Tentativa de Fuga



O AR ARDIA nos pulmões de Gina Weasley enquanto ela corria. Cada músculo do corpo gritava de exaustão, mas ela se recusava a parar. A liberdade se aproximava um pouco mais a cada passo. Podia ouvir o som de cascos a distância. Ele vinha atrás dela.


Sou tão estúpida, pensou. Precisaria de um cavalo, suprimentos e algumas moedas caso tivesse qualquer esperança de sucesso. Mas não houve tempo. Gina tinha visto a oportunidade para escapar e a aproveitara. Mesmo que a fuga estivesse condenada ao fracasso, ela havia tentado.


Esta era a única chance de fugir do noivo. Pensar em Sir Draco Malfoy era como pôr o dedo numa ferida. Antes, Gina o amava. Agora, faria qualquer coisa para escapar dele.


Draco mantinha o cavalo num trote tranquilo. Brincava com ela, feito um falcão rodeando a presa. Sabia que poderia apanhá-la sem qualquer esforço. Portanto, preferia que ela fosse alertada de sua aproximação, que sentisse medo.


Ele vinha mantendo controle sobre ela desde o último mês, ditando como deveria se comportar como sua fatura esposa. Gina se sentia um cachorro, encolhendo-se diante de suas ordens. Nada do que dizia ou fazia era bom o suficiente. Sentia-se nervosa só de lembrar dos socos dele.


O ódio aumentava dentro de si. Por todos os santos! Mesmo que todas as forças lhe faltassem, precisava fugir! Ela tropeçava pela floresta, as costelas estavam doendo, sua energia se esgotando. Logo teria que parar de correr. Pedia a Deus por um milagre, por uma maneira de escapar daquele pesadelo. Se ficasse lá por mais tempo, Gina se tornaria uma casca vazia, sem coragem, sem qualquer vestígio de vida.


Um ramo espinhento de amoreira lhe cortou as mãos, os arbustos agarrando sua capa. A luz da tarde começava a desvanecer, o crepúsculo se aproximava de modo imperturbável. Gina lutava contra as lágrimas de exaustão, empurrando os arbustos até as mãos sangrarem.


— Gina! — chamou Draco. A voz dele disparou o pavor dentro dela. Ele havia detido o cavalo à margem da floresta. Vê-lo fez com que o estômago dela se apertasse.


Não voltarei. Obstinada, Gina abriu caminho entre as nogueiras retorcidas até alcançar a clareira. A geada cobria a relva, fazendo com que ela caísse de joelhos ao tentar subir o terreno escorregadio.


Um estranho silêncio permeava a campina. De sua vantajosa posição no topo da colina, Gina vislumbrou um movimento. A moribunda relva de inverno revelava a presença de um homem.


Não! Homens, ela percebeu. Griffinórios, trajados com cores que os confundiam com a paisagem. Atrás deles, ao pé da colina, Gina viu um único homem a cavalo. O guerreiro estava escarranchado sobre o animal, a capa presa por um broche de ferro do tamanho da palma de sua mão. Ele não buscou pela espada ao lado, mas a postura se tornou alerta. Um capuz escondia o rosto do homem, que irradiava uma silenciosa confiança.


Alto e de ombros largos, ele a observava. Gina não sabia distinguir se era um nobre ou um soldado, mas o homem se portava como um rei. A um gesto dele, os homens se espalharam e desapareceram atrás de outra colina.


O coração de Gina estava disparado, pois o homem poderia abatê-la com a espada. Contudo, ela ergueu os ombros e o encarou. Caminhou lentamente na direção dele, mesmo com o cérebro alertando que guerreiros assim não tinham misericórdia por mulheres.


Mas ele possuía um cavalo, O cavalo de que ela precisava para ter alguma chance de escapar de Draco.


O olhar do homem encontrou o dela. Se Gina gritasse, alertaria Draco da presença deles. Restava-lhe uns poucos segundos, pois Draco logo a surpreenderia.


