Sim o merece!


Ele negou com a cabeça e entrelaçou seus dedos com os dela.


- Foste minha salvação, Hermione. Sem ti, jamais teria conhecido o que é o amor. - Tragou e se levou a mão ao coração - E nunca seria quem fui.


Hermione observou como a luz desaparecia de seus olhos.


- Não! - voltou a gritar, embalando sua cabeça sobre o peito - Não, não, não! Não pode morrer. Assim não. Ouve-me Harry?! Por favor… Não vá! Por favor!


Abraçou-o com força enquanto a agonia que invadia seu coração e sua alma brotava em forma de lágrimas.


- Não! - ressonou com ferocidade através da estadia, fazendo que as paredes tremessem.


Hermione viu que a cor abandonava o rosto do Priapus ao escutar o chiado. Escutou-se um trovão e, em metade de um brilhante brilho de luz, apareceu Afrodite diante dela. Seu rosto estava contraído como reflexo da indescritível agonia que sofria ao contemplar o corpo exangue e frio de Harry.


Incapaz de assimilar o que tinha diante, olhou furiosa ao Priapus.


- O que tem feito? - perguntou-lhe.


- Foi uma briga justa, mãe. Ou ele ou eu. Não tinha outra opção.


Afrodite deixou escapar um grito agônico diretamente desde seu coração.


- Invoquei a ira do Zeus e a das Parcas para conseguir sua liberdade. Quem demônios acredita que é para fazer isto? - Olhou ao Priapus como se sua mera presença lhe provocasse náuseas - Era seu irmão!


- Era seu bastardo, mas nunca foi meu irmão.


Afrodite gritou de fúria.


- Como te atreve!


Quando a deusa olhou de novo a Harry, Hermione viu a dor que refletiam seus olhos.


- Meu precioso Harry. - soluçou a deusa - Jamais devia permitir que lhe fizessem mal. Doce Cyprus! Aonde me levou meu egoísmo? - Caiu de joelhos a seu lado - Deixei sozinho quando devia ter estado contigo para te proteger.


- Vamos, mãe, deixa-o já! - disse Priapus, como se a aflição de sua mãe tivesse conseguido aborrecê-lo - Harry te conhecia, igual a lhe conhecemos nós do começo dos tempos, não pensa mais que em ti mesma e no que outros devem fazer por ti. É sua natureza. E, ao contrário que Harry, todos a aceitamos faz anos.


Afrodite não tomou muito bem essas palavras. De fato, seu rosto se converteu em uma máscara de granito e ficou em pé com toda a dignidade e a elegância que se espera de uma deusa.


Arqueou uma sobrancelha e olhou ao Priapus.


- Disse que foi uma luta justa? Bem, tenhamos uma luta justa. Está de acordo? Thanatos ainda não reclamou sua alma. Ainda não é muito tarde. Quão único necessitamos para devolvê-lo à vida é que seu coração comece a pulsar de novo.


Hermione sentiu uma repentina onda de calor atravessando o corpo inerte de Harry.


Voltou-se para trás e observou como uma aura dourada o rodeava enquanto a ferida de seu lado se fechava por si só e os jeans se desintegravam, sendo substituídos por umas grebas de ouro e uma sandálias. O resplendor dourado subiu até cobrir seu peito que, imediatamente, ficou oculto da vista por uma antiga armadura dourada, esculpida com couro vermelho, e uma túnica. Sobre os braços apareceram umas longas tiras de couro marrom.


A cor azulada desapareceu de seu rosto.


De repente, tomou uma profunda baforada de ar que fez que todo seu corpo se estremecesse, e abriu os olhos, olhando a Hermione com aquele sorriso que conseguia lhe derreter até a alma.


Ela mordeu os lábios enquanto a felicidade a transpassava. Estava vivo!


- Que diabos passa aqui? - rugiu Priapus.


Sobre eles apareceu uma mulher, flutuando placidamente. Seu cabelo negro lançava brilhos enquanto olhava com fúria ao Priapus.


- Como muito bem disse sua mãe, já é hora de que contemplemos uma luta justa, Priapus. Levamos atrasando-a muito tempo e, desta vez, não haverá nenhuma Alexandria que distraia a Harry e impeça que leve a cabo sua vingança.


- O que? - perguntou Afrodite - Athena, o que está dizendo?


- Estou dizendo que foi ele quem a enviou intencionadamente para distraí-lo, enquanto ia refugiar-se a seu templo por temor à fúria de Harry.


