Capítulo Único



    Revisada em 03/12/2011


       


         Será que alguém que nunca passou por isso poderia imaginar como é? Será era possível reprimir um sentimento tão puro, mas que lhe causava tanta dor? Dor... Tristeza... Sinônimos? Não, de forma alguma. A tristeza vem quando aquele presente que você tanto queria não vem.  A dor... Principalmente a dor da perda de alguém querido... Era impossível de descrever. E qualquer tentativa de compará-la não passa de mera ilusão. Blasfêmia.


 


           Era essa dor incontrolável, indescritível, que Hermione tentava explicar para si mesma. A verdade é que a dor nunca passa. Melhora, é claro. Não em um mês, nem em um ano. Era isso que havia lhe dito. Contudo, à aquela altura, parecia muito difícil acreditar.


 


         Dizem que a dor da perda é compatível com o tipo de pessoa que se perde. Logo, é de se esperar que uma pessoa extraordinária deixe um legado imensurável. O que dizer, então, do tamanho do buraco em seu peito após a morte de Harry Potter?


          Caminhava pelos jardins escuros de um lugar que conhecia, mas desejaria não conhecer. Sabia e não sabia ao mesmo tempo onde seus pés queriam a levar. Sabia, mas não se importava. Não mais. Passou por entre as lapides de mármore, desejando com todas as forças que ele não estivesse ali. Que fosse tudo uma terrível brincadeira...


 


         Ao longe, havia uma igreja. Igreja onde ela entrou, e viu. Viu o caixão de tamanho médio no meio da sala. Poderia ser qualquer um. Em qualquer outro dia, seria. Mas não naquele. Aproximou-se, desejando que não fosse ele lá dentro. Um engano, talvez. Erro de comunicação. Entretanto, era.


 


        As lagrimas teimosas e incontroláveis desciam por sua face derrotada. Como pudera ser tão tola? Apegar-se tão terrivelmente, tão insistentemente, a uma esperança infundada, um mero fruto de sua mente confusa, perdida pela ausência daquele que tanto amava? O caixão estava aberto, revelando sua face serena. Parecia estar dormindo, em paz. Mas o pouco que restava de sua sanidade a obrigava a compreender que ele não dormia. Que seu sono era, de certa forma, eterno.


        Por que aquilo lhe parecia tão irreal? Sua mente não era capaz de aceitar o impossível. Ela não queria. Ele não faria isso com ela. Ele nunca a deixaria assim, tão sozinha, tão desolada, tão perdida. Tão incompleta.


 


        Acariciou sua face com carinho. Os lábios estavam comprimidos, em expressão de angústia. Você também não queria me deixar, pensou ela. Seus dedos percorreram lentamente sua face. Tão gelada... Como puderam deixá-lo daquela maneira? Que alma insensível, desumana, era capaz de causar tamanha desgraça? Tamanha dor?


 


         Afastou uma mecha daqueles cabelos macios e rebeldes para longe de seus olhos inexpressivos. Ninguém se dera ao trabalho de fechá-los. Aqueles olhos, outora tão brilhantes, estavam escuros. Aquilo a agoniou ainda mais. Passou o dorso de sua mão por eles, cerrando-os para sempre.


 


          Com uma das mãos, levantou sua cabeça até ficar em uma altura compatível para que o beijasse por uma ultima vez. Aquela sensação, seus lábios nos dela, aqueles lábios doces e, devido a circunstancias, tão frios... Nunca esqueceria aquele toque.  


 


          Então, como se uma lufada de vento clareasse seus pensamentos, ela compreendeu. Não era ali que ela deveria estar. Ainda havia uma esperança para ela. Uma chance de ser feliz. Não deveria chorar por uma mentira. Ele não estava morto para ela. Ela iria a seu encontro.


 


          Afastou-se com cuidado, para que ninguém percebesse sua saída. Caminhou novamente pelas lapides, porem com outro destino. Saiu do cemitério, e chamou um taxi. Este levou-a ao mais longe que um trouxa pudesse ver. O motorista estranhou o destino: uma floresta densa. Estranhou ainda mais ao ver aquela mulher jovem, tão bela, vestida de luto, tirar da carteira todo o dinheiro e dar-lhe, sem dizer uma palavra. Que esta alma agoniada tenha paz, algum dia, ele pensou.


 


            Ela seguiu por entre as árvores, adentrando fundo na mata, rasgando seu vestido delicado e perdendo o véu que lhe cobria o rosto. Não se importou. Nada mais importava.


         Surgiu diante os grandes portões de Hogwarts. Entrou pelas portas de carvalho liso, aliviada por não encontrar ninguém pelo caminho. Refez o trajeto que tanto conhecia com cautela, porém sem atentar-se aos detalhes. As lembranças daquele lugar, daquela época que parecia de ouro, haviam se tornado dolorosas demais para que fossem revividas.


 


           Ela seguiu para o local de seu passado, o salão de sua casa. Permaneceu escondida por algum tempo, até que a sorte lhe sorriu outra vez, como se confirmasse a autenticidade do que iria fazer. Um dos monitores, que ia saindo distraído, largou, milagrosamente, a porta aberta. Hermione, aproveitando a oportunidade, entrou na sala comunal da Grifinoria.


 


            Não havia ninguém lá, já era tarde da noite. O local a trouxe lembranças terríveis, lembranças das quais logo iria se livrar...





                    Hogwarts estava sob ataque e Harry duelava com Voldemort. Hermione fazia de tudo para ajudar, mas ia ao chão diversas vezes. Persistente, levantava-se. Prometera a si mesma que lutaria ao lado do amado até o fim daquele inferno, e assim faria.


 


                   Ela se machucara em sua última queda, e provavelmente tinha quebrado o braço. A dor não a incomodava, mas Harry, preocupado, desviou o olhar de seu inimigo por um instante. Instante este que foi fatal.


 


                 Voldemort sorriu diante da oportunidade e, sem hesitar, lançou uma maldição da morte na direção do moreno. Hermione gritou, reflexo do desespero que lhe subia pela garganta. Harry, pego desprevenido, foi atingido no peito. Sua boca se abriu para gritar, mas ele nunca o fez. O feitiço possuía tamanha força que arremessou o rapaz contra a janela, que se quebrou. Dessa maneira, Harry Potter voou sobre os campos de Hogwarts, inerte e indefeso, caído diante de seu inimigo e de todo o castelo, atingindo com extrema força o chão metros abaixo, quebrando por inteiro o corpo que não mais o pertencia.


 


                Harry era a ultima Horcrux de Voldemort, a que o mantinha vivo. Voldemort foi derrotado, mas a que preço?





                 Hermione derrubava novamente suas lagrimas sob aquele local, mirando com tristeza o pedaço amaldiçoado daquela terra na qual, apenas dias atrás, jazera o corpo do amado. Aquela terra corrompida pela morte, infestada pelo sangue de uma guerra infinita, e condenada a ser a mortalha de seu herói.


 


                 Subiu até a base da janela e abriu os braços. Encontraria-se com Harry da mesma forma que ele o abandonara. Da mesma forma que o destino o arrancara de seus braços.


 


                Em busca da liberdade, deixou o vento que soprava forte a levar. Hermione Granger morrera, afinal, junto com o homem que amava. Seu corpo era apenas uma representação da pessoa que já fora, que recusava-se a deixá-la partir. Sua tentativa desesperada de reencontrar aquele que tanto amava refletia a realidade daquela guerra: a morte realmente rompia a alma, e o verdadeiro significado da dor residia no aprendizado de viver, ou sobreviver, pela metade.

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