— Por favor — implorou ao homem. — Preciso de sua ajuda. — A voz atormentada soava quase como um sussurro e, por um momento, Gina pensou não ter sido ouvida pelo guerreiro. Então notou o desenho do leão na capa dele. Desta vez, repetiu o pedido em griffinório. A postura do homem mudou e, após um instante que se estendeu até a eternidade, ele se afastou com o cavalo. Desapareceu rapidamente por trás da colina, levando consigo a esperança de Gina.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


HARRY POTTER amaldiçoou a si mesmo pela fraqueza. No instante em que a mulher falou, percebeu que era sonserina. O costumeiro ódio cresceu dentro dele, logo sendo suplantado pelo desejo de ajudá-la.


Ela havia despertado o fantasma de suas lembranças. Ao primeiro olhar, o rosto e os olhos penetrantes evocaram um pesadelo que Harry tentava esquecer havia dois longos anos. Ele fechou os olhos, tentando bloquear a imagem da mulher.


Percebeu que ela fugia muito antes de ordenar que seus soldados se escondessem entre as colinas. O atacante não pretendia matá-la. Se quisesse, já o teria feito. Não, a intenção do sonserino era capturar a mulher.


E, ao lhe dar as costas, Harry permitiu que isso acontecesse.


Sentiu-se obrigado a escolher entre a segurança de seus homens e a de uma mulher desconhecida. Mas, apesar de saber que tomara a decisão correta, seu senso de honra o atormentava. Era de se esperar que protegesse as mulheres, não que as prejudicasse.


Mas se Harry interferisse agora seus planos de batalha poderiam dar errado. Não ousaria arriscar as vidas de seus homens denunciando sua posição. O ataque dependia do elemento surpresa. Precisaria observar e esperar o momento certo.


Descobriu-se dando ordens.


— Quero que cinco homens venham comigo para dentro da fortaleza. Pegue os outros e cerque a paliçada externa. Ao pôr do sol, acenda o fogo.


— Vai atrás dela, não é?— comentou o capitão de seus homens.


—Vou.


— Não pode salvar a todos. É só uma mulher.


— Faça o que ordeno. — , era um risco desnecessário. Mas havia visto o terror nos olhos da mulher — o mesmo terror que viu nos olhos de sua esposa segundos antes de ser feita prisioneira.


Harry sentia a mesma impotência agora.


Escolheu os homens que o acompanhariam e os conduziu à fortaleza de Godric. Era sua terra, roubada por invasores. Com a ajuda de seus homens, pretendia retomá-la.


Godric não era como as outras fortalezas; era ligeiramente mais ampla. Harry erguera um castelo de terra e madeira, semelhante ao estilo sonserino. Ele conhecia cada centímetro do castelo, por isso sabia exatamente como penetrar suas defesas.


Ao seu comando, os homens se colocaram em posição. Harry esperou que estivessem prontos para afastar os arbustos que escondiam a entrada de um túnel secreto que levava para debaixo da fortaleza, para dentro dos cômodos usados como depósito.


Ele ergueu os olhos para a masmorra, cuja silhueta se erguia no pôr-do-sol vermelho-sangue. No íntimo, Harry rezava pela vitória.


Ao entrar, foi envolvido pelo frio da passagem secreta. Não pisava ali há um ano e meio, então notou o vazio da área de depósito. Deveria estar repleta de sacos de grãos e potes de comida lacrados com barro. Seu povo sofreria neste inverno se não fizesse algo para ajudá-lo.


Embora não soubesse da conquista de suas terras até recentemente, Harry culpou a si mesmo. Tinha permitido que o sofrimento o consumisse enquanto servia de mercenário para outras tribos. E, na última primavera, os sonserinos haviam descido sobre Godric feito gafanhotos, comendo do trabalho de seu povo e profanando sua casa. Seu pequeno exército era inferior em número, mas Harry conhecia bem o território. Nada o impediria de expulsar o inimigo.


Quando alcançou a escada que levava para uma das cabanas de pedra em forma de colméia, ele parou. Queria não ter visto a mulher sonserina, os olhos cheios de medo ao implorar por ajuda. Seria mais fácil simplesmente odiar e matar todos, derramando sangue por vingança. Mas a mulher complicava as coisas.