Pelo rosto do Priapus, Hermione soube que era verdade. O deus curvou os lábios em um rictus furioso.


- Athena, puta traiçoeira! Sempre o mimou.


Athena riu enquanto se desvanecia no ar para voltar a aparecer junto à Afrodite.


- Ninguém o mimou nunca. Isso o converteu no melhor guerreiro que jamais saiu das filas espartanas, e isso é o que vai ajudar-lhe a te dar uma boa patada no traseiro neste momento.


Harry ficou em pé. O carrancudo olhar com a que enfrentava ao Priapus conseguiu que Hermione sentisse um súbito calafrio.


Afrodite se moveu até ficar entre seus dois filhos e, quando levantou o olhar para o Harry, Hermione viu que seus olhos estavam cheios de orgulho.


- Esta é a segunda vez que te dou a vida, Harry. Arrependo-me de não ter sido a mãe que necessitou a primeira vez. Não tem nem idéia do muito que desejaria poder mudar o passado. Quão único posso fazer agora é te dar meu amor e minhas benções. - Afrodite olhou por cima do ombro, procurando os olhos do Priapus - E agora lhe dê uma boa patada no traseiro a este malcriado.


- Mãe! - choramingou Priapus.


Harry olhou a seu irmão e balançou a espada ao redor de seu corpo enquanto se aproximava dele.


- Está preparado?


Priapus atacou sem avisar. Mas tampouco é que importasse muito.


Hermione ficou boquiaberta ao vê-los lutar. Se antes tinha pensado que Harry era um bom guerreiro, agora sua destreza era imensamente superior.


Movia-se com uma agilidade e uma velocidade que jamais teria acreditado possíveis.


Athena ficou a seu lado. Levantou um braço e roçou ligeiramente a seda com a que se envolvia.


- Bonito vestido.


Hermione a olhou com o cenho franzido pela incredulidade.


- Estão lutando a morte e você te dedica a estudar como vou vestida?


Athena riu.


- Confia em mim, sempre escolho com muito cuidado meus generais. Priapus não tem nenhuma possibilidade frente a Harry.


Hermione voltou a dirigir sua atenção aos homens no mesmo instante que Harry golpeava ao Priapus com seu escudo. O deus perdeu o equilíbrio, cambaleou-se e Harry aproveitou para lhe afundar a espada no lado.


- Te apodreça no Tártaro, bastardo. - disse Harry com desdém enquanto o corpo do Priapus se desintegrava entre brilhos multicoloridos.


Hermione correu para ele.


Harry jogou em um lado a espada e o escudo, e a levantou em braços para girar com ela ao redor da estadia.


- Está vivo! Verdade que sim? - perguntou-lhe.


- Sim, estou.


Hermione se deixou cair sobre ele. Harry a baixou, deslizando-a muito lentamente sobre sua armadura centímetro a centímetro, até que seus pés se apoiaram sobre o chão e reclamou seus lábios com um beijo.


Hermione escutou que alguém esclarecia garganta.


- Me desculpe, Harry. - disse Athena, ao ver que não soltava a Hermione - Deve tomar uma decisão. Quer que envie a casa ou não?


Hermione pôs-se a tremer.


Harry a olhou de forma abrasadora e acariciou com muita suavidade sua bochecha como se estivesse saboreando o tato de sua pele.


- Só conheci um lar em todos os séculos de minha existência.


Hermione mordeu o lábio enquanto os olhos lhe enchiam de lágrimas. Ia abandonar a nesse mesmo momento. Deus santo, só rogava ter a força necessária para suportar a dor.


Harry se inclinou e lhe beijou a frente.


- E é com Hermione. - sussurrou sobre seu cabelo - Se ela me aceitar.


Hermione pôs os olhos em branco, sentia-se tão aliviada que tinha vontades de gritar e rir de uma vez, mas sobre tudo queria abraçá-lo e retê-lo junto a ela para sempre.


- Jesus, Harry! - exclamou com uma apatia totalmente falsa - Não sei… Ocupa toda a cama, e leva uns boxers espantosos… Acredite que vou poder suportá-lo? Se voltar comigo teremos que fazer que desapareçam. E nada de voltar a deitar-se com os jeans de noite, raspam-me as pernas.


Ele soltou uma gargalhada.


- Não se preocupe. Para o que tenho em mente, o nudismo é muito melhor.


A risada de Hermione se uniu à sua enquanto Harry tomava o rosto entre as mãos.


Ao tentar beijá-la, ela se afastou de forma brincalhona.