Era uma bela menina, com rosto doce e olhos profundamente castanhos. Uma inocente, que merecia sua proteção. Harry fora incapaz de salvar a esposa dos atacantes. Mas poderia salvar esta mulher.


Isso deveria fazer com que se sentisse melhor. Mas, pelo contrário, acrescentava mais um elemento de risco a um ataque já perigoso. Mesmo assim sua mente se agarrava às possibilidades. Ela seria uma boa refém, proporcionando-lhe meios de recuperar a fortaleza. Depois poderia conceder a ela a liberdade que tanto desejava.


Harry subiu a escada, surpreendendo os habitantes da cabana. Pôs um dedo sobre os lábios, sabendo que sua gente nunca o trairia, O ferreiro se aproximou de seu martelo, numa promessa silenciosa de que ajudaria se necessário.


À entrada da cabana, Harry contou o número de soldados inimigos no pátio. A fortaleza seria invadida esta noite, decidiu. E Godric seria sua novamente.


— GINA, fico feliz que esteja salva. — Sir Draco abraçou Gina, que lutava para respirar. Suas forças tinham acabado, finalmente fora apanhada. Ela conteve as lágrimas de frustração, a pele ficando muito fria.


Foi assaltada por lembranças sombrias. Sabia o que Draco faria. Fechou a mente para o próprio corpo, pois esta era a única maneira de suportar a dor.


Não havia quem a ajudasse. Seu pai enviara amigos próximos, Sir Pedro Pettigrew e a esposa, para servirem de guardiões até a chegada dele. Era o mesmo que não ter enviado ninguém. Ambos eram cegos para as ações de Draco. Eles o enxergavam como um forte líder, um homem respeitado por seus soldados.


Quando Gina reclamou dos castigos de Draco, Sir Pedro meramente deu de ombros.


— Um homem tem o direito de disciplinar a esposa — dissera. Mas ela não era esposa de Draco. Ainda. E nada do que ela dizia os convencia de qualquer mau procedimento.


Os homens de seu pai se negavam a interferir. O último homem que tentou protegê-la de uma surra foi descoberto morto dias depois. Os soldados obedeciam Draco sem questionar, com um vazio nos olhos. Tinham medo dele, e Draco sabia disso.


— Temi por você, sozinha aqui fora. — Draco lhe beijou a têmpora. O gosto era como um ferrete, queimando sua pele. As palavras dele, aparentemente gentis, zombavam de sua tentativa de fuga. Mas Gina reconhecia a modulação insensível na voz, a promessa de punição.


O sentimento de posse dominava os olhos de Draco. Gina antes o achava bonito, com seu cabelo dourado. Mas o coração dele era tão frio quanto a cota de malha que cobria o corpo forte.


Gina aprumou o corpo.


— Deixe-me voltar para a casa de minha família, Draco. Não sou a esposa de que precisa.


Draco segurou o queixo dela, os dedos lhe apertando a carne.


— Aprenderá a ser a esposa de que preciso.


— Há outras mulheres, mais ricas do que eu. — Gina não pôde sustentar o olhar, pois a mão de Draco descia até sua cintura.


— Nenhuma de tão alta posição. — A palma contornava as costas de Gina, o polegar friccionando uma lesão ainda não curada. — Nenhuma com terras como Godric. — A voz se tingiu de ambição. — Aqui posso me tornar rei. Estes Griffinórios são primitivos, sem qualquer conhecimento do que significa lutar. A boca se curvou num sorriso. E você reinará ao meu lado. O próprio rei ordenou.


Gina não disse nada. A bravura de Draco em campo de batalha lhe conquistara as graças do rei Severo. Quando ele a pediu em casamento, tendo recebido a benção do rei, Gina se tornou vitima de suas lisonjas. Acreditando no falso galanteio, ela implorou ao relutante pai por um noivado. Agora desejava ter ficado calada.


Draco a colocou sobre o cavalo, montando atrás dela. Ao contato dos corpos, Gina estremeceu de repulsa. Ele colocou o cavalo para andar, o rude abraço aprisionando-a. Quando a fortaleza se tornou visível, seus últimos vestígios de coragem morreram.


A rejeição e o pânico guerreavam dentro dela. Havia algo mais que pudesse fazer para impedir este casamento? Precisava mais do que tudo da ajuda do pai. A cada dia rezava para ver as cores do conde tremulando, anunciando a chegada de seu séqüito. Mas ele ainda não viera.


Cavalgaram além do portão, e Gina não deixou de notar o olhar compadecido no rosto dos Griffinórios. Draco desmontou e a abrigou a acompanhá-lo.


— Deve estar cansada — ele disse. — Eu a escoltarei até seus aposentos.


Gina sabia o que aconteceria assim que chegassem ao quarto. Fechando os olhos, procurou por uma desculpa — qualquer coisa que retardasse o inevitável castigo.


— Tenho fome — ela disse. — Eu poderia comer algo antes?


— Mandarei que subam com comida. Depois que conversarmos sobre seu... passeio. — Draco apertou o braço de Gina com uma força que anunciava que a desforra estava por vir. Pois ela não lhe daria a satisfação de choramingar.


Concentrou-se na dor que Draco provocava de tanto apertar seu braço enquanto a guiava escada acima, em direção ao seu quarto. Ele trancou a porta com uma pesada trava de madeira. Sozinhos, Draco ficou a observá-la.


— Por que fugiu de mim?


Gina não respondeu. O que poderia dizer?


— Não sabe que sempre buscarei por você? Devo proteger o que é meu. — Ele lhe acariciou o cabelo, enroscando os cachos entre os dedos. Gina permaneceu imóvel, tentando não encará-lo. — O rei nos chamou a Slytherin disse Draco, soltando-a de repente. — Nós nos casaremos lá dentro de poucos dias. — Ele transbordava de orgulho. —Talvez ele me conceda mais terras, como presente de casamento. — Inclinando-se, beijou de leve os lábios de Gina. Não fique tão carrancuda. Agora não falta muito.


A afirmação dele não era tranquilizadora. Sentia-se grata ao rei Severo por ter ignorado as outras solicitações de Draco. As alianças políticas com os reis Griffinórios tinham precedência. Mas agora o tempo de Gina estava esgotado.


— Não me casarei sem meu pai.


— Arthur Weasley virá. — A expressão de Draco endureceu. — Já deveria ter chegado a esta altura.


— Ele estava doente — argumentou Gina. O pai ordenara que ela permanecesse em Godric sem a companhia dele. Com a escolta dos soldados e dos guardiões, o pai acreditava que estaria segura. Gina conseguira subornar um padre para enviar cartas, implorando ao pai que terminasse com o noivado. Mas Arthur Weasley não dera resposta, e ela temia que Draco tivesse interceptado as mensagens.


— Não continuarei esperando por ele. — Draco meneou a cabeça.


Não sei quais são as intenções do conde, mas o acordo de casamento está assinado. Com ou sem ele, eu me casarei com você.


— Nunca me casarei com você — ela jurou. Não me importa o que diga o rei.


O punho dele a atingiu por trás da cabeça. A dor explodiu, ecoando nos ouvidos, mas Gina se recusava a gritar.


— Não perdeu o espírito, não é? — comentou Draco.


Gina engoliu em seco, desejando não ter provocado Draco. Sabia que não poderia lutar com ele, que era muito mais forte. Quando ela fingia obediência, ele costumava ser mais brando com o castigo. Tentaria conter suas palavras de rebeldia.


Então Draco sorriu, o sorriso cruel que ela aprendera a desprezar.


— Tire as roupas.


Gina sentiu fel na garganta ao pensar no que ele faria. Nas últimas semanas, Draco se vangloriava em humilhá-la. Quando se negava a obedecer, era surrada até não poder mais ficar de pé. Embora Draco ainda não tivesse violado sua virgindade, Gina sabia que era apenas questão de tempo. O medo pulsou por seu corpo ao pensar nisso.


Por não obedecer, Draco lhe golpeou o estômago, fazendo-a curvar-se. Gina agarrou as costelas, incapaz de impedir o gemido de agonia. Era nisso que se transformaria sua vida? Teria que renunciar a tudo, deixando que ele a dominasse?