- Ah, por certo! Esta é sua armadura?


Ele a olhou carrancudo.


- A mesma, ou ao menos o era.


- Podemos ficar com ela.


- Se você quiser… por quê?


- Por que… Mmm carinho. - ronronou Hermione lançando um olhar lascivo sobre seu fantástico corpo - Fica de morte. Se lhe puser isso, prometo-te que passará um bom momento na cama cinco ou seis vezes ao dia.


Athena e Afrodite riram ao uníssono.


 


Apareceram no quarto de Hermione com outro daqueles brilhos cegadores, exatamente na mesma posição que se encontravam quando Priapus apareceu.


- Né! - exclamou Hermione zangada - Onde está a armadura?


Apareceu subitamente junto com o elmo, a espada e o escudo, em um canto do dormitório.


- Já está contente? - perguntou-lhe Harry enquanto a acomodava sobre seu peito.


- Delirante de felicidade.


Levantou a cabeça e a beijou de tal forma que Hermione estremeceu da cabeça aos pés e gemeu ao sentir a calidez de sua boca sobre a sua. Ao sentir seu corpo embaixo dela.


Jamais permitiria que voltasse a partir.


- Por certo…


Harry se separou dos lábios de Hermione com um grunhido e levantou o lençol com rapidez para tampá-los com ela.


Hermione a apertou com força à altura do queixo.


- Athena, - disse Harry - pensa seguir nos interrompendo?


A deusa não parecia envergonhada no mais mínimo enquanto se aproximava da cama. Levava uma caixa dourada nas mãos.


- Bom, é que me esqueci de lhes dar uma coisa.


- O que? - perguntaram ao uníssono com soma irritação.


Antes que Athena pudesse responder, apareceu Afrodite.


- Já o tenho. - disse a Athena antes de lhe tirar a caixa das mãos.


Athena se desvaneceu.


Afrodite se aproximou da cama, deixou a caixa ao lado de Harry e a abriu.


- Se for ficar nesta época, necessitará várias coisas: uma certidão de nascimento, um passaporte, uma permissão de residência… - Afrodite olhou o cartão verde e franziu o cenho - Não, espera, isto não o necessita. - E então olhou a Hermione - Ou sim?


- Não, senhora.


Afrodite sorriu enquanto o cartão se evaporava.


- Também há uma carta de habilitação, mas se aceitar um conselho maternal, deixa que seja Hermione quem se encarregue do carro. Não lhe leve a mal, mas é um completo desastre ao volante. - E suspirou - É uma pena que não tenhamos um deus para essas questões. Mas o que se há de fazer. - Fechou a caixa e a ofereceu a seu filho - Aqui tem, pode lhe dar uma olhada logo.


Quando Afrodite começava a afastar-se, Harry se incorporou na cama e a segurou da mão.


- Obrigado por tudo, mãe.


A deusa o olhou com os olhos cheios de lágrimas e lhe deu uns tapinhas na mão.


- Sinto muitíssimo não me haver informado do que ocorreu a seus filhos até que fosse muito tarde. Não tem idéia do muito que me arrependo de não havê-lo descoberto até depois de que Thanatos reclamasse suas almas.


Harry lhe deu um apertão carinhoso.


- Chamará-me se necessitar algo? - perguntou a deusa.


- Chamarei-te embora não necessite nada.


Afrodite levou a mão de Harry aos lábios e a beijou enquanto seus olhos se cravavam em Hermione para, imediatamente, voltar de novo para seu filho.


- Quero seis netos. Como mínimo.


- Né! - exclamou Hermione tirando da caixa um título universitário - Lhe deste um título de Licenciado em História Antiga? E de Harvard?


Afrodite assentiu com a cabeça.


- Também há um de Língua e Cultura Clássicas. - Olhou a Harry - Não estava segura do que quereria fazer, por isso deixei que você seja quem escolha.


- Podemos usá-los de verdade? - perguntou Hermione.


- Claro que sim. Se olhar um pouco mais abaixo encontrará seu certificado de notas.


Hermione o fez e ao olhá-lo ofegou.


- Não... Só há notas de honra!


- É obvio. - resmungou Afrodite, um pouco indignada - Meu filho jamais será um segundo. - Sorriu - Não me incomodei em fazer um certificado de matrimônio. Supus que quereriam encarregar disso pessoalmente. - A deusa rebuscou sob os papéis e tirou uma caderneta bancária - Por certo, converti o dinheiro que tinha na Macedônia em dólares para que possa usá-lo aqui.