Fechou os olhos, temendo que o futuro fosse assim. Embora outra mulher pudesse pensar em acabar com a própria vida, Gina não queria se arriscar à perdição eterna. Não deixaria que Draco se apropriasse de sua alma também.


Draco puxou a adaga, fazendo seu coração quase parar ao ver a lâmina. Num gesto rápido, ele cortou os cordões do vestido até que este caísse aos seus pés. Vestida apenas com uma fina túnica, Gina tentou se cobrir.


— Você me pertence, Gina. — Draco largou a adaga sobre a mesa, aproximando-se. O olhar de Gina dardejou para a arma. Evitando outro soco, ela se deixou cair contra a mesa. A adaga retiniu ao chão.


— Por favor — ela murmurou. — Eu lamento. — Não era verdade, mas o pedido de desculpas poderia amenizar o ataque de Draco. Sua cabeça doía; escorria sangue por sua face.


Draco começou a despir as próprias roupas, revelando o corpo musculoso.


— Não. Não lamenta. Mas lamentará.


Draco diminuiu a distância entre ambos.


— Chegou a hora de aprender a ser uma esposa obediente. Os dedos agarraram-lhe a nuca num gesto de controle. — Em breve, Gina — ele prometeu. Beijou-a com ferocidade, esfregando os lábios no dela até fazer sangue. — Não tem idéia do prazer que posso lhe oferecer.


— Não — ela murmurou.


— Não quero forçá-la — disse Draco, os dedos subitamente gentis.


— Poderia ter tomado você quando quisesse, se esta fosse minha intenção. Mas sou um homem paciente e clemente. Caso se entregue a mim boa vontade, eu lhe ensinarei as recompensas da obediência. — A mão dele segurou-lhe o queixo. — Eu a conheço melhor do que você mesma. Você quer que eu a tome, embora lute contra mim.


Nunca. Ao pensar nas mãos dele em seu corpo, uma náusea lhe do dominou o estômago. Gina ergueu o queixo e enfrentou aqueles implacáveis olhos acinzentados. O rosto bonito lhe causava repulsa, então cuspiu nele.


— Odeio você.


As mãos dele se fecharam de raiva. A fúria relampejou no rosto de Draco, que a atingiu no rosto. Gina se virou no último segundo, caindo de joelhos. Ela ignorou a dor, a mão se fechando sobre a adaga. Antes que Draco pudesse ver o que tinha feito, ela escondeu a arma sob as dobras da túnica.


Gina apertou a adaga com força. Sentia o cabo frio em sua mão, sem saber manejar o peso. Não sabia se teria coragem de usá-la. Mil dúvidas enchiam sua mente. Mas ela se agarrou ao instinto de sobrevivência.


Batidas violentas soaram na porta. O olhar de Gina disparou naquela direção.


Draco praguejou, vestindo a túnica antes de abrir a porta.


— O que é?


— Um ataque, milorde — informou o servo. — Invasores Griffinórios atearam fogo na paliçada externa.


— Fique aqui — rosnou Draco para Gina, que foi deixada sozinha. O destino lhe oferecia uma trégua. Gina encostou o rosto na parede. Era como se pudesse se mesclar à madeira e ao emboço, de tão fria que estava Os dedos agarraram o linho da túnica, como se o fino tecido pudesse de alguma forma protegê-la do retorno de Draco. Não sentia alívio, pois ele voltaria. E, então, a punição recomeçaria.


Gina podia sentir antigos temores voltando para atormentá-la. Largou a adaga, a oportunidade de defesa perdida. O cabelo caia sobre o rosto. O sangue se emaranhava nos fios na parte de trás da cabeça, então ela removeu o véu. Os cabelos ruivos esconderiam o ferimento.


Podia-se ouvir os homens gritando ordens lá embaixo. Gina apoiou a testa nos joelhos, tentando reunir forças. Se estivessem sitiados, teria outra chance de fugir. Mas não podia continuar parada.


Esgotada, levantou-se, O corpo estava dolorido, e Gina imaginava se Draco havia quebrado suas costelas desta vez. Doía para respirar O vestido estava jogado no chão, onde caíra, Gina se encolheu de dor ao inclinar-se para apanhá-lo. O latejar aliviou quando se aprumou e colocou o vestido sobre a túnica. Os cordões estavam destruídos, mas isso a manteria aquecida por enquanto.


Você precisa sair, disse consigo mesma. Agora era sua oportunidade, não podia desperdiçá-la.


Um estranho ruído lhe chamou a atenção. Ela se voltou para a grande tapeçaria pendurada na parede, que se agitou ligeiramente. Gina recuou, sem entender o que significava aquele movimento. O instinto lhe dizia para ficar de guarda. Tomou a adaga na mão mais uma vez.


Um homem surgiu de trás da tapeçaria, completamente armado, com uma espada à cintura. Usava calça de coberta por malha de ferro e, presa por um cinto, uma túnica cor-de-musgo que fluía em dobras até o joelho. Gina reconheceu o grande broche de ferro segurando a capa. Era o soldado da colina. Uma calma autoridade emanava de sua postura, mas Gina ainda estava com raiva. Ele não a ajudou quando mais precisava.


— Quem é você? — ela perguntou, segurando a adaga com firmeza. O cabelo dele, negro como a alma do demônio, ondeava até os ombros. Uma fina marca, há muito cicatrizada, desfigurava uma bochecha.


— Sou Harry Potter.


A túnica permitia que Gina visse o contorno dos músculos fortes. Ocorreu-lhe que ele pudesse ser uma ameaça mais perigosa que Draco.


— E qual é o seu nome? — Ele cruzou os braços, esperando pela resposta. Os olhos verde-escuros examinavam Gina como se avaliassem seu valor.


Gina sentiu a boca seca.


— Sou Gina Weasley.


Potter a fitou por um instante, o olhar notando os ferimentos.


— O que lhe aconteceu?


Gina de súbito lembrou do vestido rasgado, então cobriu o corpo da melhor maneira que pôde.


Fui castigada por fugir.


— Por quem?


Gina hesitou, mas respondeu com sinceridade.


— Sir Draco Malfoy.


— E por que ele estava caçando você?


— Porque eu não quis me entregar a ele.


Os olhos de Potter se tornaram frios, tal qual as pedras de granito recobertas de gelo que margeavam as colinas.


— Posso matá-lo, se este for seu desejo.


— Você perdeu a oportunidade. — O rubor ardeu nas bochechas de Gina, cuja raiva ameaçava explodir. — Eu poderia estar a salvo dele agora. Mas você ficou parado e não fez nada.


— Ainda não terminou — ele disse, calmamente. E estou aqui agora.


Potter não passava de um intruso, um homem que a abandonara. Mas Gina viu algo em sua expressão, algo inesperado: sinceridade. Podia ser um bárbaro rude, decidido a conquistar Godric, mas o timbre da voz e a brutal honestidade no rosto a fizeram reconsiderar.


Era melhor do que esperar pelo retorno de Draco, ela concluiu. Tendo de escolher entre ficar ali e fugir com um estranho, preferia apostar suas chances em Harry Potter.


— Se me levar em segurança, será o suficiente — ela disse com irritação, baixando a adaga. — Como conseguiu entrar?


Ele puxou a tapeçaria, revelando um espaço estreito. Apenas uma simples corda pendia da estreita passagem dentro da parede.


— Espera que eu desça desta maneira? — ela disse, a garganta apertada ao visualizar uma queda vertiginosa.


— Não. Eu a levarei por outro caminho. — A expressão dele assumiu uma máscara de determinação. — Venha.


— Para onde?


— Lá para baixo. Tenho uma condição antes de conceder o que me pede.


— Que condição?


— Será minha refém.


Gina hesitou por um instante. Não sabia nada daquele homem, que poderia lhe fazer algum mal.


Mas Potter viera até ali, atendendo ao apelo feito mais cedo. Parecia haver pouca escolha.


— Não me entregará nas mãos dele, não é?