Hermione abriu a caderneta e ficou com a boca aberta.


- Jesus, Maria e José! É asquerosamente rico!


Harry riu a gargalhadas.


- Já lhe disse isso, me dava muito bem como conquistador.


Afrodite esticou uma mão e o livro onde Harry tinha estado preso apareceu entre seus braços.


- Também pensei que você gostaria de procurar um lugar seguro onde guardar isto.


Harry ficou boquiaberto enquanto pegava o livro das mãos de sua mãe.


- Está me encarregando a custódia de Priapus?


Afrodite deu de ombros.


- Matou-te. Não podia deixar que partisse sem castigá-lo de algum modo. Acabará saindo se for um bom menino.


Hermione quase sentia pena pelo pobre Priapus.


Quase.


Afrodite se inclinou e beijou a Harry na bochecha.


- Sempre te quis. Mas não soube como demonstrá-lo.


Ele assentiu com a cabeça.


- Suponho que isso está acostumado a acontecer quando sua mãe é uma deusa. Não pode esperar festas de aniversário e comidas caseiras.


- Isso é certo, mas te dei muitos outros presentes que a sua noiva parecem gostar muitíssimo.


- Falando disso, - a interrompeu Hermione, repentinamente assaltada por um pensamento - não podemos nos desfazer desse que faz que as mulheres se sintam atraídas por ele como por um ímã?


A deusa a olhou com uma expressão divertida.


- Menina, olhe bem a este homem. Que mulher em seu são julgamento não o quereria em sua cama? Teria que deixar cegas a todas ou fazer que Harry engordasse e ficasse calvo.


- Deixa-o, não importa. Acabarei me acostumando.


- Isso acredito.


Afrodite desapareceu depois do comentário.


Harry envolveu a Hermione entre seus braços e a aproximou dele de novo.


- Está dolorida?


- Não, por quê?


- Porque tenho a intenção de passar o dia inteiro te fazendo o amor.


Lhe mordiscou o queixo.


- Mmm, eu gosto dessa idéia…


Harry a beijou.


- Ah, espera! - exclamou afastando-se de seus lábios.


Hermione franziu o cenho enquanto Harry saía da cama para pegar o livro, jogá-lo no corredor e fechar a porta depois.


- O que está fazendo? - perguntou-lhe ela.


Harry voltou para a cama com seu característico andar lento e ágil que a deixava sem fôlego e conseguia acendê-la. Subiu ao leito com a mesma graça que um animal selvagem, nu e sigiloso, e percorreu seu corpo com um olhar luxurioso e ardente.


- Pode escutar tudo o que dizemos. E, pessoalmente, não quero ter ao lado enquanto faço isto.


Hermione ofegou quando Harry a pôs de lado, aproximando-a a ele.


- Ou isto. - seguiu ele, deslizando uma mão entre suas coxas e acariciando-a com mãos peritas.


Se aninhou contra as costas de Hermione.


- E sobre tudo, não quero que escute isto.


Enterrou seus lábios no pescoço de Hermione enquanto deslizava a mão pelo interior de suas coxas para lhe separar as pernas e introduzir-se nela até o fundo.


Hermione gemeu de satisfação.


- Estive te esperando dois mil anos, Hermione Alexander Granger - lhe sussurrou ao ouvido - e cada segundo de espera valeu a pena.


 


 


EPÍLOGO


 


Um ano depois


Harry abriu a porta do quarto do hospital. Junto a sua mãe e a Gina, entrou sem fazer ruído, já que não queria incomodar a Hermione que estava descansando.


O medo o atingiu ao vê-la tombada na cama. Seu aspecto o aterrorizava, estava muito pálida e parecia indefesa. Não podia suportar vê-la assim.


Ela era sua força. Seu coração. Sua alma. Tudo o que era bom na vida.


A idéia de perdê-la era insuportável.


Hermione abriu os olhos e lhes sorriu.


- Olá. - disse em um sussurro.


- Olá bonita! - respondeu-lhe Gina - Que tal está?


- Exausta, mas muito bem.


Harry se inclinou e a beijou.


- Necessita algo?


- Tenho tudo o que sempre desejei. - lhe respondeu ela com o rosto radiante.


Lhe sorriu.


- Bom, onde estão meus netos? - perguntou Afrodite.


- Os levaram para pesá-los. - respondeu Hermione.


E, como se as tivessem chamado, as enfermeiras entraram nesse instante empurrando os berços. Comprovaram os braceletes de Hermione e os dos bebês e saíram em silêncio.