— Não. Mas você pode nos ganhar mais tempo.


— Por que está atacando a fortaleza? — ela perguntou.


— Sou dono de Godric por direito.


Gina percebeu que não era o momento de informar que Godric fazia parte de seu dote. Especialmente por depender de Potter para conseguir a liberdade. Ele descobriria a verdade em breve.


As mãos dela empurraram a tranca de madeira, mas Potter a pôs de lado pela cintura. Ao toque, Gina ofegou de dor. Mordeu o lábio até recuperar o controle de si mesma.


— Eu vou primeiro — ele disse. — Você vem depois.


Ele abriu a porta. Gina agarrou o vestido rasgado, relutante em enfrentar Draco. Uma parte sombria de si desejava fervorosamente que Draco caísse sob a espada de Potter. Sem ele, a vida voltaria a ser como era antes.


Depois de notar que era seguro, Potter a puxou para o corredor. Gina viu outros homens, armados e prontos. Ele deu um brusco comando em grifinório, uma ordem para que os seguissem e protegessem. Com a mão sobre o pescoço de Gina, guiou-a pela escada curva até chegarem ao salão lá embaixo. Então levou uma faca à garganta dela.


— Não se mexa. Não quero que a lâmina corte sua pele.


Era estranho sentir-se segura com ele. Uma sensação de calma dominou Gina, pois Potter lhe oferecia uma segunda chance de escapar.


Quando os guardas sonserinos os viram, movimentaram-se para defendê-la.


— Não se aproximem — disse Potter, mas eles continuaram a postos. Gina vasculhou o salão à procura de Draco, mas não havia sinal dele. Isso a deixou aflita.


— Diga a Sir Draco que quero falar com ele — ordenou Potter. Um dos soldados se foi, e Potter manteve Gina diante de si. Durante angustiantes minutos, ela esperou que Draco aparecesse. A lâmina tinha esquentado sobre sua pele, mas ela não ousava se mexer. Quando Potter tocou-lhe a nuca, sua pele ficou arrepiada.


Os soldados estavam com as armas em prontidão, mas Gina sabia que, pela expressão deles, não agiriam sem receber ordens de Draco.


Mas Draco não apareceu. Em seu lugar, surgiu Sir Pedro Pettigrew. Os cabelos grisalhos estavam bagunçados, a armadura manchada de suor e sangue.


— Solte-a — ordenou. Fez menção de puxar a espada da bainha.


— Sir Pedro, espere! — gritou Gina.


Potter pressionou a faca na sua garganta.


Se não quer que ela morra, sugiro que mande seus homens baixarem as armas. E quero ver Sir Draco.


Gina observava os soldados, imaginando quando seu noivo emergiria das sombras. Não havia dúvida de que ele estava por perto. A expressão de Sir Pedro era uma combinação de fúria e hesitação. Após um instante, ele desembainhou a espada.


— Malditos Griffinórios. Não conseguem nem compreender que foram vencidos. — Sir Pedro olhou para um soldado e ordenou: — Traga o prisioneiro.


Potter ficou alerta. Gina não sabia do prisioneiro. Quando ele foi trazido, viu um garoto que mal teria 14 anos. Era magricela, com cabelo louro-avermelhado e um princípio de barba lhe cobrindo o rosto. Vinha de cabeça baixa, como se envergonhado de si mesmo.


Potter explodiu de raiva. Falava em grifinório, provavelmente para evitar que os outros o compreendessem.


— No que estava pensando, Colin? Mandei que ficasse em Hogwarts.


O garoto se encolheu.


— Sinto muito, irmão. Pensei...


— Pensou que poderia se juntar à luta? E quanto tempo demorou para que fosse capturado?


O rosto do garoto corou.


Gina não conseguiu ficar calada por mais tempo.


— Soltem-no. É só um menino.


— Que talvez não viva até se tornar homem se continuar a agir desta maneira. — Potter a apertou com mais força, sua tensão se tomando palpável.


Sir Pedro revelou um sorriso de vitória.


— Então chegamos a um acordo, Potter. Você chama seus homens de volta, devolve Lady Gina ilesa e, em troca, soltamos o menino.


— E se eu recusar?


— A escolha é sua, claro. Mas somos superiores em número. — Sir Pedro apontou com a cabeça para a parede oposta, onde arqueiros aguardavam com os arcos em prontidão. — Poderíamos matá-lo antes que seus homens largassem as armas.


Embora Sir Pedro estivesse tentando protegê-la, Gina queria praguejar contra o homem. Nos dois últimos meses, ele passava praticamente todos os dias comendo e bebendo cerveja. Não tinha erguido um dedo para resguardá-la de Draco. Mas no momento em que um grifinório tentava resgatá-la, ele decidia assumir o papel de salvador.


— Esta fortaleza era minha muito antes que os sonserinos a tomassem — disse Potter. — Esta gente é leal a mim. Não levaria muito tempo para que uma adaga se fincasse entre suas costelas qualquer noite dessas.


Sir Pedro deu de ombros.


— Isso é problema de Malfoy, não meu. Meu propósito é guardar Lady Gina até o casamento.


— Parece estar fazendo um péssimo trabalho.


A fúria eclodiu no rosto do homem e Harry a apertou com mais força. Gina conteve o fôlego, amedrontada com a faca na garganta. Embora não acreditasse que ele fosse feri-la, a menor pressão faria a lâmina deslizar.


Onde estava Draco? Gina duvidava que ele estivesse longe. Teria fugido? Ou estava tramando contra eles?


Então percebeu um leve movimento entre assombras, O brilho da ponta de uma flecha refletindo a luz do fogo. Por instinto, empurrou Potter com toda a força, exatamente quando a flecha disparou. A seta arranhou o ombro de Potter e teria acertado a garganta de Gina caso ela não tivesse se afastado a tempo.


A faca deixou sua garganta por um instante, e braços fortes a arrastaram para longe.


— Peguem-no! — ordenou uma voz.


Cinco guardas seguraram Potter. Ele lutou, golpeando com a adaga, mas havia muitos deles. Gina tentava se livrar de Sir Pedro, mas ele a segurava com firmeza. Depois de uma luta medonha, Potter foi desarmado. Segundos depois, Draco emergia das sombras. Ao vê-lo, o sangue de Gina congelou. A expressão no rosto dele parecia carinhosa, amorosa. Gina conhecia bem aquela artimanha.


Draco a tomou nos braços, acariciando o ponto onde a lâmina estivera pressionada contra sua garganta.


Eu o matarei por tocá-la. Tirando a adaga da bainha, ele olhou Potter — Poderia cortar a garganta dele agora.


Gina fechou os olhos, sabendo que nenhum prisioneiro seria libertado.


Draco traçou com o dedo o contorno do seu queixo. O gesto fez a pele de Gina se eriçar.


— Mas prefiro que ele sofra pelo que fez. Será executado pela manhã, para que todos aprendam a não atacar Godric. Ele poderá assistir ao mais novo ser enforcado primeiro.


Gina voltou-se para ele, incapaz de esconder o ódio.


— Pensei que libertaria o menino.


— Não deixo escapar ninguém que ataque o que é meu. Volte para seu quarto e tranque a porta. — Draco deu um tapinha no ombro de Sir Pedro. — Agradeço por defendê-la.


— Não foi problema. — A mão de Sir Pedro procurou a espada outra vez. — Devemos liquidar o resto deles?


Draco inclinou a cabeça. Aos soldados, ordenou:


— Protejam o pátio externo. Não poupem ninguém. — Com estas palavras, Draco colocou o eImo e saiu.


Gina se obrigou a subir a escada, cada passo mais pesado que o último. Não podia permitir que Potter morresse, não depois de tentar salvá-la. Cruzou os braços em volta das costelas doloridas, lembrando do olhar faminto de Draco. Ele se divertia com seu sofrimento. Suas mãos desceram até os quadris, trêmulas de medo, sabendo exatamente como ele pretendia machucá-la desta vez.


Existia uma última chance. Encontraria uma maneira de salvar Potter e o irmão, mesmo que isso significasse sua morte.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.