Harry se afastou do lado de Hermione para pegar em braços a seu filho com muito cuidado. A alegria o alagou ao embalar ao diminuto bebê. Hermione lhe tinha dado muito mais do que jamais imaginou que teria. E muito mais do que merecia.


- Este é Niklos James Alexander Potter. - disse enquanto o depositava em braços da Afrodite para pegar a sua filha - E esta é Vanessa Anne Alexander Potter. - e a colocou sobre o outro braço de sua mãe.


Os lábios da Afrodite começaram a tremer quando olhou a sua neta.


- Puseste-lhe meu nome?


- Os dois quisemos fazê-lo. - disse Hermione.


As lágrimas brotaram dos olhos da deusa enquanto contemplava a seus dois netos.


- Quantos presentes que tenho para vós!


- Mamãe! - interrompeu-a Harry com brutalidade - Por favor, nada de presentes. Seu amor será suficiente.


A deusa limpou as lágrimas e soltou uma gargalhada.


- De acordo. Mas se mudarem de opinião, digam-me isso.


Hermione observou a Harry enquanto este acariciava a cabeça pelada do Niklos. Não teria acreditado possível, mas nesse momento, amava-o ainda mais que antes.


Cada dia passado junto a ele tinha sido uma bênção.


- Ah, por certo! - exclamou Gina enquanto pegava a Vanessa dos braços da Afrodite - Fui ontem à livraria e Priapus não estava. Faz uns dias que houve lua cheia. Alguém quer apostar que nestes momentos está praticando sexo selvagem e desenfreado com alguém?


Todos riram.


Exceto Harry.


- Passa-te algo? - perguntou-lhe Hermione.


- Suponho que me sinto um pouco culpado.


- Culpado? - exclamou Gina com incredulidade - Pelo Priapus?


Harry assinalou com um gesto a Hermione e aos meninos.


- Como poderia lhe guardar rancor? Sem sua maldição jamais teria a nenhum de vós. Foi um pesadelo, mas devo admitir que mereceu a pena.


Todas as olhadas se cravaram, espectadores, na Afrodite.


- O que? - perguntou ela com fingida inocência - Não me diga que quer que o libere! Já lhe disse isso, farei quando aprender a lição…


Gina meneou a cabeça.


- Pobre tio Priapus. - disse dirigindo-se a Vanessa - Mas foi um menino muito, muito mau.


A porta se abriu nesse instante e uma enfermeira apareceu, indecisa.


- Doutor Potter? - dirigiu-se a Harry - Há um casal aqui fora que dizem ser familiares. Eles… mmm… - baixou a voz até falar em um murmúrio - São motoqueiros.


- Né, Harry! - chamou-o Eros desde atrás da enfermeira - Lhe diga a Atila o Huno que somos de confiança para que possamos entrar em babar sobre os bebês.


Harry soltou uma gargalhada.


- Está bem, Trish. - lhe disse à enfermeira - É meu irmão.


Eros fez uma careta zombadora ao Trish enquanto entrava no quarto junto a Psique.


- Que alguém me recorde que tenho que lhe disparar uma flecha da má sorte ao sair. - comentou enquanto a enfermeira fechava a porta.


Harry o olhou com uma sobrancelha arqueada.


- Tenho que te confiscar de novo o arco?


Eros lhe respondeu com um gesto grosseiro e se aproximou da Gina para tomar em braços a Vanessa.


- Ooooh! Linda, vai arrebentar muitos corações. Vais ter a montões de meninos correndo atrás de ti.


Harry perdeu a cor do rosto e olhou a sua mãe.


- Mamãe, há um presente que eu gostaria de te pedir.


Afrodite o observou, esperançada.


- Importaria-te falar com o Hefesto para que fizesse um cinturão de castidade apropriado para a Vanessa?


- Harry! - balbuciou Hermione com uma gargalhada.


- Não teria que levá-lo durante muito tempo, só trinta ou quarenta anos.


Hermione pôs os olhos em branco.


- Menos mal que tem a sua mamãe, - disse ao bebê que Eros sustentava - porque seu papai não é nada divertido.


Harry levantou uma sobrancelha com um gesto arrogante.


- Que não sou divertido? – repetiu - Divertido… isso não é o que disse o dia que concebeu a estes dois…


- Harry! - exclamou Hermione com o rosto avermelhado. Mas já fazia tempo que sabia que era incorrigível.


E o amava tal e como era.


Fim.

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